Controle da dor em bovinos: revisão bibliográfica
Jackson Schade
1
*, Michail Sabino Moroz
2
, Anderson Fernando de Souza
3
, Beatriz Tofani Maia
4
, Juliana Massitel Curti
5
,
Gustavo Romero Gonçalves
6
, Peterson Triches Dornbusch
7
DOI: https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.26317
Resumo
Com a crescente preocupação social quanto ao tratamento moral e ético dos animais de produção, o controle da dor em bovinos
é um tema de grande relevância. Levando em consideração que os animais de produção são os que mais sofrem com a dor
dentre os animais domésticos, faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias e alternativas que minimizem o sofrimento e
melhorem a qualidade de vida destes animais. É de extrema relevância conhecer as vias fisiopatológicas da dor, bem como
classificá-las como adaptativa ou não adaptativa, crônica ou aguda, levando em consideração aspectos como intensidade e
duração do estímulo doloroso. A utilização de estratégias que minimizem e previnam a ocorrência da dor é importante
principalmente em casos de dor aguda resultante de procedimentos cirúrgicos. A utilização de anestésicos locais, anti-
inflamatórios (esteroidais e não esteroidais), analgésicos sedativos (alfa-2 agonistas, opioides e antagonistas dos receptores
NMDA), bem como possíveis associações, tem se mostrado eficaz em bovinos. Entretanto, vale ressaltar que para a utilização
dos diferentes fármacos disponíveis, é necessário o conhecimento de farmacocinética, início de ação, duração, técnicas e vias
de administração. A compreensão dos me- canismos associados à dor, bem como a seleção racional de fármacos, é necessária
para que o subsequente tratamento da dor obtenha êxito, evitando assim, casos de progressão de dor aguda em crônica, que
possam tornar o paciente refratário ao tratamento. O objetivo do presente trabalho é descrever as vias fisiopatológicas da dor,
bem como as características dos principais fármacos disponíveis para o tratamento da dor em bovinos.
Palavras-chave:
Bem estar animal. Qualidade de vida. Ruminante. Terapia Analgésica.
Pain control in cattle: literature review
Abstract
With the growing social concern about the moral and ethical treatment of farm animals, pain control in cattle is a topic of
great relevance. Whereas farm animals suffer the most from pain among domestic animals, it is necessary to develop
strategies and alternatives that minimize suffering and improve the quality of life of these animals. It is extremely important
to know the pathophysiological pathways of pain, as well as to classify it as adaptive or non-a- daptive, chronic or acute,
taking into account aspects such as intensity and duration of the painful stimulus. The use
Recebido para publicação em 17 de novembro de 2020. Aceito para publicação em 02 de fevereiro de 2021.
e-ISSN: 2447-6218 /
ISSN: 2447-6218. Atribuição CC BY.
CADERNO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
Agrarian Sciences Journal
2
Schade, J. et al.
of strategies that minimize and prevent the occurrence of pain is important, especially in cases of acute pain resulting
from
surgical procedures. The use of local anesthetics, anti-inflammatory drugs (steroidal and non-steroidal), sedative
analgesics (alpha-
2 agonists, opioids and NMDA receptor antagonists), as well as possible associations, have been shown to be effective in
cattle. However, is necessary to knowledge the pharmacokinetics, such as onset of action, duration, techniques and routes of
administration, which are different for the different types of drugs available. For the pain management to be successful, it is
necessary to understand the mechanisms associated with pain as well as the rational selection of drugs, avoiding cases of acute
chronic pain progression, which may lead the patient refractory to treatment. Thus, the aim of the present study is to describe the
pathophysiological pathways of pain, as well as the characteristics of the main drugs available for treatment of pain in cattle.
Keywords:
Analgesic therapy. Animal welfare. Quality of life. Ruminant.
Introdução
Os animais de produção são os que mais sofrem
com a dor entre os animais domésticos. Condições clíni- cas
dolorosas e a realização de procedimentos cirúrgicos cruentos
com a finalidade de aumentar a capacidade
produtiva ou
corrigir problemas relacionados com a pro-
dução são
frequentes nestas espécies (Luna, 2008). Dor de origem
iatrogênica devido à realização de procedi- mentos
cirúrgicos, tais como, descorna ou castração, ou
associados a
doenças, incluindo claudicações, desordens abdominais ou
infecções são frequentemente observados
em bovinos (Stock e
Coetzee, 2015). No entanto, a pro- filaxia para a dor ou o
tratamento analgésico são muitas vezes negligenciados
(Luna, 2008).
Dor em animais
Dor é definida pela International Association for the
Study of Pain (IASP) como “experiência sensorial e/
ou
emocional desagradável associada à lesão tecidual real
ou
potencial, ou descrita em termos de tal lesão”. Esta
definição, embora estabelecida para seres humanos, tem sido
uniformemente aplicada para animais (Hellebrekers,
2002),
sendo extremamente ampla e aberta para inter- pretação
(Leslie e Petersson-Wolfe, 2012). Trata-se de uma
experiência subjetiva acompanhada de alterações
emocionais como medo, ansiedade e até mesmo pânico
(Andrade e Cassu, 2008).
