Por fim, as conclusões para onde as letras das duas canções se encaminham são opostas. Enquanto Preciso
aprender a ser só finaliza com um clichê de romance trágico, característico de uma ‘solidão-abandono’ (“Eu
morro pensando no nosso amor”), Preciso aprender a só ser arremata seu desfecho com uma exaltação da
vida em suas possibilidades, a ‘solidão-abrigo’: “O coração responder: eu preciso aprender a só ser”.
2.2. Intertextualidade
Para os fins dessa pesquisa, entende-se por intertextualidade a definição dada por José Luiz Fiorin (1994,
30): “A intertextualidade é o processo e incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido
incorporado, seja para transformá-lo”. A intertextualidade, como sua própria etimologia demonstra, opera
entre textos, que são entendidos aqui como a materialidade linguística de discursos. Essa seção se propõe,
portanto, a identificar relações materiais diretas utilizadas por Gilberto Gil no diálogo que o compositor
constrói com Preciso aprender a ser só, dos irmãos Valle. Com esse objetivo, utilizam-se as categorias
intertextuais para se trabalhar com textos musicais propostas por Manfrinato, Quaranta e Dudeque (2013,
235) a partir dos estudos de Fiorin, a saber: a citação, a alusão e a estilização.
A citação firma-se por mostrar a relação discursiva explicitamente e todo o discurso citado
é, basicamente, um elemento dentro de outro já existente. Por sua vez, a alusão não se faz
como uma citação explícita, mas sim, como uma construção que reproduz a ideia central
de algo já discursado e que, como o próprio termo deixa transparecer, alude a um discurso
já conhecido do público em geral. Por fim, a estilização é uma forma de reproduzir os
elementos de um discurso já existente, como uma reprodução estilística do conteúdo
formal ou textual, com o intuito de reestilizá-lo. (Zani 2003, 123 apud Manfrinato,
Quaranta, Dudeque 2013, 235)
As três categorias intertextuais propostas para se analisar a canção como texto podem ser encontradas ao
longo de Preciso aprender a só ser em relação a Preciso aprender a ser só. Começando pela estilização,
demonstrou-se anteriormente nesse trabalho que a composição dos irmãos Valle pode ser identificada como
um samba-canção que se apropria de elementos estéticos associados à bossa nova. Gilberto Gil, utilizando
Preciso aprender a ser só como mote para sua composição, compõe também um samba-canção,
caracterizado não apenas pela levada característica do violão — composta pelas figuras rítmicas formadas
por “semicolcheia/colcheia/semicolcheia”, em compasso dois por quatro — como também pela temática da
letra, que manifesta uma situação de solidão, no caso uma ‘solidão-abrigo’ ressignificando uma ‘solidão-
abandono’, como visto. Vale ressaltar, ainda no campo da estilização, que Gil além de compor um samba-
canção, o faz na mesma tonalidade (Lá maior) da música com a qual dialoga.
No âmbito das alusões, a primeira, e provavelmente a mais explícita, está exposta já no título de Preciso
aprender a só ser. Por meio da inversão dos dois últimos vocábulos de Preciso aprender a ser só, Gilberto Gil
deixa claro, desde o princípio, a relação direta com a mesma. Há outros momentos em que Gil faz alusão à
canção dos irmãos Valle, tanto na letra quanto no violão. Na letra, destaca-se a presença da relação causa
(solidão) e efeito (choro) apropriada por Gil — com outra semântica, como descrito — de Preciso aprender
a ser só: