. É na pequena frase de um dos poemas mais longos escritos no início
do século XIX — Al Aaraaf, do poeta norte-americano Edgar Allan Poe — que Luiz Carlos Csekö se inspirou
para compor Sound, em 1982, para quatro vozes femininas, luz, cena e amplificação. O poema de Poe, com
o excerto destacado utilizado por Csekö como epígrafe da peça, é baseado em histórias do Corão e se passa
num âmbito entre o Céu e o Inferno, uma vida após a morte, numa espécie de purgatório, onde os que lá
estão não sofrem qualquer tipo de punição, mas ainda não alcançaram a paz e o gozo esperados em uma
vida no paraíso celestial (Poe 2008). Sound é dedicada ao compositor norte-americano Tim Lenk, que Csekö
conheceu durante sua temporada na University of Colorado, e só foi estreada dez anos após a sua criação,
em 1992, no Rio de Janeiro, na qual Lucila Tragtenberg, ao interpretar ao vivo uma das vozes, dialoga com
as outras três, gravadas previamente por ela em estúdio.
Em suas observações, que antecedem o texto musical, Csekö orienta a intérprete a, durante a performance,
pronunciar todas as sílabas, vogais e consoantes presentes na palavra sound, em inglês britânico ou norte-
americano. As quatro vozes deverão ser vozes solistas e estar amplificadas. Desse modo, qualquer
combinação de vozes femininas amplificadas e/ou gravadas poderá ser utilizada. O espaço de realização da
obra interfere decisivamente na formação da tímbrica da peça, e o projeto cênico leva em consideração a
disposição do grupo de solistas no palco, possibilitando o melhor resultado acústico-espacial-cênico possível.
De acordo com Csekö (1982b), as intérpretes deverão criar um gestual sutil e sensual para a execução da
peça, e sua linguagem corporal deverá remeter ao prazer de produzir cada evento sonoro, moldando
plasticamente o corpo do som. Para tal, o compositor, em seu projeto de iluminação, sugere emoldurar as
intérpretes através de focos de luz ovais com bastante nitidez e de cor branco-leitosa, intensa e brilhante —
como numa moldura ou espelho antigo. Csekö, também, recomenda que, no caso de uma cantora
interpretar a peça de forma eletroacústica-mista, ou seja, simultaneamente às gravações realizadas
previamente, deverão ser utilizados quatro hologramas da cantora solista em tamanho natural, projetados
tridimensionalmente em vários locais do palco e auditório durante a performance ao vivo. Cabe, aqui, o
comentário do compositor, em sua tese de doutorado, de que “Sound está entre as primeiras obras de
música erudita experimental a realizar uma interação com a holografia.” (Csekö 2017, 137)
A respeito das interfaces entre canto e performance, Lucila Tragtenberg (1997) lembra que, na interpretação
da música vocal, o papel da cena sempre esteve associado à ópera e que, na música de câmara tradicional,
movimentos e gestos moderados, sóbrios, por anos mantiveram o intérprete-cantor demasiadamente
estático e, muitas vezes, inexpressivo. Percebe-se, no entanto, que, desde o início do século XX, na música
de câmara, “inicia-se um processo em que a dimensão da música (enquanto discurso sonoro que se
desenvolve no tempo) é ampliada para um espaço cênico.” (Tragtenberg 1997, 28) Dessa forma, a música
de câmara moderna e contemporânea ganha em espacialidade, onde o aspecto visual é, a todo momento,
enfatizado. Na música de Luiz Carlos Csekö, o trabalho cênico cria uma atmosfera dramática e, como destaca
Tragtenberg, suas indicações são ricas nesse sentido. O compositor indica, na partitura, muitos elementos
5 “Um som de silêncio que aturdia o ouvido.” Tradução nossa.