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Quando e como usar entrevistas por e-mail: reflexões com base em pesquisa sobre assexualidade



RESUMO – Com base em uma pesquisa sobre assexualidade, este artigo traz reflexões sobre os limites e as possibilidades do uso da entrevista por e-mail como instrumento metodológico. Com o objetivo de alcançar as pessoas autoidentificadas como assexuais – localizadas em diferentes regiões, estados e municípios do Brasil – a investigação que deu origem a este artigo utilizou o e-mail como ferramenta. Este artigo apresenta os desafios para a realização de entrevistas por e-mail diante da ausência de pistas sociais como gestos, entonação de voz e linguagem corporal e também expõe as vantagens de sua utilização sob dois aspectos principais. Em primeiro lugar, ao possibilitar maior alcance geográfico dos sujeitos, e em segundo lugar, ao tornar possível a participação de pessoas que, por diferentes motivos – como a timidez, o desejo por anonimato, a preservação da privacidade, por exemplo –, não concederiam a entrevista presencialmente.



Palavras-chave: pesquisa; entrevistas por e-mail; educação; assexualidade; diversidade sexual.




When and how to use e-mail interviews: reflections on a research about asexuality



ABSTRACT – Taking a research about asexuality as a source, this article brings reflections on the limits and possibilities of using e-mail interview as a research methodological tool.

In order to reach self-identified asexuals who accepted to be interviewed – located in different regions, states and cities of Brazil – the research that led to this article used e-mail as a tool.

This article presents the challenges for the e-mail interviews considering the absence of social clues – like gestures, voice intonation and body language – and also points out the advantages of this kind of interview under two main aspects. First, e-mail interviews permit to reach a wider geographical scope; and, second, they also make possible the participation of people who, for different reasons – such as shyness, anonymity, privacy – would decline an invitation for a face to face interview.



Key-words: research; e-mail interview; education; asexuality; sexual diversity






Introdução




Uma pesquisa, segundo Rosália Duarte, constitui “um relato de longa viagem empreendida por um sujeito cujo olhar vasculha lugares muitas vezes já visitados” (DUARTE, 2002, p. 140), ressaltando que o olhar diferente e original da/o pesquisador/a para o fenômeno – bem como o modo como este se apropria do conhecimento a partir da experiência –, trará elementos pessoais ao processo da construção do conhecimento. Duarte reforça, neste sentido, a importância de narrar as etapas do processo que permitiu a realização do produto final. Refletir analiticamente sobre parte do caminho percorrido constitui o propósito geral deste artigo.

Buscamos, mais especificamente, examinar as possibilidades e os limites do uso do e-mail como ferramenta metodológica, conforme utilizada em uma pesquisa de doutorado, realizada no âmbito da educação, com sujeitos autoidentificados como assexuais, ou seja, por pessoas que não têm interesse por sexo e/ou por relacionamentos amorosos. Considerado historicamente um distúrbio de ordem psicológica ou fisiológica na literatura médica, bem como um problema no senso comum, o desinteresse sexual e/ou amorosoou pelo menos uma parcela deste –, ganha novo significado, a partir do início do século XXI, com o surgimento e o crescimento de comunidades virtuais que reúnem membros em torno da identidade assexual. Neste novo paradigma, reforçado pelos assexuais, o desinteresse sexual e/ou amoroso tem sido compreendido como parte do espectro da diversidade sexual humana.

A sexualidade é compreendida como uma “série de crenças, comportamentos, relações e identidades socialmente construídas e historicamente modeladas” (WEEKS, 2001. p. 43), sendo a assexualidade característica de uma configuração distinta de vivência da própria sexualidade, que não se fundamenta no pressuposto do interesse sexual, amoroso, universal e compulsório, como ocorre com as sexualidades mais conhecidas e estudadas. Ou seja, é uma forma de sexualidade caracterizada pelo desinteresse pela atividade sexual, podendo ser ou não acompanhada pelo desinteresse por relações amorosas. Como qualquer modo de viver a sexualidade, a assexualidade tem seus significados socialmente construídos no contexto da cultura, da história e das interações sociais. Essa abordagem contrasta com as perspectivas essencialistas presentes nos paradigmas sexológicos que dominaram os estudos da sexualidade até as últimas décadas do século XX (Gagnon, 2006). A pesquisa de doutorado da qual origina este artigo buscou refletir sobre o caráter social da sexualidade, especialmente, sobre as intersecções entre a instituição escolar e as dimensões de sexualidade e gênero.

A discussão sobre sexualidade na escola tem sido um campo de disputa caracterizado por avanços e retrocessos. Para Helena Altmann a escola brasileira é muitas vezes compreendida como instituição que deve acolher a educação sexual desde as primeiras décadas do século XX, porém, como espaço de educação preventiva, em momentos específicos, para enfrentar questões distintas. A pesquisadora ressalta o caráter controlador e disciplinador da escola no que se refere à sexualidade. Nesse sentido, ao longo da história, a escola lidou de diferentes modos com as demandas sociais, conforme Altmann:


Se olharmos para a escola a partir de uma perspectiva histórica, poderemos ver as diferentes formas como ela foi conclamada a colocar a sexualidade em discurso e como tais questões estão ligadas a fatos constituídos como problemas sociais no contexto e no momento em que estão situados. Estratégias pedagógicas foram criadas de modo a administrar a sexualidade e a vida social. Assim, as intervenções sobre a sexualidade na escola passaram por diferentes focos de atenção, como o onanismo, as DSTs, a Aids, a chamada gravidez na adolescência e agora o respeito à diversidade sexual. (ALTMANN, 2013, p. 73)

