recebera infiltrações de símbolos de outra tradição aparentemente incompatível” (Previtalli 2013, 23). Já
“tradução cultural” traz a ideia preconceituosa de que uma cultura poderia se apropriar inadequadamente
de práticas que não compreende. É o que adverte Burke, muito embora sua preferência pela expressão. O
autor observa que para os doadores, “qualquer adaptação ou tradução de sua cultura parece ser um erro,
enquanto os receptores podem igualmente perceber seus ajustes como correção dos enganos” (Burke 2006,
60). Frente a essa abundância de terminologias, cabe perguntar junto com Canclini (2011):
[...] é possível colocar sob um só termo fatos tão variados quanto os casamentos mestiços,
a combinação de ancestrais africanos, figuras indígenas e santos católicos na umbanda
brasileira, as collages publicitárias de monumentos históricos com bebidas e carros
esportivos? (Canclini 2011, XX)
Respondendo esta questão, o autor observa que é o processo em si, que mescla culturas sujeitas a
circunstâncias de conflito, interação e negociação em um mesmo contexto, subtendendo uma trama de
poderes oblíquos, um processo que geralmente é percebido por aqueles que adotam a expressão hibridação
cultural. Sem deixar de chamar atenção para as intensas práticas globalizadas na pós-modernidade, para as
circunstâncias relacionadas a um multiculturalismo que se converte em interculturalidade, afirma:
Nas condições de globalização atuais, encontro cada vez mais razões para empregar os
conceitos de [...] hibridação. Mas ao se intensificarem as interculturalidades migratórias,
econômica e midiática, vê-se, como explicam François Laplantine e Alexis Nouss, que não
há somente “a fusão, a coesão, a osmose e, sim, a confrontação e o diálogo”. Neste tempo
[...] o pensamento e as práticas mestiças são recursos para reconhecer o diferente e
elaborar as tensões das diferenças. A hibridação como processo de intersecção e
transações, é o que torna possível que a multiculturalidade evite o que tem de segregação
e se converta em interculturalidade. As políticas de hibridação serviriam para trabalhar
democraticamente com as divergências, para que a história não se reduza a guerras entre
culturas, como imagina Samuel Huntington. Podemos escolher viver em estado de guerra
ou em estado de hibridação. [...] Por isso, convém insistir em que o objeto de estudo não
é a hibridez e, sim, os processos de hibridação. Assim é possível reconhecer o que contém
de desgarre e o que não chega a fundir-se. Uma teoria não ingênua da hibridação é
inseparável de uma consciência crítica de seus limites, do que não se deixa hibridar, ou
não quer ou não pode ser hibridado. (Canclini 2011, XXVI-XXVII). [Grifo nosso]
Acreditamos, pois, que a metáfora da hibridação, por sua maior neutralidade e suas implicações mais diretas
com o processo de mistura em si, inerente, sobretudo, ao tempo em que vigora “a compressão
tempo/espaço” característica da pós-modernidade, funciona melhor que as demais. Concordando com
Bernd (2004), que também menciona Canclini, pode ser afirmado que os termos híbrido e hibridação vêm
sendo utilizados, sobretudo pela crítica pós-moderna, preferentemente aos termos mestiçagem ou
sincretismo. Mestiçagem estaria principalmente associado à mistura de raças, no sentido, portanto, de
miscigenação, enquanto sincretismo à mistura de diferentes credos religiosos. Assim, hibridação seria a
expressão mais apropriada quando queremos marcar diversas mesclas interculturais (Bernd 2004, 100)
Foi levando em consideração estas reflexões, que a utilização do termo hibridação para a mistura de
mesclas culturais que se interagem num mesmo processo sem se fundirem, propiciando a observação de