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ARTIGO-PARECER: EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: UM ENSAIO SOBRE ALTERIDADES SUBALTERNIZADAS NAS CIÊNCIAS FÍSICAS

INFORME DE ARBITRAJE: EDUCACIÓN PARA LAS RELACIONES ÉTNICO-RACIALES: UN ENSAYO SOBRE LAS ALTERIDADES SUBALTERNIZADAS EN LAS CIENCIAS FÍSICAS

ARTICLE-OPINION: EDUCATION FOR ETHNIC-RACIAL RELATIONS: AN ESSAY ON SUBALTERNIZED ALTERNATIONS IN PHYSICAL SCIENCES

RESUMO:

Este artigo-parecer dialoga com o texto “Educação para as relações étnico-raciais: um ensaio sobre alteridades subalternizadas nas ciências físicas” (Alves-Brito & Alho, 2022). Os autores utilizam a Teoria Crítica da Raça (TCR) como parte de seus referenciais para discutir educação e divulgação em ciência numa perspectiva decolonial e antirracista. Neste artigo, a proposta é expandir a discussão sobre a TCR e apresentar suas possibilidades para transformações na educação científica. O diálogo inicia com o histórico da TCR e examina seu conjunto de conceitos básicos, incluindo: a construção social da raça, a normalidade do racismo, a convergência de interesses, a racialização diferencial, a interseccionalidade e o reconhecimento da voz das pessoas não brancas. Por fim, este artigo-parecer aponta para conexões entre as reações de grupos conservadores de extrema-direita, a TCR e uma educação científica para as relações étnico-raciais.

Palavras-chave:
Teoria Crítica da Raça; Educação científica; Pesquisa em ensino de física

RESUMEN:

Este informe de arbitraje dialoga con el artículo “Educación para las relaciones étnico-raciales: un ensayo sobre alteridades subalternizadas en las ciencias físicas” (Alves-Brito & Alho, 2022). Los autores utilizan la Teoría Crítica de la Raza (TCR) como parte de su marco teórico para discutir la educación y difusión de la ciencia desde una perspectiva decolonial y antirracista. En este informe, se busca ampliar la discusión sobre la TCR y presentar sus posibilidades para transformaciones en la educación científica. El diálogo comienza con la historia de la TCR y examina sus conceptos básicos, incluyendo: la construcción social de la raza, la normalidad del racismo, la convergencia de intereses, la racialización diferencial, la interseccionalidad y el reconocimiento de las voces de las personas no blancas. Finalmente, este informe señala las conexiones entre las reacciones de grupos conservadores de extrema derecha, la TCR y la educación científica para las relaciones étnico-raciales.

Palabras clave:
Teoría Crítica de la Raza; Educación científica; Investigación en enseñanza de la física

ABSTRACT:

This paper engages with the manuscript “Education for ethnic-racial relations: an essay on subalternized alterities in the physical sciences” (Alves-Brito & Alho, 2022). The authors use Critical Race Theory (CRT) as part of their framework to discuss science education and dissemination in a decolonial and anti-racist perspective. In this paper, the goal is to expand the discussion on CRT and present its possibilities for transformations in science education. The dialogue begins with the history of CRT and examines its set of basic tenets, including: the social construction of race, the normality of racism, interest convergence, differential racialization, intersectionality and recognition of the voices of People of Color. Finally, this paper points to connections between conservative extreme-right groups, CRT and scientific education for ethnic-racial relations.

Keywords:
Critical Race Theory; Science education; Physics education research

INTRODUÇÃO

Este texto dialoga com o artigo “Educação para as relações étnico-raciais: um ensaio sobre alteridades subalternizadas nas ciências físicas”, publicado nesta revista. Enfatizo a perspectiva de diálogo e não de reação, formato em voga nas mídias sociais, ou resposta, no sentido de rebater, como muitas vezes fazemos em espaços acadêmicos. Parte de um exercício pessoal e político, buscarei um resgate de diálogo com os pares fundamentado nas noções de espaços de trocas comunitárias ancestrais, as rodas. As rodas são estruturas de trocas compartilhadas por diversos grupos, tais como povos originários, quilombolas e povos de santo. Assim, trago para esta roda minhas experiências e entendimentos acerca da Teoria Crítica da Raça (TCR), uma perspectiva teórico-político-metodológica que nasce nos Estados Unidos nos anos 1970. Neste compartilhamento com a comunidade brasileira de educação científica, busco apresentar o histórico da TCR; destacar algumas das figuras-chave que pavimentaram o caminho para o desenvolvimento da TCR; examinar seu conjunto de preceitos básicos, incluindo a construção social da raça, a normalidade do racismo, a convergência de interesses, a racialização diferencial, a interseccionalidade e o reconhecimento da voz das pessoas não brancas; e iniciar uma conversa sobre as múltiplas possibilidades da TCR para uma educação científica para as relações étnico-raciais.

HISTÓRICO DA TCR

A Teoria Crítica da Raça é um movimento que surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, dentro dos estudos legais, interrogando o racismo como estrutura subjacente na sociedade. Ao longo do tempo, as ideias, conceitos e metodologias da TCR alcançaram diversos campos acadêmicos, como a educação, de modo mais amplo, e a educação em ciências, particularmente.