As questões de sexualidade colocadas como desafio à escola são fortemente atravessadas pelas desigualdades de gênero, conceito essencial para sua reflexão. A historiadora norte-americana Joan Scott (1995), já bastante citada na área da educação, pode novamente contribuir com sua
definição de gênero como “elemento constitutivo das relações de poder baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”, constituindo, ainda, “uma forma primária e dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86). Com esta demarcação, Scott tenta estabelecer a distinção entre as características biológicas de homens e mulheres e as construções sociais do feminino e masculino que são significadas a partir dessas características. As relações sociais de poder advindas dessas construções são de hierarquização dos homens sobre as mulheres, do masculino sobre o feminino.

Semelhantemente, Jeffrey Weeks (2001) utiliza o conceito de gênero
para descrever a diferenciação social entre homens e mulheres, reforçando que o gênero não é somente uma categoria analítica, mas também uma relação de poder. Teresita de Barbieri (1991) ressalta que o conceito de gênero surge como resposta à necessidade teórica de se explicar o fenômeno social da subordinação das mulheres ao patriarcado. O processo de incorporação de valores e regras associados às diferenças percebidas entre os sexos, a socialização de gênero, é um processo permanente e nunca concluído (Traverso-Yépez e Pinheiro, 2005), sobre o qual a escola pode agir no sentido de promover a igualdade social e a cidadania.

As relações desiguais de gênero estão na base da discriminação por diversidade sexual – seja por orientação sexual ou identidade de gênero – pois determinam as expectativas sociais de identidades, atitudes
e comportamentos, que deverão ser reproduzidos socialmente conforme o sexo biológico socialmente designado. Ao reproduzir modelos cristalizados de masculinidades e feminilidades, a escola – além de outras instâncias sociais –, promove o preconceito e a discriminação a quem não segue tais modelos. A homofobia nas escolas, por exemplo, é um problema grave que tem ganhado visibilidade nas últimas décadas, sobretudo, como resultado das lutas por direitos dos movimentos LGBT, conforme alerta Rogério Junqueira:


A escola configura-se um lugar de opressão, discriminação e preconceitos, no qual e em torno do qual existe um preocupante quadro de violência a que estão submetidos milhões de jovens e adultos LGBT – muitos dos quais vivem, de maneiras distintas, situações delicadas vulneradoras de internalização da homofobia, negação, autoculpabilização, auto-aversão. E isso se faz com a participação ou a omissão da família, da comunidade escolar, da sociedade e do Estado. (JUNQUEIRA, 2009, p. 15)

No estado da arte sobre juventude na pós-graduação brasileira nas áreas de educação, ciências sociais e serviço social o qual mapeou a produção discente de 1999 a 2006 – somente 9,32% do total de trabalhos traz como tema sexualidade e gênero no contexto da juventude, e nenhum sobre assexualidade. Desses, a área de educação é a que apresentou um número maior de trabalhos (57% do total), seguida pelas ciências sociais, com 29%, e o serviço social, com 14% (SPOSITO, 2009, p. 23, 25 e 26). A superioridade numérica de trabalhos discentes sobre sexualidade e gênero na área de educação, indica ser esta uma área que tem se empenhado na produção de conhecimentos na tentativa de compreender questões complexas que chegam à escola. Dos trabalhos produzidos na área de educação – divididos em 6 subtemas – 26% trata da educação sexual, 14% aborda as masculinidades e feminilidades; 14% analisa o fenômeno da parentalidade juvenil; 14% tem enfoque na educação formal; 12% trata das DST/Aids; e 11% se concentra nas sexualidades. Conforme a análise dos dados, o subtema “educação formal” foi o que contribuiu de forma mais significativa com a produção de conhecimentos sobre as diversas discriminações enfrentadas no espaço escolar, entre elas, o clima hostil enfrentado por estudantes homossexuais (CARVALHO, SOUZA e OLIVEIRA, 2009).

Embora a assexualidade ainda seja um tema raramente pesquisado nos programas de pós-graduação brasileiros, não poderíamos deixar de mencionar os dados colhidos no âmbito de uma pesquisa que trata das trajetórias sociais e reprodutivas de jovens brasileiros em três capitais do Brasil (HEILBORN et al., 2006), os quais fornecem pistas interessantes para o estudo da assexualidade. No universo juvenil da referida pesquisa (um total de 4.634 jovens de ambos os sexos, de 18 a 24 anos) foram apurados 588 jovens (12,5% do total) que se declararam virgens, fenômeno denominado pelos/as pesquisadores como iniciação sexual tardia (BOZON e HEILBORN, 2006, p. 186).

A decisão de estudar as pessoas assexuais partiu da constatação da existência de diversos grupos e comunidades virtuais de brasileiros na internet – nas quais indivíduos autoidentificados como assexuais promovem discussões de temas pertinentes às suas vivências –, e também da escassez de estudos sobre essa categoria identitária sexual. O objetivo geral da pesquisa foi compreender as trajetórias de autoidentificação das assexualidades, a partir de entrevistas com informantes que se identificam dessa forma (XXX, data). O foco instaurou-se nas interações sociais dos participantes durante os anos da educação básica, tendo como propósito entender o papel da escola nas trajetórias de descoberta, bem como conhecer as experiências dos informantes com a educação sexual escolar.

