CADERNO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
Agrarian Sciences Journal
Pesquisa de matérias estranhas e avaliação físico-química de caldo-de-cana comercializado
na região de Sete Lagoas - MG
Ducilaine Eduardo Rodrigues
1
, Clarissa Ane Gonçalves
2
, Larissa Barbosa Silva
3
, Luana Sousa Silva
4
, Andréia
Marçal da Silva
5
, Mateus da Silva Junqueira
6
, Felipe Machado Trombete
7
*
Resumo
O caldo-de-cana é uma bebida obtida do esmagamento da cana-de-açúcar através de moendas, geralmente acrescido
de gelo e frutas cítricas, muito apreciado pelos consumidores e, geralmente, comercializada em feiras livres e por
ambulantes em vias públicas. Para que a obtenção do caldo-de-cana seja feita de forma segura é fundamental a adoção
de Boas Práticas relacionada com o beneficiamento, preparo, armazenamento e distribuição da bebida. Esse trabalho
teve como objetivo quantificar matérias estranhas e sujidades totais em amostras de caldo-de-cana comercializadas
em Sete Lagoas-MG. Foram coletadas 21 amostras da bebida e analisadas pelo método de filtração direta, seguido de
observações em microscópio estereoscópio e microscópio ótico acoplados com câmera digital. Do total de amostras
analisadas, 61,9% apresentaram matérias estranhas indicativas de falhas de boas práticas e 14,3% apresentaram maté-
rias estranhas indicativas de riscos à saúde humana. Com relação às análises físico-químicas, verificou-se que a acidez
expressa em ácido cítrico variou de 0,05 a 0,18%, o pH de 5,5 a 6,17 e o teor de sólidos solúveis de 16,4 a 28,6° Brix.
Pode-se concluir que apenas 23,8% estavam adequadas para consumo. As principais falhas verificadas no momento
da coleta que podem explicar tal contaminação foram a exposição da cana-de-açúcar no ambiente com presença de
vetores, falta de proteção para cabelos dos manipuladores, bem como o contato das roupas do manipulador com a
matéria-prima e o descarte incorreto dos resíduos sólidos gerados no processamento.
Palavras-chave: Microscopia de Alimentos. Garapa. Avaliação da qualidade. Feiras livres.
Determination of extraneous matters and physicochemical analysis in sugarcane juice
marketed in the region of Sete Lagoas - MG.
Abstract
Sugarcane juice, or garapa, is a beverage obtained from the crushing of sugarcane, usually added of citrus
fruit, very appreciated by Brazilian consumers and usually marketed in open markets and by street vendors.
The adoption of good practices related to the processing, preparation, storage and distribution of garapa
is of great importance to produce a safe product, under adequate hygienic conditions. This work aimed to
quantify extraneous matter and filth in sugarcane juice marketed in Sete Lagoas-MG. Twenty-one samples
were analyzed by the direct filtration method, followed by observations in a stereomicroscope and optical
microscope coupled with a digital camera. Of the total samples analyzed, 61,9% presented extraneous
1
Universidade Federal de São João del-Rei, Sete Lagoas-MG, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-3806-5833
2
Universidade Federal de São João del-Rei, Sete Lagoas-MG, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-5265-7683
3
Universidade Federal de São João del-Rei, Sete Lagoas-MG, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-8923-545X
4
Universidade Federal de São João del-Rei, Sete Lagoas-MG, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-9518-5911
5
Universidade Federal de São João del-Rei, Sete Lagoas-MG, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-3116-5070
6
Universidade Federal de São João del-Rei, Sete Lagoas-MG, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-6878-9226
7
Universidade Federal de São João del-Rei. Sete Lagoas, MG.
https://orcid.org/0000-0002-8590-4142
Recebido para publicação em 28 de abril de 2019. Aceito para publicação em 09 de agosto de 2019.
e-ISSN: 2447-6218 / ISSN: 2447-6218 / © 2009, Universidade Federal de Minas Gerais, Todos os direitos reservados.
