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DOI: 10.35699/2317-6377.2021.33509
eISSN 2317-6377
Recursos idiomáticos no violão enquanto veículo para a
composição: análise de compositores brasileiros seleccionados
Pedro Loch Gonçalves
https://orcid.org/0000-0001-6826-3606
Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Música de Lisboa
pedrolochg@gmail.com
Ricardo Futre Pinheiro
https://orcid.org/0000-0003-2599-7057
Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Música de Lisboa
rfutrepinheiro@gmail.com
SCIENTIFIC ARTICLE
Submitted date: 29 apr 2021
Final approval date: 28 jun 2021
Resumo: Este artigo tem como objectivo principal abordar o conceito de idiomatismo no contexto da composição para
violão, através da análise de obras de compositores violonistas que recorreram aos aspectos da construção e prática
do instrumento enquanto veículo primordial para a escrita de peas musicais. Estes compositores, nomeadamente
Heitor Villa-Lobos, Dilermando Reis, Garoto e Guinga, partindo da exploração das possibilidades idiomticas do
instrumento, desenvolveram um conjunto tcnicas de composio que iremos identificar. Os elementos idiomáticos
considerados mais significativos serviram para explicar a utilização de estratégias de composição baseadas em
particularidades do instrumento, e identificar não só elementos musicais tais como escalas, progressões harmónicas
e ritmos, como também outros recursos relacionados com concepções poéticas, culturais, e comunicativas do discurso
musical.
Palavras-chave: Composio; Idiomatismo; Violo brasileiro; Guitarra clássica.
TITLE: IDIOMATIC RESOURCES OF THE CLASSICAL GUITAR AS A VEHICLE FOR COMPOSITION: ANALYSIS OF SELECTED
BRAZILIAN COMPOSERS
Abstract: The main objective of this article is to approach the concept of idiomatism in the context of classical guitar
(violão) composition, through the analysis of works by guitarist composers who resorted to aspects of the construction
and practice of the instrument as a primary vehicle for writing musical pieces. These composers, namely Heitor Villa-
Lobos, Dilermando Reis, Garoto and Guinga, departing from the exploration of idiomatic possibilities of the
instrument, developed a set of composition techniques that will be identified. The idiomatic elements we considered
more significant explained the use of composition strategies based on the particularities of the instrument, and to
identify not only musical elements such as scales, harmonic progressions and rhythms, but also other resources related
to poetic, cultural, and communicative aspects of musical discourse.
Keywords: Composition; Idiomatism; Brazilian violão; Classical guitar.
Per Musi, no. 41, General Topics, e214107, 2021
2
Gonçalves, Pedro Loch; Pinheiro, Ricardo Futre. 2021. “Recursos Idiomáticos no Violão Enquanto Veículo Para a Composição: Análise de Compositores
Brasileiros Seleccionados Per Musi no. 41, General Topics: 01-23. e214107. DOI 10.35699/2317-6377.2021.33509
Recursos idiomáticos no violão enquanto veículo para a
composição: análise de compositores brasileiros seleccionados
Pedro Loch Gonçalves, Escola Superior de Música de Lisboa, pedrolochg@gmail.com
Ricardo Futre Pinheiro, Escola Superior de Música de Lisboa, rfutrepinheiro@gmail.com
1. Introdução
A guitarra clssica, tambm conhecida como violo, um instrumento que desempenha um papel
fundamental no contexto da tradio musical de diferentes pases, tais como por exemplo o Brasil, Portugal,
Espanha, Argentina, Cabo Verde, tanto enquanto instrumento de acompanhamento, como instrumento
solista. O estudo aqui proposto tem por objectivo principal identificar alguns dos principais recursos
idiomticos
1
deste instrumento utilizados no âmbito da composição e execução musical.
Conforme demonstrado ao longo deste trabalho, o violão possui inúmeras potencialidades enquanto veículo
primordial para a composição. Note-se o significativo nmero de compositores que usaram os seus recursos
e “potica” para fundar identidades
2
musicais. A sua capacidade polifónica e considerável variedade de
nuances interpretativas levou a que vários vultos da música, entre os quais Hector Berlioz e Andrs Segovia
3
,
o apelidassem de “pequena orquestra”
4
. No entanto, esta "pequena orquestra" traz consigo uma srie de
limitaes resultantes da sua construo e mecnica, facto que a distingue, por exemplo, de outros
1
De acordo com o Harvard Dictionary of music, Idiomatismo define-se como a explorao das
potencialidades particulares do instrumento (Apel 2003, citado por Cardoso 2006, 12).
2
O conceito de identidade é bastante vasto e complexo, tendo sido discutido recorrentemente no âmbito
das Ciências Sociais e Humanas. Desde Aristóteles (2002) e Platão (2001), passando por John Locke (1690) e
David Hume (1739), e abarcando áreas como a psicanálise (Freud 1996), a antropologia (Lévi-Strauss 1978),
e a Etnomusicologia (Stokes 1994 e 2010; DeNora 2005; Rice 2010), o conceito de identidade tem sido
reconceptualizado ao longo dos tempos, sendo hoje consensual que contempla um conjunto dinâmico de
traços em constante mutação. Para Habermas (1988) a identidade é criada através da interacção entre o
indivíduo e o meio social. A identidade musical, de acordo com Martin Stokes, deve ser estudada a partir da
anlise de “processos de identificaoe, segundo Radano e Bohlmann (2000), um constructo fruto do
imaginário. É a partir destes pressupostos que iremos utilizar este conceito.
3
"Andrs Segovia Torres (Linares 21/02/1893, Madrid 02/06/1987), (...) considerado o principal artista na
consolidao do violo como instrumento de concerto no sculo XX. Foi atravs do seu trabalho, que
significou a expanso das obras de Pujol e Llobet, que a msica de violo pode ser apreciada, respeitada,
divulgada e produzida de forma genrica, ou seja, alm dos limites das sociedades violonsticas e do pblico
especfico de violonistas" (Almeida 2006, 39).
4
(2011, February 17). Segovia explain the "orchestral" guitar - YouTube. Retrieved September 14, 2019, from
https://www.youtube.com/watch?v=ABqk9QiRAjg.
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Gonçalves, Pedro Loch; Pinheiro, Ricardo Futre. 2021. “Recursos Idiomáticos no Violão Enquanto Veículo Para a Composição: Análise de Compositores
Brasileiros Seleccionados Per Musi no. 41, General Topics: 01-23. e214107. DOI 10.35699/2317-6377.2021.33509
instrumentos polifónicos mais versáteis como o piano. Sobre este facto, o violonista Srgio Assad
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comenta
em uma entrevista com Chico Saraiva (2014):
O violo, de uma certa forma, carrega em si essas possibilidades [uso de intervalos de
quartas exemplificado previamente durante a entrevista]. Voc pode fazer tantos timbres
diferentes... Essa coisa de ser um instrumento meio orquestral. Tem muitas possibilidades,
embora seja limitadssimo. A briga constante com o violo essa um instrumento que
no pode fazer o que o piano faz, mas tem uma beleza que muito particular que faz a
cabeça de muita gente. (Saraiva 2014, 107)
Esta "beleza particular que faz a cabeça de muita gente" o aspecto central desta pesquisa e explor-la
através da análise o objetivo principal deste artigo.
Defendemos de antemão que, para além da necessidade de se compreender e dominar os recursos técnicos
associados ao violão, torna-se fundamental aprofundar a sua história, as tradições nas quais este se
enquadra e os “afetos musicais”
6
que o instrumento pode articular. Neste artigo, propomos identificar
alguns dos recursos idiomáticos do violão o conjunto de peculiaridades e convenções que constituem o
vocabulário do instrumento, como por exemplo as possibilidades mecânicas (padrões e desenhos de escalas)
e possibilidades expressivas - que poderão servir enquanto mote para a criação artística.
Existem inúmeros estudos académicos sobre a utilização do idiomatismo por parte de compositores
violonistas, sendo eles produto de trabalho desenvolvido desde rios anos a esta parte, conforme
veremos no decorrer deste artigo. Estes estudos assentam numa perspectiva analítica relacionada com a
forma como compositores recorrem a recursos idiomticos para criar material original. Heitor Villa-Lobos foi
um dos pioneiros a trabalhar a composio para violo partindo de matéria-prima idiomtica, e a sua obra
violonstica tem sido estudada por diferentes autores, entre os quais destacamos Pereira (1984) e Soares
(2001). J o trabalho de Cardoso (2006), por exemplo, identifica a presena constante de recursos
idiomáticos na obra do compositor carioca Guinga, enquanto Delneri (2015) apresenta pesquisa sobre a
tcnica idiomtica na obra do violonista uruguaio Abel Carlevaro.
Numa primeira fase, iremos proceder a uma análise dos aspectos idiomáticos do violo, identificando
compositores que fizeram uso de recursos instrumentais e mencionando quais destes recursos se destacam.
Estudar a obra destes autores mostrou-se pertinente pelo facto de permitir revelar as diversas possibilidades
j exploradas ao longo de dcadas de desenvolvimento de linguagem tcnica no instrumento. Cabe uma
importante considerao: apesar de limitarmos o mote composicional ao idiomatismo, este pequeno
universo j possui em si uma quantidade generosa de possibilidades, devido s diversas tradies musicais
nas quais o instrumento se desenvolveu. Se no, vejamos o violo clssico, o violo flamenco, o violo
brasileiro e o violo argentino. No âmbito deste projecto escolhemos como prisma de análise o violo
brasileiro e, de forma mais superficial, o violo clssico pelo facto destes se encontrarem mais prximos do
nosso universo musical. Procurámos como referncia compositores violonistas que utilizam de forma clara
recursos idiomáticos nas suas peas e que se constituem como referncia nas suas reas de actuao,
influenciando geraes de msicos e compositores que os seguiram. Dos compositores cujas obras
5
Srgio Assad (Mococa, 26 de dezembro 1952) um arranjador, compositor e violonista clssico brasileiro.
6
Afeto musical um termo aqui utilizado para descrever a evocao de emoes a partir de elementos
musicais presentes numa determinada pea.
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Gonçalves, Pedro Loch; Pinheiro, Ricardo Futre. 2021. “Recursos Idiomáticos no Violão Enquanto Veículo Para a Composição: Análise de Compositores
Brasileiros Seleccionados Per Musi no. 41, General Topics: 01-23. e214107. DOI 10.35699/2317-6377.2021.33509
fundamentaram esta reviso bibliogrfica, listamos aqui como principais: Heitor Villa-Lobos (Pereira 1984;
Soares 2001; Zanon 2006 e 2009), Leo Brouwer (Soares 2001), Dilermando Reis (Pires 1995; Nogueira 2000;
Medeiros 2005), Garoto (Delneri 2009; Lemos 2010), Guinga (Saboga 2006; Escudeiro 2010; Siqueira 2010;
Siqueira 2012; Lemos 2013; Saraiva 2015; da Silva 2015), Hlio Delmiro (Mangueira 2006; Gomes 2012),
Raphael Rabello (Borges 2008; Nunes & Fausto 2014), Abel Carlevaro (Delneri 2015), Edino Krieger (Kreutz
2012), Marco Pereira (Lemos 2013), Paulo Bellinati (Levandoski 2017), Sebastio Tapajs (Nascimento 2013)
e Baden Powell (Santos 2016). A partir destes estudos procedemos à enumeração de uma srie de recursos
idiomticos, que sero discutidos de seguida.
Devido à pertinência em abordar alguns aspectos comunicativos da msica através do estudo da retrica e
semitica, recorremos aqui à teoria das tpicas. Esta teoria surgiu a partir de um estudo analtico de
significao musical cujo intuito foi entender os símbolos presentes numa obra musical e a forma como estes
se comunicam com o seu receptor. A teoria das tópicas constitui uma ferramenta de anlise que vai alm do
mero formalismo, uma vez que acaba por englobar interpretaes histrico-culturais. As tpicas so em si
figuras retricas no seio de uma obra musical e assimil-las significa compreender a msica como discurso,
através da procura e entendimento do interesse comunicativo da composio (Piedade, 2006, p. 6).
Para melhor compreender a teoria das tpicas importa primeiramente discutir dois conceitos: Musicalidade
e Hibridismo. Segundo Piedade (2011) musicalidade uma memria-musical-cultural compartilhada
constituda por um conjunto profundamente imbricado de elementos musicais e significados associados. A
musicalidade desenvolvida e transmitida culturalmente em comunidades estveis no seio das quais se
possibilita a comunicabilidade na performance e na audio musical. Por outras palavras, a musicalidade
um fenómeno colectivo, um conjunto de símbolos musicais compartilhados no seio de uma comunidade.
Por essa razão, partimos do princpio que a musicalidade no reside no indivduo, sendo independente da
sua capacidade, encontrando-se na comunidade e nos géneros musicais. Esta musicalidade no um sistema
fechado. Muito pelo contrrio, est em frequente transformação (Piedade 2011).
