Soprano 2: A gente sente que são palavras-chave dentro da frase, do verso e a partir daí
então que eu construo, às vezes, a frase toda, até a palavra dor. Então tem que dar uma
sensação, emitir uma sensação, ansiedade. Mas o que, eu acho também a melodia ela
pede, eu acho que nessa progressão “la ra ri, na ri nari” [cantarola o trecho relativo ao
trecho do texto “suportar a dor cruel”] ela pede um movimento, ela pede, a própria música,
as vezes, ela sugere ou pede enfim, esse movimento ou os ritenutos, rallentandos, eu acho
que isso também, e eu sentia as vezes isso, a música está pedindo isso (Tragtenberg 2012,
71, grifos nossos).
Poderíamos compreender apenas uma comunicação diferenciada na fala citada acima, mas, na realidade,
trata-se do processo de captação/pick up de affordances rítmicos, melódicos e de andamentos.
A partir da citação, foi possível perceber ainda que a oferta dos signos grafados na parte musical pode vir a
ser captada e compreendida em função do material concreto em seus elementos e estruturas,
compreendidos como balizas semânticas, affordances de qualidades. Estas balizas e affordances se mostram
colaborativos com as criações da interpretação em reciprocidade criativa. Esse é também o campo das
interconexões (Salles 2011), um campo relacional de interações ausentes de hierarquização, como define a
crítica de processos.
Invariante, nesse contexto, diz respeito a duas caracterizações: primeiro, nomeia a situação de permanência
irredutível no oferecimento das affordances (características, possibilidades), que pode ser compreendida
como a permanência concreta e durável da partitura, na qual os elementos são sempre os mesmos e estarão
disponibilizados para quaisquer cantores, note-se, de fato quaisquer, que venham a entrar em contato com
eles. A segunda caracterização diz respeito à Canção de Amor e aos gêneros musicais de choro e seresta,
compreendidos como uma dimensão macro, tal como indicado por Dowling e Harwood na citação de Eric
Clarke (2005) indicada na pág. 14 deste artigo. Os dois gêneros musicais contemplam uma multiplicidade de
invariantes. Em nossa pesquisa de doutorado, todos os cantores relataram ter realizado essas correlações
com a Canção de Amor: o baixo-barítono e o tenor a interconectaram ao choro e à seresta, a soprano 1 a
conectou apenas à seresta, a soprano 3, ao choro, e a soprano 2, à música romântica, partindo da articulação
vocal ligada e do poema. Essas relações foram estabelecidas também com base em informações externas à
partitura, que não estavam ali grafadas nominalmente e eram oriundas de redes histórico-culturais
circundantes à partitura, ao compositor e aos cantores, que dizem respeito também aos gêneros de seresta
e choro.
Se considerarmos um nível médio, este pode ser apontado como uma invariante. Ela pode ser considerada,
por exemplo, como a forma da peça, que é A B A’. Em nível micro, podem ser considerados os desenhos
rítmico-melódicos e harmônicos e, ainda, o poema da canção. Mas, ao partirmos das invariantes escritas,
teremos um nível de variações que só se tornará real quando o fluxo sonoro da voz do cantor se fizer audível
e vier, assim, a transcriar em som audível, os affordances de andamento, intensidade e articulação grafados
na partitura. Seriam eles, a saber: o Molto Lento, Piu Mosso, Lento, quasi Allegro, dinâmicas de intensidades
sonoras (sons fracos/piano, meio fortes e fortes) e arcos de articulação. Essas evidências que implicam de
forma conectiva uma memória e imaginação sonora, estão presentes também na fala do tenor: