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DOI: 10.35699/2317-6377.2022.37599
ISSN 2317-6377
O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques
(1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias no Império
da escravidão
Luiz Costa-Lima Neto
https://orcid.org/0000-0003-4952-4721
Escola de Música Villa-Lobos
costalimaneto.luiz@gmail.com
SCIENTIFIC ARTICLE
Submitted date: 23 dec 2021
Final approval date: 25 mar 2022
Resumo: Baseado em pesquisa hemerográfica e bibliográfica, este artigo discorre sobre a trajetória artística do ator-
cantor-dançarino cômico Martinho Corrêa Vasques (1822-1890), no período compreendido entre 1841 e 1875, desde
a sua entrada na companhia dramática de João Caetano, com a qual se apresentou em espetáculos teatrais em
benefício da alforria de escravizados e de irmandades católicas de negros e homens livres pobres na década de 1840,
até o período mais longo da carreira do artista, quando atuou na capital imperial e nas províncias do Rio Grande, o
Paulo, Pernambuco e Bahia. O artigo assinala as características fundamentais do estilo de atuação de Martinho Corrêa
Vasques, destacando o importante papel de coautoria desempenhado pelo artista na performance cênico-musical de
lundus, árias, vaudevilles e paródias, além de revelar implicações sociopolíticas e étnicas da atuação do artista negro
nos palcos oitocentistas, durante o regime escravocrata.
Palavras-chave: Lundu; Ópera cômica; Teatro musicado; Performance; Escravidão.
TITLE: THE BLACK ACTOR, SINGER AND DANCER MARTINHO CORRÊA VASQUES (1822-1890): LUNDUS, ARIAS,
VAUDEVILLES AND PARODIES IN THE EMPIRE OF SLAVERY
Abstract: Based on hemerographic and bibliographic research, this article discusses the artistic trajectory of the comic
actor-singer-dancer Martinho Corrêa Vasques (1822-1890), in the period between 1841 and 1875, since his entry into
João Caetano's dramatic company, with which he performed in theatrical shows in benefit of enslaved manumission
and Catholic brotherhoods of blacks and poor free men in the 1840s, until the longest period of the artist's career,
when he worked in the imperial capital and in the provinces of Rio Grande, São Paulo, Pernambuco and Bahia. The
article reveals the fundamental characteristics of Martinho Corrêa Vasques' style, highlighting the important role of
co-authorship played by the artist in the scenic-musical performance of the lundus, arias, vaudevilles and parodies, in
addition to revealing sociopolitical and ethnic implications of the performance of the black artist on nineteenth-
century stages, during the slavery regime.
Keywords: Lundu; Comic opera; Musical theatre; Performance; Slavery.
Per Musi, no. 42, General Topics, e224209, 2022
2
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques
(1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias no Império
da escravidão
Luiz Costa-Lima Neto, Escola de Música Villa-Lobos, costalimaneto.luiz@gmail.com
1. Introdução
As historiografias do teatro e da música vêm criticando a rara presença de personagens negras no teatro do
século XIX, assim como a utilização supostamente “deslocada” das práticas musicais afro-brasileiras nos
palcos oitocentistas:
Na realidade, a personagem negra praticamente não existia antes da década de 1860.
Quando presentes, as personagens negras recebiam partes pequenas, aparecendo
estereotipadamente como escravos fiéis e miseráveis, ou como indivíduos imorais e
destruidores, mas raramente como representativos de sua própria cultura. [...] No final,
estas construções teatrais possibilitaram que o status quo colocasse a cultura e as práticas
musicais afro-brasileiras sob uma “lógica de deslocamento, ”esvaziada de sentido, para
tornar invisível e justificar suas posições sociais e econômicas dentro da nova ordem social
[republicana] (Magaldi 2004, 126-127).
1
No Rio de Janeiro imperial havia, contudo, não apenas uma única e autêntica cultura negra afro-brasileira,
mas sim culturas negras no plural, praticadas por indivíduos escravizados, libertos ou livres, como o ator-
cantor-dançarino Martinho Corrêa Vasques (1822-1890). Martinho participou de centenas de espetáculos
teatrais, inclusive em benefício da alforria de escravizados, apresentando, com seu gestual musical afro-
brasileiro, um repertório híbrido de lundus, árias, vaudevilles e paródias. A noção de “gestual musical afro-
brasileiro” está relacionada, de um lado, a uma sintaxe cênica constituída por sons, palavras e ações, na qual
a música é inseparável dos corpos em movimento (Moreira 2013) e, de outro, às manifestações culturais de
matriz africana, caracterizadas pela simbiose musical-coreográfica, com palmas, meneios, balanços e
requebros, como ocorre no lundu (Sodré 2007 [1998], 30). Surgido em África, o lundu se tornou um
1
“Actually, the black character is practically non-existent before the 1860s. When present at all, the black
characters received minor parts, appearing either as stereotyped of faithful and pitiful slaves, or as immoral
and disruptive individuals, but rarely as representative of their own culture". [...] "In the end, these theatrical
constructions allowed the status quo to place Afro-Brazilian musical practices and culture on a 'displacing
logic', 'emptied of meaning', to render real culture invisible, and to justify their social and economic positions
within the new social order.” Para mais informações sobre a historiografia a respeito da personagem negra
no teatro brasileiro, ver Mendes (1982).
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Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
fenômeno transnacional e, desde fins do séc. XVIII foi introduzido nos teatros de Portugal (Cranmer 2012),
tendo recebido no Brasil do séc. XIX a influência ibérica, onde era praticado por negros, brancos e mestiços
(Tinhorão 1998; Ulhôa, Costa-Lima Neto 2015). Enquanto artistas portugueses dançavam lundus nos palcos
cariocas (Budasz 2019), árias como a “Casta Diva”, da ópera italiana Norma (música de Vincenzo Bellini e
libreto de Felice Romani), eram todos os dias cantadas, guinchadas, miadas, assobiadas e estropiadas [nas]
ruas e casas” do Rio de Janeiro, inclusive por “moleques(crianças negras) (Martins Pena 2007 [O Diletante.
1844], 350-352). Lundu e ópera não estavam, assim, tão separados.
Com base em pesquisa bibliográfica e hemerográfica (Costa-Lima Neto 2018a), veremos neste artigo que,
entre 1841 e 1875, Martinho Corrêa Vasques se apresentou em entremezes, comédias, dramas, dançados
cômicos, vaudevilles, mágicas, pastiches de ópera italiana e em paródias de ópera francesa, de maneira
independente ou integrando as companhias dramáticas de João Caetano, José de Almeida Cabral, Luiz
Cândido Furtado Coelho e Guilherme da Silveira. A primeira parte do texto se concentra no período 1841-
1850, quando Martinho entrou na companhia dramática de João Caetano, dela se tornando o artista cômico
principal, enquanto constituía uma relação de parceria com o compositor português Francisco de
Noronha. A segunda parte abrange o período mais longo de sua carreira, entre 1851 e 1875, quando
Martinho atuou no Rio de Janeiro e nas províncias do Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco e Bahia.
Destacaremos o estilo de atuação do artista, o importante papel de coautoria por ele desempenhado em
seu repertório cênico-musical, além de assinalarmos implicações sociopolíticas e étnicas relacionadas às
performances do ator-cantor-dançarino negro nos palcos oitocentistas, durante o regime escravocrata.
2. Primeiro Ato: O Início da carreira artística
Nossa pesquisa nos periódicos oitocentistas do portal Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Bibliot6eca
Nacional
2
aponta que Martinho Corrêa Vasques nasceu em 1 de outubro de 1822,
3
na cidade do Rio de
Janeiro. Era filho mais velho de Bernardina Corrêa Vasques e Martinho Corrêa Vasques, um indivíduo rico,
de família com provável origem portuguesa, o qual, ao falecer, deixou para a viúva “um patrimônio de quatro
casas, dez escravos, objetos de prata, ouro, móveis e dívidas a receber”, além de cinco filhos para ela criar
(Marzano 2008, 21). Martinho era irmão, por parte de mãe, de Francisco Corrêa Vasques, cuja trajetória
artística como ator mico e dramaturgo é mais bem conhecida pela historiografia (Ferreira 1979, Souza
2017, Marzano 2008). Martinho era alto, esguio, bem conformado, tinha rosto comprido e um
extraordinário nariz que lhe emprestava ao rosto uma graça infinita.
4
Nada sabemos sobre sua infância,
exceto que fazia parte de uma família negra e livre, de poucos recursos, pois o patrimônio de Bernardina se
dissipou. A população negra era então constituída por indivíduos escravizados, libertos e livres: os
escravizados eram considerados bens ou propriedades de seus “donos”, sendo privados de direitos e
impedidos de possuir propriedade; os libertos ou forros, por sua vez, eram ex-escravizados que
conquistaram a alforria; enquanto os livres eram os filhos dos libertos. Libertos e livres tinham direitos
constitucionais parciais, como o direito ao voto, mas não os nascidos em África, aos quais a Constituição de
1824 negou os direitos de nacionalidade e cidadania (Mattos; Grinberg 2018, 167).
2
Ver: <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>.
3
Diário do Commercio, 04.02.1889, 2.
4
O Malho, 1927, 269.
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Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
Na década de 1850, Martinho morava à Rua do Hospício, n. 282, na Freguesia do Santíssimo Sacramento, a
qual concentrava a maioria da população negra da cidade carioca (Karasch 2000). Em 1849, esta agregava
110.000 escravos para 266 mil habitantes, “a maior concentração urbana de escravos existente no mundo
desde o final do Império Romano” (Alencastro 2011 [1997], 24-25) cerca de 5% do total de habitantes era
constituído por libertos e seus descendentes (Paiva 2018, 98). O nome de Martinho aparece nos jornais
5
como eleitor (alfabetizado) daquela Freguesia, numa época em que, para exercerem o direito ao voto, os
livres e libertos deveriam ter mais de 25 anos e possuir renda mínima anual de 200 mil réis, considerada
baixa, na época (Carvalho 2012, 118).