Face ao anteriormente exposto, chegamos ao segundo conceito, o de hibridismo. Segundo o autor, podemos
identificar na msica, dois tipos de hibridismo: o contrastivo e o homeosttico. O hibridismo contrastivo
refere-se à existência simultânea de dois elementos musicais de culturas diferentes, que podem ser ouvidos
separadamente e representados pela equao A+B = AB. O hibridismo homeosttico aquele em que a soma
de dois elementos contrastivos j se transformou em algo novo, o que equivale à equao A+B = C. Podemos
dar como exemplo gneros musicais tradicionais como o choro, fado, tango, etc., que, apesar de serem
considerados pelas suas comunidades como "puros", na sua criao passaram por mesclas, reunindo
elementos musicais de diferentes culturas. Piedade considera que o hibridismo contrastivo e a frico de
musicalidade podem criar um hibridismo homeosttico atravs do tempo. Esse hibridismo homeosttico
estar na base da inveno de novas tradies. A tradio entendida pelos membros de uma determinada
cultura como uma realidade homeosttica. Porm, para isso, necessrio que a sua origem seja esquecida.
Segundo o autor "se no houvesse este tipo de esquecimento, a humanidade no poderia ouvir msica, pois
toda a multiplicidade imemorial de géneros e elementos que fundam as msicas se exporia diante de nossos
ouvidos." (Piedade 2011, 105).
Deparamo-nos com a uma discusso fundamental que diz respeito ao processo de composio e,
consequentemente, relação entre individualidade artística e tradição. Existem smbolos e “afetos musicais”
presentes no contexto de uma dada tradição musical que actuam enquanto elemento de ligação entre
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Gonçalves, Pedro Loch; Pinheiro, Ricardo Futre. 2021. “Recursos Idiomáticos no Violão Enquanto Veículo Para a Composição: Análise de Compositores
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compositor e público. Tal acontece, naturalmente, porque os recursos musicais foram forjando e forjados,
ao longo de dcadas, por uma srie de características que passaram a ser entendidas por toda uma
comunidade. Ingrid Monson (1996) ao discutir os processos de interacção no jazz, advoga que os músicos,
no decurso da performance, fazem referências a um passado de gravações e performances marcantes,
através da utilização musical de citações, e da execução de apontamentos que poderão envolver ironia e
outros significados, e que constituem uma forma de demonstração da tradição e da capacidade para
reconfigurar essa tradição através da música. Este conhecimento comum ou tradição, é também referido
por Csikszentmihalyi (1999), autor que desenvolveu modelo de sistemas da criatividade, e no qual
representa a criação como algo que resulta da imersão de um agente no seio de um sistema cultural e social
que permite e restringe a prática criativa (Csikszentmihalyi 1999, 315). Também Sawyer e DeZutter (2009)
defendem que a criatividade surge a partir de um sistema que inclui o indivíduo criativo, um campo artístico
e um conjunto de conhecimentos e obras anteriores (Sawyer e DeZutter 2009, 81).
Podemos referir então que a tradio no se manifesta sob a forma de uma “msica pura” e isolada que
possui significado apenas em si mesma. Pelo contrrio, transporta consigo toda uma bagagem histórica,
musical e cultural que sustenta inevitavelmente a ideia da existência de um hibridismo que decorre ao longo
do tempo da interacção entre diversas correntes estéticas, práticas e outras influncias musicais e culturais.
Existe uma considerável e inevitável riqueza e diversidade na tradio, principalmente no que diz respeito a
significados musicais partilhados por uma determinada comunidade. A partir do momento em que se toma
consciência deste facto, o processo de compor deixa de ser, primordialmente, a manipulação de ferramentas
musicais (tais como progresses harmónicas, escalas e ritmos), passando a privilegiar o manuseamento de
símbolos e significados musicais e a exploração da forma como estes se projectam naqueles que os recebem,
ao mesmo tempo que as ferramentas musicais antes listadas ficam ao servio deste objectivo.
Esta discusso torna-se fundamental, uma vez que a composio a partir de recursos idiomáticos do violo
nada mais do que uma anlise criativa sobre a “potica” do instrumento que vai, inevitavelmente, ao
encontro de uma tradio com a qual este se relaciona. Se tomarmos como exemplo duas escolas
tradicionais de violo - o violo brasileiro e o violo flamenco -, percebemos como o mesmo instrumento
pode apresentar contrastes idiomticos significativos, resultantes das suas diferentes razes e
particularidades musicais. Os elementos que constituem o idioma do violão flamenco no são
necessariamente os mesmos que estruturam o universo do violo brasileiro ou clssico, uma vez que os
idiomatismos são produto de sistemas culturais e sociais que apresentam diferentes particularidades e
significados. Verifica-se, nesta anlise, que o idiomatismo aqui referido no se cinge apenas a ideias
mecnicas, tais como o uso de paralelismos de digitao de mo esquerda, ou o uso de cordas soltas.
Identifica-se tambm na relao entre o instrumento e o contexto cultural onde este se insere. Sendo assim,
no são raras as vezes em que o idiomatismo tcnico e potico so contemplados. Note-se, a ttulo de
exemplo, a interessante relao simbiótica que existe entre o violo e a cano brasileira, muito bem
fundamentada na pesquisa do compositor Chico Saraiva (2014). Conforme veremos mais adiante, o violo
brasileiro acabou por absorver particularidades da cano popular brasileira, traduzidas através da emulação
das nuances da voz cantada, ou at mesmo da potica e do lirismo das canes populares. O
desenvolvimento destes idiomatismos no advém necessariamente da mecnica do instrumento, mas da
forma como este se adaptou ao contexto musical e construiu as suas próprias nuances idiomáticas.
Vimos anteriormente que a noo de uma suposta “pureza cultural” na msica problemtica, e que as
constantes transformaes que nela ocorrem desenvolvem-se atravs do contacto entre diversos elementos
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históricos e culturais. Esta ideia, reforada de forma consensual no campo da Etnomusicologia (Bohlman
1991; Myers 1992; Nettl 2010; Morgenstern 2011), , a nosso ver, de grande relevncia na procura pelo
desenvolvimento de um conjunto de traços que nos definem e diferenciam enquanto músicos, e que
estimulam a edificação de novas ideias e sonoridades. Sobre este assunto, o compositor Guinga comenta:
Modernidade uma coisa inconsciente, o cara no ficar satisfeito em ficar reproduzindo
o que foi feito e tentar fazer daquilo alguma outra coisa. Tentar mexer na receita daquele
bolo. difícil, mas esses gnios conseguem mover isso, movimentar, e vida movimento.
Tem que haver esses gnios que mexem na receita e pem um ingrediente, a receita passa
a ser possvel tambm agora de uma outra maneira. (Saraiva 2014, 159)
Este depoimento revela-se extremamente pertinente, uma vez que demonstra a relevância da busca
individual por novas abordagens como forma de garantir um certo dinamismo criativo, sem, contudo,
negligenciar os traços tradicionais de onde novos discursos emanam.