Atualmente, a preocupação social quanto ao
tratamento moral e ético dos animais de produção es se
tornando cada vez mais frequente (Rollin, 2004). Neste
contexto, o controle da dor deveria ser considerado para
minimizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida
destes animais (Anderson e Muir, 2005a). A administração
de
fármacos para o alívio da dor em bovinos é variável entre
Médicos Veterinários (Anderson e Edmondson, 2013). Em
um levantamento realizado no Canadá, 6,9% dos bezerros de
corte e 18,7% dos bezerros leiteiros sub-
metidos a castração
receberam medicação analgésica por
Médicos Veterinários
(Hewson et al., 2007). Em outro
estudo, realizado no Reino
Unido, os Médicos Veterinários questionados utilizavam pelo
menos um fármaco analgé- sico (AINE (anti-inflamatório não
esteroidal),
2-agonista
ou anestésico local) em cirurgias de
castração (74,9%), descorna (98,8%) e cesariana (99,7%),
entre outros procedimentos (Huxley e Whay, 2006).
No passado, acreditava-se que os animais não
possuíam qualquer sensação de dor, da forma como o ser
humano a conhecia, pois eram, em geral, considerados
inferiores ao homem do ponto de vista evolutivo ou de
desenvolvimento (Leslie e Petersson-Wolfe, 2012). De
acordo com o princípio de analogia, se os animais possuem
elementos neurais e consequências biológicas (fisiológi- cas,
neuroendócrinas e comportamentais) semelhantes, se não
iguais aos humanos, é muito provável que sintam dor de
forma parecida (Anderson e Muir, 2005a).
A dor pode ser classificada de maneira ampla em
adaptativa e não adaptativa. A dor adaptativa aumenta o
potencial de sobrevivência por proteger o animal de uma
lesão e promover a cura. Pelo contrário, a dor não
adaptativa
é uma doença criada por processos patológicos
que resultam na
persistência da dor muito tempo depois
que a causa inicial foi
removida (Anderson e Muir, 2005b).
Dor adaptativa
O objetivo do presente trabalho é descrever as vias
fisiopatológicas da dor em animais, bem como as
características dos principais fármacos disponíveis para o
controle da dor em bovinos.
O componente fisiológico da dor é chamado de
nocicepção, que consiste dos processos de transdução,
transmissão, modulação, projeção e percepção dos sinais
neurais gerados em resposta a um estímulo nocivo (An-
derson e Muir, 2005b; Klaumann et al., 2008).
Metodologia
Uma busca bibliográfica foi realizada nas bases
de
dados Google Scholar, ScienceDirect, PubMed, Scielo e CAB
Abstracts, utilizando os termos: “farm animals”, “food
animals”
“bovine”, “cattle”, “cow”, “pain”, “analgesia”. Não houve
restrição de data de publicação ou idioma.
Receptores de auto limiar (nociceptores) locali-
zados nas terminações nervosas aferentes finas ou não
mielinizadas A e C, respectivamente (fibras aferentes
primárias), codificam o estímulo nocivo (mecânico, tér-
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Controle da dor em bovinos: Revisão bibliográfica
mico ou químico) em potenciais de ação (transdução), que
são transmitidos para o corno dorsal da medula espinhal
pelas fibras aferentes primárias, liberando glu- tamato na
membrana pré-sináptica (transmissão). Os receptores -
amino-3hidroxi-5-metil-4-isoxazolpropiô- nico (AMPA) e
kainato (KA) presentes na membrana
pós-sináptica (neurônio
de segunda ordem) são ativados
pelo glutamato e atuam
como mediadores primários da transmissão excitatória rápida
da dor (Anderson e Muir, 2005a). Os neurônios de segunda
ordem formam um
complexo sistema de vias diretas e
indiretas de transmis-
são de informações nociceptivas que
enviam o estímulo ao tálamo, mesencéfalo, sistema límbico
e formação reticular. Estes centros nervosos são
responsáveis pela percepção da dor, incluindo a localização
e intensidade, bem como aspectos afetivos e cognitivos
(Klaumann et al., 2008). As informações sensoriais
recebidas pelo en- céfalo são moduladas por vias
excitatórias e inibitórias
descendentes (Anderson e Muir,
2005b). Estas projeções
descendentes podem inibir a
descarga dos neurônios de segunda ordem, atuando
diretamente sobre eles por ini- bição de interneurônios
excitatórios ou por estimulação de interneurônios inibitórios
(Klaumann et al., 2008). A inibição descendente é mediada
principalmente por serotonina, noradrenalina e opioides
endógenos. Estas
substâncias hiperpolarizam os neurônios do
corno dorsal,
tornando-os menos sensíveis aos estímulos
nociceptivos (Rang et al., 2007). Na ausência de lesão
tecidual, dor é considerada como sendo “fisiológica” e
consiste em uma resposta protetora que utiliza as vias
sensoriais normais, sinalizando o potencial para o
desenvolvimento de uma lesão tecidual (Anderson e Muir,
2005a).