Figura 1: Martinho Corrêa Vasques. (Ferreira 1979, 55)
Em nota biográfica publicada tardiamente no Jornal do Recife,
6
um colaborador anônimo destacou que
Martinho Corrêa Vasques foi, “pela ordem cronológica”, “o nosso primeiro ator cômico”, tendo “voz afinada,
de que se servia, com muita habilidade, para manter alguns números, recursos que faltavam a Manoel Soares
e a [Manoel Baptista] Lisboa”, dois atores cômicos portugueses contratados à época pelo Teatro de São
Pedro. O dramaturgo e músico Martins Penna foi testemunha das habilidades cênico-musicais de Martinho,
bem como do sucesso por este alcançado junto ao público, deixando registrado um elogio eloquente ao
artista, num dos folhetins líricos publicados no Jornal do Commercio:
Na “Ária da Polca”, o Sr. Martinho teve as honras do da capo. É esta a vigésima ou trigésima
vez que a canta em cena; essa única circunstância é um grande elogio. […] Na noite do
espetáculo em benefício dos dois meninos, cantou a “Ária do Mascate italiano de um
modo que revela grande talento e naturalidade para os papéis bufos. Sua voz é agradável
e sonora, e melhor do que geralmente se exige para os papéis bufos; seus gestos (a par de
alguma exageração) são naturalmente engraçados, e a mobilidade de sua fisionomia excita
sempre a hilaridade do público; pouco falta, pois, ao Sr. Martinho, para ser um bom cantor
bufo, se quiser dar-se ao trabalho de estudar música e o italiano. Não o atemorize o estudo
nem recue diante da dificuldade; em primeiro lugar, tudo se vence com paciência e
perseverança, e em segundo lugar, o estudo da música e da língua italiana não é coisa de
5
Diário do Rio de Janeiro, 14.09.1850, 4.
6
Jornal do Recife, 01.01.1928, 27.
5
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
meter medo a um artista que mostra inteligência como o Sr. Martinho (Martins Pena 1965
[25.08.1847], 339-340. Nossos grifos).
7
O folhetim de Martins Penna sugere que Martinho possuía registro vocal de baixo (ou barítono), como
ocorria frequentemente nos papeis protagonistas de óperas bufas italianas famosas no Rio de Janeiro da
época, como, por exemplo, Elixir do Amor (música de Gaetanno Donizetti e libreto de Felice Romani). Além
disso, ao comparar o gestual de Martinho ao de um cantor bufo, Martins Penna destacava características
marcantes do estilo de atuação do nosso artista, como a sua expressividade e a sua capacidade de
comunicação com o público. Um comentarista português do século XVIII deixou assinalado que
O buffo [...] faz com que a audiência entenda tudo que ele canta, uma qualidade que é
comum à maioria dos artistas buffi italianos. Eles usam certos sons para exprimir raiva, dor,
alegria, em suma, eles têm expressão, que é a verdadeira música do drama. Eles podem
quase ser considerados como mímicos, apesar de os italianos não os verem como tal (Lima
1762, apud Brito 1989, 112).
8
A carreira de Martinho nos palcos cariocas parece ter sido iniciada em 7 de dezembro de 1841, aos dezenove
anos, no começo do Segundo Reinado, quando seu nome foi mencionado no Diário do Rio de Janeiro, por
ocasião do primeiro benefício do artista no Teatro de São Francisco. O programa incluiu uma abertura
orquestral, seguida do drama em 3 atos O Ministro traidor ou o triunfo da imprensa, (do “Sr. doutor
Teixeira”), concluindo com uma ária da ópera Semiramide (música de Gioachino Rossini e libreto de Gaetano
Rossi), tocada ao violão. Os ingressos eram vendidos na loja do poeta e editor negro Francisco de Paula Brito,
o qual se tornou uma espécie de padrinho e protetor de Martinho, sempre o elogiando nos jornais, assim
promovendo o artista no mercado cultural incipiente da capital imperial escravocrata:
Sendo este o primeiro espetáculo que o beneficiado dá, não tendo por ora aquela proteção
que tão valiosa o público presta aqueles artistas com quem mais simpatia, falta da prática
necessária para a distribuição dos seus bilhetes, nada mais faz do que apresentar-se em
campo conhecido, e implorar todo valimento necessário a quem se lança nesta espinhosa
estrada. Os bilhetes vendem-se na loja do Sr. Paula Brito (Diário do Rio de Janeiro,
07.12.1841, 2).
Em maio de 1843, o ator e empresário brasileiro João Caetano dos Santos anunciou pelos jornais que “reuniu
à sua companhia os seus colegas Florindo Joaquim da Silva, João Antônio da Costa e Martinho Corrêa
Vasques”.
9
Foi assim que, em 28 de julho de 1843, Martinho apresentou seu benefício inicial na companhia
7
A ária da “Polca” ou do “Petit-maître à Polka”, teve autoria do violinista brasileiro José Joaquim Goyanno,
sendo apresentada pela primeira vez em janeiro de 1847, no Teatro de São Francisco. Pequeno mestre ou
petimetre (corruptela do francês petit-maître, sinônimo de dândi), era um personagem-tipo afrancesado,
aristocrático e, por vezes, afeminado (Marzano 2008, 27). Agradecemos ao pesquisador e jornalista Franklin
Martins pela informação gentilmente transmitida por e-mail em 05.12.2018.
8
“The buffo makes his audience understand everything he sings, a quality that is commom to most of the
Italian buffi. They use certain sounds that epitomise hunger, cold, pain, joy, in short, they have expression,
witch is the true music of drama. They could almost be considered mime artists, although the Italians do not
see them like that.”
9
Diário do Rio de Janeiro, 29.05.1843, 3.
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Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
de João Caetano, a primeira formada por uma maioria de artistas brasileiros (Prado 1972). O programa
incluiu a peça Uma entre quatro, Variações de rabeca pelo compositor e violinista português Francisco de
Noronha, e a “Ária do Capitão Mata-Mouros”, pelo beneficiado. Os “benefícios” eram espetáculos teatrais
geralmente previstos em contrato, cuja receita obtida com a venda de bilhetes reverteria total ou
parcialmente para o beneficiado como uma maneira de aumentar seus vencimentos ou compensar os meses
sem salário (Bastos 1994 [1908], 24). Outros benefícios, aos quais Martinho, João Caetano e Paula Brito
estiveram sempre ligados, foram destinados a irmandades católicas de negros e de homens livres pobres,
num total estimado de 21 benefícios no período 1841-1859.
10
Referências nos periódicos sugerem que
Martinho era irmão da Lampadosa, de Nossa Senhora das Dores e de Santo Antônio, enquanto Paula Brito,
por sua vez, era irmão-definidor da Lampadosa, protetor da Irmandade do Glorioso São Jorge e membro da
maçonaria, sendo filiado ao Rito Escocês uma dissidência com características dessegregacionistas e
antirracistas (Azevedo 2010).
11
Para entendermos a relação entre os artistas de teatro e as irmandades da época é necessário assinalarmos
que estas eram associações corporativas (confrarias) formadas por leigos e administradas por uma mesa,
presidida por juízes, escrivães, tesoureiros, procuradores etc., os quais tinham como tarefas convocar e
dirigir reuniões, arrecadar fundos, visitar os irmãos necessitados, organizar funerais e comprar alforrias,
entre outras atividades (Reis 2012 [1991], 54). Segundo Julita Scarano (1979, 3), a partir do final do século
XVIII, as irmandades tornaram-se associações menos religiosas e mais sociais, tendo como momento máximo
as festas em homenagem aos santos padroeiros e outros de devoção. Como assinala Martha Abreu (1994,
184): “Além das missas com músicas mundanas, sermões, Te Deum, novenas e procissões, eram parte
importante as danças, coretos, fogos de artifício e barracas de comidas e bebidas”.
A Festa do Divino Espírito Santo, promovida pela irmandade homônima no Campo de Santana (Abreu 1999),
era uma das mais frequentadas pela população do Rio de Janeiro imperial, incluindo, possivelmente, o
próprio Martinho Corrêa Vasques. É provável que Martinho tenha apresentado a “ária do Capitão Mata-
Mouros” na Barraca do Telles (também chamada As Três Cidras do Amor) (Mello Moraes Filho 1999, 123),
na qual uma banda executava valsas e polcas nas aberturas e mudanças de cenários, enquanto um conjunto
de flauta, violão e cavaquinho tocava oculto quando dançavam os bonecos (Abreu 1999, 74-89).
12
O
programa consistia de números musicais, circenses, dança, mágica, teatro de bonecos, além de comédias,
como O Judas em Sábado de Aleluia (1844), de Martins Penna, após a qual a “Ária do Capitão Mata-mouros”
foi apresentada, terminando o espetáculo com lundus, jongos, batuques e cateretês (Abreu 1999, 92-93).
Assim, enquanto os artistas de teatro ofereciam espetáculos em benefício das irmandades, estas abriam
espaços de atuação artística fora dos teatros, ampliando redes profissionais e de sociabilidade.
O título e a letra da “Ária do Capitão Mata-mouros” estavam relacionados ao personagem-tipo Il Capitano,
da commedia dell’arte, metido a conquistador de mulheres e grande contador de vantagens e mentiras
(Carvalho 1994), o qual aparece na ópera bufa napolitana a partir do início do século XVII, sempre tendo o
10
Diário do Rio de Janeiro, 13.04.1844, 2; 01.05.1844, 2; 18.05.1844, 3; 05.06.1844, 2; 04.09.1844, 2;
28.11.1844, 3; Jornal do Commercio, 12.05.1844, 3.
11
Jornal do Commercio, 12.05.1844, 3; 26.01.1845, 3; 28.04.1881, 4; 29.04.1885, 5; 20.04.1886, 4; Correio
Mercantil, 24.12.1861.
12
O nome de Martinho não é mencionado por Mello Moraes Filho em seu livro, mas a referência à “Ária do
Capitão Mata-Mouros” sugere que o artista esteve presente à apresentação na Barraca do Telles (ou Teles).
Ver Costa-Lima Neto (2018a, 2018b).
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Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
respectivo cantor o registro vocal de baixo (Weiss 2001).
13
De outro lado, o personagem do Capitão Mata-
Mouros estava parodicamente relacionado à figura real do capitão-do-mato, encarregado pela captura dos
escravizados fugidos. Este era satirizado
14
na letra da ária e na atuação de Martinho, cujo figurino, com capa,
espada arriada à altura dos pés, cartola e barrigão (ver Figura 4), revelava que o personagem “valente” era
um embuste:
Tudo quanto tenho exposto
Passará por caçoada,
Assim não direi mais nada
Para não vos dar desgosto:
Vou cumprir d’este meu posto
O que nele muito abunda,
Com figura tão jocunda
Não me posso demorar,
Pois vou patrulhas rondar
Da Armação ao Quebrabunda.