Por fim, torna-se pertinente referir que, apesar da importncia da figura individual do artista criador para o
processo de transformação da música, é no colectivo que, a partir da perpetuação, o procedimento de
modificação musical se consolida. Todos os compositores que inspiraram este trabalho foram, de alguma
forma, eternizados na medida em que os seus novos discursos musicais foram absorvidos por msicos e
compositores, dando origem a novos movimentos e tendências. Por conseguinte, e de acordo com aquilo
que a Etnomusicologia nos ensina, o impulso que possibilita a consolidação de novos caminhos musicais e
estticos desenvolve-se ao nível da comunidade e não ao nível do indivíduo.
2. Metodologia
Por forma a identificarmos os principais alicerces idiomáticos utilizados na composição e performance do
violão, levámos a cabo pesquisa de fontes bibliográficas e fonográficas, e procedemos à anlise de exemplos
musicais. Primeiramente, fizemos uma reviso da literatura em torno do conceito de idiomatismo na obra
de diferentes compositores violonistas. Dentre eles destacamos novamente: Heitor Villa-Lobos, Guinga,
Garoto, Dilermando Reis, Baden Powell, Raphael Rabello, Hlio Delmiro, Marco Pereira, Edino Krieger,
Sebastio Tapajs, Paulo Belllinati, Leo Brouwer, Abel Carlevaro.
Atravs desta pesquisa, pudemos identificar abordagens que ajudam a explicar a expanso de possibilidades
na composição e performance do violão, nomeadamente a utilização de tonalidades que favorecem ou
desfavorecem a utilização de cordas soltas, a relao do violo com outros instrumentos como a percusso
e a voz, entre outras, e que sero devidamente desenvolvidas.
Foi ainda realizado um trabalho de anlise musical de composies, que permitiu identificar e descrever os
elementos idiomticos utilizados pelos compositores, assim como a relao entre esses elementos e as
tcnicas composicionais.
3. Idiomatismo
Iremos de seguida identificar algumas características idiomáticas aplicadas à composio, arranjo e execuo
no violo encontradas ao longo desta pesquisa. No decurso do processo de reviso bibliográfica e de prtica
e análise de composiões, e a partir de reflexão em torno do assunto, tornou-se pertinente dividir o conceito
de idiomatismo em duas categorias principais: o idiomatismo mecânico e o idiomatismo cultural. O
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idiomatismo mecânico tem que ver com características ligadas à forma como se executa o instrumento,
influenciadas pela sua construo, particularidades acsticas e possibilidades tcnicas. Os recursos mais
evidentes patentes nas obras estudadas foram: o uso de cordas soltas, os paralelismos (horizontais, verticais
e transversais), a utilização de harmónicos (naturais e artificiais), tremolos e padres de dedilhado. Por outro
lado, podemos argumentar que, ao contrário do idiomatismo mecânico, o idiomatismo cultural decorre de
tendências e tradições musicais com os quais o instrumento se relaciona num plano estético ou, conforme
referido anteriormente, nas palavras de Csikszentmihalyi, no âmbito de um determinado sistema social e
cultural.
3.1. Idiomatismo Mecânico
No violão, a comum utilização de cordas soltas, desempenha diferentes funes e permite a obtenção de
distintos resultados musicais. Em primeiro lugar, este recurso possibilita um maior conforto e facilidade de
execuo, uma vez que a possibilidade de se executar um conjunto de notas sem ser necessário pisar a
sua totalidade.
A disponibilidade de cordas soltas afecta regularmente a escolha da tonalidade das peas compostas para
violão. Scarduelli (2007) apelida a utilização privilegiada de algumas tonalidades em detrimento de outras
de “idiomatismo implcito”. A escolha da tonalidade de uma peça para violão reveste-se de grande
relevância, sendo rara a sua transposição, uma vez que, devido às características do instrumento (afinao,
disposio de trastes e cordas, extenso do registo, etc.), esta alteração acabaria por comprometer não
o resultado sonoro da obra, como também a viabilidade da sua execução (Júnior 2003, 53). A utilização de
certas tonalidades para a composição e execução musical no violão justifica-se através da importância de
salvaguardar a facilidade de execução, o desenvolvimento de abordagens técnicas, e garantir a exploração
das mais vantajosas possibilidades acústicas do instrumento. As cordas, ao serem tocadas soltas, vibram com
maior intensidade, produzindo uma sonoridade mais rica em termos de harmónicos e uma maior projeo
sonora (Nascimento 2013, 22).
Referindo-se ao disco “Afro-Sambas” (1996) gravado em parceria com a cantora Mnica Salmaso, Paulo
Bellinatti discute o processo de negociao da tonalidade das peas junto da cantora, enfatizando a
importncia de se encontrar um tom que permita tirar partido das possibilidades acústicas do violo: “No
dava pra fazer um arranjo em R bemol, por exemplo. Entendeu? Voc 'mata' o violo” (Levandoski 2018,
12). Outro exemplo é o de Baden Powell. De acordo com Schroeder (citado por Santos 2016, 120):
Uma das caractersticas, que Baden Powell usa com abundncia, o fato de que as cordas
soltas, por vibrarem na sua mxima extenso, mantm suas ressonncias mais intensas e
por mais tempo do que quando so encurtadas pela digitao (ou seja, quando as cordas
esto presas). Uma outra caracterstica que, ao contrrio das cordas presas, o timbre das
soltas mais aberto, mais metlico, mais exuberante, e permite maior intensidade de
toque exatamente porque vibra mais intensamente, enquanto o timbre das cordas presas
se mostra mais fechado, mais aveludado, mais contido. Mas para que essa sonoridade
aberta das cordas soltas se efetive, preciso escolher cuidadosamente a tonalidade mais
propcia, quer dizer, a escala e seu grupo de notas que permita maior nmero de passagens
pelas notas soltas na digitao aquela em que um nmero maior de acordes com cordas
soltas seja possvel de ser tocado. (Schroeder 2006, 78-79)
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Gonçalves, Pedro Loch; Pinheiro, Ricardo Futre. 2021. “Recursos Idiomáticos no Violão Enquanto Veículo Para a Composição: Análise de Compositores
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Finalmente, torna-se pertinente referir um outro exemplo notório numa das obras de inspirao deste
trabalho: os 12 Estudos de Villa-Lobos. Se examinarmos as tonalidades dos 12 estudos, torna-se claro que o
compositor escolheu conscientemente tonalidades que permitem a utilização um nmero substancial de
cordas soltas:
Estudo 1 Mi menor (6 cordas soltas)
Estudo 2 La maior (5 cordas soltas)
Estudo 3 R maior (6 cordas soltas)
Estudo 4 Sol maior (6 cordas soltas)
Estudo 5 Do maior (6 cordas soltas)
Estudo 6 Mi menor (6 cordas soltas)
Estudo 7 Mi maior (5 cordas soltas)
Estudo 8 Do# menor (4 cordas soltas)
Estudo 9 F# menor (5 cordas soltas)
Estudo 10 Si menor (6 cordas soltas)
Estudo 11 Mi menor (6 cordas soltas)
Estudo 12 La menor (6 cordas soltas)
Por outro lado, foi-nos também possvel encontrar nas obras de outros compositores exemplos da utilização
de cordas soltas em tonalidades imprevistas. Podemos destacar, por exemplo, “Lendas Brasileiras” (Figura
1), da autoria do compositor Guinga, que se encontra na tonalidade de em Mi bemol maior. Nesta peça, o
autor recorre terceira corda solta (sol), deixando-a presente durante praticamente todo o
acompanhamento. Através deste exemplo, percebemos que, apesar da escolha de tonalidades com um
maior número de cordas soltas ser um fator facilitador da execuo, o uso de outras menos usuais (como é
o caso de Mi bemol maior), permite encontrar solues originais em termos de composição. Outro
compositor que se destacou pelo uso de tonalidades pouco usuais foi Garoto. Borges (2008, 62) evidencia
esse facto na sua pesquisa ao afirmar: "Alguns compositores - a exemplo de Garoto - buscaram o
rompimento e ampliaram os limites idiomticos por meio de obras para violo solo que exploram
tonalidades pouco usuais no violo".