A TCR tem início a partir de um grupo de intelectuais do campo do Direito. Esse grupo era composto, em sua maioria, de pessoas não brancas que estavam insatisfeitas com as abordagens tradicionais dentro do movimento pelos direitos civis, nos Estados Unidos, que se concentravam na discriminação individual e não na natureza sistêmica do racismo. Essas pesquisadoras e pesquisadores eram dissidentes do grupo de críticos no campo do Direito. Aqui, refiro-me à perspectiva crítica compartilhada por intelectuais da chamada Escola de Frankfurt, que compreendia a sociedade como profundamente moldada por relações de poder. No entanto, as pessoas que vieram a formar o movimento da TCR entendiam que o racismo nos Estados Unidos não estava sendo suficientemente abordado nos círculos críticos.

A TCR também se inspirou em outros movimentos sociais da época, como os movimentos Black Power e feminista, que destacavam as formas pelas quais as pessoas não brancas e as mulheres brancas estavam resistindo e desafiando sistemas de opressão. Uma das principais inspirações para a TCR foi o trabalho do intelectual do Direito Derrick Bell, um dos primeiros a argumentar que o racismo não era apenas uma questão de preconceito individual, mas uma questão estrutural.

PERSONAGENS CENTRAIS DA TCR

É comum lermos que a TCR é, entre outras coisas, um movimento. Isso acontece porque a TCR, diferentemente de muitas formulações teóricas, se constrói a partir de uma movimentação política, ativista e acadêmica de intelectuais a partir de um conjunto de publicações ao longo dos anos. Então, neste momento, quero trazer para a roda algumas dessas pessoas que promoveram as articulações iniciais para a construção do arcabouço teórico da Teoria Crítica da Raça. Apresento alguns dos principais nomes desse movimento: Derrick Bell, Kimberlé Crenshaw, Richard Delgado, Mari Matsuda, Charles Lawrence III e Patricia Williams. A seguir, faço uma breve apresentação de cada pessoa e trago algumas de suas publicações que influenciaram a TCR.

A) DERRICK BELL JR.

Derrick Bell Jr. (1930-2011) foi um jurista estadunidense, nascido em Pittsburgh, Pensilvânia e que estudou na Duquesne University e na University of Pittsburgh School of Law. Bell começou sua carreira como advogado de direitos civis e mais tarde se tornou professor de direito na Harvard Law School, onde ensinou de 1971 a 1991. Ele é considerado um dos fundadores da Teoria Crítica da Raça e foi um dos primeiros a argumentar que o racismo não era apenas uma questão de preconceito individual, mas também estava profundamente enraizado nas estruturas e práticas da sociedade.

O livro “Race, Racism and American Law” (1970) é uma das obras mais conhecidas de Bell e é considerado um clássico no campo da TCR. Nesta obra, o autor oferece uma visão abrangente das formas como o racismo está incorporado na lei e nas instituições jurídicas estadunidenses. Ele promove uma revisão crítica das formas como a lei perpetua e reforça a desigualdade racial. Já o livro “And We Are Not Saved: The Elusive Quest for Racial Justice” (1987Bell Jr., D. A. (1987). And we are not saved: The elusive quest for racial justice. New York: Basic Books.) é uma coleção de ensaios e discursos de Bell que exploram as formas como o racismo está inserido na sociedade estadunidense e as limitações das reformas legais tradicionais como meio de alcançar justiça racial.

No artigo “Brown v. Board of Education and the Interest-Convergence Dilemma” (1980Bell Jr., D. A. (1980). Brown v. Board of Education and the Interest-Convergence Dilemma. Harvard Law Review, 93(3), 518-33.), Bell discute o caso da integração das escolas nos Estados Unidos, partindo do resultado que permitiu à estudante negra Linda Brown frequentar uma escola que era somente para pessoas brancas. A partir da análise, Bell introduz o conceito de convergência de interesses, argumentando que pessoas brancas só apoiarão a justiça racial quando isso for de seu próprio interesse. Nesse caso, a situação de segregação racial nos EUA estava prejudicando sua relação política e comercial com outros países. Portanto, mais do que uma questão de direito ao acesso a qualquer escola por pessoas negras, o fim da segregação nas escolas significou um ganho político e econômico para a maioria branca. Portanto, o progresso feito no Movimento dos Direitos Civis foi resultado da convergência dos interesses de pessoas brancas e negras.