Rodrigues, E. D. et al.
2
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matters indicating failures on good practice and 14,3% presented extraneous matters indicative of risks
to human health. Regarding the physicochemical analyzes, it was verified that the acidity expressed in
citric acid ranged from 0.05 to 0.18%, pH from 5.5 to 6.17 and the soluble solids content from 16.4 to
28.6° Brix. It can be concluded that only 23.8% of samples can be considered adequate for consumption.
The main flaws detected that may explain such contamination were the exposure of sugarcane in the
environment with presence of vectors, food handlers without protection for hair, as well as the contact
of their clothes with the raw material and incorrect disposal of solid wastes generated during processing.
Key words: Food Microscopy. Garapa. Quality assessment.
Introdução
O caldo-de-cana, também conhecido como ga-
rapa, é uma bebida obtida do esmagamento da cana-de-
-açúcar através de moendas, geralmente acrescido de gelo
e frutas cítricas. É considerada uma bebida energética,
com cerca de 18,2% de sacarose, com destaque também
para os minerais magnésio (12,5 mg/100g), cálcio (9,1
mg/100g) e vitamina C (2,8 mg/100g) (TACO, 2011).
A comercialização do caldo-de-cana em vias públicas e
em feiras municipais é tradição em muitas cidades,
que é uma bebida apreciada por muitos consumidores,
principalmente em épocas mais quentes do ano.
Na cidade de Sete Lagoas-MG, Silva et al. (2018a)
verificaram que em um grande número de feiras-livres
são comercializados desde produtos de artesanato a ali-
mentos in natura e bebidas prontas para o consumo. Em
tais feiras, muitos manipuladores não possuem informa-
ções adequadas sobre Boas Práticas de Manipulação e as
Boas Praticas de Fabricação, o que pode comprometer
a segurança dos produtos alimentícios comercializados.
São recorrentes também, na produção do caldo-de-ca-
na, práticas inadequadas tais como o armazenamento
da cana-de-açúcar em contato direto com piso, limpeza
deficiente das moendas, inexistência de uniformes ade-
quados, acúmulo de bagaço com consequente atração de
vetores, além de assepsia das mãos incorreta ou mesmo
inexistente (Caldas et al., 2018). Todas essas falhas nas
boas práticas podem acarretar a contaminação do produto
por agentes biológicos, químicos e físicos.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), através do Regulamento Técnico de
Procedimentos Higiênico-Sanitários para Manipulação
de Alimentos e Bebidas Preparados com Vegetais (Brasil,
2005), para que a obtenção do caldo-de-cana seja feita
de forma segura, em condições adequadas de higiene, é
fundamental a adoção de Boas Práticas relacionados com
o beneficiamento, preparo, armazenamento e distribuição
da bebida. A qualidade desse produto e as deficiências
em tais procedimentos têm sido verificadas por autores
de diferentes localidades, por meio principalmente de
análises microbiológicas, físico-químicas e microscópicas
(Prado et al., 2010; Brezovsky et al., 2016; Sprenger et
al., 2016).
A microscopia de alimentos é uma técnica mi-
croanalítica que pode ser utilizada como ferramenta de
controle de qualidade de bebidas e objetiva identificar
principalmente matérias estranhas físicas e sujidades
(fragmentos de origem animal), permitindo constatar se o
material analisado está adequado em relação à legislação
(Santos et al. 2017; Barbieri, 2001). As matérias estranhas
são definidas como qualquer material não constituinte do
produto, associado a condições ou práticas inadequadas,
sendo classificadas pela atual legislação sobre microscopia
de alimentos em dois grupos: i) indicativas de riscos à
saúde humana, capazes de veicular agentes e/ou causar
danos ao consumidor, abrangendo as formigas, baratas,
roedores, pombo, morcego e, ii) indicativas de falhas das
Boas Práticas, abrangendo os artrópodes, pelos humanos,
fungos filamentosos, areia, terra, entre outros (Brasil,
2014).