15
2.1. A parceria com Francisco de Sá Noronha: “o tempero certo”
Como assinalado por Cymbron (2019, 80-81), o compositor e violinista português Francisco de Noronha
começou a colaborar com a companhia dramática de João Caetano simultaneamente com Martinho Corrêa
Vasques e, aproveitando as habilidades vocais e cênicas do ator-cantor-dançarino, parece ter composto
especialmente para Martinho a maioria das árias cômicas que este apresentou até o fim de sua carreira:
“Capitão Mata-Mouros”, “Mascate italiano”, “Polca”, “Boleeiro” e “Romântico estragado”, além do dueto
“Os dois pingas” (1849), a “Entrevista entre o filósofo dos cães e o praia-grande” (1851), e a “sinfonia com
coros marítimos intitulada “A Partida do marinheiro” (1863). Além dessas peças, acrescentamos o
vaudeville Inocêncio ou o eclipse de 1821, e a comédia Cosimo ou o príncipe caiador, nos quais Martinho
desempenhava o papel principal.
16
Francisco de Noronha pode ser considerado como um dos introdutores do vaudeville no Brasil, termo
cujo significado está relacionado ao de ópera cômica francesa.
17
Noronha se baseou num tipo de comédia
musical parisiense, a comédia-vaudeville, gênero apresentado no Brasil a partir de 16 de setembro de 1840,
13
Personagens-tipo eram papéis fixos, como os velhos, criados e enamorados da commedia dell’arte. Os
velhos e criados eram tipos cômicos, enquanto os enamorados eram sérios (Rabetti 2014, 13). O Capitão era
um enamorado, mas um enamorado bufo, ridicularizado pelas mulheres (Carvalho 1994).
14
As sátiras têm como alvo o mundo exterior: costumes, instituições, atitudes e práticas, sejam sociais,
políticas ou religiosas. As paródias, por sua vez, são direcionadas sempre a outra obra de arte ou às normas
estéticas, podendo ridicularizar ou reverenciar o modelo parodiado (Hutcheon 1985).
15
Ver a letra completa da “Ária do Capitão Mata-Mouros” em O Trovador, 1876, 56-57.
16
Jornal do Commercio, 10.09.1850, 4.
17
As origens da opéra-comique remontam aos teatros ao ar livre, que funcionavam na França por volta de
1715. O termo designava espetáculos com música instrumental e vocal, diálogos falados e, eventualmente,
recitativos. Seu repertório de vaudevilles, com melodias já conhecidas pelo público, se opunha à ópera séria
a tragédie mise-en-musique (Faria 2009, 247). Sobre as dificuldades terminológicas relativas à “ópera
cômica”, ver Cranmer (2013, 215-218).
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Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
por uma companhia francesa ambulante, no Teatro de São Januário, o qual comportava 500 pessoas (Souza
2007). A novidade introduzida por João Caetano consistiu em traduzir os vaudevilles para o português,
dotando-os de música original composta por Noronha, da qual, infelizmente, não sobreviveu nenhuma
partitura (Cymbron 2019, 154).
O sucesso de Noronha como compositor de música para a companhia dramática de João Caetano dependia
em parte do talento de Martinho, o qual se desdobrava, com igual facilidade, como ator, cantor e dançarino.
Foi assim que nosso artista passou a se destacar não apenas em números solo ou em duetos, mas também
em dramas e comédias-vaudeville. Este foi o caso, por exemplo, do drama-vaudeville Arthur ou depois dos
dezesseis anos, estreado em 1843, e da comédia de enganos Cosimo ou o príncipe caiador, em 1844, na qual
Martinho desempenhou o papel principal (Cymbron 2019, 155-160). Um colaborador do Diário do Rio de
Janeiro destacou, na apresentação de Cosimo, a atuação de Martinho e a música de Sá Noronha:
Esta composição cheia daquelas graças espirituosas e de cômico de bom gosto, que excita
o riso, foi representada domingo no teatro de Santa Teresa, onde deu uma enchente,
18
no
meio de numerosos [aplausos] e imensa alegria; nelas se mostrou com muita naturalidade
e mui jocoso, o Sr. Martinho, é admirável vê-lo n’este papel de pintor-príncipe. [...] Quanto
à música, deu-nos o Sr. Noronha outra prova do seu reconhecido talento; ora se nota nele
a graça e ligeireza do Vaudeville francês, ora o sentimento e vastidão da ópera Italiana
(Diário do Rio de Janeiro, 06.05.1844. Nossos grifos).
Martinho e Sá Noronha (entre outros compositores) estabeleceram trocas e parcerias, por meio das quais o
primeiro participava da criação e recriação performáticas das árias cômicas. Seguindo o modo de produção
do teatro cômico ligeiro, as árias apresentadas por Martinho não eram concebidas de fora, mas sim como
parte de uma encenação na qual a criação dramatúrgica estava em permanente construção e reconstrução,
efêmera como o espetáculo, passageira como o olhar do espectador, [...] em fluxo interminável de produção,
reprodução [e] reaproveitamentos” (Rabetti 2007, 14-15). É difícil saber ao certo como ocorria o processo
de criação das árias cômicas: se era iniciado pelo compositor, criando música, letra e cena enquanto
imaginava o estilo de atuação de Martinho, ou se era este que sugeria ao compositor gêneros e estilos
musicais, danças ou temas além disso, por vezes o processo contava com a participação de letristas.
19
Em
seguida, a ária seria ensaiada pelo compositor e por Martinho, incorporando cacos (improvisações),
críticas e sugestões do ator. Note-se, neste sentido, a influência dos entremezes portugueses: textos curtos,
com danças e “cantorias”, os quais “ofereciam rubricas e indicações que propiciavam a improvisação no
palco, fazendo com que os atores acabassem de escrevê-los em cena (Marzano 2008, 86). Por fim, a ária
era apresentada ao vivo por Martinho, o qual, “contracenando com as plateias, adicionava “cacos”, além
de letras inteiramente novas, num fluxo sem fim. Isso ocorreu, por exemplo, com a “Ária do Capitão Mata-
Mouros”, cuja melodia recebeu uma nova letra, tendo seu título modificado para “Murmurador dos
18
“Enchente” era uma gíria utilizada no meio teatral da época, significando lotação de público.
19
A “Ária do Mascate italiano”, por exemplo, composta por Francisco de Noronha, teve letra de Manuel
de Araújo Porto-Alegre, assim como a ária da “Negrinha-Monstro”, com música de J. J. Goyanno e letra de
Paula Brito. Brasil Theatro, 1903-4, 358.
9
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
namorados,
20
além da “Ária do Miudinho”, para a qual o ator João Caetano (!) criou uma nova letra, com
música do Sr. Ribas.
21
Martinho emprestava seu gestual musical afro-brasileiro e sua voz grave semelhante à de um cantor bufo às
árias e vaudevilles de Francisco de Noronha, enquanto este, por sua vez, criava árias e cançonetas que
incorporavam aspectos do estilo de atuação de Martinho e das músicas que circulavam na cidade
fluminense. Assim, a graça e ligeireza do vaudeville francês e o sentimento e a vastidão da ópera italiana”
encontraram no ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques não apenas um intérprete, mas um
coautor fundamental. Martinho conferia um caráter “popular” às árias de Noronha e outros compositores
como Machado de Assis deixou registrado em conto (1884): As “melhores árias do ator Martinho eram o
tempero certo. O chamariz delicado e popular.”
2.2. A Recepção nos periódicos: críticas e caricaturas
Que saudades não tem o público daqueles versos cantados com aquelas graça e
naturalidade que tanto distinguem o Sr. Martinho:
Oh meu lindo caiador
Canta, enquanto trabalhar,
Qu’isto te deve animar
E te encher de novo ardor.
Ao prolongar da muralha,
Enquanto o dia durar,
Trabalha, trabalha, trabalha,
Té quando a noite chegar.
Oh! Ansiosos esperamos por essa bela noite para passarmos algumas horas divertidas no
mesmo teatro S. Francisco! Foi neste mesmo teatro, o teatro de suas primeiras glórias, que
o Sr. Martinho arrancou do público repetidas roídas de palmas, enfiado na sua blusa de
brim escuro, assentado no travessão de uma escada de corda, cantando, e dando
pinceladas no edifício cômico! (A Marmota na Corte, 13.01.1852. Nosso grifo).
Dessa maneira o editorial do jornal A Marmota na Corte, publicado por Paula Brito, se referiu à performance
de Martinho como protagonista do vaudeville Cosimo ou o príncipe caiador (com música de Francisco de Sá
Noronha), por vezes atuando de maneira algo circense, quando, por exemplo, cantava se equilibrando numa
corda. Outros espectadores, contudo, criticaram em Cosimo exatamente a atuação farsesca de Martinho,
generalizando a crítica para outros espetáculos de baixo cômico
22
apresentados na capital imperial:
20
Diário do Rio de Janeiro, 18.05.1844.
21
Jornal do Commercio, 16.07.1848, 4. Provavelmente tratava-se do compositor e maestro português João
Victor Medina Ribas, o qual compôs para Martinho a ária “O Amante esfarrapado ou o cancan”. Ver O Correio
da Tarde, 16.05.1849, 4.
22
A poética neoclássica dividiu o gênero cômico entre alta e baixa comédia: a primeira referia-se aos jogos
de linguagem, ao discurso moralizante e ao encadeamento dramático; a segunda, às farsas, teatros de feira
e bufonarias. Ver Boileau-Despréaux (1979 [1674]).
10
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
Eu não sou inimigo dos funâmbulos, volantins e pelotiqueiros; bem longe d’isso. Assim,
muito aprecio a um homem que dança na corda, com maromas ou sem ela, faz
cambalhotas, põe a cabeça entre as pernas e oferece à contemplação do respeitável
[público] o antípoda da sua cara; faço o maior caso do outro que passeia com pesos
enormes, dando todavia a preferência a um burro, que aguenta com muito mais; e fico
enternecido ao ver um pobre diabo engolir fogo, espadas, pedras, chumbo derretido, e
outras coisas de difícil digestão; mas o que eu não posso digerir é que os tais Srs. se
apoderem dos nossos teatros. Na Europa, por exemplo, trabalham no meio da praça
pública, ou em barracas alcatroadas, pela módica retribuição de quatro vinténs; mas aqui,
na capital do Brasil, fazem suas exibições nos teatros de S. Pedro e S. Januário, em presença
da família imperial (Diário do Rio de Janeiro, 20.07.1844. Nossos grifos).