A sensibilização central consiste em alteração
dinâmica na excitabilidade dos neurônios do corno dorsal,
que
modifica suas propriedades nos campos receptivos
(Klaumann et al., 2008). Os estímulos periféricos per-
sistentes, provenientes do tecido danificado, resultam em
aumento da liberação de substância P, neurocinina A,
neurotrofinas e glutamato nos terminais centrais da fibra
aferente primária (Kamerling, 2006). Estímulos frequentes
das fibras aferentes geram a somação dos potenciais de
ação e consequente despolarização pós-
-sináptica cumulativa. O glutamato ativa os receptores N-
metil-D-aspartato (NMDA), o qual é fosforilado para
deslocar o bloqueio exercido pelo íon magnésio (“wind
up”).
A ativação dos receptores NMDA conduz ao aumento da
concentração de cálcio nos neurônios do corno dorsal,
resultando em aumento da excitabilidade e descargas
ectópicas espontâneas. A produção de substâncias sen-
sibilizadoras (prostaglandinas) pelas células gliais em
resposta ao aumento da concentração de citocinas no
líquido
cerebroespinhal (TNF
e IL-1) também contribui
para o
aumento da excitabilidade neuronal sensorial no corno dorsal
(Anderson e Muir, 2005b). Como resultado
do processamento
central alterado no corno dorsal da me-
dula espinhal, as fibras
A que antes respondiam apenas às sensações inócuas, são
agora recrutadas gerando dor (Klaumann et al., 2008). Dessa
forma, acredita-se que a sensibilização dos neurônios do
corno dorsal (sensibili- zação central) seja responsável pela
sensação dolorosa a estímulos que habitualmente não
causariam dor fora da área de lesão (alodinia) (Anderson e
Muir, 2005a).
A extensão da sensibilização central da medula
espinhal para o cérebro leva ao desenvolvimento ou
modificação de padrões de memória e é responsável por
mudanças no comportamento do animal. Dor intensa ou
contínua conduz a alterações bioquímicas (transcri- cional)
nos neurônios do corno dorsal, promovendo o
desenvolvimento de estados de dor crônica causados por
mudanças no fenótipo neuronal (neuroplasticidade). O
desenvolvimento de sensibilização periférica e sensibiliza- ção
central representam um processo doloroso contínuo,
que existe
em consequência de dor contínua, incessante e não tratada
(Anderson e Muir, 2005b).
Dor não adaptativa
Quando o estímulo nocivo é suficiente para causar
lesão no tecido ou nervo, com consequente resposta infla-
matória, a dor é considerada patológica e frequentemente
envolve o desenvolvimento de sensibilização periférica e
sensibilização central (Anderson e Muir, 2005a). O
processo inflamatório associado a lesão inclui eventos
vasculares e celulares que resultam da liberação de me-
diadores químicos, migração de células inflamatórias e
ativação de cascatas enzimáticas (Rang et al., 2007). A
sensibilização periférica associada a inflamação ocorre com
a liberação e disseminação local de íons hidrogênio e
potássio, prostaglandinas (PGE2 e PGI2), histamina,
serotonina, bradicinina, noradrenalina, substância P, ci-
tocinas (TNF, IL-1 e 6) e quimiocinas (Hellebrekers,
2002; Kamerling, 2006). Estas substâncias atuam siner-
gicamente, produzindo uma “sopa sensibilizadora”, que
diminui o limiar dos nociceptores e ativa nociceptores
silenciosos. Como consequência, o estímulo que antes era
percebido como inócuo (não doloroso) passa a ser uma
experiência dolorosa (Hellebrekers, 2002; Klaumann et al.,
2008), resultando em uma zona de hiperalgesia pri- mária.
Vasodilatação local e extravasamento de plasma
resulta em
amplificação da resposta inflamatória e a pro- pagação da
hipersensibilidade para os tecidos adjacentes
(hiperalgesia
secundária) (Anderson e Muir, 2005a).
Controle da dor em bovinos
A intensidade e a duração do estímulo doloroso é de
grande importância na seleção de fármacos para o tra- tamento
da dor. Por exemplo, animais que apresentam dor aguda como
observado em fraturas, apresentam resposta
mais favorável a
terapia analgésica quando comparados
com animais
portadores de dor crônica relacionada a uma
úlcera de sola
(Anderson e Muir, 2005a). Além disso, a abordagem
analgésica deve ser diferenciada entre casos agudos e
crônicos. A progressão da dor aguda para a
doença crônica
pode resultar em alterações neurológicas, tornando o paciente
refratário ao tratamento analgésico.
Nestes casos, fármacos
utilizados no tratamento de dor neuropática podem ser uma
alternativa eficaz para o tratamento (Stock e Coetzee,
2015).
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Schade, J. et al.
A dor aguda resultante de procedimentos ci-
rúrgicos pode ser facilmente controlada por meio de
estratégias que previnam a sua ocorrência (Anderson e Muir,
2005b). Analgesia preventiva envolve a adminis- tração de
analgésicos antes que a lesão tecidual ocorra,
minimizando a
dor pós-cirúrgica, além de promover curto
período de
recuperação do paciente (Klaumann et al., 2008). O
principal objetivo é evitar o desenvolvimento de
sensibilização periférica e central, prevenindo a dor e
tornando-a mais fácil de controlar (Hellebrekers, 2002).