Em “Racial Realism” (Bell, 1992Bell Jr., D. A. (1992). Racial realism. Connecticut Law Review, 24(2), 363-380.), influenciado pelos avanços de abordagens científicas e pelo crescimento das Ciências Sociais, Derrick Bell assume uma postura crítica realista e argumenta que o racismo é uma característica permanente da sociedade estadunidense, não podendo ser eliminado por meio de reformas legais ou políticas tradicionais que não abordem a diversidade racial. As ideias realistas de Bell podem ser lidas como pessimistas (Delgado, 1991Delgado, R. (1991). Derrick Bell’s Racial Realism: A Comment on white optimism and Black despair commentary on Racial Realism, Conn. L. Rev ., 24, 527.), pois ele não traz uma história que conforta as pessoas brancas; ao contrário, ele diz que não se pode confiar na boa vontade das pessoas brancas para a mudança da realidade de pessoas não brancas, para a realidade do racismo. Ao introduzir a noção de “realismo racial”, Bell adiciona que a luta contra o racismo será difícil e incremental.

B) KIMBERLÉ CRENSHAW

Kimberlé Crenshaw (1959-) é uma teórica crítica da raça estadunidense e defensora dos direitos civis. Crenshaw nasceu em Canton, Ohio e estudou nas Universidade de Cornell, Harvard e Wisconsin, Madison. Atualmente, é professora de direito na UCLA e na Columbia Law School. Ela também é considerada uma das fundadoras da TCR e é mais conhecida por seu trabalho sobre interseccionalidade.

No artigo “Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist’s View of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics” (1989Crenshaw, K. (1989). Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, Vol. 1989: Iss. 1, Article 8.), Crenshaw analisa o caso em que cinco mulheres negras processam a General Motors por discriminação racial e de gênero. Na ocasião, há uma negativa do sistema jurídico em admitir o processo dessa forma, aceitando apenas ou discriminação racial ou discriminação de gênero, separadamente, o que resulta no apagamento da discriminação que essas mulheres negras sofriam. A partir dessa análise, Crenshaw teoriza sobre a necessidade de se considerar o cruzamento de opressões. É neste trabalho que ela define o termo interseccionalidade, que se refere às formas como diferentes formas de opressão, como raça, gênero e classe, interagem e se sobrepõem. Embora esse conceito já estivesse presente, particularmente no movimento de mulheres negras, entende-se que é aqui que o termo é cunhado. Crenshaw argumenta que os movimentos feministas e antirracistas tradicionais não levaram em conta como essas formas de opressão se intersectam e modelam as experiências de grupos marginalizados, especialmente mulheres não brancas.

Em “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color” (1991Crenshaw, K. (1991). Mapping the Margins: Intersectionality, identity politics, and violence against Women of Color. Stanford Law Review 43(6), 1241-99.), Crenshaw analisa casos de mulheres que sofreram violência doméstica. Ao procurarem ajuda após espancamentos, muitas mulheres não brancas precisavam de auxílio financeiro, pois não tinham condições para arcarem com os custos de moradia e alimentação. Havia, também, os casos de mulheres imigrantes que, se denunciassem violência doméstica, poderiam ser deportadas, fazendo com que essas mulheres permanecessem sem buscar ajuda. Assim, as leis não consideravam os cruzamentos entre raça e classe ou raça e status imigratório, por exemplo, nos casos de violência contra mulher e acabavam por favorecer a assistência efetiva para mulheres brancas cidadãs estadunidenses. É a partir da análise de vários casos de violência contra mulher que Crenshaw discute e teoriza o conceito de interseccionalidade, apresentado em suas três formas: estrutural, política e representacional.

C) RICHARD DELGADO

Richard Delgado (1939-) é um acadêmico de direito estadunidense. Delgado nasceu na cidade de Nova York e estudou na University of Washington e na UC Berkeley School of Law. Atualmente, é professor de direito na Seattle University School of Law. Ele possui vasta produção acadêmica nas discussões sobre raça e direito com significativa influência no desenvolvimento do campo da jurisprudência crítica da raça.

Em “The Rodrigo Chronicles: Conversations About America and Race” (Delgado, 1995Delgado, R. (1995). The Rodrigo Chronicles: Conversations about America and race. New York: New York University Press. 296p.), Delgado usa o personagem de Rodrigo, um advogado Latino, para explorar as complexidades da raça e do racismo nos Estados Unidos. Através de uma série de ensaios fictícios, o autor usa as experiências de Rodrigo para ilustrar as formas como o racismo opera na sociedade estadunidense e as limitações da reforma legal tradicional como meio de alcançar a justiça racial. Neste trabalho, o formato narrativo adotado por Delgado é entendido como uma forma de contracontação de história, termo usado na TCR para descrever a forma como grupos marginalizados contam suas próprias histórias para desafiar narrativas e perspectivas dominantes.

D) MARI MATSUDA

Mari Matsuda (1956-) é uma pesquisadora jurídica estadunidense e defensora dos direitos civis. Matsuda nasceu em Honolulu, Havaí, e estudou nas universidades do Estado do Arizona, do Havaí e Harvard. Atualmente, é professora de direito na William S. Richardson School of Law da Universidade do Havaí. Ela é conhecida por seu trabalho na intersecção de raça e gênero e por enfatizar a importância de ouvir e valorizar as perspectivas e experiências de grupos marginalizados.

