que leva de um conjunto de elementos regidos pelo mod |24| ao mod |12|. Assim, uma filtragem das
propriedades gerais do instrumento também pode ser observada, pois a scordatura estabelece uma relação
de ressonâncias completamente nova. Embora o retorno ao campo diatônico possa ser verificado no último
movimento, a reaproximação total à identidade tradicional do violão não é realmente realizada, uma vez
que a segunda corda permanece alterada, o que representaria "uma vitória dos princípios de
defamiliarização" (Ferneyhough 1998, 152).
3.2 Ensaio de uma Análise da Obra
3.2.1 O Primeiro Movimento
Cada movimento de Kurze Schatten II foi elaborado como uma espécie de estudo, com o objetivo de
concentrar os critérios de composição em uma problematização particular.
O primeiro movimento opera duas camadas polifônicas diferentes. Uma das camadas consiste em
harmônicos naturais e está dividida em dois sistemas na partitura. A outra camada é articulada através de
uma polifonia de sucessão baseada em quatro categorias diferentes de figuras. Tanto as figuras como os
harmônicos desempenham um papel central no desenvolvimento formal do movimento, uma vez que a
forma é o resultado de um processo em que uma contradição vetorial pode ser percebida. Até um certo
ponto do movimento, há uma tendência para a diminuição dos harmônicos naturais, que ocorre em paralelo
com uma intensificação da atividade figural. Este ponto, realçado pela ausência de harmônicos e pela maior
densidade figural do movimento, marca o momento a partir do qual a lógica é invertida.
Como é comum na estética do compositor, há uma organização complexa antes de se iniciar a escrita da
obra. Ferneyhough define a priori uma estrutura detalhada que serve, não como um modelo representativo
do fenômeno sonoro, mas como uma rede flexível com a qual o compositor opera tomando uma posição em
frente do material abstrato.
O movimento foi dividido em cinco unidades formais com diferentes tempos metronômicos, contendo cinco,
três, quatro, quatro e quatro compassos respectivamente. Por sua vez, o tamanho de cada compasso foi
derivado da mesma sequência numérica pela adição de valores sucessivos e a divisão do resultado por dois:
(5 + 3) ÷ 2 = 4; (3 + 4) ÷ 2 = 3 ½; (4 + 3 ½ )÷ 2 = 3 ¾. Estas operações refletem as proporções métricas utilizadas:
5/8, 3/8, 4/8, 7/16, 15/32. Note-se que a ordenação dos primeiros compassos de cada unidade resulta na
mesma série métrica da primeira unidade.
Embora as cinco divisões formais sejam claras a nível conceitual, no plano perceptual existe uma
discrepância entre o planejamento a priori e o resultado sonoro. Ou seja, a forma da obra nem sempre
reflete a forma da organização abstrata dos materiais.
Um exemplo é a contradição formal que surge a partir da quarta unidade. O processo de intensificação figural
atinge o seu clímax no último compasso da terceira unidade onde, ao mesmo tempo, se verifica uma
completa ausência dos harmônicos. Poder-se-ia dizer que existe uma articulação formal, planejada pelo
compositor no plano abstrato, enfatizada pela mudança de tempo, pela recorrência de eventos nos sistemas
superiores e pela disposição dos materiais. No entanto ocorre uma atividade repentina dos harmônicos que