Entretanto, esta modalidade não elimina a necessidade de
analgésicos no período pós-operatório (Klaumann et al.,
2008).
provocar efeitos indesejáveis como agitação e taquicardia
(Fantoni et al., 2006).
Exemplos de anestésicos locais disponíveis são o
cloridrato de lidocaína e o cloridrato de bupivacaína
(Coetzee, 2011). Lidocaína a 2% é o anestésico local mais
comumente utilizado em bovinos, devido a sua boa eficácia,
curto período de latência, menor risco de
toxicidade e baixo
custo (Anderson e Edmondson, 2013).
Após administração, o
início de ação ocorre em 2 a 5 minutos e persiste por
aproximadamente 90 minutos, o
qual pode ser aumentado
para 120 minutos com a adição
do vasoconstritor adrenalina.
A bupivacaína apresenta como vantagem um longo período
de ação (2 a 4 horas) (Fantoni et al., 2006), entretanto, o
período de latência prolongado (20 a 30 minutos), além do
alto custo e maior risco de toxicidade tornam este fármaco
menos
interessante para uso na espécie bovina (Coetzee,
2011).
Outra estratégia que visa maximizar o sucesso da
terapia analgésica é o conceito de analgesia multimodal
ou
balanceada. Esta modalidade consiste na combinação
de
analgésicos de diferentes classes farmacológicas e/ou
vias de
administração para atuar em diferentes pontos ao longo da via
nociceptiva, resultando em controle mais efi- caz da dor
(Anderson e Edmondson, 2013). Desta forma, analgesia
multimodal em bovinos pode ser alcançada com a combinação
de anestésicos locais, anti-inflamatórios não
esteroides
(AINE), 2-agonistas, opioides, antagonistas dos receptores
NMDA e antagonistas da dor neuropática (Anderson e Muir,
2005a).
Diversas técnicas de administração podem ser
utilizadas em bovinos, incluindo anestesia infiltrativa (bo-
tão
anestésico ou infiltrativa local), bloqueio perineural,
anestesia
regional (“L” invertido, epidural e paravertebral) e anestesia
intravenosa regional (bloqueio de Bier) (Fan-
toni e
Cortopassi, 2008; Anderson e Edmondson, 2013).
A anestesia epidural pode ser realizada no es- paço
sacrococcígeo (S5-Co1, epidural caudal alta) ou
intercoccígeo (Co1-Co2, epidural caudal baixa). Quando
se
deseja analgesia da região perineal, com o animal em
estação,
um volume baixo de lidocaína (0,5-1,0mL/50kg
de peso vivo)
deverá ser administrado. Por outro lado, a
administração de
maior volume (1mL/50kg de peso vivo)
é necessário para
analgesia da região pélvica e abdomi- nal. No entanto,
quando maior volume é administrado ocorre o bloqueio dos
nervos motores e o procedimento
deverá ser,
obrigatoriamente, realizado com o animal em
decúbito
(Anderson e Edmondson, 2013).
Anestésicos locais
Os anestésicos locais são os fármacos mais co-
mumente utilizados para promover analgesia preventiva
em
animais de produção, atuando na prevenção da dor
incisional
durante cirurgias (Anderson e Muir, 2005a). O
mecanismo de
ação consiste no bloqueio reversível dos canais de sódio,
impedindo a despolarização da fibra e a condução do
impulso nervoso, causando a perda da sensibilidade
dolorosa (Andrade e Cassu, 2008). Os
anestésicos locais são
bases fracas e para que exerçam seu efeito devem se dissociar
em meio alcalino (Fantoni et al.,
2006). Em tecidos infectados,
inflamados ou isquêmicos a qualidade da anestesia local é
frequentemente pobre, pois o meio relativamente ácido
nestes tecidos inibe a dissociação da droga (Anderson e
Edmondson, 2013).
Para anestesias infiltrativas, muitas vezes é neces-
sária a administração de grandes volumes de anestésico local.
Nestes casos, o volume de lidocaína administrado não deve
ultrapassar a dose xima de 7mg/kg. Entre- tanto, quando
associado a adrenalina, a dose máxima poderá ser elevada
para 9mg/kg (Fantoni e Cortopassi, 2008). Quando o volume
administrado é maior que o estipulado como dose máxima,
sinais de intoxicação por anestésico local podem ocorrer e
consistem em sinais neurológicos (dormência, torpor,
tremores musculares, perda da consciência, convulsão, coma
e apneia) e car- diovasculares (depressão miocárdica)
(Fantoni et al., 2006).
A absorção do anestésico local determina a sua
duração de ação e é influenciada pelo fluxo sanguíneo do
tecido e a passagem para o compartimento intravascular.
Além
disso, quanto maior a absorção, maior o risco de toxicidade
(Fantoni et al., 2006). Uma alternativa para diminuir a
velocidade de absorção dos anestésicos locais
é a adição de
vasoconstrictores como a adrenalina (Stock
e Coetzee, 2015).
Esta associação, além de diminuir o risco de toxicidade,
aumenta de modo significativo a duração do efeito.