Para relatar o caminho percorrido na pesquisa de campo, o artigo está organizado em três partes. A primeira parte, a Introdução, traz o contexto metodológico que sinalizou a necessidade da utilização do e-mail como instrumento metodológico para realização da maioria das entrevistas da pesquisa em questão. A segunda parte traz reflexões relevantes sobre os limites e as possibilidades da utilização do e-mail para entrevistas na investigação acadêmica, sobretudo, em sua comparação com entrevistas presenciais. Para finalizar, nas considerações finais, retomamos os caminhos trilhados a partir do estudo teórico do e-mail como instrumento metodológico para entrevistas em pesquisa, bem como ressaltamos a importância da utilização dos recursos tecnológicos da internet para a realização desta pesquisa, em particular.

O projeto inicial da pesquisa era modesto: previa somente observação, descrição e análise das interações nas comunidades assexuais brasileiras, considerando que a assexualidade – como parte do espectro da diversidade sexual –, deveria estar contemplada pelos estudos de educação, do mesmo modo que outras sexualidades estavam sendo inseridas. O projeto original não previa entrevistas presenciais, por dificuldades que pareciam intransponíveis, como por exemplo, a pequena porcentagem de pessoas autoidentificadas como assexuais, sua existência sediada quase exclusivamente no meio virtual, sua distribuição esparsa pelo país, o estigma que conduz ao anonimato, o receio da patologização, entre outras.

Desde o levantamento prévio para o projeto, era possível observar que nas matérias da mídia sobre o tema, as fontes assexuais eram sempre anônimas e sem rosto, o mesmo ocorria nas comunidades que discutiam a assexualidade: as pessoas assexuais se ocultavam atrás de pseudônimos e avatares, tornando sua identificação difícil, se não impossível. Parecia claro que seria dificultoso localizar colaboradores dispostos a se expor em uma entrevista sobre esta temática.

Conforme já mencionado, o fenômeno da assexualidade tem se propagado na internet, nos últimos anos, a partir da criação de comunidades virtuais que congregam pessoas que reiteram seu desinteresse pela prática sexual e/ou por relacionamentos amorosos. Apresenta-se como uma nova possibilidade no vasto espectro da diversidade sexual humana, não havendo ainda, pesquisas quantitativas que deem conta de mapear estatisticamente sua magnitude ou de apontar sua diversidade, principalmente porque se trata de um conceito ainda recente. Portanto, a abordagem qualitativa foi o caminho possível para a investigação da assexualidade no Brasil na pesquisa em questão. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa e de perspectiva sociológica inserindo-se nos estudos de diversidade sexual –, com o objetivo, como já mencionado, de compreender as trajetórias de autoidentificação de indivíduos assexuais, com destaque para suas interações sociais na escola, durante os anos da educação básica.

A pesquisa é exploratória no sentido de tratar de um fenômeno social que começou a ser estudado muito recentemente, na primeira década do século XXI. Toda literatura sobre a assexualidade – majoritariamente produzida nos Estados Unidos, Canadá e Europa, – ainda é bastante descritiva, produzindo resultados ainda incipientes, preliminares, fortemente associados aos contextos culturais e sociais nos quais se inserem. Antônio Carlos Gil (2008) caracteriza a pesquisa exploratória como aquela que busca proporcionar maior familiaridade com determinado fenômeno – ainda pouco conhecido e pouco explorado –, com o objetivo de torná-lo mais explícito para futuras investigações. Portanto, a pesquisa em questão insere-se nessa perspectiva. Sendo uma das primeiras pesquisas brasileiras a desenvolver um estudo empírico com sujeitos autoidentificados como assexuais, buscou-se colaborar para a construção de uma maior intimidade com o novo tema, contribuindo para a elucidação da emergência do fenômeno da assexualidade, bem como para a indicação de possíveis caminhos para novas explorações.

Um dos procedimentos de coleta de dados mais utilizados nas abordagens qualitativas – também selecionada para a pesquisa em questão –, é a entrevista. Svend Brinkmann (2008) argumenta que a entrevista na pesquisa qualitativa tornou-se uma das práticas centrais na produção de conhecimento nas ciências sociais, embora tenha amargado um longo período de marginalização. A entrevista propicia um encontro de subjetividades entre pesquisador e informante, e não se trata de ferramenta de fácil utilização, como muitos querem fazer parecer. Duarte (2004) ressalta que ainda persiste, no meio acadêmico, a ideia de que a entrevista, enquanto instrumento de coleta de informações, é demais subjetiva, pouco confiável e utilizada com menor rigor do que outras ferramentas de investigação, o que é uma percepção equivocada desta ferramenta. Ao privilegiar a fala dos atores sociais, a entrevista “permite atingir um nível de compreensão da realidade humana que se torna acessível por meio de discursos, sendo apropriada para investigações cujo objetivo é conhecer como as pessoas percebem o mundo” (Fraser; Gondim, 2004, p. 140).