O objetivo do presente trabalho foi quantificar
matérias estranhas e sujidades totais em amostras de
caldo-de-cana comercializadas em feiras livres, vias pú-
blicas e estabelecimentos da região de Sete Lagoas-MG.
Material e métodos
Amostragem e local das análises
Foram coletadas, aleatoriamente, 21 amostras
de caldo-de-cana in natura comercializadas na região
de Sete Lagoas/MG, em diferentes pontos de venda, tais
como feiras livres (n=7), vias públicas (n=6) e estabe-
lecimentos comerciais (n=8). Para cada ponto de coleta
uma amostra foi adquirida. Não foram utilizados critérios
para a escolha dos pontos de venda da bebida. Para a
coleta, foram utilizadas garrafas plásticas de polietileno
com tampa rosqueável, previamente lavadas e secas. Foi
solicitado ao vendedor 300 mL da bebida, o que corres-
pondente a um copo pequeno (opção mais comum de
consumo nas feiras). O produto foi então transportado
até o Laboratório de Preparo Microscópico (LPM), do
Departamento de Engenharia de Alimentos (DEALI) da
UFSJ e congelado a -15°C até o momento das análises.
Check list para verificação das condições higiênicas
nos pontos de venda
Baseando-se na RDC 218/2005 da ANVISA
(Brasil, 2005), realizou-se uma pesquisa das condições
higiênicas nos pontos de aquisição das amostras, na for-
ma de cliente oculto, utilizando um questionário que foi
preenchido pela pesquisadora após adquirir a amostra.
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Esta pesquisa teve como objetivo avaliar os aspectos da
cana-de-açúcar e do manipulador, tais como: condições
de armazenamento da cana, se eram descascadas ou não
para a extração do caldo; local de destinação do bagaço;
se o manipulador fazia uso de proteção para cabelo e
barba; uso de avental/jaleco; presença de adornos; pre-
sença de vetores nas proximidades, dentre outros. Todas
as observações foram realizadas a fim de relacionar tais
informações com os resultados obtidos posteriormente
nas análises microscópicas.
Análise microscópica
As matérias estranhas foram isoladas das amos-
tras por filtração direta em papel filtro, de acordo com
os procedimentos descritos no método 945.75 da As-
sociation of Official Analytical Chemists (AOAC, 2016),
conforme descrito a seguir. As amostras de caldo-de-cana
foram descongeladas por cerca de 2 h em temperatura
ambiente e todo o conteúdo foi filtrado através de papel
filtro qualitativo (125 mm, Unifil), com auxílio de vácuo
(bomba Marconi MA059). A primeira parte do material
filtrado foi destinada as análises físico-químicas. Todo
o material em contato com o caldo-de-cana foi lavado
utilizando jatos de água destilada, objetivando coletar
todos os fragmentos que poderiam permanecer no frasco.
Essa segunda filtragem foi desprezada e o filtro de papel
contendo os fragmentos retidos foi transferido para uma
placa de Petri, identificado e congelado até o momento
das observações microscópicas.
Para a identificação dos fragmentos retidos no
filtro foi utilizado um microscópio estereoscópio (ZEISS
Primo Star), e um microscópio ótico (ZEISS Stemi 2000-C)
ambos acoplados com câmera (ZEISS Axiocam ERc5s).
Inicialmente, procedeu-se a observação no estereoscópio
com aumento de 7 vezes. Os fragmentos foram então
coletados com auxílio de palito de madeira e glicerina,
sendo transferidos para lâminas contendo água destilada
e cobertos com lamínula, a fim de confirmação no micros-
cópio ótico (quando necessário), utilizando aumento de
40, 100 e 400 vezes. A identificação dos fragmentos de
insetos, pelos e demais matérias estranhas e sujidades
basearam-se nas referências de Barbieri (2001) e Oliveira
et al. (2015).