Matsuda publicou, em 1987, “Looking to the Bottom: Critical Legal Studies and Reparations” (Mastuda, 1987Matsuda, M. (1987). Looking to the Bottom: Critical Legal Studies and Reparations. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, 22(2), 323-. ISSN 2153-2389), onde ela explora o conceito de reparações para descendentes de pessoas africanas escravizadas, argumentando que as reparações são necessárias para abordar o legado contínuo da escravidão e da discriminação racial nos Estados Unidos.

E) CHARLES LAWRENCE III

Charles Lawrence III (1943-) é um teórico de direito estadunidense especializado em leis antidiscriminatórias. Ele nasceu na Cidade de Nova York e estudou na Haverford College e na Yale Law School. Atualmente, é professor de direito na William S. Richardson School of Law da Universidade do Havaí.

Em seu influente artigo de 1987, “The Id, The Ego, and Equal Protection: Reckoning With Unconscious Racism” (Lawrence, 1987Lawrence III, C. (1987). The Id, The Ego, and Equal Protection: Reckoning with Unconscious Racism. Stan. L Rev... 39, 317.), Lawrence discute o conceito de racismo inconsciente, que se refere às formas nas quais as atitudes e crenças racistas podem operar fora da consciência, um viés implícito racial. O autor argumenta que o racismo inconsciente é uma barreira significativa para alcançar a igualdade racial e que precisa ser reconhecido e abordado.

F) PATRICIA WILLIAMS

Patricia Williams (1951-) é uma jurista estadunidense e defensora dos direitos civis. Williams nasceu em Boston, Massachusetts; estudou na Wellesley College e na Harvard Law School. Atualmente, é professora de direito na Columbia Law School. Praticante de direito imobiliário, defendeu o uso do direito para proteger a comunidade negra ao mesmo tempo em que apontou os impactos ineficazes e às vezes prejudiciais do direito para esse mesmo grupo.

No livro “Seeing a Color-Blind Future: The Paradox of Race” (Williams, 1997Williams, P. J. (1997). Seeing a Color-blind Future: the Paradox of Race. New York: Farrar, Straus and Giroux. 74p.), Williams traz um conjunto de ensaios que discutem a permanência do racismo e possíveis formas de enfrentamento. A autora utiliza exemplos reais, como quando seu filho estava na educação infantil e a professora indicou que a criança tinha daltonismo. Ao consultar o médico, o diagnóstico da professora não foi confirmado. Williams, então, descobre que seu filho brigava com colegas em sala de aula sobre se pessoas negras poderiam ser os “mocinhos” nas brincadeiras e a professora falava para as crianças que cor não importava, que era indiferente ser branco, negro, verde ou azul. A partir daí, seu filho se recusou a identificar quaisquer cores na sala de aula, levando a professora a alertar a mãe sobre o daltonismo. Williams critica a ideia de uma sociedade “sem distinção de cor” e argumenta que este ideal é impossível de alcançar, enquanto o racismo e outras formas de opressão continuarem a existir.

As pessoas que apresentei são algumas dentre as pioneiras e pioneiros da Teoria Crítica da Raça, mas é importante observar que a TCR foi desenvolvida e ampliada por muitas outras pessoas, como Alan Freeman, Neil Gotanda, Jean Stefancic, Gloria Ladson-Billings, etc.

A Teoria Crítica da Raça é entendida como um movimento acadêmico ativista justamente por reunir os trabalhos de várias pessoas e por seu corpo teórico ser formado pelas ideias presentes em publicações diversas, mas que dialogam entre si e partem de alguns princípios básicos. Nesse sentido, nem todas as pessoas que se filiam à TCR compartilham das mesmas ideias, mas é possível identificar preceitos básicos comuns, que anunciarei a seguir.

PRINCÍPIOS BÁSICOS DA TCR

A teoria crítica da raça foi formalmente articulada no livro “Critical Race Theory: The Key Writings That Formed the Movement” (1995), editado por Kimberle Crenshaw, Neil Gotanda, Gary Peller e Kendall Thomas. Do início do ativismo de juristas nos anos 1970, passando pela influência de diversos campos do conhecimento e críticas ao movimento TCR, surge um outro compilado de publicações. Em “Critical race theory: the cutting edge”, livro editado por Delgado (1995Delgado, R. (Ed.). (1995). Critical race theory: the cutting edge. Philadelphia: Temple University Press.), são trazidas, entre outras questões, as discussões sobre direito à propriedade e branquitude, essencialismo e antiessencialismo, feminismo crítico da raça e estudos críticos da branquitude. É a partir deste conjunto de publicações que surgem os princípios básicos da TCR (Delgado, Stefancic, 2001Delgado, R. & Stefancic, J. (2021). Teoria crítica da Raça: uma introdução. (trad. Diógenes Moura Breda) São Paulo: Editora Contracorrente.):

  1. Construção social da raça: pesquisadores e pesquisadoras da TCR concordam que a raça não é um fato biológico, mas sim uma construção social criada e reforçada pela sociedade. Isso significa que a maneira como entendemos e experimentamos a raça é moldada por fatores sociais, políticos e econômicos, e não por diferenças biológicas inerentes.

