Por vezes, e no contexto de um país marcado por desigualdades socioeconômicas de proporções abissais, o
debate brasileiro localiza esse caráter socialmente excludente no boicote a manifestações e a grupos
historicamente marginalizados. Por exemplo, em Sousa e Ivenicki (2016, 56):
[...] a educação multicultural visa a desconstruir possíveis hegemonias existentes no
currículo escolar, possibilitando que o conhecimento de grupos estereotipados e
marginalizados (como negros, nordestinos, moradores da periferia, entre outros) esteja
também presente na dinâmica escolar [...]. [...] Tal preocupação é verificada pelo fato de a
escola ser um lócus permeado por multiculturalidade, passível da ocorrência de
hierarquizações culturais e de fenômenos sociais, tais como racismos, discriminações,
xenofobias, intolerâncias religiosas, bullyings etc. Nessa perspectiva, a música, ao ter o seu
acesso ao currículo escolar legitimado, precisa também se adequar às dinâmicas da
diferença cultural e dos choques e entrechoques culturais, auxiliando, assim, que a escola
se torne um local mais justo, inclusivo e democrático [...].
Em sentido semelhante, Sarmento e Neira (2017) discutem as representações difundidas pela Revista Nova
Escola, importante periódico educacional brasileiro, acerca do que seja ou não musicalmente adequado ao
trabalho escolar – representações estas inequivocamente ligadas a grupos e/ou classes sociais específicas:
Exemplo disso é a fartura de fotografias que retratam crianças, jovens ou adultos
manipulando instrumentos musicais clássicos. Até mesmo quando as imagens registraram
a produção infantil, o que se vê é o posicionamento característico da apresentação em
teatro ou da orquestra. Tamanha citacionalidade (Hall, 2000) tende a deslegitimar outros
formatos, espaços de ocorrência social ou os grupos praticantes. Quando a música erudita
é apresentada como referência principal, a revista Nova Escola contribui para consolidar a
assimetria entre as identidades de maestros, compositores e instrumentistas, e suas
diferenças, sambistas, roqueiros, pagodeiros, funkeiros, sertanejos etc. (Sarmento e Neira
2017, 44)
No debate promovido no âmbito da APEM, os autores também se mostram profundamente preocupados
com esta cristalização de uma “cultura musical definida pela sua (fictícia) universalidade e pela sua
transcendência além do popular, efémero, étnico e mundano” (Reis e Duarte 2018, 9-10). Em seu artigo,
Costa, Pais-Vieira e Pinto (2018) se propõem a realizar um exercício: categorizar, a partir dos discursos dos
docentes entrevistados, os motivos que subjazem à contínua ausência de outras músicas nos momentos
dedicados à apreciação musical. Pelas suas palavras,
[...] este reportório musical organiza-se e converge, de um modo geral, num único sentido
estético – o reportório musical erudito ocidental. As outras músicas ficam ausentes desta
práxis que se limita, no tempo, a reforçar a produção da sua não-existência (Santos, 2006).
É sobre esta assunção que desqualifica ou não dá visibilidade às outras músicas (Schippers,
2010; Bradley, 2012), no âmbito das práticas letivas em Formação Musical, que
pretendemos refletir criticamente neste artigo. A análise qualitativa e quantitativa dos
inquéritos realizados a diferentes docentes de Formação Musical, permite-nos, por um
lado, perceber que esta não-existência parece encontrar as justificações necessárias num