A utilização de cordas soltas possibilita também o emprego de outros recursos composicionais e de arranjo.
Um recurso comummente utilizado por compositores o efeito de campanella. Pelo facto de se encontrar
afinado predominantemente por intervalos de quarta perfeita, o violo possibilita, atravs dos arpejos, a
execuo de melodias cujas notas soam em cordas separadas, o que permite que estas possam ressoar
simultaneamente, podendo o resultado sonoro assemelhar-se ao efeito produzido pelo pedal de
sustentação do piano.
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Figura 1 - Trecho da linha de acompanhamento do violo na peça “Lendas Brasileiras” de Guinga. Transcriço baseada no Songbook A
msica de Guinga (Guinga e Cabral 2003)
Através do exemplo da Figura 2, verifica-se que a partir dos arpejos de C e G possível executar uma nota
por corda, o que possibilita que as notas permaneçam a soar simultaneamente enquanto os dedos
pressionarem as cordas.
Figura 2 - Arpejos de C e G
No caso de melodias que resultem de escalas diatónicas com intervalos de segunda, será necessário
executar mais de uma nota por corda, o que impossibililita, neste caso, que a nota anterior continue a soar.
Atravs do efeito de campanella possvel ultrapassar esta limitao, alternando cordas soltas e
pressionadas com o intuito de criar o efeito de uma escala executada em cordas diferentes. Para isto ser
possvel, necessário que uma ou mais notas da melodia estejam disponveis entre as cordas soltas do violo
(Figura 3).
Partindo de uma perspectiva mais composicional, constata-se tambm que as as cordas soltas facilitam a
utilização de uma nota pedal, recurso amplamente empregue em diversas construes
meldico/harmónicas com o intuito de criar uma nota comum capaz de conduzir uma harmonia, ou de criar
determinadas acentuaes rtmicas. No exemplo musical da figura 4 observamos que a nota si da segunda
corda solta actua como pedal durante a sequência de acordes.
Outro recurso identificado na obra de diversos compositores a utilização de paralelismos. Trata-se de uma
solução com um carácter marcadamente idiomtico, uma vez que implica a digitao de acordes ou escalas
executadas pela mo esquerda em deslocamento paralelo no brao do instrumento, podendo este ser
vertical, horizontal ou transversal. Este recurso foi encontrando tanto em obras de compositores da
vanguarda violonstica do sculo XX (como por exemplo Villa-Lobos e Leo Brouwer) dando origem a
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resultados musicais muitas vezes atonais ou politonais, como também em peças mais tonais de compositores
como Guinga (Cardoso 2006, 109).
Figura 3 - Exemplo da mesma melodia diatónica com e sem o efeito campanella
Figura 4 - Trecho da peça “Preldio no 3” de Villa-Lobos. Transcriço baseada no livro Collected Works for Solo Guitar. (Villa-Lobos e Noad,
1990)
Relativamente a paralelismos de deslocamento horizontal, e pelo facto de este recurso implicar a utilização
dos mesmos dedos nas mesmas cordas, e com a mesma configurao ou “desenho”, podemos afirmar que
o resultado musical se caracteriza pela criação de melodias e acordes paralelos. Escalas simétricas, como a
hexafónica e a diminuta, alm de padres em intervalos de quarta poderão surgir a partir da utilização deste
recurso. De seguida, apresentamos dois exemplos. O primeiro, representado na Figura 5, uma pea do
compositor Garoto na qual se observa um acorde deslocado paralelamente de forma horizontal
configurando a escala hexafónica. O segundo exemplo, representado na Figura 6, um trecho da pea
“Picotado de Guinga, na qual o compositor emprega uma digitao de acorde m7 (b5,9) em dois
movimentos paralelos de um tom e meio.
Figura 5 - Trecho da peça "Lamento do Morro" de Garoto. Transcriço baseada no livro The Guitar Works of Garoto (Garoto e Bellinati 1991)
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Figura 6 - Trecho da peça “Picotado” de Guinga. Transcriço baseada no songbook A msica de Guinga (Guinga e Cabral 2003)
Por outro lado, o deslocamento vertical pode dar lugar à criação de diferentes padres, por força da afinao
do instrumento. Conforme referido anteriormente, as cordas do violo encontram-se afinadas por intervalos
de quarta perfeita, com a exceo do intervalo de terceira maior entre a terceira (sol) e a segunda (si) corda.
A assimetria característica da afinao do instrumento acaba por interferir na configurao intervalar em
deslocamentos verticais. Para clarificar este ponto, podemos observar o exemplo da Figura 7. Neste exemplo
é possível identificar uma digitao deslocada verticalmente das cordas 2, 3 e 4 (compasso 1) para as cordas
3, 4 e 5 (compasso 2). No compasso 1, os intervalos que encontramos nesta digitao so de 5ªP (d-sol) e
de 2ªM (sol-l) respectivamente. Ao ser deslocada verticalmente para as cordas de cima, os intervalos se
transformaram-se em 5ªP (sol-r) e 3ªm (r-f), apresentando assim uma assimetria intervalar consequente
da afinação entre a segunda e terceira corda.