Apresentações comerciais contendo
associação de
anestésicos locais e adrenalina estão dispo-
níveis
comercialmente. No entanto, a sua administração deve ser
evitada em extremidades, pois a redução do
consumo de
oxigênio tecidual, associado à vasoconstrição,
pode causar
hipóxia e necrose nestes locais. Além disto, a administração
intravenosa dos vasoconstritores pode
Anti-inflamatórios
Os fármacos anti-inflamatórios incluem os an- ti-
inflamatórios esteroides, conhecidos também como
corticosteroides, e os anti-inflamatórios não esteroides
(AINE) (Anderson e Edmondson, 2013).
Cad. Ciênc. Ag., v. 13, p. 0109, https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.26317
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Controle da dor em bovinos: Revisão bibliográfica
O uso de corticosteroides para o controle da dor e
inflamação associados a procedimentos cirúrgicos, apesar de
utilizado por muitos profissionais, não é recomendado devido à
preocupação com o risco aumentado de infecção
e inibição da
cicatrização (Stock e Coetzee, 2015).
os quais incluem o ácido acetilsalicílico (AAS), diclofe-
naco, fenilbutazona, flunixin meglumine, piroxicam e
cetoprofeno. Devido à forte inibição da isoforma cons-
titutiva COX-1, estes fármacos apresentam maior risco para
o desenvolvimento de efeitos adversos como úlcera de
abomaso e insuficiência renal aguda especialmente em
animais desidratados. Os AINE preferenciais COX-2 foram
a primeira geração de AINE desenvolvidos com o objetivo
de diminuir a ocorrência de efeitos adversos relacionados a
inibição da enzima COX-1, sendo o me- loxicam e o
carprofeno, os principais representantes. A
segunda geração
de AINE seletivos COX-2 foram lançados
mais recentemente
e são considerados os mais seguros quanto ao
desenvolvimento de efeitos adversos, sendo o seu
representante em Medicina Veterinária o firocoxibe
(Tasaka,
2006; Jericó e Andrade, 2008; Steagall e Rocha, 2012).
Entretanto, este rmaco ainda não está disponível para
administração em bovinos (Stock e Coetzee, 2015).
Os AINE são os fármacos mais comumente uti-
lizados no controle da dor leve a moderada, em espe- cial,
no manejo da dor crônica, tanto em seres humanos
quanto na
Medicina Veterinária (Andrade e Cassu, 2008). Apresentam
efeitos anti-inflamatório analgésico e antipi-
rético, os quais
são relacionados ao bloqueio da enzima cicloxigenase
(COX) e consequente inibição da produ- ção de
prostaglandinas a partir do ácido araquidônico (Tasaka,
2006). COX-1 e COX-2 são as duas principais
isoformas da
enzima COX. A COX-1 é expressa de maneira
constitutiva,
sendo responsável pela produção de pros- taglandinas
envolvidas na manutenção da homeostase,
incluindo a
diminuição da acidez abomasal e manutenção do fluxo
sanguíneo renal. A COX-2 é expressa de maneira
induzida,
produzindo prostaglandinas (PGE-2, PGI-2) relacionadas
com o processo inflamatório. Desta forma são responsáveis
por vasodilatação local, hiperalgesia e potencialização de
efeitos de outros mediadores como bradicinina e histamina,
responsáveis por hiperalgesia e aumento da permeabilidade
vascular (Rang et al., 2007; Andrade e Cassu, 2008).
Outros analgésicos (anestésicos locais, xilazi- na,
opioides e cetamina), atuam inibindo a detecção ou
intensidade da dor por bloquear um ponto específico da
via nociceptiva. Entretanto, esses fármacos não tra- tam o
processo responsável pela persistência da dor. O
desenvolvimento de sensibilização periférica e central,
como visto anteriormente, são provocados pelo processo
inflamatório envolvido com a lesão tecidual. Dessa forma,
os
AINE constituem parte fundamental para a terapia
multimodal da dor, uma vez que atuam diminuindo o
processo inflamatório (Anderson e Muir, 2005a). Os
principais AINE utilizados em bovinos e suas respectivas
doses, via e frequência de administração estão expostos na
Tabela 1.
Os AINE podem ser classificados de acordo com a
capacidade de inibição das isoformas COX-1 e COX-2.
Dessa forma, podem ser divididos em não seletivos, pre-
ferenciais COX-2 e seletivos COX-2. Os AINE não seletivos
foram inicialmente desenvolvidos e atuam inibindo as
enzimas COX-1 e COX-2 em proporções semelhantes,
Tabela 1 Dose, via e frequência de administração (horas) dos principais anti-inflamatórios não esteroides (AINE) utilizados
em bovinos.
Fármaco
Dose (mg/kg)
Via de administração
Freqncia (h)
Flunixin meglumine
1,1-2,2
4,0-8,0
4,0
0,5
0,5-1,0
3,0
1,4
1,0
50-100
50
0,5
IM ou IV
VO
IV
IM ou IV
VO
IM ou IV
SC ou IV
SC, IM ou IV
VO
SC, IM ou IV
VO ou IV
12-24
24-48
24
24
24-48
24
24
24
12
Única
-
Fenilbutazona
Meloxicam
Cetoprofeno
Carprofeno
Diclofenaco
Ácido acetilsalicílico
Dipirona
Firocoxib
VO = via oral; IM = intramuscular; SC = subcutânea.