Análise físico-química
As amostras foram analisadas quanto aos seguin-
tes parâmetros físico-químicos: pH, acidez total titulá-
vel e teor de sólidos solúveis, utilizando metodologias
propostas pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL, 2008). O pH
foi verificado com auxílio de um pHmetro (mPA210 MS
Tecnopon), previamente calibrado com soluções tam-
pão 4,0 e 7,0, através da imersão direta do eletrodo na
amostra (método 17/IV). O teor de sólidos solúveis foi
verificado através da amostra colocada sobre o prisma de
um refratômetro (AtagoPAL-2), conforme método 315/
IV. A acidez total titulável foi determinada conforme o
método 253/IV, utilizando 10 mL de amostra e 30 mL
de água destilada, sendo então adicionadas 3 gotas de
fenolftaleína e titulado com solução de NaOH (0,1 M).
O ponto de viragem foi verificado quando a amostra
apresentou pH entre 8,2-8,4. O volume de NaOH (mL)
gasto na titulação foi anotado e a acidez foi expressa em
g de ácido cítrico/100 mL da bebida, conforme o método
312/IV, utilizando a fórmula abaixo:
G DE ÁCIDO CÍTRICO/100 ML (EQ. 1)
Onde:
V = volume da solução de NaOH 0,1 M em mL
M = molaridade da solução de NaOH
P = volume pipetado da amostra em mL
PM = peso molecular do ácido cítrico (192 g)
N = número de hidrogênios ionizáveis (n=3)
F = fator de correção da solução de hidróxido
de sódio
Resultados e Discussão
Por meio da pesquisa por cliente oculto foram ob-
servadas importantes falhas de higiene na manipulação da
cana-de-açúcar, bem como durante e seu processamento.
Em 26,6% dos pontos verificados a cana não apresentava-
-se limpa ou lavada e em 86,7% não estava armazenada
em local apropriado, como por exemplo, sobre prateleiras
ou paletes impermeável e lavável, protegido de vetores
e pragas, conforme determina a legislação. Em 93,33%
dos pontos visitado a cana-de-açúcar não era descasca-
da antes de ser moída, e 100% dos manipuladores não
descascava a cana fora do local de trabalho. Mais da
metade dos vendedores (53,33%) não utilizava cabelos
protegidos por toucas, rede ou boné, o que pode acarretar
na presença de pelos, tanto na matéria-prima quanto já
na bebida pronta. Em 20% dos locais visitados os mani-
puladores possuíam barba desprotegida. Foi observado
também que 66,7% dos vendedores que manipularam a
cana também receberam o pagamento em dinheiro, sem
realizar posteriormente algum procedimento de assepsia.
A moenda aparenta estar em boas condições de
limpeza e higiene (ferrugem, sujeira, graxa aparente)
nos locais visitados (86,67%), outro ponto importante
verificado foi a presença de animais nas proximidades dos
pontos de coleta das amostras, onde, em cerca de metade
dos locais visitados (53,3%) foi observada principalmente
a presença de pombos, moscas e abelha arapuã (Trigona
spinipes). A maioria (60%) também não possuía local para
lavagem das mãos .Verificou-se também 93,3% dos locais
é comum o acúmulo de bagaço nas proximidades do local
de processamento, oferecendo condições para atração
de vetores, uma vez que a maioria dos comerciantes os
descarta apenas uma vez por dia e no final do expediente.
Em 86,7% não utilizavam uniformes ou proteções como
aventais e jalecos e o uso de anéis, brincos e relógios foi
verificado em 93,3% dos manipuladores.
Rodrigues, E. D. et al.