Figura 7 - Trecho do acompanhamento da peça “Sete Estrelas” de Guinga. Transcrição prpria
Finalmente, iremos discutir um terceiro tipo de paralelismo: o paralelismo transversal. Este consiste na
combinao entre dois deslocamentos - vertical e horizontal. Podemos observar na Figura 8 os trs tipos de
paralelismos presentes num pequeno trecho da pea "Picotado" da autoria do compositor Guinga:
Figura 8 - Trecho da peça “Picotado” de Guinga. Transcriço baseada no songbook A msica de Guinga (Guinga e Cabral 2003)
Em termos de composio, torna-se claro que a utilização destes paralelismos favorece a construo de
motivos meldicos, harmónicos e rtmicos, possibilitando a criao de padrões complexos, que se justificam
sonoramente pela unidade produzida a partir destes blocos.
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Em diversos casos, a utilização de paralelismos encontra-se aliada à utilização de cordas soltas que servem
enquanto fio condutor que une os encadeamentos proporcionados pelos paralelismos atravs da presença
de uma nota fixa (Figura 9).
Figura 9 - Trecho da peça “Estudo no 1” de Villa-Lobos. Transcriço baseada no livro Collected Works for Solo Guitar. (Villa-Lobos e Noad
1990)
Enquanto estes recursos se relacionam mais directamente com aquilo que executado pela mo esquerda,
outros idiomatismos dizem respeito àquilo que executado pela mo direita. Podemos, por exemplo,
identificar a utilização de padres de dedilhado que possibilitam principalmente a construo de unidades
rtmicas. Através da Figura 10, podemos observar o exemplo de um padro de dedilhado no "Estudo nº1" de
Villa-Lobos.
Torna-se pertinente também referir alguns recursos ligados execuo e arranjos no violo, uma vez que
estes podem ser utilizados no decurso do processo de composio. Um deles o tremolo. Este efeito
conseguido a partir de um dedilhado rpido que alterna os dedos “i”, “m” e “a”
7
sobre a mesma nota,
levando à criação de um efeito de prolongamento de notas enquanto o polegar executa uma melodia nos
baixos.
7
p = polegar, i = indicador, m = mdio, a = anelar 21.
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Figura 10 - Trecho da peça “Estudo no 1” de Villa-Lobos. Transcriço baseada no livro Collected Works for Solo Guitar. (Villa-Lobos e Noad
1990)
Trata-se de um efeito muito prprio do instrumento e de grande utilidade, uma vez que a sua acstica no
permite que as notas se prolonguem por muito tempo. Arenas (1985, citado por Nascimento 2013, 28) divide
a tcnica de tremolo em quatro variantes, nomeadamente:
1. Sencillo directo (simples-direto): p-i-m-a
2. Sencillo inverso (simples-inverso): p-a-m-i
3. Doble-directo (duplo-direto): p-i-m-a-m-i
4. Doble inverso (duplo-inverso): p-a-m-i-m-a
Existe tambm, no contexto da escola de violo flamenco, um padro de dedilhado no listado acima, e que
consiste em p-i-a-m-i, conforme est patente no exemplo a seguir:
Figura 11 - Padro de dedilhado tremolo flamenco. Retirado do livro Guitarra Flamenca paso a paso: Las Alegrias (II) (Herrero 1996, 22)
Um outro recurso idiomático comummente utilizado no violo como instrumento de cordas, o uso de
harmónicos naturais e artificiais. Mais relacionados com efeitos e timbre, so encontrados em algumas
composies e arranjos para violo. Destaca-se a utilização deste recurso na composição Preldio no 4 da
autoria de Villa-Lobos, na qual o motivo meldico da peça surge a partir de uma melodia criada com
harmónicos naturais (Pereira 1984, 69).
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Figura 12 - Trecho da peça “Preldio no 4” de Villa-Lobos. Fonte: Collected Works for Solo Guitar. (Villa-Lobos & Noad, 1990)
3.2. Idiomatismo Cultural
Enquanto que os recursos at agora descritos se relacionam mais especificamente com a mecnica do
instrumento, outros recursos também idiomticos esto relacionados com os contextos estéticos e tradies
musicais nos quais o violo desempenha um papel fundamental. Tomemos como exemplo a forma de
golpear as cordas, recurso que apresenta grande diversidade de tcnicas dependendo da tradio musical.
Na escola de violo flamenco, por exemplo, existe uma complexa tcnica de rasgueado de difícil domnio e
muito rica em termos de possibilidades rtmicas e sonoras. Por outro lado, em algumas culturas musicais sul-
americanas, podemos identificar outros tipos de golpes que, oferecendo diferentes possibilidades tímbricas,
como por exemplo os chasguidos, ataques de polegar, toque sobre os bordes, ataques abrindo a mo,
toque de polegar para cima, entre outros, constituem importantes traços muscais (Osvaldo Burucu e Pen
2001). Tendo em vista esta numerosa gama de possibilidades, acabámos por debruçar-nos maioritariamente
sobre o violo brasileiro e, de forma menos aprofundada, sobre o violo clssico, por serem universos
musicais que nos são mais próximos.
Andrs Segovia (2011) refere que os instrumentos da orquestra se encontram representados no violo, se
bem que com uma “menor dimenso sonora”. Esta natureza "orquestral" descrita por Segovia confere ao
violão a capacidade de ser variado e de poder substituir outros instrumentos musicais sem perder os seus
traços distintivos, o que possibilita a exploração de novos caminhos musicais e a consequente expansão das
suas possibilidades idiomticas enquanto instrumento.
Como exemplo paradigmático do anteriormente exposto, podemos referir os baixos contrapontsticos do
violo de sete cordas, popularmente conhecidos como "baixariais", característicos do Choro, uma das
linguagens violonsticas mais reconhecidas no mbito da msica brasileira. Com origem nos regionais de
Choro, este um exemplo idiomtico muito interessante, uma vez que sua presena reconhecida como
elemento primordial no seio desta tradio, alm de ser também muito frequente no contexto do Samba. A
construção desta linguagem, no entanto, não está relacionada exclusivamente com a mecânica do violão.