As críticas publicadas nos jornais não mencionavam a cor da pele de Martinho, mas isto não significava que
a figura de um negro brilhando nos palcos do Rio de Janeiro, em pleno regime escravista, não despertasse
os instintos racistas de segmentos do público. O que não era expresso diretamente em palavras, se
manifestava, contudo, de outras maneiras, como através das caricaturas nos periódicos, as quais
representavam a figura de Martinho com lábios e orelhas proeminentes, cabeça desproporcional ao corpo
e, principalmente, um nariz enorme.
Para entendermos a recepção ambígua de Martinho nos periódicos assinalamos que a população negra da
cidade imperial do Rio de Janeiro recebia denominações como “preto” (africano), “crioulo” (escravo nascido
no Brasil) e “pardo livre” (Mattos 2000, 16-18). A denominação “pardo” foi inicialmente usada no período
colonial para designar os escravizados com cor de pele mais clara, mas ampliou sua significação para incluir
uma população crescente que não era mais “preta” ou “crioula”, e sim formada por descendentes de
africanos livres mais de uma geração, como Martinho. “A categoria ‘pardo livre’ [foi uma] condição
linguística necessária para expressar a nova realidade, sem que recaísse sobre ela o estigma da escravidão,
mas também sem que se perdesse a memória dela e das restrições civis que implicava(Mattos 2000, 17.
Nosso grifo). O “pardo livre” Martinho Corrêa Vasques recebia, nas caricaturas dos jornais, uma marca ou
estigma corporal que estampava publicamente a herança familiar africana e escrava do artista, de maneira
semelhante às capas de álbuns de partituras de músicos negros, vendidas por editores brancos, nos EUA, as
quais representavam os artistas com sorrisos largos e caricatos, lábios, narizes e olhos exagerados (Abreu
2017).
Figura 2: Martinho Corrêa Vasques no papel de Waldeck, drama Forca por forca. A Vida Fluminense, 21.01.1868. (Stark 2017, 320)
23
23
Agradecemos à colega pesquisadora, a Professora Doutora Andrea Carvalho Stark por gentilmente ter
disponibilizado para este artigo imagens de Martinho Corrêa Vasques nos periódicos oitocentistas (Figuras
11
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
Foi assim que, entre as críticas de alguns e os aplausos da maioria, ao longo do ano de 1844, Martinho e a
companhia de João Caetano se apresentaram diversas vezes no pequeno Teatro de São Francisco, com
capacidade de comportar 250 pessoas (Souza 2002, 41-56). João Caetano e Cia. concorriam com as óperas
italianas apresentadas no Teatro de São Pedro, que abrigava 1.200 pessoas, além de 600 cadeiras extras
(Cardoso 2011, 230), chegando a comportar, nos bailes mascarados, 3.000 foliões (Souza 2002). Este teatro
era administrado por portugueses, como o presidente de sua diretoria no período 1844-1851, José
Bernardino de Sá, comendador da Ordem de Cristo, barão e visconde de Villa Nova do Minho, considerado
o maior traficante negreiro do Rio de Janeiro no segundo quartel do século XIX (Pessoa 2017, 14-17).
Bernardino de era proprietário de jornais, mansões e fazendas e foi responsável pelo tráfico de mais de
20 mil africanos, dos quais cerca de 2.000 morreram nas viagens negreiras (Costa-Lima Neto 2017).
2.3. Benefícios para a Liberdade
A partir de junho de 1844, os benefícios para as irmandades, realizados pela companhia dramática de João
Caetano, passaram a ser alternados com os benefícios “para uma liberdade”, ou seja, para a alforria de
homens e mulheres ilegalmente escravizados. Seis anos antes, em 1838, Paula Brito promovera o primeiro
benefício para a liberdade de um escravo, no Teatro de São Pedro,
24
também junto à companhia de João
Caetano, a qual participou, entre 1838 e 1858, de ao menos vinte e dois espetáculos deste tipo, como
assinalado no Quadro 1.
Fonte
Programa
Teatro
Diário do Rio de Janeiro,
04.10.1838, 2.
Drama Morte de Camões/ Ária/
Dueto/ Farsa.
Teatro de São Pedro de Alcântara
Diário do Rio de Janeiro,
07.06.1844, 2.
Drama A Gargalhada/
Comédia O Juiz de Paz da Roça.
Teatro de São Francisco
Jornal do Commercio,
06.07.1844, 3.
Peça O intendente da Polícia/ “Ária do
Capitão Mata-Mouros” / Drama-
vaudeville Cosimo ou o príncipe
caiador.
Teatro de São Francisco
Diário do Rio de Janeiro,
06.09.1844, 2.
Comédia Kean ou desordem e gênio/
“Ária do Romântico Estragado” / Farsa
O Mundo às avessas.
Teatro de São Francisco
Diário do Rio de Janeiro,
24.09.1844, 2.
Frei Luiz de Souza/ Bailado Os boleiros
da romana/ Farsa Pax Vobis.
Teatro de São Francisco
Diário do Rio de Janeiro,
28.09.1844 2.
Comédia Kean ou Desordem e Gênio/
Sinfonias entre os atos/ao fim da peça
a “Ária do Romântico estragado” /
Farsa O Mundo às avessas.
Teatro de São Francisco
Diário do Rio de Janeiro,
30.01.1845, 3.
Drama A Gargalhada/
Dueto “Meirinho e a Pobre” /
Variações para rabeca do Sr. Noronha/
Farsa O Chapéu pardo.
Teatro de São Francisco
Diário do Rio de Janeiro,
02.08.1845, 2.
Comédia Kean ou desordem e gênio/
“Ária do Capitão Mata-Mouros”.
Teatro de São Francisco
2 e 4), além de dados sobre a viagem do artista à província do Rio Grande do Sul, com a Companhia Cabral.
Ver Stark (2017, 2021).
24
O escravo beneficiado estava presente no teatro, “para que o público veja aquele para cuja liberdade
concorre generoso”. Ver Diário do Rio de Janeiro, 04.10.1838; Jornal do Commercio, 29.09.1838, 4.
12
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
Diário do Rio de Janeiro,
07.07.1847, 3.
Othelo, ou o mouro de Veneza/ Ária
do Mascate italiano”.
Teatro de São Francisco
Jornal do Commercio,
31,08.1847, 4.
Drama A Gargalhada/ Intervalos
divertidos e uma boa Farsa.
Teatro de São Francisco
Diário do Rio de Janeiro,
15.10.1847, 3.
Othelo, ou o mouro de Veneza/ Ária
do Mascate italiano”.
Teatro de São Francisco
Diário do Rio de Janeiro,
16.10.1847, 3.
Comédia Kean ou desordem e gênio/
Dueto O meirinho e a pobre/ Farsa O
Alferes das ordenanças.
Teatro de São Francisco
Jornal do Commercio,
18.02.1848, 4.
Drama O Pássaro Azul/ Dançado A
Cracoviena/ Uma bela ária/ Farsa O
duelo no terceiro andar.
Teatro de São Francisco
Jornal do Commercio,
17.02.1849, 4.
Comédia A Moreninha/ “Ária do
Mascate italiano” / Comédia O Judas
em Sábado de Aleluia.
Teatro de São Januário
Jornal do Commercio,
13.03.1849, 4.
Tragédia Antônio Jo/ Dançado Um
terceto chinês/ “Ária do Romântico
estragado” / Comédia As Entrevistas
noturnas.
Teatro de São Francisco
Jornal do Commercio,
15.05.1849, 4.
Drama Carlos II, rei da Inglaterra/
Dançado/ Tonadilla O poeta e o
músico/ Comédia O Gastrônomo.
Teatro de São Januário
Jornal do Commercio,
22.06.1849, 4.
Drama A Graça de Deus/”Ária do
Miudinho”/ Dançado A Mazurca/ Farsa
O Recrutamento na aldeia,
Teatro de São Januário
Jornal do Commercio,
04.07.1849, 2.
A Graça de Deus/ “Ária do Romântico
estragado”/ A Cracuviene/ A Mazurca/
Concerto de violino de Bériot/ Farsa O
Recrutamento na aldeia.
Teatro de São Januário
Diário do Rio de Janeiro,
06.07.1849, 4.
Drama A Graça de Deus/
“Ária do Romântico estragado / Farsa
O Recrutamento na aldeia.
Teatro de São Januário
Diário do Rio de Janeiro,
12.08.1850, 4.
Gaspardo, o pescador de placência/
“Ária do Mascate italiano” / Farsa
Manuel Mendes.
Teatro de São Januário
Diário do Rio de Janeiro,
29.10.1850, 4.
Tragédia Othelo ou o mouro de
Veneza/ Dançado A Mazurca/ “Ária do
Romântico estragado / Comédia As
entrevistas noturnas.
Teatro de São Januário
Diário do Rio de Janeiro,
22.12.1858, 2.
Drama-vaudeville D. Cesar de Bazan/
“Ária do Mascate italiano” / Vaudeville
A Corda sensível.
Teatro de São Pedro de Alcântara
Quadro 1: Espetáculos em benefício da alforria de escravizados, apresentados pela companhia dramática de João Caetano (1838-1858)
Coincidindo com o período em que a companhia de João Caetano realizou os benefícios teatrais para a
alforria de escravizados, os anos de 1838 a 1850 constituíram uma fase crítica na história da escravidão
negra. Como assinala Chalhoub (2012a, 3), “em todo o período do tráfico negreiro para o Brasil, desde
meados do século XVI até a década de 1850, chegaram ao país cerca de quatro milhões e oitocentos mil
africanos escravizados”. Mais de dois milhões, ou seja, quase 42% do total, vieram na primeira metade do
século XIX, sendo que, entre 1831 e 1850, foram desembarcados no país mais de 750.000 escravos,
infringindo tratados internacionais e a legislação nacional que haviam tornado ilegal o tráfico negreiro.
13
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
A lei promulgada em 7 de novembro de 1831, de autoria de Diogo Antônio Feijó, determinava que todos os
africanos que entrassem a partir daquela data no território do Brasil estariam livres, porém, como nunca foi
integralmente cumprida, ficou conhecida popularmente como “lei para inglês ver” (Chalhoub 2012b, 46).
Somente em 4 de setembro de 1850, com a lei Eusébio de Queiroz, o tráfico negreiro foi finalmente extinto,
após quase vinte anos de ilegalidade. No período do tráfico ilegal (1831-1850), o Rio de Janeiro recebeu a
grande maioria dos 750.000 africanos escravizados, desembarcados dos navios de traficantes como José
Bernardino de Sá, presidente da diretoria do Teatro de São Pedro (Costa-Lima Neto 2017).
Martinho participou dos espetáculos em benefício da liberdade interpretando as árias compostas
especialmente para ele por Francisco de Sá Noronha e outros compositores, atuando em vaudevilles e peças
“ornadas” com música, como Arthur ou dezesseis anos depois, Cosimo ou o príncipe caiador, A Corda sensível,
A Graça de Deus, D. Cezar de Bazan, em entremezes que incluíam lundus e fadinhos, como O Chapéu pardo,
O Recrutamento na aldeia e Manuel Mendes, em dramas ou, por fim, em comédias de Martins Penna e de
outros dramaturgos. Em carta publicada no Jornal do Commercio, por exemplo, um leitor destacou a atuação
de Martinho no drama (comédia?) em 5 atos Carlos II, Rei da Inglaterra, no qual o artista desempenhou o
papel de McAllan, em benefício de uma mulher escravizada, realizado no Teatro de São Januário (Figura 3):
PARA UMA LIBERDADE
Tem os jornais e programas anunciado um benefício que se de realizar hoje. Melhor
espetáculo não podia certamente ser escolhido do que o que tem o público a gozar. O Sr.
Martinho, o original Sr. Martinho, é o herói desta noite! Bem ideado, jocoso, e de um gosto
a toda prova é o drama Lord de Dumbacky ou Carlos II, rei da Inglaterra; a Tonadillha
Espanhola, e mais divertimentos devem desafiar a concorrência pública, quando o
bastasse o fim para que é agenciado o benefício, cujo título só Para uma liberdade diz
tudo. Sabemos que alguns abusos se têm cometido por este meio de obter dinheiro das
almas caridosas; mas sabemos também que no Rio de Janeiro existem cerca de 10 pessoas
libertas só e unicamente pelos benefícios: e se tantos têm obtido esta esmola, [...] não seja
a beneficiada de hoje a única excluída. (Jornal do Commercio, 16.05.1849, 2. Nosso grifo).
O missivista assinalou que os espetáculos “para uma liberdade”, promovidos por Paula Brito, João Caetano,
Martinho e companhia, tinham alforriado, até o ano de 1849, dez cativos, uma quantidade inexpressiva se
comparada, por exemplo, às centenas de africanos contrabandeados em uma única viagem negreira. Note-
se, contudo, que na década de 1840, um escravizado adulto, saudável, do sexo masculino, era vendido no
Rio de Janeiro por um preço de 600.000 a 800.000 réis (Reis et. al. 2010, 60, 62, 114-115, 169); uma pequena
fortuna. Como era impossível amealhar esta quantia em apenas um espetáculo nos pequenos teatros de São
Francisco e São Januário, vários eram realizados em sequência, alternando benefícios para a liberdade e para
irmandades católicas de negros, pardos e homens livres pobres, as quais tradicionalmente ajudavam na
compra da alforria de “irmãos” escravizados ou de seus familiares (Karasch 2000 [1987]; Scarano 1979).
14
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
Figura 3: Anúncio de um espetáculo para a compra da alforria de um escravizado. Jornal do Commercio, 17.05.1849, 4
O que importa destacar é que os benefícios para a liberdade apresentados na década de 1840, pela
companhia dramática de João Caetano, podem ser considerados como uma estratégia cultural de luta
antirracista e antiescravista, na qual participaram artistas, homens de letras e irmandades, tendo como
objetivos alforriar escravos, denunciar o tráfico negreiro ilegal e pressionar as autoridades para a extinção
definitiva do comércio de almas.
25
Anúncios de espetáculos para a liberdade de mulheres escravizadas,
promovidos pela Companhia de João Caetano, foram inclusive publicados em inglês nos jornais da época,
visando sensibilizar a opinião pública internacional contra o tráfico negreiro ilegal. Na verdade, os
escravizados africanos mantidos em cativeiro neste período estavam sequestrados ilegalmente, o que
constituía um crime previsto em lei, para o qual nunca houve, contudo, qualquer punição. Com o objetivo
de atrair o público pagante, os espetáculos em benefício da liberdade e de irmandades ofereciam programas
mistos de teatro, música e dança, sempre contando com a presença dos artistas mais famosos, como o ator-
cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques, o “João Caetano da cena cômica” na época (Cymbron
2019, 80-81).
3. Segundo Ato: Entre o Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do
Sul e Bahia
Após o fim do tráfico negreiro, em setembro de 1850, a antiga diretoria do Teatro de São Pedro foi destituída
e, em 1851, João Caetano passou a administrá-lo, meses antes de o edifício teatral arder em chamas, sendo
reinaugurado em agosto de 1852 (Prado 1972, 69). Nos anos de 1850 e 1851, Martinho Corrêa Vasques se
apresentou em teatros na capital e noutras cidades do interior da província do Rio de Janeiro. Em março de
1850, por exemplo, o artista fez publicar n’A Marmota na Corte um agradecimento, após seu benefício em
Campos, no Teatro São Salvador:
25
Ver Jornal do Commercio, 22.06.1849, 4.
15
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
TRIBUTO DE GRATIDÃO. Sr. Redator Tendo eu ido a Campos, dar ali um espetáculo em
meu benefício; hoje que de chego, faltaria ao meu dever se o primeiro dos meus
cuidados não fosse agradecer, por meio de sua tão conceituada folha, a todas as pessoas
daquela cidade, não o empenho com que se constituíram meus patronos, como a
franqueza e desinteresse com que o fizeram; sendo-me grato anunciar que as vantagens
que tirei foram superiores, em uma só récita (pois que a segunda que dei não foi em meu
benefício) a todas as minhas previsões; sobretudo por não haver ali companhia organizada
que atraísse maior concorrência, nem poder eu, por essa falta, servir-me de todos os
recursos das minhas asneiras (pequena habilidade que Deus me deu, e que não cesso de
pedir-Lhe que m’a conserve), com as quais sempre nesta corte mereci os favores do público
indulgente (A Marmota na Corte, 05.03.1850).
Em 1851, Martinho se apresentou no Teatro de São Januário, incluindo novas composições, como a “Ária da
Negrinha-Monstro”, com letra de Paula Brito e música de José Joaquim Goyanno, e a comédia O Gringalet,
com música do violinista argentino Demétrio Rivera, o qual compôs para Martinho a ária do “Empresário
atropelado”.
26
Um colaborador do periódico A Marmota na Corte elogiou Martinho, mas não gostou da
tradução da comédia Gringalet, que João Caetano pôs em cena, adaptando o texto do original em francês
ao linguajar cotidiano carioca, com expressões como: “Ora sebo! Que tranca! Burros! Moleques! Chuchus!
Dou-te um chouriço”:
É tempo de acabarmos já com isto; o teatro de S. Pedro, cuja regeneração tanto custa ao
governo; o primeiro teatro do Brasil, onde prima a maior de nossas glórias artísticas, o
primeiro ator, enfim, não deve tornar-se teatro do ora sebo do meirinho e a pobre e de
coisas que não ficam em relação com o seu pano de bica, nem com o seu lustre, quanto
mais com o empresário dramático [João Caetano]. [...] As glórias do drama pertencem ao
Sr. Martinho, que nome à peça O Gringalet. O Sr. Martinho não precisa dos nossos
elogios; o público o conhece e faz justiça ao seu talento, à sua originalidade. Os aplausos
que recebe todos os dias formam o seu maior panegírico (A Marmota na Corte, 16.05.1851.
Nosso grifo).
O jornal Bodoque Mágico publicou outra crítica que, apesar de ofensiva a Martinho, evidenciava o sucesso
alcançado pelo artista junto ao público, o que devia aumentar ainda mais a raiva de seus oponentes:
Martinho Corrêa Vasques. Sim, senhores, eis o bufão do respeitável! O bobo mais
semsaboria que pisa o palco! Quiséramos antes que este chocarreiro fosse servir de
palhaço em algum círculo equestre. É sempre exagerado, não tem mímica, a voz é fanhosa,
e a sua pronúncia é a mais risível e estolida possível. Passa por como arrematante de
quantas árias há e estão para haver; e, entretanto, é aplaudido! Mas por quem? Por
aqueles que identificam o teatro de declamação com uma praça de touros (O Bodoque
Mágico, 10.05.1851. Nosso grifo).
Notem-se na crítica citada as referências ao círculo equestre e à praça de touros, que integravam um circuito
de espetáculos populares na cidade do Rio de Janeiro, que contava, ainda, com exibições de ginastas e
26
Jornal do Commercio, 10.09.1850, 4.
16
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
malabaristas, cosmoramas, lanternas mágicas (Ulhôa, Costa-Lima Neto 2015), apresentações na referida
Barraca do Telles (Abreu 1999), entre outros divertimentos. Na realidade, essa e outras críticas a Martinho
tinham um forte viés racista, na medida em que tentavam delimitar os espaços de atuação do artista negro,
longe dos nobres teatros de declamação” e próximo às feiras, aos palhaços, aos cavalos e touros de um
picadeiro ou praça pública.
Ainda em 1851, em carta enviada da Bahia, Martinho descreveu a modalidade de seu contrato com um
teatro local: “Cheguei a esta cidade [Salvador?], onde fui bem recebido e obsequiado. Acabo de contratar-
me da maneira seguinte: seis récitas por mês para a casa; tendo eu em cada uma delas cem mil réis, e um
benefício no fim deste prazo. Em meados de novembro fecha-se o teatro.”
27
Ao regressar ao Rio de Janeiro,
Martinho voltou a se apresentar junto à companhia de João Caetano, agora no grande Teatro de São Pedro.