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Outro ponto importante observado é o armaze-
namento do caldo residual que sobra entre as vendas, o
qual é mantido sem refrigeração e misturado com o caldo
da nova extração. Esse fato também foi verificado por
Caldas et al. (2018) e, juntamente com as demais falhas
observadas na presente pesquisa, podem constituir em
grave problema de saúde pública, uma vez que o caldo-
-de-cana é um produto de alta atividade de água, rico
em açúcares e oferece excelente meio para crescimento
de micro-organismos deteriorantes e patogênicos (Silva
et al., 2018b), somado ao fato de ter alto consumo e
aceitação pelos consumidores.
Felipe e Miguel (2011) e Gassen et al. (2017)
também relataram problemas semelhantes aos verificados
no presente estudo, tais como cabelos desprotegidos,
utilização de adornos e ausência de locais para lavagem
das mãos, demonstrando serem problemas recorrentes
em diferentes localidades.
As inconformidades com a legislação observadas
no check list durante a pesquisa por cliente oculto justifi-
cam a presença dos fragmentos encontrados na análise
microscópica (Figura 1). Das 21 amostras avaliadas,
em 16 (76,2%) foram encontradas matérias estranhas
como fibras de tecidos e fungo filamentoso, além de
sujidades representadas principalmente por fragmentos
de insetos, insetos inteiros, pelos e bárbulas de pombo.
Em uma mesma amostra foram encontrados fragmentos
de insetos, pelo e fibras de tecido, indicando total falha
nas Boas Práticas. Em outra amostra foram encontrados
dois pelos humanos e, nesse mesmo ponto de coleta, foi
observado que o manipulador não fazia uso de proteção
nos cabelos (Figura 2A), o que pode justificar tal fato.
Também, foi verificada a presença de bárbulas de pombo
em uma amostra, sendo evidenciada no ponto de coleta
de tal produto a presença de pombos próximos ao local
de processamento da bebida (Figura 2B), nesse mesmo
local, também verificou-se que a roupa do manipulador
estava em contato direto com a cana-de-açúcar, o que pode
justificar a presença de 9 fragmentos de fibra de tecido
na mesma amostra. Em outra amostra foi encontrada um
pelo, um fragmento de inseto e dez matérias estranhas,
no ponto de coleta foi observado que o manipulador não
usava roupas apropriadas e o descarte do bagaço era feito
direto no chão. Foi encontrado em uma mesma amostra
quatro formigas inteiras e 2 fragmentos de formigas,
representando um risco a saúde.
Em outra amostra foi encontrada uma formiga
inteira, além de fibras de tecidos. A presença de fragmen-
tos de insetos também foi verificada em uma amostra
onde o caldo-de-cana era comercializado em uma rodo-
via, embaixo de árvores e o descarte do bagaço era feito
no chão do próprio local, fatores estes que favorecem a
aproximação de insetos (Figura 2C). A presença de inse-
tos como as formigas, pode passar a falsa impressão de
não representar um perigo. No entanto, conforme apre-
sentado por Fontana et al. (2010) e Sousa et al. (2016),
tais insetos são vetores de várias bactérias, tais como
Escherichia coli, Arizona ssp., Enterobacter spp., Klebsiella
spp, Hafnia spp., Yersinia enterocolitica e Staphylococcus
Coagulase Negativa, Staphylococcus aureus Coagulase
Positiva, Staphylococcus epidermidis, dentre outros, que
podem causar importantes doenças.
Figura 1 – Imagens obtidas na análise microscópica de amostras de caldo-de-cana comercializadas na região de Sete
Lagoas - MG.
Identificação: A: Pelo (aumento de 50x). B: Fragmento de inseto (100 x). C: Pelo (400 x). D: Bárbula de pombo (100 x). E: Formiga (50x). F: Bárbula
de pombo (40x). G- Pelo (100 x). H: Fibra de tecido (100x).