A entrevista, na pesquisa qualitativa, direciona o foco para o discurso do entrevistado na elaboração de seu pensamento, exposição de suas ideias, a construção de sua narrativa, num trabalho que é relacional e dialético entre pesquisador e pesquisado, ambos influenciando-se mutuamente, e que traz benefícios também para o entrevistado. Segundo Rosália Duarte,


Entrevista é sempre troca; [...
] ao mesmo tempo em que coleta informações, o pesquisador oferece ao seu interlocutor a oportunidade de refletir sobre si mesmo, de refazer seu percurso biográfico, pensar sobre sua cultura, seus valores, a história e as marcas que constituem o grupo social ao qual pertence, as tradições de sua comunidade e de seu povo. Quando realizamos uma entrevista, atuamos como mediadores para o sujeito apreender sua própria situação de outro ângulo, conduzimos o outro a se voltar sobre si próprio; incitamo-lo a procurar relações e a organizá-las. (Duarte, 2004, p. 220)

A
pesquisa em questão utilizou roteiros semiestruturados de entrevista, os quais direcionaram o entrevistado a discorrer sobre os temas circunscritos no âmbito dos objetivos da investigação, porém, conferindo espaço para a espontaneidade nas respostas, permitindo que o entrevistado ressaltasse fatos ou eventos considerados mais importantes em sua narrativa.

Antes da etapa das entrevistas, foi necessária a criação de um canal de comunicação com pessoas autoidentificadas como assexuais em seu próprio habitat, ou seja, a internet. No primeiro semestre da pesquisa, em 2010, criamos o Blog Assexualidades, cujo objetivo era compartilhar com comunidades e indivíduos assexuais brasileiros resenhas da produção sobre a assexualidade publicada no exterior, uma vez que, na época, não havia literatura acadêmico-científica sobre o tema no Brasil. As resenhas – publicadas com periodicidade mensal, em português, e em linguagem não acadêmica –, acabaram por chamar a atenção do público interessado para a existência da pesquisa no Brasil. Com o tempo, pessoas assexuais de todo o Brasil passaram a escrever para os canais de comunicação do blog, para nos parabenizar por sua criação, agradecendo-nos pela realização da pesquisa e oferecendo compartilhar suas experiências por meio de entrevistas.

Portanto, com a criação do Blog Assexualidades, a possibilidade das entrevistas se materializou em um número significativo de pessoas dispostas a contribuir com o estudo, aproximando-se o momento de decidir como as entrevistas seriam feitas.

A primeira intenção era fazer todas as entrevistas pessoalmente, mesmo que fosse necessário viajar para desempenhar esta tarefa. Isso se mostrou inviável diante da constatação de que os/as potenciais participantes localizavam-se em diferentes regiões, estados e municípios brasileiros. Outro fator que evidenciou a dificuldade de fazer todas as entrevistas face a face foi a resistência de alguns/mas participantes em revelar-se pessoalmente. Uma jovem do Rio de Janeiro, por exemplo, perguntou se a entrevista não poderia ser feita por e-mail. O mesmo ocorreu com um jovem de Belo Horizonte, e outra, ainda, de Florianópolis. Alguns/mas informantes, mesmo morando em São Paulo, também solicitaram que a entrevista fosse feita por e-mail. Portanto, consideramos necessário oferecer a todos/as participantes interessados / as a opção da entrevista por e-mail – para que pudéssemos acolher todos os depoimentos, considerando que a diversidade das experiências traria maior riqueza à pesquisa. Uma vez divulgada esta possibilidade no Blog Assexualidades, o número de interessados/as se multiplicou.

No final do processo, chegamos a 40 voluntários de todo Brasil dispostos a colaborar com a pesquisa. Destes, 8 participantes concordaram em conceder entrevistas aprofundadas presenciais, todos/as tendo como local de residência o município de São Paulo, municípios da Grande São Paulo e cidades do interior do Estado, próximas à capital. Restavam, portanto, 32 informantes nas mais diversas regiões do país, os / as quais manifestaram seu desejo de conceder entrevistas por e-mail, o que era, para nós, uma forma desconhecida de fazer entrevistas.

Após o contato inicial das pessoas interessadas em participar da pesquisa, respondemos agradecendo pelo interesse, listando os procedimentos necessários para participação, para obter sua concordância. Enviamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, explicando que era uma exigência dos comitês de ética em pesquisa para garantir a confidencialidade das entrevistas e o tratamento ético dos/as entrevistados/as. Aos/às participantes por e-mail, oferecemos a opção de envio do TCLE pelo correio, ou, caso eles/as dispusessem de impressora, scanner ou câmera digital, poderiam mandar o documento assinado por e-mail. Àqueles que não dispunham de impressora, scanner ou câmera digital, pedimos um endereço de correspondência e enviei o TCLE por correio, incluindo um envelope autoendereçado e pré-selado para devolução do documento assinado. Com estes procedimentos foi possível obter o TCLE assinado de todos/as os/as 32 entrevistados/as por e-mail.

Ao tomarmos a decisão de acrescentar o e-mail como ferramenta de coleta de dados, ainda não tínhamos clareza de que modo equalizaríamos a análise das entrevistas por e-mail e das entrevistas aprofundadas presenciais do ponto de vista metodológico, considerando as diferenças entre as duas modalidades. Muitas inquietações se colocaram: seriam roteiros diferentes para as entrevistas presenciais e por e-mail? As entrevistas por e-mail seriam feitas em uma única etapa, ou em forma de diálogo com os/as entrevistados/as? Como assegurar que as pessoas entrevistadas por e-mail estariam dispostas a escrever detalhadamente sobre suas experiências? Como analisar uma entrevista na qual não houve um encontro presencial entre pesquisadora e entrevistado/a, no qual teria sido possível observar o olhar, os gestos, o tom da voz, que trariam outras informações relevantes? Quais os cuidados na análise de cada tipo específico de entrevista?