Cad. Ciênc. Agrá., v. 13, p. 0109, https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.26317
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Schade, J. et al.
O flunixin meglumine é o principal AINE utili-
zado em bovinos, apresentando tempo de meia-vida de 3 a 8
horas quando administrado por via intravenosa (IV).
Observações clínicas sugerem que este fármaco oferece
excelente analgesia visceral, porém apresenta
efeitos menos
potentes para injúrias musculoesqueléticas
(Anderson e Muir,
2005b).
nas de idade), atribuída a depuração e eliminação mais lenta
(Stock e Coetzee, 2015). Por apresentar mínima excreção
no leite, constitui boa opção para utilização em vacas
leiteiras em período de lactação (Smith et al., 2008).
O AAS, apesar de historicamente utilizado, é
associado com limitada distribuição tecidual, baixa absor-
ção
oral e rápida eliminação em ruminantes, não sendo uma boa
opção analgésica para a espécie bovina (Stock e Coetzee,
2015).
A fenilbutazona é caracterizada por apresentar
longo período de meia-vida (40-55h) quando comparado
com
outros AINE, sendo o seu uso proibido em vacas leiteiras
acima de 20 meses de idade pela Food and Drug
Administration (FDA) (Coetzee, 2011). Ao contrário do
flunixin meglumine, oferece excelente analgesia muscu-
loesquelética e menor benefício para o controle da dor
visceral (Anderson e Muir, 2005b). Após administração oral,
apresenta biodisponibilidade variando entre 54% e
69%, com
pico de concentração plasmática alcançada em 8,9 a 10,5h
(Lees et al., 1988). Dessa forma, torna-se uma
boa opção para
administração pela via oral (VO), visto que está
comercialmente disponível a apresentação em pó. Apesar de
estudos clínicos demostrarem a utilização de fenilbutazona
pela via intramuscular (IM) (Marçal et al., 2006), esta via é
contraindicada devido ao risco de
lesão muscular e retardo na
absorção pela intensa ligação
com proteínas (Tasaka, 2006;
Smith et al., 2008). Além disto, a administração perivascular
pode causar flebite e necrose (Tasaka, 2006).
Fármacos como o diclofenaco de sódio e o piroxi-
cam apresentam poucos dados referentes a farmacociné-
tica e
utilização em bovinos. Entretanto, estão presentes
em
apresentações comerciais associados com antibióticos
para uso
em bovinos. Dessa forma, deve-se tomar o cui-
dado para não
administrar outro AINE quando utilizados antibióticos
associados ao diclofenaco ou piroxicam, visto
que a utilização
concomitante de dois AINE potencializa a ocorrência de
efeitos adversos (Tasaka, 2006).
A dipirona é um fármaco antipirético e analgésico
que
apresenta pobre ação anti-inflamatória devido a sua
fraca
ligação com proteínas e mínima distribuição em te- cidos
inflamados (Jeri e Andrade, 2008). É um fármaco
não
licenciado para animais de produção de alimentos e es
proibido décadas nos EUA e Europa devido aos
efeitos
adversos causados em humanos (Steagall e Rocha,
2012).
O meloxicam constitui uma boa opção quando há
necessidade de analgesia por mais de três dias, pois inibe
preferencialmente a COX-2, o que o torna mais seguro
(Anderson e Edmondson, 2013). Apresenta tempo de meia-
vida plasmática médio de 22 horas quando admi-
nistrado
pelas vias IV ou subcutânea (SC). Um estudo em
bezerros
ruminantes de três meses de idade revelou que o meloxicam
apresenta meia-vida prolongada e elevada
biodisponibilidade
quando administrado por VO (Coetzee
et al., 2009).
O firocoxibe é o representante da nova geração
de
AINE COX-2 seletivos em Medicina Veterinária (Tasaka,
2006). Estudos referentes a utilização deste fármaco em
bovinos foram realizados em bezerros pré-ruminantes. As
propriedades farmacocinéticas foram caracterizadas
por
elevada biodisponibilidade, tempo de meia-vida pro-
longado
(18,8h) e grande volume de distribuição (Stock et al., 2014).
Com o objetivo de evitar a presença de resíduos
e a
preocupação na segurança alimentar, a administração
de AINE
em animais de produção de alimentos, como os bovinos,
deve respeitar o período de carência para a presença de
resíduos na carne e no leite (Tabela 2).
O cetoprofeno administrado pela via IV, apresenta
curto tempo de meia-vida plasmática (0,42h) (Stock e
Coetzee, 2015) e pequeno volume de distribuição (Smith
et al.,
2008), sendo necessárias múltiplas doses para
manutenção
da analgesia (Stock e Coetzee, 2015). Desta
forma, a
utilização de cetoprofeno parece ter diminuído
substancialmente nos últimos anos, pois não oferece van-
tagens sobre outros AINE, além de ser mais caro (Smith et
al., 2008).
Analgésicos
Sedativos
Os principais fármacos analgésicos sedativos utilizados em
Medicina Veterinária são os 2-agonistas, opioides e
antagonistas dos receptores NMDA (Coetzee, 2013).
