Na apresentação da Banda Quilombo do Rio das Rãs, os elementos comunicativos não-verbais, dispostos na
organização do palco, como no figurino dos músicos e dançarinas, codificam referências e aspectos culturais
próprios à comunidade de origem, mas, de forma integrada, aludem às raízes e experiências identitárias da
população negra no Brasil. Todas essas referências são reforçadas pela performance. De acordo com
Zumthor (2014, 34), performance indica competência, um saber-ser que implica e comanda certa presença
e conduta inscritas em coordenadas espaços-temporais e fisiopsíquicas concretas, numa ordem de valores
encarnada em um corpo vivo.
Os corpos vivos presentes no espetáculo da Banda Quilombo do Rio das Rãs apontam para o anseio de
ressignificação dos corpos negros. Conforme afirma Gomes (2017, 79), as marcas históricas presentes nesses
corpos os direcionam a assumir, por meio da performance, competências adquiridas em uma história de luta
e resistência. Essa história renova-se, cotidianamente, na tensão vivenciada por negros e negras, espremidos
entre as exigências de adaptar-se e a necessidade de superar o pensamento racista, que toma seus corpos
por exóticos, eróticos ou violentos. É, pois, como expressão do embate com o racismo e a exclusão, que a
Banda Quilombo do Rio das Rãs exibe coreografias destinadas a enaltecer valores culturais e sociais de base
identitária.
Assim como as danças e outros movimentos corporais, a performance da banda engloba um modo próprio
de entoar os versos das canções, o ritmo, o cenário, as roupas, o modo peculiar de apresentação e manuseio
dos instrumentos musicais. Discurso e performance se conjugam para divertir, mas também para apresentar
corpos negros, não como força de trabalho e peças (objetificadas). Eles são, naquele contexto, corpos
políticos, marcados por lutas, processos identitários e saberes emancipatórios, no sentido proposto por
Gomes (2017, 98). As simbologias negras estão presentes nos cabelos trançados, nas batas estampadas, nas
cores das roupas usadas por músicos e dançarinas. Para os membros do grupo, todos esses elementos estão
assentados em referências ancestrais. O espetáculo atualiza essas referências diante do público ao negar os
estereótipos racistas e confrontar, por meio da ressignificação da história viva e vivenciada pelos negros, o
cotidiano marcado pela exclusão.
É possível apontar para a similaridade entre as músicas executadas pela banda e o que se convencionou
chamar de samba-reggae. Em seus aspectos mais gerais – a temática das canções e a batida dos instrumentos
percussivos – o trabalho da banda converge com as observações de Schaeber (1997, 146-147) sobre as
características da música negra baiana, em especial das músicas produzidas pelos blocos afro de samba-
reggae, que associam as síncopes típicas do reggae com os tambores de som mais grave, tocados
lentamente. Schaeber (1997, 145), em suas considerações sobre a formação da identidade negra no Brasil,
destaca a importância do movimento cultural protagonizado pelos blocos afro de Salvador. A estética dos
seus integrantes, de acordo com o autor, tematiza a herança africana. As músicas, cantadas e tocadas no
ritmo marcado pela percussão, reportam à capoeira angola e trazem referências aos movimentos políticos
de libertação panafricana e ao movimento negro norte-americano. Mas, para além das experiências
performativas, as ações desenvolvidas por esses blocos englobam atividades educativas que conferem aos
negros da periferia de Salvador a oportunidade de aprender e desenvolver novas competências. Além disso,
ações mais amplas, do ponto de vista organizativo, são assumidas pelas lideranças no intuito de criar as
condições de realização dos desfiles. A escolha e preparação de instrumentistas, cantores, apoio vocal,
repertório, corpo de dança, figurino, precedem os momentos de exibição pública, no carnaval, e duram todo
o ano. Referindo-se à importância da música negra no enfrentamento de problemas que atingem o sujeito