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De acordo com o Regulamento Técnico de Proce-
dimentos Higiênico-Sanitários para Manipulação de Ali-
mentos e Bebidas Preparados com Vegetais (Brasil, 2005),
quaisquer substâncias ou agentes de origem biológica,
química ou física, estranhos às bebidas que sejam consi-
derados nocivos à saúde humana ou que comprometam
a sua integridade são considerados contaminantes. Dessa
forma, pode-se afirmar que pelos resultados obtidos das
avaliações microscópicas, apenas 23,80% das amostras
podem ser consideradas adequadas para consumo, não
representando um risco para a saúde ou falhas nas boas
práticas. Em 61,90% foram encontradas matérias estra-
nhas indicativas de falhas de boas práticas e em 14,30%
foram encontradas matérias estranhas indicativas de
riscos à saúde humana.
Outros autores também relataram problemas
relacionados com a obtenção higiênica do caldo-de-ca-
na. Em um estudo realizado por Prado et al. (2010), na
cidade de Ribeirão Preto - SP, foi verificada a presença
de diferentes tipos de sujidades, tais como asas, patas e
antenas de insetos, além de contaminação por pelos de
roedores e fibras sintéticas. Sprenger et al. (2016) também
relataram a presença de fibras sintéticas nas amostras de
caldo-de-cana, representando falhas nas boas práticas de
produção.
Figura 2 – Coleta das amostras de caldo-de-cana comercializado no município de Sete Lagoas - MG.
Inconformidades verificadas: A- Cabelo sem proteção, cana-de-açúcar desprotegida, saco com lixo próximo a moenda; B - Presença de pombo,
roupa do manipulador em contato direto com a cana-de-açúcar, acúmulo de lixo próximo a moenda; C - Cabelo sem proteção, acumulo de resíduos
próximos a moenda, comercialização em local aberto coberto por árvores.
Com relação as análises físico-químicas, verificou-
-se que a acidez expressa em ácido cítrico variou de 0,05
a 0,18%, o pH de 5,5 a 6,17 e o teor de sólidos solúveis
de 16,4 a 28,6° Brix. Tais valores são semelhantes aos
reportados por Kunitake (2012) e Andrade (2014), que
encontraram para caldo-de-cana fresco acidez de 0,04 a
0,07% (em ácido cítrico), pH entre 5,0 a 5,6; e sólidos
solúveis de 15,2 a 23,6° Brix. A grande variação no teor de
açúcares presentes nos caldo-de-cana avaliados pode ser
explicada pelo fato de não ser um produto padronizado,
sendo utilizadas cultivares diferentes de cana-de-açúcar
para a extração do caldo e também com diferente grau
de maturação. Não existem parâmetros físico-químicos
para a qualidade do caldo-de-cana e, no presente estudo
não foi possível associar tais resultados com aqueles das
análises microscópicas e com os obtidos no check list.
Conclusão
Das 21 amostras de caldo-de-cana in natura
comercializadas na região de Sete Lagoas/MG, 61,9%
apresentaram matérias estranhas indicativas de falhas
de boas práticas e 14,3% apresentaram matérias estra-
nhas indicativas de riscos à saúde humana. Do total de
amostras analisadas, apenas 23,8% podem ser consi-
deradas adequadas para consumo. As principais falhas
verificadas no momento da coleta das bebidas foram a
exposição da cana-de-açúcar no ambiente com presença
de vetores, falta de proteção para cabelos dos manipula-
dores, bem como o contato das roupas do manipulador
com a matéria-prima e o descarte incorreto dos resíduos
sólidos gerados no processamento. Com relação às aná-
lises físico-químicas, verificou-se que os valores obtidos
foram característicos da bebida. É importante ressaltar a
necessidade da realização de programas de capacitação
e treinamento com tais manipulares, como forma de
orientar as práticas de higiene e técnicas adequadas de
manipulação, garantindo a inocuidade do caldo-de-cana
e, consequentemente, prevenindo a contaminação do
produto.
Rodrigues, E. D. et al.
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