Entretanto, a aquisição de fármacos psicotrópicos como os
opioides, por Médicos Veterinários, apresenta regu- lação e
procedimentos de acordo com a Portaria SVS/ Anvisa
344/98 e IN MAPA 35/17. Informações referentes a
dose, via e frequência de administração dos principais
analgésicos sedativos utilizados em bovinos estão expostos
na Tabela 3.
O carprofeno é outro AINE preferencial COX-2,
sendo também uma boa opção quando o necessidade de
administração prolongada (> 3 dias). Propriedades
farmacocinéticas em bovinos incluem tempo de meia-vida
prolongado (30,7 horas) depuração lenta e possível ex-
creção biliar. Além disto, apresenta tempo de meia-vida
prolongado (49,7 horas) em animais jovens (< 10 sema-
Cad. Ciênc. Ag., v. 13, p. 0109, https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.26317
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Controle da dor em bovinos: Revisão bibliográfica
Tabela 2 Período de carência para carne e leite dos principais anti-inflamatórios não esteroides (AINE) utilizados em bovinos.
Fármaco
Via
Carne
Leite
IV
IM
V
O
IM
IM ou IV
IM ou IV
SC ou IV
SC, IM ou IV
VO
-
IV ou VO
4 dias
30 dias
50 dias
55 dias
15 dias
7 dias
21 dias
10 dias
24 horas Não
indicado
Estudos inexistentes
36 horas
3 dias Não
aprovado Não
aprovado
5 dias
24 horas
0 dias
3 dias
24 horas Não
indicado
Estudos inexistentes
Flunixin meglumine
Fenilbutazona
Meloxicam
Cetoprofeno
Carprofeno
Diclofenaco
AAS
Dipirona
Firocoxibe
VO = via oral; IM = intramuscular; SC = subcutânea; AAS = ácido acetilsalicílico.
Tabela 3 Dose, via e frequência de administração (horas) dos principais fármacos analgésicos sedativos utilizados em bovinos.
Fármaco
Dose (mg/kg)
Via
Freqncia (h)
0,05-0,3
0,02-0,05*
0,05
IM ou IV
IM ou IV
EP
-
-
-
Xilazina
IV
SC
2-4
6-8
Butorfanol
0,02-0,05
0,5*-1,0
0,5-0,1
IV
EP
12
24
Morfina
Cetamina
0,05-0,1*
IM ou IV
-
SC = subcutâneo; IM = intramuscular; IV = intravenosa; EP = epidural.
*Dose para associação de cetamina, xilazina e opioide.
A xilazina é o principal fármaco 2-agonista
utilizado em bovinos, o qual produz sedação, relaxa- mento
muscular e analgesia (Coetzee, 2011). Fornece
analgesia
moderada, a qual ocorre devido a ativação dos
receptores 2-
adrenérgicos no sistema nervoso central, incluindo ão
medular e encefálica. Devido à ampla
distribuição dos
receptores
2-adrenérgicos, os agonistas
destes receptores
podem suprimir os sinais nociceptivos nas seguintes vias da
dor: inibição da liberação de neu-
rotransmissores originados
das fibras aferentes primárias
para os neurônios de segunda
ordem; modulação pré e
pós-sináptica de sinais nociceptivos
segmentares no corno dorsal; influência no sistema de
modulação descendente
do tronco cerebral ou afetando a
modulação ascendente
de sinais nociceptivos no diencéfalo e
áreas límbicas (Luna
et al., 2012).
Efeitos adversos relacionados à administração de
2-agonistas incluem diminuição do débito cardíaco, di-
minuição da frequência respiratória mediada centralmente
e
hipomotilidade intestinal (Coetzee, 2013). A dose de
xilazina
recomendada para sedação é de 0,05 a 0,3mg/kg, IV ou IM. A
administração de baixas doses (< 0,1mg/kg)
é caracterizada
por leve diminuição do tônus muscular, sendo mantida a
capacidade de permanecer em estação. Por outro lado, doses
maiores (> 0,1mg/kg) produzem
intensa sedação e
relaxamento muscular, levando o animal
ao decúbito. Devido
ao efeito depressor da motilidade intestinal, recomenda-se
jejum antes da administração de xilazina para reduzir o
risco do desenvolvimento de timpanismo e aspiração de
conteúdo ruminal (Coetzee, 2011).
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Schade, J. et al.
A administração epidural de 2-agonistas pode
produzir analgesia com mínimos efeitos sedativos e car-
diovasculares quando comparados com a via intravenosa
e
intramuscular (Coetzee, 2011). Quando administrada pela via
epidural, xilazina (0,05mg/kg diluídos em 5 mL de solução
fisiológica), apresenta prolongado período de latência
(12±1 minutos) e ação (303±11 minutos) quando
comparados a administração de lidocaína pela mesma via.
Desta forma, a combinação de lidocaína e xilazina,
administrada pela via epidural, oferece analge- sia de início
mais rápido e duração prolongada (Stock e Coetzee, 2015).
trado resultados promissores em bovinos, com mínimas
alterações na frequência cardíaca, frequência respiratória,
temperatura retal, motilidade ruminal e pressão arterial.