Sabíamos ser necessário recorrer à literatura especializada para refletir melhor sobre essas diferenças e buscar uma forma de superarou, pelo menos, minimizar – possíveis disparidades na análise. Enquanto a literatura especializada sobre entrevistas presenciais – em seus mais diversos aspectos –, era abundante, não localizamos no Brasil literatura que pudesse nos ajudar a refletir sobre os limites e possibilidades das entrevistas via e-mail na pesquisa acadêmica, sobretudo, no que se refere aos desafios decorrentes das distinções em relação às entrevistas presenciais. Buscamos tal suporte na literatura estrangeira, apresentada a seguir.



PossibilidadeS e limites das entrevistas presenciais e por e-mail



As entrevistas por e-mail, segundo Jennifer Egan (2008) emergiram no final dos anos 1990 como um entre outros métodos qualitativos de pesquisa na internet. Enquanto a literatura metodológica sobre entrevistas qualitativas presenciais – também chamadas de face a face –, é numerosa, a literatura sobre entrevistas por e-mailapesar da consolidação das tecnologias mediadas por computador nas últimas décadas –, ainda é considerada escassa (Meho, 2006; Hunt; McHale, 2007; Burns, 2010). Na literatura específica, os autores costumam problematizar os dois tipos de entrevista, relacionando as vantagens e as desvantagens das duas modalidades, que devem ser analisadas criteriosamente antes da decisão por uma delas ou a combinação das duas. Márcia Fraser e Sônia Gondim (2004) ressaltam alguns aspectos das duas modalidades de entrevista, as presenciais – ou face a face – e as entrevistas mediadas por recursos tecnológicos:


A primeira se refere àquela modalidade em que entrevistador e entrevistado se encontram um diante do outro e estão sujeitos às influências verbais (o que é dito ou perguntado), às não verbais (comunicação cronêmica – pausas e silêncios -, cinésica – movimentos corporais -, e paralinguística – volume e tom de voz), e às decorrentes da visualização das reações faciais do interlocutor. A segunda modalidade inclui as entrevistas feitas por telefone, por computador e por questionários, que também estão sujeitas às mesmas influências verbais e não verbais, mas de modo diferenciado, em especial quando não permitem a visualização das reações faciais do interlocutor. (Fraser; Gondim, 2004, p. 143)



Raymond Opdenakker (2006) e Jennifer Egan (2008) ressaltam que a principal característica das entrevistas por e-mail é que são assíncronas, ou seja, independem de tempo e espaço
– diferentemente das entrevistas síncronas, como a entrevista face a face, por telefone, ou até mesmo de outras formas de interlocuções mediadas por computador, como o Skype. Na comparação, a entrevista face a face é caracterizada pela comunicação sincronizada no tempo e no espaço, ou seja, exige a presença do entrevistador e do entrevistado ao mesmo tempo no mesmo local geográfico, ou conectados a um canal de comunicação à distância, no caso das entrevistas por telefone ou Skype. As entrevistas por e-mail, por outro lado, são caracterizadas por comunicação assincronizada no tempo e no espaço, o que dispensa o agendamento de horário e local entre entrevistador e entrevistado. Uma das consequências desta diferença é que as entrevistas presenciais proporcionam informações para análise tão logo sejam realizadas e gravadas, enquanto as entrevistas por e-mail podem levar dias – até mesmo semanas –, para que os dados completos sejam disponibilizados pelo entrevistado ao pesquisador (Meho, 2006). Na medida em que as entrevistas por e-mail rompem com as barreiras de tempo e espaço entre entrevistador e entrevistado, a interlocução pode se desenvolver ao longo do tempo, dentro da conveniência de cada um (Selwyn; Robson, 1998; Opdenakker, 2006; Egan, 2008; Burns, 2010).

As entrevistas presenciais permitem sua realização em ambiente familiar
ao informante – uma vez que, geralmente, o entrevistador deixa a cargo do entrevistado a escolha do local da entrevista –, de modo que este se sinta mais à vontade, com maior controle para compartilhar suas experiências (Meho, 2006). Esta característica das entrevistas presenciais – apontada por Lokman I. Meho como vantagem sobre as entrevistas mediadas por tecnologias de comunicação - pode ser estendida também às entrevistas por e-mail, uma vez que o entrevistado provavelmente também estará em ambiente familiar ao responder às perguntas do entrevistador por meio da tecnologia.

Uma das vantagens oferecidas pelo uso de e-mail como ferramenta de pesquisa é o acesso a amostras em larga escala
superando limites geográficos e fusos horários –, com baixos custos administrativos (Burns, 2010). Com isto, pode-se entrevistar um número muito maior de sujeitos, de diferentes localidades e culturas do que permitiria a entrevista presencial. A comunicação via e-mail também permite ao pesquisador entrevistar indivíduos ou grupos com características específicas, muitas vezes inalcançáveis pela entrevista presencial, como por exemplo, executivos ocupados, celebridades, pessoas com algum tipo de deficiência ou doença, ou indivíduos localizados em regiões geograficamente distantes, ou ainda, pessoas vivendo em contextos politicamente instáveis e/ou socialmente perigosos (Meho, 2006; Egan, 2008).

