“transculturadas” – mundo em que este discurso do hibridismo tem um claro sentido de
positividade, de tomada de posição a ser defendida e estimulada (Haesbaert 2012, 28).
Não se trata, pois, de trocas culturais forçadas pela pressão de uma cultura hegemônica sobre outra, como
no caso de sociedades colonizadas, o que, conforme Burke (2006), pode resultar em perdas culturais. Ao
contrário, é um processo de mão dupla, que, segundo ainda Canclini (2011) “não é ingênua”, ao contrário,
“é inseparável de uma consciência crítica de seus limites, do que não se deixa, ou não quer ou não pode ser
hibridado” (2011, XXVII). Vargas (2007), fundamentado neste autor, observa ainda que
O estado híbrido, de outra forma, não se reduz a dualidades e muito menos a meras
interações; por incorporar elementos múltiplos, não se subordina a sínteses rasas. Nem
mesmo se coloca como superação de estágios anteriores, pois não anula, necessária e
totalmente, os elementos colocados em contato no início de sua formação: o híbrido pode
pressupor manutenção ou sobreposição dos elementos que o antecederam, não havendo
a dinâmica simplista da superação. Sua complexidade está na manutenção das rebeldias
inesperadas de múltiplas e variáveis determinações, e não se fecha em superações de
contradições ou sínteses positivas. (Vargas 2007, 22)
Trata-se de um processo de mão dupla, portanto, onde as culturas se encontram, se retro-alimentam, ou,
mesmo, se estranham e se rechaçam sem perder de si, forjando novas circunstâncias identitárias. Citando
Young (2005), é um “(...) quebrar e reunir ao mesmo tempo e no mesmo lugar: diferença e igualdade numa
aparentemente impossível simultaneidade” (Young 2005, 32). Em outras palavras, dito de uma forma bem
simplista e imediata, sem pretender aprofundar mais sobre um processo que, através dos relatos transcritos
neste texto, já mostrou ter consciência de sua amplitude, Bororó diz sobre a sua poética:
Comecei a pensar na questão da fusão, porque muito se fala, mas muita gente não
entendeu o que quer dizer esse termo. Quando partem para a prática, ficam perdidos e
acabam indo para o óbvio. Exemplo: não podemos considerar fusão quando se junta samba
e baião, porque ficaria uma fusão primária, porque não se faz uma fusão a partir de dois
ou mais elementos sem desconstruí-los, é preciso que eles em primeiro lugar sejam
desconstruídos, para que se possa construir um novo elemento. Portanto, se temos samba
e baião evidentemente teremos como resultado um terceiro caminho. Desta forma, pode-
se construir um compasso quaternário da seguinte forma: utiliza-se dois compassos, um
de samba e um de baião, escrevendo respectivamente as suas células rítmicas,
posteriormente, elementos de ambos os compassos são retirados e a fusão acontece
quando se junta os dois compassos em um só. Tendo em mente que se uniu aquilo que
restou, teremos aí um novo elemento rítmico, podemos chamar isso de groove, que é o
que dizem hoje em dia (Entrevista com Bororó 2017).
É o que parece acontecer na obra de Bororó, embora não se deva perder a ciência de que nesse processo o
compositor coloca também em ação a sua preocupação social e histórica, sobretudo referente à
circunstância europeia/africana do povo brasileiro e, em especial, do povo Kalunga. Isto, acrescido do
entrecruzar de sentidos e significados diversos, sem deixar de apelar para os recursos midiáticos, técnicos e
culturais que lhe são oferecidos pelo cenário pós-moderno, para o uso significativo de elementos musicais
globalizados como o jazz e o rock, por exemplo. Temos o novo, portanto, nesse processo de hibridação