Em março de 1852, o programa anunciado incluiu a tragédia em cinco atos Nova Castro, um Quarteto
composto pelo dançarino Toussaint, com música de Francisco de Sá Noronha, seguido dos bailados Escocesa
e Boleiros de Cadiz, finalizando com a comédia em um ato, do franco-brasileiro Luís Antônio Burgain, O
Barbeiro importuno, com Martinho no papel de barbeiro.
28
Foi no ano de 1853, entretanto, que ocorreu um dos fatos mais importantes da carreira de Martinho Corrêa
Vasques: o início de sua atuação como protagonista na comédia em três atos, O Noviço, de Martins Penna,
um papel que ele representou por 21 anos (Costa-Lima Neto 2018a). Como assinalado por Nascimento (2016
[1978]), a tradição teatral reservava aos atores negros apenas personagens “estereotipados e grotescos”,
como moleques levando cascudos, ou carregando bandejas, negras lavando roupa ou esfregando o chão,
mulatinhas se requebrando, domesticados Pais Joões e lacrimogênias Mães Pretas” (Nascimento 2016
[1978], 161-162). O personagem protagonista de O Noviço, interpretado por Martinho, contudo, não tinha
nenhuma das características mencionadas. Pelo contrário, ao invés de levar cascudos, ser domesticável ou
lacrimoso, o noviço Carlos possui personalidade altiva e rebelde e, para fugir do Mosteiro de São Bento,
onde o internaram contra a sua vontade, traveste-se de mulher, engana os frades, a polícia e, por fim,
uma cabeçada tão forte no Dom Abade que o impacto faz o monge dar um salto de trampolim... (Martins
Pena 2007 [1845], vol. II, 98).
As caricaturas publicadas no periódico bilíngue L’Iride Italiana (Figura 4), ilustram as atuações de Martinho
n’O Noviço, no dueto dançado “A Polka das Rosas e nas árias do “Capitão Mata-Mouros”, “Mascate italiano”
e “Boleeiro”. As imagens revelam a versatilidade do artista, o qual, vestido a caráter, cantava, representava
e dançava. A frase em francês: La Mère en permetra la vue a sa fille(“A mãe permitirá que a sua filha
veja”), servia de legenda às caricaturas, sugerindo que havia algo censurável nas performances de Martinho.
27
A Marmota na Corte, 10.10.1851. Não encontramos registros nos periódicos relacionados à viagem de
Martinho à Bahia, em 1851.
28
Diário do Rio de Janeiro, 20.03.1852. Nos anos de 1851-1852 Martinho atuou na comédia em 1 ato com
coros Fich-Tong-Khan, no dueto dançado Kelé ou as lavadeiras", na farsa Bernardo na lua, na ária "O
cabeleireiro" e no drama ornado de coros e peças de música Camões do Rocio, entre outras realizações. Ver
Diário do Rio de Janeiro, 21.03.1851, 4; 07.03.1852, 4; 17.07.1852; 19.09.1852, 4; 01.12.1852, 4.
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Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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Figura 4: “A Martinhada”. L’Iride Italiana, 28.10.1855, 29. (Stark 2017, 313)
Meses depois, Martinho e Mlle. Vaudras contracenaram na “cena joco-séria” “Polka das Rosas”, referida
elogiosamente no editorial dA Marmota Fluminense:
Quando por mais de uma vez chamamos a atenção do público para os anúncios da primeira
bailarina francesa, a engraçada Mlle. Vaudras, bem certo estávamos de que o ator predileto
do público, na especialidade de seu caráter cômico, o inimitável Snr. Martinho, havia de
arrancar, com as facetas de seu gênio, rodas de palmas, umas sobre outras; e se bem assim
pensamos, melhor ainda foi o efeito da graciosa composição a que seu autor, Snr.
Toussaint, deu o nome de divertissement, o qual finaliza com a dança Polka das Rosas (A
Marmota Fluminense, 26.05.1856. Nossos grifos).
Não sabemos se houve algum problema entre Martinho e João Caetano, mas o fato é que, em 1855, o
primeiro assinou contrato com o Teatro Ginásio Dramático e com o Teatro de São Januário, antes de retornar
à companhia de João Caetano, em março de 1856. O anúncio publicado por ocasião do benefício de Martinho
na volta ao Teatro de São Pedro revela que o artista continuava incorporando novas árias cômicas ao seu
repertório, compostas e ensaiadas por músicos de destaque na época, como o referido José Joaquim
Goyanno e o compositor negro Henrique Alves de Mesquita (Augusto 2014):
Grande e aparatoso melodrama As Minas de Polônia; [...] Em seguimento, o Martinho
cantará a nova ária, composição do habilíssimo professor o Sr. Henrique Alves de Mesquita,
ensaiada pelo também habilíssimo José Joaquim Goyanno, intitulada O acendedor de gás.
A cena é passada em uma praça ornada de lampiões de gás.
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Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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Antes que o mundo se acabe
Concorram todos primeiro
Ao benefício que faça
Com sentido no dinheiro.
Para, qual outro Noé
Na sua barca de pinho,
Apesar da inundação,
Não dar à costa o Martinho (Diário do Rio de Janeiro, 02.06.1857).
3.1. O conto O Fim do mundo e o pastiche operístico O Fantasma branco
Nesse mesmo ano de 1857, estava anunciada a chegada de um cometa e alguns profetizaram o apocalipse
para o dia 13 de junho. O fato serviu de mote para o escritor e dramaturgo Joaquim Manuel de Macedo
publicar um folhetim no Jornal do Commercio, intitulado O Fim do mundo em 1857, tendo como personagem
principal Martinho Corrêa Vasques, “ator muito estimado e conhecido no Rio de Janeiro” (Macedo 1873
[1857], 48). No folhetim, Martinho usa as escadinhas dos acendedores de gás para subir aos céus e escapar
do cometa. Após descer de volta à Terra, o artista encontra todas as construções intactas, mas os seres vivos
petrificados, com exceção de uma jovem corista:
E que corista!... A senhora X.P.T.O., um demoninho tentador que se apaixonara por mim
em 1846 em certa noite em que me ouviu cantar a ária do boleeiro. Corri a ela, abracei-a,
suspirei, chorei, e até cantei-lhe um pedaço da ária predileta.
Ainda vive alguém?... perguntou-me com voz sumida a divindade.
Eu só, eu só; respondi-lhe ansioso: eu só, que serei o teu Adão, porque tu vais ser a
minha Eva.
A corista deu um muxoxo, fez um momo, e fechou os olhos.
Vive! Vive!... é necessário que vivas!...
Para quê?... tornou-me ela.
Para não acabar-se o mundo, minha filha; para arranjarmos um artigo aditivo à
humanidade, que está em risco de extinguir de todo. Olha, minha corista, o destino do
globo terráqueo está em nossas mãos.
Ora!... nem ao menos eu acharia com quem cantar um coro...
Cantaremos um dueto, menina! (Macedo 1873 [1857], 83).
Após reanimar a corista com beijos, o personagem de Martinho cai da cama, acordando do sonho: “E apesar
da dor que sinto nas costelas, dou graças a Deus; porque hoje é o dia 13 de junho, e não de acabar-se o
mundo (Macedo 1873 [1857], 86). Ainda em 1857, Martinho se apresentou no papel do Capitão Tibério em
O Fantasma branco, também com texto de Joaquim Manuel de Macedo. Anunciado nos jornais como “ópera
cômica”, O Fantasma branco era, na verdade, um pastiche
29
de óperas italianas, organizado pelo maestro
29
Pastiche (do italiano pasticcio ou “miscelânea”) é uma obra dramática ou sacra, cujas partes são parcial
ou totalmente extraídas de obras preexistentes de vários compositores. O pasticcio operístico teve início no
século XVIII quando os empresários, para obter a aprovação do público, ofereciam peças conhecidas, ao
mesmo tempo em que cantores itinerantes achavam conveniente apresentarem-se diante de novas plateias
com sucessos comprovados (Sadie 1994, 705).
19
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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de coro Dionísio Vega e ensaiado pelo violinista Demétrio Rivera (Cymbron 2019, 171). O personagem do
Capitão Tibério, interpretado por Martinho Corrêa Vasques, possuía a mesma vestimenta do Capitão Mata-
Mouros e, como este, se fingia de valentão, quando, na realidade, o sabia nem montar a cavalo e tinha
pavor mortal a fantasmas:
Não nasci para mata-mouros,
Ao meu corpo tenho amor:
Para morrer falta-me o brio,
Para fugir tenho valor.
A barriga me atrapalha:
Mas nos pés não tenho um calo;
Pulo mais do que um cabrito,
Corro mais do que um cavalo (Macedo 1863, 60).
3.2. Depois do fim do mundo
Em 1858, encerrando um ciclo de vinte anos iniciado em 1838, por Paula Brito, foi realizado, no Teatro de
São Pedro, o último “benefício de uma liberdade”. O programa incluiu o drama-vaudeville D. Cesar de
Bazan, ornado de música instrumentando coplas, enriquecido de coros e sonâncias ciganas” (Prado 1972,
94), além da “Ária do Mascate italiano” e do vaudeville em um ato A Corda sensível, com música de Francisco
de Noronha. Três anos depois, após ter participado de dezenas de benefícios para a alforria de
escravizados, o próprio Martinho Corrêa Vasques libertou sua escrava Elvira, como atesta o assento de
batismo, transcrito a seguir:
Aos vinte e seis dias do mês de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, nesta freguesia
de Santíssimo Sacramento da Sé batizei e pus os Santos Óleos a Elvira Luiza do Nascimento,
adulta, filha natural de Felicidade, escrava de Martinho Corrêa Vasques, casado com Dona
Leopoldina Gemini Corrêa Vasques, natural desta Corte; foi padrinho Agapito Luiz do
Nascimento, e Protetora Nossa Senhora das Dores. E neste mesmo ato compareceu
perante mim as testemunhas abaixo assinadas o senhor Martinho Corrêa Vasques dizendo
que muito de sua livre vontade dava plena e inteira liberdade à sua cria Elvira Luiza do
Nascimento, filha de sua escrava Felicidade, como se de ventre livre nascesse (Livro de
Batismo de Livres, Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro AP0079. 26.10.1861).
Pode parecer estranho hoje que na sociedade daquela época fosse comum a posse de escravizados mesmo
por negros de condição livre, como Martinho Corrêa Vasques o qual alforriou Elvira, mas não a sua mãe,
chamada Felicidade. Na primeira metade do século XIX, artistas e intelectuais negros não criticaram a
escravidão como instituição, antes apoiaram a Constituição de 1824, que calava sobre a escravidão, mas
“reconhecia a existência da figura do liberto, ou seja, aquele ex-escravo nascido no país, admitindo-o como
cidadão brasileiro com direitos políticos parciais” (Azevedo 2010, 121). Somente a partir da década de 1860,
o advogado Luiz Gama e outros abolicionistas negros passaram a invocar a lei de 1831, argumentando que
todos os 750.000 africanos deportados para o Brasil a partir daquele ano estavam libertos. A abolição da
escravidão, contudo, teve de esperar até o ano de 1888 para ser enfim proclamada.
20
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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Meses antes de falecer, em dezembro de 1861, Paula Brito deixou registrado no editorial d’A Marmota o
seu último elogio a Martinho, destacando as qualidades cômicas do artista, apesar de alguns defeitos”:
No dia 20 do corrente faz o seu benefício no Teatro de S. Pedro de Alcântara o Snr.
Martinho Corrêa Vasques, ator sempre aplaudido pelo público e que tanto merece a sua
proteção. O merecimento especial deste artista é de todos conhecido; a natureza o talhou
para no teatro dar vida à comédia e obrigar a rir o mais grave e enfezado dos espectadores.
Se não é um ator completo, é somente porque lhe faltam esmeradas lições de arte e uma
escola inteligente e conscienciosa; se tem-se ressentido de alguns defeitos, a culpa disso
recai, principalmente, sobre a plateia, que mostra mil vezes preferir a caricatura à realidade
(A Marmota, 21.06.1861).
Os anos de 1861 a 1864 foram difíceis para Martinho Corrêa Vasques. Segundo o empresário e revisteiro
português Sousa Bastos o qual, tendo chegado ao Rio de Janeiro em 1881, conheceu nosso artista após
a morte de João Caetano, em 1863, Martinho retirou-se de cena, esperando poder viver de suas economias.
Seu pecúlio estava, contudo, depositado na Casa Souto, que faliu na crise dos bancos em 1864, obrigando-o
a voltar a representar (Sousa Bastos 2007 [1898], 488). Em novembro de 1864, Martinho submeteu um
projeto à Assembleia Legislativa para empresariar o Teatro de Santa Tereza, em Niterói, mas foi em vão.
30
Assim, no mês de maio de 1865, Martinho Corrêa Vasques subiu novamente ao palco do Teatro São Januário
para representar o papel protagonista da comédia O Noviço, ao fim da qual apresentou a ária do “Mascate
italiano”.
31
De janeiro a março de 1866, Martinho se apresentou com a Companhia Lírico Dramática Cabral, em Macaé
(RJ), executando o vaudeville A Corda sensível e o dançado cômico “Quinquim e Sinhá Rosa”, sobre o qual
voltaremos mais à frente. Em janeiro de 1868, após dois anos longe dos palcos, Martinho voltou à cena,
agora no papel de Waldeck, um judeu agiota (Figura 2), na peça Forca por forca ou o magnetismo. O texto
original de Jules Barbier, foi traduzido por Machado de Assis e encenado pela companhia dramática de
Furtado Coelho, no Teatro Ginásio Dramático. A peça continha apenas uma canção, intitulada “Germânia”,
modinha de Furtado Coelho, a qual provavelmente não foi apresentada pelo personagem de Martinho.
32
3.3. Lundu em cena
Entre os meses de fevereiro e novembro de 1868, Martinho voltou a se apresentar com a Companhia Lírico
Dramática Cabral, desta vez na longínqua província do Rio Grande, em teatros de Porto Alegre e Pelotas. O
empresário da companhia era José de Almeida Cabral, compositor de modinhas, lundus e romances (Sawaya
2017), segundo marido da célebre soprano italiana Augusta Candiani, com quem teve uma filha: Maria
Augusta Candiani, que também atuava na companhia. Na Empresa Cabral, o cantor-ator-dançarino Martinho
Corrêa Vasques interpretou um repertório variado, incluindo dramas (Aimée, O Enforcado, Gaspard Hauser,
30
Anais da Assembleia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, 24.11.1864, 219.
31
Diário do Rio de Janeiro, 18.05.1865.
32
A partitura da modinha foi anunciada à venda, dias após a estreia teatral. Ver Jornal do Commercio,
11.01.1868, 3. Para mais informações sobre a peça Forca por forca, ver Stark (2017).
21
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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A Filha do lavrador, Recordações da mocidade,
33
A História de uma moça rica), comédias (O Asno é sempre
asno, Os Dois tambores, Inocêncio ou o eclipse de 1821, A Cabeça do Martinho, As Duas bengalas),
vaudevilles (Arthur ou depois de 16 anos, A Corda sensível, A Graça de Deus), árias (“Mascate italiano”,
“Romântico estragado”, “Miudinho”, “O Empresário atropelado”) e duetos (“Quinquim e Sinhá Rosa”). No
espetáculo em seu benefício, apresentado em 12 de novembro de 1868, no Teatro Sete de Setembro
(Pelotas/RG), por exemplo, Martinho representou o papel de Christol, o enforcado, no drama homônimo em
cinco atos de Anicet Borgeois, seguido pela quadrilha O Martinho,
34
encerrando o espetáculo a nova ária
cômica O Boleeiro apaixonado (com música de Francisco de Sá Noronha) (Stark 2017, 273-279).
Além das árias e vaudevilles que integraram o repertório de Martinho desde a década de 1840, em sua tur
ao Rio Grande o artista apresentou meros micos, como o dueto Quinquim e Sinhá Rosa” (música de
José de Almeida Cabral e texto de Bartholomeu Magalhães) (Stark 2017, 282-283; Sawaya 2017), no qual
Martinho Corrêa Vasques e Maria Augusta Candiani se alternavam em monólogos, diálogos e canto (com
acompanhamento de piano), finalizando com um lundu “bem choradinho”. Este era uma forma mais
“selvagem” de lundu, na qual se acentuavam “o meneio dos quadris, o jogo do corpo e o movimento sensual
das mãos” (Sodré 2007, 31):
QUINQUIM (canta)
Neste caso tu me julgas
Um falso... ingratatão...
O contrário vou provar-te
A teus pés... aqui no chão!...
(Ajoelha)
Eu sinto por ti
Tamanha afeição,
Que como por quatro
Farinha e feijão!
Não durmo de dia,
Somente de noite.
Se nisto te minto...
Oh! Dá-me um açoite!
É tal a paixão,
Que tenho no peito,
Que bebo cachaça
Sem termos nem jeito.
33
Drama em quatro atos, com música do violinista argentino Demétrio Rivera. Ver Stark (2017).
34
As árias e cançonetas apresentadas por Martinho serviram inclusive como motivos musicais para a
composição de “Quadrilhas novas de contradanças para piano e para flauta”, cujas partituras eram
anunciadas à venda nos jornais. Ver Diário do Rio de Janeiro, 20.12.1849, 4. A quadrilha apresentava cinco
partes independentes, que não se repetiam, e cuja forma estava relacionada com a coreografia, sendo
dançada ou apenas executada durante o ano inteiro (Zamith 2011).
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Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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Rosinha, acredita,
Se não me casar,
N’um fio de linha
Me vou enforcar!
ROSINHA (dando-lhe a mão,
como querendo-o levantar e cantando)
Isso não... matar-te!... Nunca!
Viverás sempre ao meu lado!...
QUINQUIM (Beijando-lhe a mão
com sofreguidão)
Oh! Que beijos, como sabem!...
São mais doces que melado!
ROSINHA
Beija, beija, meu benzinho!
Beija, beija, meu Quinquim!
Beija, beija, meu Ioiô
Beija, beija...
Assim! Assim!...
QUINQUIM
Nesse caso, como estamos
P’ra casar de pedra e cal.
Dancemos um lunduzinho,
Um lundu nunca fez mal!
ROSINHA
Não há nada que mais saiba,
Que deixar de ser solteira,
Um marido convém muito.
Antes casada, que freira!
QUINQUIM
Requebra Rosinha
Requebra, meu bem!
(ROSINHA)
Ai! Quincas! Amor!
Requebra também!
(cantam e dançam, cai o pano). (Stark 2017, 282-283).
É interessante notar que, de maneira semelhante ao personagem de Quinquim, interpretado por Martinho,
artistas negros de fins do século XIX e início do XX, como Eduardo das Neves (chamado popularmente de
23
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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“Crioulo Dudu”), apresentavam lundus mistos de canção e dança de humor, entremostrando a figura do
negro escravo, ingênuo e engraçado, enquanto, ao avesso, representavam situações do negro malandro que
seduzia as sinhás brancas (Abreu 2017).
3.3. Paródia de opereta e Mágica
Em 1869, após a Companhia Cabral ter entrado em falência (Stark 2021, 147), Martinho continuou sua
trajetória pelas grandes cidades no litoral brasileiro
35
e embarcou para Recife (PE), onde se apresentou no
Teatro de Santa Isabel,
36
atuando no drama O Enforcado, junto à atriz e bailarina portuguesa Maria Velluti.
Ainda no ano de 1869, voltando ao Rio de Janeiro, o artista foi contratado na companhia dramática de Luiz
Cândido Furtado Coelho, sediada no Teatro Ginásio Dramático, atuando em A Baronesa de Caia, paródia
da opereta
37
La Grande-Duchesse de Gérolstein, (música de Jacques-Offenbach e libreto de Henri Meilhac e
Ludovic Halévy). Martinho representou o papel de Miguel Timbeau, “engenheiro maquinista francês, trazido
da Europa pela Baronesa de Caiapó [uma fazendeira rica e viajada], para aplicar o vapor nos seus engenhos.
Fala ainda mal o português e é conhecido nas fazendas por Musiu Timbô...” (Figura 5).
Figura 5: Martinho Corrêa Vasques no papel de Miguel Timbeau, A Baronesa de Caiapó. Jornal Ba-ta-clan, 25.09.1869
35
Martinho também teria se apresentado na cidade litorânea de Santos (SP). Ver O Malho, 1927, 270.
36
Diário de Pernambuco, 05.02.1869, 3; 22.02.1869, 2.