  2. Normalidade do racismo: significa dizer que o racismo não é uma aberração, mas uma parte normal e integrada da sociedade. Isso traz a implicação de que o racismo não é apenas uma questão de preconceito individual, mas que está profundamente enraizado nas estruturas e práticas da sociedade. Nesse sentido, é possível haver um contexto racista sem a ação de um indivíduo racista.

  3. Convergência de interesses: é a noção de que pessoas brancas apoiarão a justiça racial apenas quando estiver em seu interesse próprio fazê-lo. Isso significa que as pessoas brancas podem apoiar políticas ou ações que beneficiem pessoas não brancas, mas somente se essas políticas ou ações também beneficiem as pessoas brancas de alguma forma.

  4. Racialização diferencial: a TCR destaca as maneiras pelas quais pessoas não brancas são racializadas, ou tratadas de maneira diferente, com base na sua raça, etnia, nacionalidade ou territorialidade. Isso significa que diferentes grupos de pessoas não brancas podem experimentar o racismo de maneira diferente e que essas experiências precisam ser compreendidas e analisadas em seu contexto específico.

  5. Interseccionalidade: a TCR destaca as formas pelas quais diferentes formas de opressão, como raça, classe, gênero, sexualidade e territorialidade, interagem e se sobrepõem. Isso implica na necessidade de se considerar os cruzamentos de diversas opressões para a compreensão e combate às desigualdades.

  6. Reconhecimento da voz de pessoas não brancas: a TCR enfatiza a importância de ouvir e valorizar as perspectivas e experiências de grupos marginalizados, particularmente as pessoas não brancas. Isso inclui o uso de contranarrativas ou histórias e perspectivas alternativas que desafiam as narrativas dominantes e oferecem uma compreensão mais completa e precisa do mundo. A chave aqui é desafiar as narrativas dominantes, não é apenas sobre contar histórias.

Estes princípios não são uma lista definitiva e existem outros conceitos e ideias que também são relevantes para a TCR, mas esses são considerados conceitos compartilhados por intelectuais que se alinham à TCR e fornecem uma estrutura para entender as formas como a desigualdade racial é mantida e reforçada na sociedade. Embora os artigos seminais da TCR sejam do campo jurídico, essas ideias, conceitos e práticas se espalharam para diversas áreas, como estudos sociais, de gênero e educação.

Quando falo em prática, no contexto da TCR, para além da parte metodológica trago seu importante aspecto ativista. Pesquisadoras e pesquisadores que se alinham à TCR compartilham a compreensão de que não se trata apenas de um referencial teórico, mas um movimento ativista para mudança social. A TCR destaca as formas pelas quais as pessoas não brancas, especialmente pessoas negras, resistiram e continuam a resistir ao racismo e a supremacia branca. Isso inclui tanto atos individuais de resistência, como protestos e ações judiciais, quanto movimentos coletivos para mudança social.

Neste texto, ao me referir à supremacia branca, trato da convicção de que pessoas brancas são superiores a pessoas de outras raças e de que essa superioridade justifica a dominação e opressão de pessoas não brancas. Além disso, há o entendimento de que a supremacia branca não é somente sobre atos de violência ou ódio, mas também sobre a manutenção de poder e privilégio; e de que não é necessário se identificar como supremacista branco para praticá-la e colher seus benefícios. Finalmente, a supremacia branca não é algo restrito a áreas geográficas específicas e, definitivamente, não é uma coisa do passado.

Em 2001, Richard Delgado e Jean Stefancic publicam “Critical Race Theory: An Introduction” (Delgado & Stefancic, 2001Delgado, R. & Stefancic, J. (2001). Critical Race Theory: An introduction. New York: New York University Press.), livro que fornece uma introdução abrangente à Teoria Crítica da Raça, aos seus conceitos e ideias chave. O livro cobre a história da TCR, seus principais preceitos e contribuições para o campo jurídico, além de mostrar a expansão das discussões da TCR para outros campos acadêmicos. Vinte anos depois, em 2021, essa publicação foi traduzida para o português (Delgado & Stefancic, 2021Delgado, R. & Stefancic, J. (2001). Critical Race Theory: An introduction. New York: New York University Press.), tornando-se o primeiro livro em nosso idioma que discute a Teoria Crítica da Raça.

TEORIA CRÍTICA DA RAÇA, EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS

Na educação, Gloria Ladson-Billings e William Tate foram algumas das pessoas pioneiras com o artigo “Toward a Critical Race Theory of education” (Ladson-Billings & Tate, 1995Ladson-Billings, Gloria; Tate, W. F. (1995). Toward a Critical Race Theory of education. Teachers College Records, 97(1), 47-68.), em que buscam teorizar sobre raça, discutindo como o direito à propriedade se constitui em um fator fundamental na sociedade estadunidense e de que forma propriedade e educação se conectam. Compartilhando uma premissa básica da TCR, Ladson-Billings e Tate argumentam que o racismo continua presente na sociedade e, portanto, no espaço educacional. De modo análogo ao argumento utilizado no Direito para as abordagens tradicionais dos movimentos dos direitos civis, a dupla aponta que mudanças incrementais na educação, a exemplo do que se faz na perspectiva multicultural, não são capazes de provocar mudanças estruturais que levem à justiça social.

A TCR na educação tem sido particularmente útil para entender e desafiar as formas como as escolas e o sistema educacional reproduzem e mantêm a desigualdade racial. Pesquisadoras e pesquisadores têm usado a TCR para analisar questões como diferenças no desempenho, encarceramento da juventude e as formas como testes padronizados e os currículos reforçam as narrativas dominantes e marginalizam as perspectivas e experiências dos estudantes não brancos/as.

Por exemplo, Ladson-Billings (1998Ladson-Billings, G. (1998). Just what is Critical Race Theory and what’s it doing in a nice field like education? Int. J. Qual. Stud. Educ. 11(1), 7-24.), em seu trabalho sobre pedagogia culturalmente relevante, enfatiza a importância da incorporação das culturas e experiências de estudantes não brancas/os na sala de aula. Eduardo Bonilla-Silva (2003Bonilla-Silva, E. (2003). Racism without Racists: Color-Blind Racism and the Persistence of Racial Inequality in America. Lanhm, MD: Rowman & Littlefield.) aborda como o daltonismo racial, a negação em “enxergar” cores nas pessoas, e as microagressões raciais, formas sutis e cotidianas de racismo, interferem nas vivências e resultados escolares para estudantes não brancas/os, argumentando sobre as sutilezas do racismo contemporâneo e seu aspecto frequentemente inconsciente.

Em seu trabalho, Bonilla-Silva usa o termo daltonismo racial ou racismo daltônico (do inglês, color-blind racism). Entretanto, a expressão é considerada capacitista e uma literatura mais atualizada, influenciada pelos estudos DisCrit (do inglês Dis/ability Critical Race Theory), utiliza race-evasiveness ou color-evasiveness (Annamma, Jackson & Morrison, 2017Annamma, S. A.; Jackson, D. D. & Morrison, D. (2017). Conceptualizing color-evasiveness: using dis/ability critical race theory to expand acolor-blind racial ideology in education and society, Race Ethnicity and Education, 20(2), 147-162.) em referência ao conceito de negar a diferença entre grupos raciais, com argumentos de que não se “enxerga” raça, de que todas as pessoas são iguais e de que ações e políticas devem ignorar que existem raças, sendo esse o caminho para o fim do racismo. Uma tradução possível para race-evasiveness é racismo evasivo.

Outro aspecto que tem sido discutido no campo educacional, a partir de uma perspectiva TCR, e que tenho particular interesse (Rosa, Alves-Brito & Pinheiro, 2020Rosa, K.; Alves-Brito, A.; Pinheiro, B. C. S. (2020). Pós-verdade para quem? Fatos produzidos por uma ciência racista. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37(3), 1440-1468.), é a investigação sobre como métodos tradicionais de ensino, bem como nossos currículos são eurocêntricos, limitando a compreensão de estudantes e reforçando a dominação de certas culturas. Esse é um aspecto presente no texto de Alves-Brito e Alho (2022)Alves-Brito, Alan, & Alho, Kaleb R. (2022). Educação Para as Relações Étnico-Raciais: Um Ensaio Sobre Alteridades Subalternizadas nas Ciências Físicas. Ensaio Pesquisa Em Educação Em Ciências, 24, e37363. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240122
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, afinal, os autores questionam o apagamento das epistemologias e culturas dos povos originários de Alcântara, do Xingu, de Mauna Kea e do Arizona.

TCR E A EDUCAÇÃO CIENTÍFICA

Existem muitos trabalhos e discussões possíveis, o campo é vasto e em constante expansão. Para fins de ilustração nessa roda, vou mostrar como dois conceitos presentes na TCR podem servir de subsídios para pensarmos alguns fenômenos no Ensino de Ciências, de modo geral e de física, em particular.

A convergência de interesses pode ajudar a pensar sobre como certos grupos apoiam algumas políticas educacionais e científicas (ex.: reformas curriculares, programas de publicação de livros didáticos, editais para eventos ou feiras de ciências, etc.) com base em seus próprios interesses (ex.: privatização, contratos com editoras, serviços de organização de eventos, venda de equipamentos, etc) e não por realmente acreditarem no direito ao ensino de física de qualidade para toda a população estudantil.

De forma semelhante, grupos como agências governamentais ou fundações privadas podem defender um aumento de financiamento para pesquisas em ensino de física porque veem isso como uma forma de melhorar a competitividade do país no campo da ciência e tecnologia e não a partir de uma compreensão de que é um direito de toda população ter melhor ensino de física, que pode ser obtido com os resultados das pesquisas.

Na mesma linha, há grupos como universidades, empresas ou organizações profissionais, que podem defender iniciativas visando aumentar a representatividade de grupos historicamente sub-representados na física porque veem isso como uma forma de diversificar a força de trabalho, melhorar sua própria competitividade e lucro, ou melhorar a imagem da instituição num cenário internacional. Dessa forma, o benefício só acontece para os grupos sub-representados na física porque é também do interesse dos grupos dominantes, ou seja, há uma convergência de interesses.

