São essas possibilidades sonoras que enaltecem a música em sua concepção construtiva. A improvisação,
aqui, lança mão de inúmeros detalhes de base teórica e que fomentam a música assaz. Seu estudo faz parte
de uma conjectura artística imprescindível à realização musical pautada na coerência e no contorno
melódico, de tal maneira que esses detalhes a complementam, dando vida e robustez à obra. Improvisação
(musical) que se caracteriza como a “criação de uma obra musical [...] à medida que está sendo executada”
(Sadie 1994, 450). Quer dizer, refere-se à espontaneidade e à instantaneidade musical.
Não por acaso, mas pelo planejamento e estudo concreto, a improvisação realça novos horizontes à criação
musical. Eliane Salek apresenta-nos um enfoque próprio à improvisação no Choro, quando diz: “[...]
Diferentemente [do Jazz] o choro, a base sobre a qual se deve improvisar é uma construção rítmico-melódica
complexa, que, portanto, demanda uma improvisação de caráter melódico, a título de realçar e valorizar a
sua natureza, sem descaracterizá-la” (Salek 1999, 24).
Na prática preconizada por Hans-Joachim Koellreutter, a improvisação é um dos fatores de atuação musical
e de musicalização de relevante prática pedagógico-musical, pois se lida com timbres e articulações;
desenvolve-se a inter-relação, o senso crítico, e, por conseguinte, a autocrítica; e conscientiza-se do som e
do silêncio, dentre outras ações. Koellreutter pregava ainda que o professor e o estudante de música
precisam se abrir para universos sonoros novos, o que pode ser trazido pela improvisação (Paz, 2013). Teca
Alencar de Brito relata que a improvisação, para Koellreutter, dava-se como “mola mestra agenciadora, a
um só tempo, de vivências e processos de conscientização de questões musicais e humanas”, e que o
pensamento desse educador contribui para “o redimensionamento das relações que estabelecemos com
sons e músicas, com o sentido que portam, ou poderiam portar” (Brito, 2015, 16). Percebemos, então, que
Koellroeutter considerava a improvisação como uma das ferramentas básicas de seus ensinamentos para o
desenvolvimento da musicalidade, o que resultaria ainda na capacidade técnica do músico de, através da
performance, gerar sentido musical.
Ao improvisar, o músico compõe e realiza a música simultaneamente. Note-se que, considerando essa
simultaneidade, evitamos, na frase anterior, o verbo interpretar, que sugere a recriação de uma obra
consideravelmente pré-definida a cada performance, embora os limites entre improvisação e interpretação
sejam imprecisos. Na improvisação, o modo como o músico toca está imbricado ao fraseado. Enquanto
improvisa, exercita um conjunto de habilidades de diferentes naturezas: técnica instrumental, percepção
musical, memória, senso harmônico-melódico e de estilo, além da expressividade.
Podemos organizar as habilidades supracitadas em dois planos distintos: o primeiro deles diz respeito a
questões técnicas, como conseguir realizar ao instrumento o que se pretende, do modo como se havia
imaginado, com razoável consciência do efeito harmônico e textural que as notas terão no todo. O segundo
plano refere-se a uma dimensão estética, à construção, por meio de imagens sonoras, de um discurso
musical fluente, adequado, expressivo e individual, e que dialogue continuamente com tudo o que acontece
em volta: música, público e ambiente. Da mesma forma, ao estabelecermos os limites da improvisação,
outros caminhos mentais são trilhados, no esforço de conjugar as tarefas de construir um discurso e
obedecer a certos limites, o que é corriqueiro na improvisação jazzística, por exemplo. A depender da
complexidade dos limites estabelecidos, um arcabouço harmônico intrincado, por exemplo, a dificuldade
em improvisar fluentemente pode aumentar exponencialmente, exigindo do improvisador um trabalho
prévio de memorização.