A
duração da analgesia e presença de ataxia variam com o
volume administrado. Cetamina 5% administrada nos
volumes de 5, 10 ou 20 mL apresentaram grau de ataxia
crescente e tempo de analgesia de 17, 34 e 62 minutos
respectivamente (Lee et al., 2003).
A associação de fármacos analgésicos sedativos em
doses sub-terapêuticas, consideradas baixas para produzir
efeito sozinhas, podem atuar de maneira si- nérgica,
potencializando o efeito analgésico e sedativo
(Stock e
Coetzee, 2015). A combinação de xilazina (0,02
a 0,05mg/kg)
e cetamina (0,05 a 0,1mg/kg), IM ou IV, promove sedação
moderada, sem levar o bovino a decú- bito. Butorfanol
(0,05mg/kg) ou morfina (0,05mg/kg) podem ser incluídos
para aumentar o efeito analgésico
(Coetzee, 2013). Esta
associação tem sido benéfica quan-
do da execução de
procedimentos cirúrgicos em bovinos indóceis ou que
apresentam dor grave relacionada a doença primária (Stock
e Coetzee, 2015).
Os opioides são fármacos que apresentam potente
efeito analgésico por atuarem em receptores μ (mu),
(kapa)
e
(delta) ao nível cerebral, medular e periférico.
A ativação
destes receptores é associada a hiperpolariza- ção dos
neurônios e consequente inibição da excitação neuronal nas
vias nociceptivas (Górniak, 2006). Embora os três receptores
produzam analgesia, o receptor μ é o principal responsável
pelos efeitos adversos, incluindo depressão respiratória,
hipomotilidade gastrintestinal, náuseas, sedação e euforia
(Stock e Coetzee, 2015).
Controle da dor neuropática
O butorfanol é o principal opioide utilizado em
Medicina Veterinária. Trata-se de um agonista dos re-
ceptores e antagonista dos receptores μ, que produz, por
este motivo, analgesia com mínimos efeitos adver- sos
(Stock e Coetzee, 2015). A dose recomendada para este
fármaco em bovinos é de 0,02 a 0,05mg/kg, IV a cada 2 a 4
horas ou SC a cada 6 a 8 horas (Anderson e Edmondson,
2013).
A Gabapentina é um análogo do ácido gama-a-
minobutírico (GABA), desenvolvido originalmente para o
tratamento de desordens espásticas e epilepsia (Coetzee,
2011). Estudos em seres humanos tem reportado que este
fármaco é efetivo no controle da dor neuropática de origem
inflamatória, apresentando efeitos sinérgicos quando
associados com AINE para promover efeitos an- ti-
hiperalgésicos (Hurley et al., 2002). Dados de farma-
cocinética sugerem que a gabapentina administrada na
dose
de 15mg/kg, VO, a cada 24 horas, pode ser utilizada
para o
tratamento da dor neuropática e inflamatória re-
lacionadas a
sensibilização central em bovinos (Coetzee,
2011). No
entanto, apresentações comerciais para uso em bovinos são
inexistentes.
A morfina é um opioide agonista dos receptores μ e
que exerce potente efeito analgésico, sendo eficaz no
controle da dor moderada a grave (Steagall e Luna,
2012).
Este fármaco é associado a efeitos adversos devido a
estimulação dos receptores μ opioides (Andrade e Cas-
su,
2008). Para bovinos, a dose recomendada é de 0,5 a 1,0
mg/kg, IV a cada 12 horas. A administração epidural (0,05 a
0,1mg/kg, SID, diluídos em 20 mL de solução fisiológica)
pode ser utilizada para promover analgesia de longa
duração, sem interferir na função motora. A principal
desvantagem da utilização de morfina por esta via é o
prolongado período de latência, que varia de 2 a 3 horas
(Anderson e Edmondson, 2013).
Conclusão
A compreensão dos mecanismos fisiopatológicos
envolvidos nas vias da dor é de fundamental importância para
o desenvolvimento de terapias racionais no controle
da dor. O
conceito de analgesia preventiva constitui um ponto chave
para prevenir o desenvolvimento pós cirúr-
gico de
sensibilização periférica e central. Diferentes fár- macos,
incluindo anestésicos locais, AINE,
2-agonistas, opioides,
cetamina e gabapentina podem ser utilizados em
protocolos de
analgesia multimodal em bovinos, visado maior eficácia da
terapia analgésica.
A cetamina produz anestesia dissociativa quando
utilizada na dose de 2 a 4mg/kg, IV e consiste no anta-
gonista dos receptores NMDA mais comumente utilizado
em
Medicina Veterinária (Stock e Coetzee, 2015). O seu efeito
analgésico é relacionado principalmente ao blo- queio dos
receptores NMDA no corno dorsal da medula espinhal, além
da atuação em receptores μ e opioides (Fantoni e
Cortopassi, 2008; Stock e Coetzee, 2015). O uso de
cetamina pela via epidural caudal, tem demons-
A consciência de promover um ambiente livre de
dor e sofrimento, não aos bovinos, mas a qualquer animal
de produção, não se limita a desempenho produ- tivo e lucro
melhores, mas sobretudo o respeito à vida.
Cad. Ciênc. Ag., v. 13, p. 0109, https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.26317
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Controle da dor em bovinos: Revisão bibliográfica
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