Uma das formas em que a normalidade do racismo na nossa sociedade se manifesta é através das microagressões raciais. O termo microagressões, cunhado pelo psiquiatra Chester Pierce (1970Pierce, C. (1970). Offensive mechanisms. In Pierce C., Barbour F. B. (Eds.), The Black seventies: An extending horizon book(pp. 265-282). Porter Sargent Publisher.) e mais tarde expandido para “microagressões raciais” (Sue et al, 2007Sue, D. W.; Capodilupo, C. M.; Torino, G. C.; Bucceri, J. M.; H., Aisha M. B.; Nadal, K. L. & Esquilin, M. (2007). Racial Microaggressions in Everyday Life: Implications for Clinical Practice. American Psychologist 62(4), 271-286. DOI: 10.1037/0003-066X.62.4.271
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) refere-se a interações cotidianas e contínuas, com mensagens geralmente percebidas como inofensivas ou até com intenção de elogio, mas que revelam concepções racistas e têm efeitos psicológicos e físicos em quem as recebe.

No contexto do ensino de física, usando categorias mais recentes (Williams et al, 2021Williams, M. T., Skinta, M. D., & Martin-Willett, R. (2021). After Pierce and Sue: A Revised Racial Microaggressions Taxonomy. Perspectives on Psychological Science, 16(5), 991-1007. https://doi.org/10.1177/1745691621994247
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), podemos ter microagressões na forma de: a) reforço de estereótipo, numa área dominada por homens brancos e asiáticos, estudantes não brancas podem experimentar microagressões na forma de estereótipos raciais que sugerem que elas não são tão capazes ou interessadas em física quanto seus colegas brancos e asiáticos; b) assunções de origem, quando há uma suposição sobre a origem da pessoa não branca e ela é questionada sobre como entrou em determinado programa ou cargo (entrou por cota?), ou se “realmente” quer seguir uma carreira em física; d) viés implícito racial, quando estudantes e docentes não brancos recebem avaliações mais rigorosas do que colegas brancos, além da própria linguagem usada nos exercícios e problemas poder ter linguagem estereotipada ou racista; c) tokenismo, quando estudantes ou docentes recebem destaque por ser a única pessoa não branca em uma turma ou departamento e há a expectativa de que representem todo o grupo racial; e) invalidação de experiências, quando as perspectivas de estudantes e docentes não brancas não são reconhecidas ou incluídas em discussões de sala de aula ou quando o que é compartilhado não é levado a sério.

As microgressões raciais podem afetar a autoestima e o sentimento de pertencimento de estudantes e docentes no mundo da física, fazendo com que não desenvolvam uma identidade científica plena, afetando a performance acadêmica e a saúde mental.

TCR NA PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Diversas têm sido as formas de utilização da Teoria Crítica da Raça na pesquisa em ensino de física. Por exemplo, em um dos trabalhos pioneiros da TCR nessa área (Rosa, 2013Rosa, K. (2013). Gender, Ethnicity, and Physics Education: Understanding How Black Women Build Their Identities as Scientists. Ph.D. Dissertation, Columbia University.), discuto o desenvolvimento da identidade científica de uma mulher negra, doutora em física, utilizando a contracontação de história como ferramenta metodológica para contestar as narrativas sobre as experiências de estudantes negras. Neste trabalho, a visão dominante de que estudantes negras e negros, muitas vezes corroborada com estatísticas elaboradas sem perspectiva crítica, pouco valorizam a sala de aula e, particularmente, as ciências, é contrastada com o relato de Christa, uma jovem tímida, que sofre bullying na escola, mas é apaixonada por ciências. O seu professor entende sua quietude como desinteresse e invalida as tentativas de Christa de aproximação com a ciência.

Ainda no campo metodológico, a partir da TCR, Hyater-Adams, Fracchiolla, Finkelstein e Hink (2018Hyater-Adams, S.; Fracchiolla, C.; Finkelstein, N. & Hinko, K. (2018). Critical look at physics identity: An operationalized framework for examining race and physics identity. Physical Review Physics Education Research, 14(1), 010132.) propõem um referencial operacional para examinar raça e identidade no contexto da física. Abordagens quantitativas críticas da raça também são desenvolvidas (Nissen, Horses & Van Dusen, 2021Nissen, J. M.; Horses, I. H. M. & an Dusen, B. V. (2021). Investigating society’s educational debts due to racism and sexism in student attitudes about physics using quantitative critical race theory. Phys. Rev. Phys. Educ. Res. 17, 010116.), nesse caso, para examinar os cruzamentos das opressões de gênero nas atitudes de estudantes em relação à física. Além disso, as lentes da TCR podem possibilitar novas abordagens para metodologias tradicionais; por exemplo, Robertson e Hairston (2022Robertson, A. D., & Hairston, W. T. (2022). Observing whiteness in introductory physics: A case study. Physical Review Physics Education Research, 18(1), 010119.) utilizam gravações em vídeos de aulas de física para observar reflexos da branquitude nesse espaço.

OS ATAQUES À TCR

Por questionar as estruturas dominantes, ter um papel ativista e potencial transformador, a TCR tem incomodado e sofrido fortes represálias de grupos conservadores. A discussão tem ganhado espaço na mídia estadunidense e nos espaços de decisão escolares. Durante seu governo, Donald Trump emitiu uma ordem executiva banindo financiamento federal para quaisquer treinamentos e formações que se fundamentassem na TCR ou que discutissem privilégio branco:

All agencies are directed to begin to identify all contracts or other agency spending related to any training on ‘critical race theory,’ ‘white privilege,’ or any other training or propaganda effort that teaches or suggests either (1) that the United States is an inherently racist or evil country or (2) that any race or ethnicity is inherently racist or evil. (Vought, 2020Vought, R. (2020). Memorandum for the heads of executive departments and agencies. office of the President. Office Of Management And Budget. M-20-34, 04 de set. Disponível em:https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2020/09/M-20-34.pdf
https://www.whitehouse.gov/wp-content/up...
).

Durante um debate na campanha presidencial em 2020, argumentou que o fez porque esses treinamentos eram racistas e estavam ensinando as pessoas a odiarem o próprio país (Lang, 2020Lang, C. (2020). President Trump Has Attacked Critical Race Theory. Here’s What to Know About the Intellectual Movement. Time Magazine. Set, 29. https://time.com/5891138/critical-race-theory-explained/
https://time.com/5891138/critical-race-t...
). A ordem do ex-presidente Trump foi suspensa pelo atual presidente Joe Biden, mas os efeitos desse debate vão além e vários dos 50 estados dos EUA baniram a TCR das escolas. No final de janeiro de 2023, o status de estados que baniram a TCR (Schwartz, 2023Schwartz, S. (2023). Map: Where Critical Race Theory Is Under Attack. Education Week. 30 jan. Disponível em https://www.edweek.org/policy-politics/map-where-critical-race-theory-is-under-attack/2021/06
https://www.edweek.org/policy-politics/m...
) eram 18 (Florida, Georgia, South Carolina, Alabama, Virginia, Tennessee, Mississippi, Arkansas, Kentucky, Texas, Oklahoma, Utah, Idaho, Montana, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Iowa, New Hampshire). Em apenas oito estados não há petições para banimento (Havaí, Califórnia, Nevada, Distrito de Columbia, Delaware, Massachusetts e Vermont). Os demais estados têm petições em transição.

As pessoas que detêm o poder e que se beneficiam dos privilégios de uma sociedade pelas desigualdades e pela opressão do outro, não irão abrir mão de suas posições e farão de tudo para a manutenção do status quo. Isso explica o crescimento e fortalecimento de grupos conservadores ao redor do mundo, mas também mostra a urgência de ação e comprometimento por parte das pessoas que desejam, de fato, mudanças.

EXPANDINDO A RODA

O artigo que inspira essa roda de conversa traz uma contribuição para a Educação para as relações étnico-raciais através de uma discussão que se soma à crescente, embora ainda tímida, produção no campo da educação e da divulgação em ciência decolonial e antirracista. Os autores defendem que esse campo pode ser considerado como um “poderoso antídoto contra o veneno do racismo epistêmico”. Uma educação e divulgação em ciência decolonial e antirracista é necessária, potente, mas tem limitações.

O conceito central da TCR, de que o racismo é permanente e parte fundante da nossa estrutura social, indica que são necessárias transformações profundas na nossa formação docente, bem como quebra de paradigmas, mentalidades, metodologias, e referenciais, que foram forjados a partir de uma sociedade supremacista branca.

Embora o surgimento da TCR se dê no contexto estadunidense, compartilhamos, no Brasil, de experiências semelhantes do racismo presente nas vidas de pessoas da diáspora africana. Povos originários de muitos territórios invadidos, ocupados e colonizados também compartilham de vivências que podem ser examinadas a partir dos referenciais da TCR. Nossas experiências de opressão permitem que análises contextualizadas construam novas possibilidades de mudanças.

Na discussão sobre os conflitos étnico-raciais em Alcântara, Xingu, Mauna Kea e Arizona a Teoria Crítica da Raça oferece, para além das questões já trazidas no texto original, uma base para análises dos processos legislativos que legitimaram as decisões tomadas. É fundamental reconhecer que a questão racial está, sim, no cerne das decisões legais, científicas e tecnológicas que envolvem esses episódios, mas não está limitada a eles. Há um profícuo espaço para conversas futuras e, para isso, é necessária a troca e a continuidade da conversa.

Assim, encerro minha contribuição na expectativa de que os elementos aqui trazidos contribuam para ampliarmos os movimentos em prol de uma educação científica para as relações étnico-raciais. Espero, também, que a partir da compreensão do contexto de surgimento, desenvolvimento e das potencialidades do referencial da Teoria Crítica da Raça possamos voltar ao texto original e produzir outros significados, trazer novos elementos e seguir expandindo a roda.

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    Universidade Federal da Bahia, Instituto de Física, Salvador, Bahia, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2022
  • Aceito
    28 Fev 2023
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