Adicionalmente,
Nigel Hunt e Sue McHale (2007) ressaltam que, enquanto as entrevistas presencias só podem ser realizadas uma de cada vez por um mesmo pesquisador, o recurso do e-mail permite a realização de vasto número de entrevistas simultaneamente, o que pode ser apontado como vantagem da última modalidade. No entanto, o que pode parecer a princípio uma vantagem, pode tornar-se um problema quando o número excessivo de entrevistados gera uma quantidade de dados maior do que o pesquisador tem condições de trabalhar e analisar, podendo gerar frustração em entrevistados que não tiverem suas entrevistas utilizadas na pesquisa.

O fato de as entrevistas por e-mail já se apresentarem na forma escrita, também é apontado como vantagem pelos estudiosos, pois torna desnecessária a aquisição de equipamento de gravação, propicia ganho de tempo e elimina os custos financeiros da transcrição, bem como possíveis equívocos no processo (Selwyn; Robson, 1998; Meho, 2006; Hunt; McHale, 2007; Egan, 2008; Burns, 2010). O material para análise é o texto produzido pelo próprio informante, o que apresenta a vantagem de ser construído conforme o fluir de sua própria articulação, e também a desvantagem de ser o único conjunto de dados para análise, desprovido de outras fontes de observação por parte do pesquisador (Meho, 2006). Ademais, as entrevistas por e-mail eliminam a necessidade de despesas com transporte, alimentação e estadia do pesquisador, entre outras, muitas vezes, necessárias para a realização das entrevistas presenciais (Meho, 2006; Hunt; McHale, 2007; Egan, 2008; Burns, 2010).

Uma desvantagem das entrevistas por e-mailbem como de outras modalidades mediadas pelo uso do computador –, é que exigem, tanto do entrevistado como do entrevistador, habilidades no manejo das tecnologias de comunicação e informação (Meho, 2006; Egan, 2008), além de só poderem ser realizadas com a população que tem acesso à internet, o que pode imprimir um recorte de idade, renda, gênero e raça, por exemplo, restrito à faixa da população que têm acesso à internet (Selwyn; Robson, 1998; Egan, 2008). As entrevistas por e-mail – vistas por Jennifer Egan (2008) como antidemocráticas, por serem restritas a determinado segmento populacional –, são vistas por Lokman Meho (2006) como modalidade que favorece a democratização e a internacionalização da pesquisa científica, uma vez que têm o potencial de alcançar sujeitos que não seriam atingíveis pela entrevista presencial.

Como mais uma desvantagem das entrevistas por e-mail, Neil Selwyn e Kate Robson (1998) apontam a efemeridade deste tipo de comunicação, o que pode comprometer sua eficácia como ferramenta de pesquisa. Mensagens por e-mail podem ser facilmente apagadas e descartadas, portanto, a entrevista pode ser perdida no processo. Lokman Meho (2006) acrescenta que, durante o período da entrevista, o entrevistado pode mudar de endereço eletrônico, ou de provedor de internet e não avisar o pesquisador, que perderá o contato, e por consequência, a entrevista.

Outra desvantagem, apontada por
Raymond Opdenakker (2006) – e corroborada por Neil Selwyn e Kate Robson (1998), Lokman Meho (2006) e Nigel Hunt e Sue McHale (2007) –, é que as entrevistas por e-mail não oferecem possibilidade de se captar as sutilezas da comunicação não verbal, denominadas pistas sociais pelo pesquisador. As pistas sociais – como, por exemplo, os gestos, a entonação da voz e a linguagem corporal –, oferecem ao entrevistador muitas informações adicionais, além de permitir maior contato com os sentimentos, crenças e valores dos entrevistados. Elementos tácitos da comunicação face a face – que podem ser relevantes –, são perdidos pela falta de contato pessoal. No entanto, Raymond Opdenakker ressalta que nem sempre essas pistas sociais são importantes para uma pesquisa. Nos casos em que a entrevista é feita com um especialista em algum tópico, somente como fundamentação para a análise das entrevistas com os principais sujeitos de uma pesquisa, as pistas sociais tornam-se menos importantes. Quando a entrevista é feita diretamente com o sujeito da investigação, o qual, em sua especificidade é insubstituível, as pistas sociais tornam-se fundamentais para uma melhor apreensão daquilo que se quer saber.

Em outra perspectiva
, Lokman Meho (2006), Nigel Hunt e Sue McHale (2007) destacam que, justamente por não se tratar de uma entrevista face a face, a entrevista por e-mail pode eliminar – ou, ao menos, reduzir –, problemas relacionados a diferenças de pertencimento racial, escolaridade, classe social, gênero, deficiências, entre entrevistado e entrevistador, as quais podem interferir no sucesso da entrevista. Heloisa Martins ressalta que, na interação presencial entre entrevistador e entrevistado não é possível subestimar a influência “da história biográfica, da educação, interesse e preconceitos do pesquisador” (Martins, 2004, p. 292), o que torna a relação entre as partes não somente social, mas também política. Esse fator pode ser reduzido na entrevista por e-mail. Meho também lembra que a entrevista por e-mail pode alcançar entrevistados tímidos, introvertidos, que teriam dificuldade em expressar-se em uma entrevista presencial, mas sentem-se mais confiantes com a entrevista por e-mail.