No âmbito do universo do choro, os seus primórdios remontam ao início do sculo XX, e à exploração do
violo de sete cordas pela mão dos violonistas China e Tute. Porm, foi Dino Sete Cordas quem elevou este
instrumento a um novo patamar ao explorar as suas prprias linhas de baixo baseadas no acompanhamento
contrapontstico do saxofone de Pixinguinha. A respeito do anteriormente exposto, Borges (2008) afirma:
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O estilo de acompanhamento de Tute influenciou Dino a elaborar seus prprios
acompanhamentos polimeldicos. Dino teve maior influncia na consolidao de seu estilo
em relao tcnica de “pergunta e resposta” e aos acompanhamentos polimeldicos
alinhavados por Pixinguinha. Os contrapontos engendrados por Pixinguinha no saxofone,
ao acompanhar o flautista Benedito Lacerda, influenciaram e embasaram os
acompanhamentos polimeldicos de Dino. (Borges 2008, 75)
A exploração desta prtica pelos violonistas at os dias de hoje levou a que as "baixarias" se tornassem um
elemento fundamental e identitário do instrumento, especialmente no contexto musical do Choro. Desta
conhecida linguagem surgiram tambm composies, tais como a peça "Di Menor" da autoria de Guinga,
caracterizada por uma melodia composta a partir desta abordagem.
Figura 13 - Trecho da peça Di Menor, de Guinga. Transcriço baseada no songbook A msica de Guinga (Guinga e Cabral 2003)
A utilização de melodias ativas em regiões graves do violão de sete cordas pode ter influenciado também a
composição de peças que não se relacionam directamente com o choro. A presença de melodia no registo
grave tambm se verifica nos baixos cantados, utilizados por compositores como Baden Powell, como por
exemplo na pea “Canto de Xang”, ilustrada na Figura 14. As notas a vermelho constituem a melodia da
peça.
Figura 14 - Trecho da peça Canto de Xang, de Baden Powell
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A adaptao do violo a diferentes contextos culturais tambm se tornou notria no que diz respeito ao
acompanhamento rtmico. Pelo facto de os ritmos populares brasileiros serem construídos primariamente a
partir da dana, e sendo a percusso um elemento fundamental nesse contexto, o violo acaba por assumir
frequentemente na mo direita as linhas rtmicas características dos instrumentos de percussão. É
recorrente que o polegar exerça a funo do grave, enquanto os outros dedos - indicador, mdio e anelar -
exercem a funo dos agudos. Em alguns ritmos de samba executados no violão, o polegar substitui o surdo,
e o anelar, mdio e indicador executam a figura rítmica frequentemente atribuída ao tamborim. Na Figura
15 podemos observar um ritmo de baio no qual se consegue identificar a linha da zabumba no dedilhado
do violo:
Figura 15 - Relaço entre o ritmo de baio executado pela zabumba e a sua adaptaço na criação de acompanhamento no violo.
Finalmente, podemos também identificar uma forte influência da canção popular enquanto agente
moldador de idiomatismos no violão. Segundo o violonista e compositor Chico Saraiva, autor da influente
dissertação "Violo-Cano: Dilogos entre o violo solo e a cano" (2014), para se compreender a relao
simbitica entre o violo e a cano no Brasil a partir do prprio instrumento, é fundamental perceber o
papel fundamental do violonista Dilermando Reis (1916 - 1977) neste contexto. Dilermando Reis foi um dos
mais influentes violonistas da sua gerao e um dos pioneiros na "construo e afirmao do carcter
brasileiro deste instrumento" (Medeiros 2005, 1). Segundo Saraiva (2015, 24) “O violo de Dilermando
‘cantava’ com expresso muito semelhante das grandes vozes da era do rdio, resultando no que podemos
perceber como uma verso instrumental do ‘canto seresteiro’”. Esse estilo cantvel explorado no
instrumento permite identificar a uma hierarquia musical patente na sua execução: a primazia da melodia e
a secundarização da harmonia e ritmo como acompanhadores da primeira.
Torna-se igualmente fundamental referir o contributo de Garoto no contexto da tradio violonstica
brasileira. Paulo Bellinati, influente violonista, comenta sobre o compositor:
BELLINATI O Garoto era um compositor que fazia cano no violo.
SARAIVA Voc fala das canes que receberam letra e vieram a ser gravadas com
interpretao vocal, como “Gente humilde” e “Duas contas”?
BELLINATI Falo de todas as msicas dele. Eram canes instrumentais, no eram solos de
violo, era uma cano que ele tocava no violo. Era um violo que cantava. (Saraiva 2015,
28)
17
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A cano instrumental descrita por Bellinatti recorrente no repertrio violonstico brasileiro. Para que o
estilo tenha um carter cantabile, necessário que a linha da melodia se aproxime dos trejeitos da voz,
reconhecendo a entoao vocal e a palavra enquanto elementos fundamentais no processo de composição
para violo. A perpetuao desta prtica ao longo dos anos tornou o estilo cantabile um estilo violonstico,
acrescentando novos recursos idiomáticos ao instrumento. Um dos motivos apontados por Saraiva (2014)
para essa marcada influncia cancioneira a forte relao que o brasileiro tem com o canto, e que se traduz
numa cano popular ampla, e na frequente reproduo da msica cantada para violo solo. Durante sua
pesquisa, Saraiva discorre:
Assim, o “estilo cantabile” se torna uma marca do repertrio do violo solo brasileiro, no
qual a melodia impera. Seja na msica de Canhoto que se esmera pela contundncia dos
motivos meldicos desenvolvidos em um contexto harmnico mais tradicional , seja na
msica que se utiliza de uma maior variao harmnica, da qual Garoto nosso referencial
histrico. (Saraiva 2014, 29)
No contexto da relao simbitica entre voz e violo, o oposto tambm verdadeiro, na medida em que os
“violonismos” tambm so frequentemente utilizados na construo de melodias de canes, conferindo
originalidade esttica cancioneira. Algumas melodias surgem a partir dos “violonismos”, aprestando um
carácter diferente daquele mais tradicional, e justificam o papel do instrumento enquanto agente ativo no
desenvolvimento da construo musical. Neste âmbito, e de acordo com Cardoso (2006), Guinga um dos
exemplos mais notrios:
Outra evidncia que demonstra a presena dos “violonismos” na msica de Guinga a
frequente construo de melodia das canes a partir do Violo. Em diversas canes
analisadas percebemos a ntima relao entre melodia cantada e o acompanhamento
violonstico, sugerindo que a melodia da voz foi inspirada pelos arpejos criados por Guinga
e desenvolvida a partir destes. (Cardoso 2006, 90)
Outro aspecto importante a discutir no âmbito do idiomatismo violonstico é a influncia do
acompanhamento na cano popular. O processo de acompanhamento ao violo primordial no universo
do cancioneiro popular brasileiro, considerando que a cano brasileira é primordialmente constituída por
uma melodia acompanhada. So frequentes as composies nas quais se juntam melodia e
acompanhamento na mesma linha melódica, especialmente no contexto de violo solo. No entanto, alguns
compositores destacaram-se por utilizar acompanhamento de uma forma muito particular. Garoto,
conforme referido anteriormente, um dos mais influentes violonistas do sculo XX no Brasil, notabilizou-te,
entre outras aspectos, pela forma como agregou linhas de acompanhamento s suas composies. Segundo
Delneri (2009, 43) "podemos afirmar que os recursos da 'arte do acompanhamento', na qual Garoto se
destacou na sua carreira profissional, iro influenciar de maneira profunda a escrita e a sonoridade de suas
peas, em especial, os choros". Sobre a pea “Carioquinha” de Garoto, Delneri (2009) ainda discorre:
Garoto elabora um “discurso” que define o carter prprio do “choro moderno”; o
esquema harmnico e a melodia formam uma estrutura entrelaada e interdependente.
