A lei promulgada em 7 de novembro de 1831, de autoria de Diogo Antônio Feijó, determinava que todos os
africanos que entrassem a partir daquela data no território do Brasil estariam livres, porém, como nunca foi
integralmente cumprida, ficou conhecida popularmente como “lei para inglês ver” (Chalhoub 2012b, 46).
Somente em 4 de setembro de 1850, com a lei Eusébio de Queiroz, o tráfico negreiro foi finalmente extinto,
após quase vinte anos de ilegalidade. No período do tráfico ilegal (1831-1850), o Rio de Janeiro recebeu a
grande maioria dos 750.000 africanos escravizados, desembarcados dos navios de traficantes como José
Bernardino de Sá, presidente da diretoria do Teatro de São Pedro (Costa-Lima Neto 2017).
Martinho participou dos espetáculos em benefício da liberdade interpretando as árias compostas
especialmente para ele por Francisco de Sá Noronha e outros compositores, atuando em vaudevilles e peças
“ornadas” com música, como Arthur ou dezesseis anos depois, Cosimo ou o príncipe caiador, A Corda sensível,
A Graça de Deus, D. Cezar de Bazan, em entremezes que incluíam lundus e fadinhos, como O Chapéu pardo,
O Recrutamento na aldeia e Manuel Mendes, em dramas ou, por fim, em comédias de Martins Penna e de
outros dramaturgos. Em carta publicada no Jornal do Commercio, por exemplo, um leitor destacou a atuação
de Martinho no drama (comédia?) em 5 atos Carlos II, Rei da Inglaterra, no qual o artista desempenhou o
papel de McAllan, em benefício de uma mulher escravizada, realizado no Teatro de São Januário (Figura 3):
PARA UMA LIBERDADE
Tem os jornais e programas anunciado um benefício que se há de realizar hoje. Melhor
espetáculo não podia certamente ser escolhido do que o que tem o público a gozar. O Sr.
Martinho, o original Sr. Martinho, é o herói desta noite! Bem ideado, jocoso, e de um gosto
a toda prova é o drama Lord de Dumbacky ou Carlos II, rei da Inglaterra; a Tonadillha
Espanhola, e mais divertimentos devem desafiar a concorrência pública, quando não
bastasse o fim para que é agenciado o benefício, cujo título só – Para uma liberdade – diz
tudo. Sabemos que alguns abusos se têm cometido por este meio de obter dinheiro das
almas caridosas; mas sabemos também que no Rio de Janeiro existem cerca de 10 pessoas
libertas só e unicamente pelos benefícios: e se tantos têm obtido esta esmola, [...] não seja
a beneficiada de hoje a única excluída. (Jornal do Commercio, 16.05.1849, 2. Nosso grifo).
O missivista assinalou que os espetáculos “para uma liberdade”, promovidos por Paula Brito, João Caetano,
Martinho e companhia, tinham alforriado, até o ano de 1849, dez cativos, uma quantidade inexpressiva se
comparada, por exemplo, às centenas de africanos contrabandeados em uma única viagem negreira. Note-
se, contudo, que na década de 1840, um escravizado adulto, saudável, do sexo masculino, era vendido no
Rio de Janeiro por um preço de 600.000 a 800.000 réis (Reis et. al. 2010, 60, 62, 114-115, 169); uma pequena
fortuna. Como era impossível amealhar esta quantia em apenas um espetáculo nos pequenos teatros de São
Francisco e São Januário, vários eram realizados em sequência, alternando benefícios para a liberdade e para
irmandades católicas de negros, pardos e homens livres pobres, as quais tradicionalmente ajudavam na
compra da alforria de “irmãos” escravizados ou de seus familiares (Karasch 2000 [1987]; Scarano 1979).