Do ponto de vista
do entrevistado, a entrevista por e-mail confere maior grau de anonimato do que uma entrevista presencial, embora não o seja (Egan, 2008). A sensação de anonimidade pode encorajar o informante a ser mais aberto, espontâneo e desinibido em suas respostas escritas, de um modo que não seria, caso a entrevista fosse presencial (Hunt; McHale, 2007; Egan, 2008). Este pressuposto da anonimidade, segundo Lokman Meho (2006), pode explicar por que alguns informantes estão mais dispostos a conceder entrevista por e-mail do que presencialmente. Por outro lado, é mais frequente nas entrevistas por e-mail em comparação com as entrevistas presenciais –, que alguns entrevistados desistam da participação no meio da entrevista, sem avisar o entrevistador, ou mostrem-se hostis ao pesquisador, quando se sentem pressionados a responder. Neste caso, o entrevistador deverá tomar uma decisão ética sobre a utilização ou não do material incompleto (Hunt; McHale, 2007). Raymond Opdenakker (2006) observa também que, ao contrário da entrevista face a face – na qual o entrevistado pode sentir-se constrangido em responder alguma pergunta de forma socialmente indesejável, por assim dizer, buscando atender às expectativas do entrevistador –, a entrevista por e-mail reduz essa possibilidade. Por outro lado, a espontaneidade oferecida pela entrevista face a face é perdida na entrevista por e-mail (Egan, 2008).

Um
cuidado importante a ser considerado nas entrevistas por e-mail, ainda segundo Opdenakker (2006), é que cada pessoa tem um estilo próprio de se expressar. O entrevistador deverá se familiarizar com o estilo de escrita do entrevistado, de modo a captar as mensagens contidas nas entrelinhas, o que pode ser bastante difícil tendo-se como base somente o texto escrito. Além disso, o fator que parecia uma vantagem inicial das entrevistas por e-mail – a economia de tempo, pode se revelar falso, considerando que em uma entrevista assíncrona, o entrevistado pode levar dias, ou até semanas para responder as perguntas. Isso aumenta o risco de o entrevistado perder o foco ou o interesse pela entrevista no processo (Hunt; McHale, 2007).

Lokman Meho (2006) ainda lembra que, ao passo que muitos indivíduos têm dificuldade com a expressão escrita – o que pode confundir o entrevistador em sua tentativa de compreender o que o entrevistado quis dizer –, outros se expressam com mais eficiência na forma escrita do que na expressão oral. Na entrevista por e-mail, o entrevistado tem tempo para refletir, pesquisar e construir sua resposta, sem que o entrevistador conheça o processo de formulação de sua escrita (Opdenakker, 2006; EGAN, 2008). Nigel Hunt e Sue McHale (2007) lembram que nas entrevistas por e-mail tanto o entrevistado como o entrevistador têm maior tempo para refletir sobre o que foi dito; por estar na forma escrita, ambos podem retomar qualquer parte da entrevista no texto antes de prosseguir com o diálogo, o que é mais difícil na entrevista presencial. Em relação à profundidade das interações entre pesquisador e entrevistado, segundo Kay Cook (2008), entrevistas aprofundadas são aquelas


[...
] nas quais os participantes são encorajados a falar detalhadamente sobre o tópico em investigação, sem que o entrevistador tenha que interrompê-lo com perguntas curtas e focadas. O pesquisador não precisa preparar uma lista de perguntas muito abrangente. [...] As entrevistas aprofundadas são adequadas para a coleta de dados em diferentes tipos de metodologias [...] e são frequentemente usadas como método único e coleta de dados. (Cook, 2008, p. 422, tradução nossa).

Portanto, para atingir o mesmo nível de detalhamento de uma entrevista aprofundada presencial, uma entrevista aprofundada por e-mail pode exigir múltiplas trocas de e-mail entre entrevistador e entrevistado, durante longo período de tempo, por ser uma interação assíncrona, na qual as duas partes podem levar um tempo indeterminado entre perguntas e respostas. A interação presencial facilita a tarefa de empreender entrevistas aprofundadas.

Edgar Burns (2010) argumenta que as tecnologias emergentes de comunicação não diminuem a importância das formas mais tradicionais de coleta de dados em pesquisas qualitativas, mas enriquecem o leque de ferramentas investigativas disponíveis para a pesquisa social na atualidade. Edgar Burns (2010), Nigel Hunt e Sue McHale (2007) ressaltam, ainda, que as entrevistas por e-mail podem ser utilizadas como modalidade não exclusiva de coleta de dados, ou seja, podem ser empregadas como complementação a outras formas de entrevistas, como as entrevistas presenciais, por exemplo.

Após a reflexão cuidadosa sobre as questões colocadas por tantas autoras e autores que refletiram sobre os limites e possibilidades das entrevistas por e-mail, comparando-as com as entrevistas presenciais, decidimos utilizar as duas modalidades de entrevistas em nossa pesquisa sobre a assexualidade, o que exigiu atenção redobrada na análise, uma vez que seria necessário, de alguma forma, equalizar as duas modalidades. A pesquisa em questão, portanto, utilizou as entrevistas por e-mail como forma de reunir mais elementos para a análise, como complemento às experiências trazidas pelas entrevistas presenciais.

Considerando que o número de entrevistas por e-mail, em nossa pesquisa, era quatro vezes superior ao número das entrevistas presenciais, concluímos que seria inviável gerenciar tamanha quantidade de entrevistas, se tivéssemos que fazer troca de mensagens por e-mail por estendido período de tempo. Nesse sentido, estabelecemos que as entrevistas presenciais seriam entrevistas aprofundadas, e as entrevistas por e-mail seriam feitas em uma única etapa de perguntas. Deste modo, foram enviadas as perguntas aos participantes, que as responderam de uma única vez, sendo que entramos em contato posterior somente quando percebemos que o entrevistado não tinha compreendido alguma pergunta. Dessa forma, realizamos nosso trabalho de campo, o qual conseguiu alcançar 40 entrevistados, moradores de 4 regiões, 13 estados e 31 municípios brasileiros







Considerações finais




Os dois principais fatores que apontaram para a necessidade da utilização de ferramentas tecnológicas para a realização do trabalho de campo da pesquisa com os assexuais foram, primeiramente, o fato de a comunidade assexual brasileira – assim como os indivíduos que nela interagem –, estar consolidada majoritariamente no ambiente virtual. Mesmo os entrevistados presenciais, em sua maioria, souberam da pesquisa pela internet, principalmente pelo Blog Assexualidades. Dificilmente alguém se identificaria como assexual não tendo tido acesso ao conceito de assexualidade, nascido e propagado no ambiente virtual. O segundo fator – a impossibilidade da realização de entrevistas presenciais com os muitos voluntários espalhados por diversas regiões, estados e municípios brasileiros –, também indicava a necessidade de pensarmos em alternativas. O e-mail demonstrou-se uma ferramenta utilizada por todos os entrevistados, o mesmo não ocorrendo com outras formas de comunicação via computador, como o Skype, por exemplo. Sabemos que este recorte – acesso à internet –, certamente imprime determinadas características aos entrevistados, seja de renda, faixa etária, escolaridade e raça/etnia, abrangendo somente a parte da população que tem acesso digital.

Um ponto importante, observado nas entrevistas por e-mail, é que os entrevistados mostraram-se mais objetivos em suas respostas, mantendo-se dentro dos limites das perguntas. Nas entrevistas face a face, existe uma grande probabilidade de divagação do informante – e até mesmo do entrevistador –, dependendo do rumo do diálogo e de seu grau de informalidade. Observamos isso nas entrevistas presenciais aprofundadas. Dos oito participantes presenciais, três concederam a entrevista em 1 hora, e cinco levaram até 2 horas para elaborar suas respostas. A diferença de tempo pode estar associada à quantidade de informações, ao nível de profundidade dos relatos, à forma de elaboração do pensamento e à expressão oral de cada informante.

Na análise geral do material de campo
, buscamos levar em conta todos os fatores elencados sobre as duas modalidades na literatura especializada. Basicamente, na pesquisa, a característica principal das entrevistas presenciais é que estas ofereceram um panorama geral da vida do entrevistado, abrangendo, de modo mais profundo, o processo de autoidentificação da assexualidade e seus desdobramentos no contexto mais amplo da biografia dos indivíduos. Nesse sentido, o entrevistado presencial discorreu, em ordem cronológica, sobre sua infância, adolescência, vida adulta, até o momento da entrevista, situando suas percepções sobre sua autoidentidade assexual nos espaços sociais dos quais fez e faz parte. Os entrevistados por e-mail relataram de modo mais direto seu processo de autoidentificação, não necessariamente detalhando os desdobramentos desse processo ao longo de suas vidas. Porém, alguns entrevistados por e-mail foram surpreendentemente minuciosos em seus relatos, aproximando-se do detalhamento oferecido pelos entrevistados presenciais. Alguns entrevistados por e-mail mencionaram que o exercício de escrever sobre si foi muito positivo, pois antes nunca tinham pensado sobre sua trajetória de autoidentificação da assexualidade; escrever sobre esse aspecto de sua sexualidade ajudou-os a organizar seus pensamentos e lembrar-se de episódios importantes do percurso.

Nossa ideia inicial era utilizar os conteúdos das entrevistas presenciais como fonte principal, utilizando as entrevistas por e-mail como complementares, como fontes de apoio. Mas diante da riqueza de todas as entrevistas, decidimos organizar um capítulo da pesquisa com as biografias dos entrevistados presenciais para oferecer um panorama geral de suas trajetórias e de como a autoidentificação como assexuais se insere em seus percursos. As 32 entrevistas realizadas por e-mail foram somadas às entrevistas presenciais, na análise desenvolvida, com o objetivo de captar similaridades, diferenças, contrastes, aproximações, distanciamentos, consonâncias e dissonâncias das experiências de todos os participantes.

Para finalizar, afirmamos que as entrevistas por e-mail enriqueceram nossa pesquisa em formas que não poderíamos prever. As experiências compartilhadas pelos entrevistados trazem a ampla diversidade de vivências assexuais, marcadas pela rica diversidade cultural e regional do país, conferindo caminhos para novas explorações nesse campo. Em um momento histórico em que as tecnologias de informação e comunicação se tornaram tão relevantes nas interações sociais, o e-mail constitui ferramenta útil à pesquisa acadêmica, que deve se atualizar em conformidade com os canais e recursos disponíveis em nossa era.



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