Essa msica define uma escrita prpria de Annibal Augusto Sardinha, que prope um
violonismo ancorado na tcnica do acompanhamento, criando uma msica em um estilo
inovador para o seu tempo. (Delneri 2009, 51)
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Um outro exemplo paradigmático do mesmo compositor o samba “Lamentos do Morro”. Nesta
composio, Garoto, contrariando o modo mais comum de articular melodia e acompanhamento ao violo,
retira a primeira do seu lugar habitual (regio mais aguda, normalmente primeira ou segunda corda) e
coloca-a no registo mdio (quarta corda), entre os baixos e o acompanhamento rtmico. Cria-se assim um
resultado sonoro bastante original e de difícil execuo. Na figura seguinte é possível observar o trecho
descrito, com destaque a vermelho da melodia que está a ser executada na quarta corda, entre baixo e o
acompanhamento:
Figura 16 - Trecho da peça Lamentos do Morro, de Garoto. Transcriço baseada no livro The Guitar Works of Garoto (Garoto e Bellinati
1991)
Conforme referido anteriormente, Guinga desenvolveu também nas suas composições soluções de
acompanhamento muito particulares. Existem inúmeras peas de sua autoria nas quais a melodia foi
construda a partir do acompanhamento no instrumento
8
, das quais podemos referir: “Choro-Rquiem”,
“Cine Baronesa”, “Constance”, “Dos anjos”, “D o p, loro”, “Exasperada”, “Fox e trote”, “Igreja da Penha”,
“Nem mais um pio”, “Ntido e obscuro”, “Noturna”, “N na garganta”, “O coco do coco”, “Orassamba”,
“Passarinhadeira”, “Por trs de Brs de Pina”, “Senhorinha”, “V Alfredo” e “Voc, voc” (Cardoso 2006, 90).
Enquanto que em muitos casos os arpejos dos acordes de acompanhamento so a matria-prima para a
criao da melodia, em outras peas, possvel identificar um caminho oposto, no qual a melodia dita a
harmonia, num jogo onde muitas vezes difícil distinguir qual destes dois elementos tem primazia. Um
exemplo interessante deste diálogo entre melodia e harmonia encontra-se na pea “Dichavado”, na qual a
melodia executada na mesma regio do acompanhamento, e a sua simples execuo - sem o acrscimo de
outras notas auxiliares como baixo ou complementos harmónicos - acaba por definir a harmonia. Na figura
seguinte, identificam-se os blocos de acordes evidenciados pelos quadrados vermelhos gerados pela
melodia.
8
Songbook A Msica de Guinga (Guinga e Cabral 2003).
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Figura 17 - Trecho da peça Dichavado, de Guinga. Transcriço baseada no songbook A msica de Guinga (Guinga e Cabral 2003)
Estes so alguns dos exemplos que considerámos mais relevantes no âmbito da pesquisa efectuada. No
houve a pretenso de identificar todos os elementos idiomticos possveis, uma vez que se trata de um
universo quase ilimitado de possibilidades.
4. Conclusão
Através deste artigo procurámos identificar e refletir sobre diferentes elementos idiomáticos do violão
utilizados por compositores notáveis na criação de peças musicais. É importante salientar que este trabalho
representa apenas um pequeno recorte de um contexto consideravelmente amplo de possibilidades
técnicas e de criação que este instrumento proporciona. De entre os vários recuros técnicos que se
desenvolvem a partir da execução do violão, podemos primeiramente enumerar como mais importantes no
âmbito desta pesquisa:
1. A utilização de cordas soltas, que facilita a execução, além de favorecer o uso de notas pedais. A
disposição das cordas soltas mostrou-se importante no que diz respeito à escolha das tonalidades
das peças, além de facilitar a execução de recursos composicionais como o uso de notas pedais.
2. A utilização de paralelismos no desenvolvimento de motivos melódicos e harmónicos.
3. A utilização de padrões de dedilhado, proporcionando a construção de células rítmicas.
Além dos recursos que dizem respeito à mecânica do instrumento, mostrou-se de grande relevância
compreender o instrumento dentro de um contexto coletivo e a sua relação com as tradições musicais onde
este se encontra inserido. Apelidmos o conjunto destes recursos de “Idiomatismo Cultural”. Partindo deste
conceito, identificámos elementos externos que influenciaram o modo como o instrumento se ajustou e
acabou por adoptar novos elementos idiomáticos, além de outros casos nos quais o violão foi agente ativo
no desenvolvimento de movimentos musicais. Podemos destacar:
1. A construo histrica das “baixarias” no choro. Executado pelo violo de sete cordas, este
emblemático elemento do choro teve influência direta dos contrapontos feitos por Pixinguinha ao
saxofone no regional de Benedito Lacerda.
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2. A imitação instrumentos de percussão de diferentes ritmos populares no violão.
3. A relação simbiótica entre o violão e a canção popular, traduzida na influência da voz no estilo
cantabile encontrado em diversas peças para violão, e, de forma oposta, na existência de peças
violonísticas que acabaram por se tornar canções.
4. O estabelecimento de uma relação simbiótica entre linhas de acompanhamento e a construção de
melodias. Foi possível identificar exemplos nos quais espatente uma mescla indissociável entre
estes dois elementos musicais, e onde os arpejos do acompanhamento harmónico serviram
enquanto material melódico ou linhas melódicas que configuravam os próprios acordes das
progressões harmónicas.
Por fim, achamos relevante referir que o idiomatismo instrumental no contexto da composição é um
universo de estudo amplo que necessita de pesquisa substancial. Concluímos que é fundamental
compreender o idiomatismo não apenas através do isolamento dos elementos técnicos e mecânicos do
instrumento, mas também através do estudo do contexto no qual este se insere e as nuances culturais e
colectivas que o enquadram. Além deste facto, a partir da perspetiva da composição, é também essencial
considerar-se elementos de comunicação e retórica musical para uma compreensão mais ampla sobre os
elementos composicionais e as suas relações com o idiomatismo e com as tradições musicais.
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