37
O termo opereta (ou pequena ópera, em italiano) foi utilizado originalmente no século XVII para designar
uma ópera curta, com um ato e poucos atores. No século XIX, o termo passou a estar associado à ópera
cômica (ópera com diálogo) (Chiaradia 2012, 67).
24
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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De 1871 a 1872, Martinho atuou na mágica
38
A Pera de Satanás (música original de Furtado Coelho e texto
de Eduardo Garrido), representando o papel do Rei Caramba XXVII, contracenando com o famoso cômico
português José António do Vale, no papel de Vasco:
Foi uma série de enchentes consecutivas. O público divertia-se imenso com a competição
entre o cômico brasileiro e o cômico português. Havia um quadro em que ambos entravam
embuçados [disfarçados]; cada um chegava à boca de cena e dizia para o público quem
era. As declarações variavam todas as noites. Em vez de dizerem sou o Vasco e sou o
Caramba, diziam os primeiros nomes que lhes acudiam. De certa récita em diante,
começaram, ao desafio, dizendo os títulos de peças conhecidas. Dizia um: Sou o Conde
Andeiro! Acudia o outro: Sou o Pagem de Aljubarrota! N’outro dia: Sou o Alfageme de
Santarém! Sou o Frei Luís de Sousa! Em certa noite estavam já picados pelo partido que
cada um tirava dos ditos que acrescentavam e juraram ir até onde pudessem. Entram os
embuçados. Diz o Valle: Sou D. Antonio de Portugal! Responde o Martinho: Sou os Dois
Proscritos! Ao Valle pareceu muito uma só pessoa ser duas, não quis colaborar na asneira
e retorquiu: Sou o Cavaleiro da Casa Vermelha; o Martinho aumentou a dose e exclamou:
Sou os Sete Infantes de Lara! O Valle engoliu em seco e gritou: Sou o Álvaro Gonçalves o
Magriço! O Martinho berrou: Sou os Sete Degraus do Crime! O Valle não pode mais e
largou: Pois eu sou só As onze mil virgens! (Sousa Bastos 2007 [1898], 488).
Apesar do sucesso d’A Pera de Satanás, Furtado Coelho, surpreendentemente, declarou falência em julho
de 1873, fechando as portas do seu teatro. Martinho deve ter sentido o impacto, após ter ficado em cartaz
por quase um ano com a mágica. Certamente o artista não imaginava que a bem-sucedida temporada
terminaria com Furtado Coelho sendo preso por falência fraudulenta, acusação da qual o empresário e
compositor português foi logo absolvido.
39
3.4. Cai o pano
Um ano depois, em 1874, Martinho subiu aos palcos novamente, na Bahia. Em 19 de maio deste ano, o
Correio da Bahia anunciou um espetáculo no Teatro São João, com o drama em dois atos, escrito e
interpretado por Maria Velluti, Mulher que perde e mulher que salva, seguido do vaudeville Cosimo ou o
príncipe caiador. O nome de Martinho não aparece no anúncio, mas tudo leva a crer que o artista estava
presente na ocasião, não apenas porque o vaudeville Cosimo era uma antiga peça de seu repertório, mas
principalmente porque, no dia seguinte, o mesmo jornal anunciou a comédia em três atos O Noviço,
“fazendo a importante parte do protagonista o jocoso artista, o Sr. Martinho.”
40
Como vimos, Martinho e
Velluti vinham atuando juntos desde 1847 (Stark 2019), seja em benefícios para a liberdade de pessoas
escravizadas, no dueto cômico “Polka das Rosas” (Figura 4), ou no drama O Enforcado, representado em
Recife (PE). Assim, é coerente supor que ambos tenham contracenado juntos pela última vez na comédia O
Noviço, na Bahia, cujo papel principal Martinho Corrêa Vasques representou durante 21 anos, inserindo nos
38
As mágicas eram espetáculos inteiramente baseados em ilusionismos e em recursos de maquinaria e
trucagem cênica, com temáticas inspiradas no universo fantástico, sobrenatural ou mitológico (Chiaradia
2012, 68).
39
Diário do Rio de Janeiro, 27.07.1873.
40
Correio da Bahia, 19.05.1874.
25
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
entreatos ou no final da comédia as árias cômicas que o tornaram famoso Brasil afora (Costa-Lima Neto
2018a).
Tendo sido contratado pela companhia do ator Guilherme da Silveira, no Teatro de São Pedro de Alcântara,
Martinho atuou, durante os meses de junho a novembro de 1875, no drama NoIte das Índias (música do
compositor e maestro português Ciríaco Cardoso e texto de Jules-Léon de Claranges Lucotte), n’O Drama do
povo (texto do escritor português Pinheiro Chagas), além do vaudeville A Corda sensível (música de Francisco
de Noronha).
41
Esta foi sua despedida definitiva dos palcos. Na realidade, o artista negro perdera sua
principal base de apoio profissional no início da década de 1860, com as mortes de Paula Brito e João Caetano
e, a partir daí, sua situação financeira piorou. Em 1875, Martinho tornou-se cobrador da companhia de
seguros Confiança, na qual trabalhou durante quinze anos, longe do teatro e dos artistas.
42
Foi assim que, em 3 de fevereiro de 1890, antes de completar 68 anos, o artista faleceu subitamente de um
mal cardíaco em sua casa na Rua do Senado, n. 7 (centro do Rio de Janeiro). Deixou residência, móveis,
objetos e “a quantia que porventura houvesse em sua casa” para uma “afilhada”.
43
A herdeira era,
provavelmente, sua companheira, uma “pretinha bem retinta”, que ele tratava como sua teteia (Sousa
Bastos 2007 [1898], 488).
44
O corpo de Martinho foi sepultado no cemitério de São Francisco Xavier, sendo
o cortejo fúnebre acompanhado por amigos, artistas, além de membros de várias irmandades.
45
Poucos
jornais da Capital Federal noticiaram o falecimento: “Desapareceu, ontem, da cena da vida, há alguns anos
desaparecido da cena do teatro, o ex-artista cômico que tão célebre foi com João Caetano, e com este
formava as duas maiores reputações nacionais dramáticas do seu tempo.”
46
4. Considerações finais: Estilo de atuação, repertório e performance
Este mesmo teatro [São Pedro de Alcântara] que custou uma avultada soma aos acionistas,
e que com ele o governo despende pesadas quantias para sustento das gargantas italianas,
foi logo no terceiro dia reduzido a um casebre de lundu, representando-se na Quaresma
comédias jocosas de perus, e uma ridícula ária intitulada O Romântico estragado, na qual
o executor da música meteu todas as qualidades e trejeitos e ditos que lhe ocorreram para
fazer rir o povo no tempo em que devem chorar; e isto na Semana intitulada da Paixão! (A
Marmota na Corte, 08.05.1852. Nossos grifos).
De 1841 a 1875, durante 34 anos, Martinho Corrêa Vasques apresentou lundus, árias vaudevilles e paródias,
atuando em comédias, farsas, dramas, duetos, pastiches, operetas francesas e mágicas, criadas ou
adaptadas por autores nacionais e estrangeiros, em teatros do Rio de Janeiro, Bahia, o Paulo, Pernambuco
41
Diário do Rio de Janeiro, 16.06.1875, 4; 15.07.1845, 4; 04.09.1875, 4; 20.11.1875, 4.
42
Em 1877, Martinho declarou renda anual de três contos e 600.000 réis, o que equivalia a 300.000 réis
mensais, correspondendo, provavelmente, ao seu salário como cobrador. Ver Diário do Rio de Janeiro,
08.03.1877, 4. A Província (Recife/PE), 14.02.1890.
43
Diário do Commercio, 04.02.1889, 2.
44
Martinho ficou viúvo em 1871, tendo mandado celebrar missas para a esposa falecida até o ano de 1886.
Ver Jornal do Commercio, 28.04.1881, 4; 29.04.1885, 5; 20.04.1886, 4.
45
Diário do Commercio, 04.02.1889, 2.
46
O Cruzeiro, 04.02.1890, 3. Nosso grifo.
26
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
no Império da escravidão" Per Musi no. 42, General Topics: 1-31. e224209. DOI 10.35699/2317-6377.2022.37599
e Rio Grande do Sul. A falta de partituras das músicas apresentadas pelo artista nos palcos é parcialmente
complementada por outras fontes, como os periódicos, possibilitando vislumbres de como eram suas
performances, bem como sua recepção pela imprensa e pelo público. Na ária do “Romântico estragado”,
referida na crítica citada acima, por exemplo, Martinho aparecia em cena cantando e armado de um
furador, com o qual se suicidava, fazendo trejeitos que [faziam] abaixar os olhos a todas as mães de
família”...
47
Assim, por meio do seu gestual musical afro-brasileiro o artista infiltrava nos teatros uma sintaxe
cênica negra que temporariamente transformava em “casebres de lundu os palcos da maior cidade
escravista das Américas.
Vimos que as árias cômicas eram monólogos breves, com canto, dança, encenação e vestimenta, onde
Martinho exibia toda a sua versatilidade e talento. Apesar do termo “ária” constituir um italianismo
evidente, as árias apresentadas pelo artista operaram uma síntese substancial de características que
combinava o gestual musical afro-brasileiro, a lírica da ópera (bufa) italiana, os vaudevilles e operetas de
inspiração francesa e os entremezes portugueses. O repertório do multifacetado Martinho se constituía,
dessa maneira, numa mistura híbrida de gêneros e estilos musicais e teatrais, locais e internacionais. No
processo de criação dramatúrgica e musical deste repertório as figuras do compositor e do intérprete
também apareciam misturadas, pois a encenação se realizava plenamente no momento de sua
apresentação ao vivo. Martinho Corrêa Vasques tornou-se, assim, intérprete e um tipo de coautor das
composições de Francisco de Noronha, José Joaquim Goyanno, Henrique Alves de Mesquita, João Victor
Medina Ribas, Demétrio Rivera, Dionísio Vega, José de Almeida Cabral e Luiz Cândido Furtado Coelho,
acrescentando, durante as suas performances, todas as qualidades, trejeitos e ditos que lhe ocorriam para
fazer rir o povo.
Os exageros e paródias de Martinho chocavam o público sério que o admitia ver os teatros líricos e de
declamação ocupados por espetáculos musicais ligeiros, ainda mais tendo um negro como artista principal.
Ao mesmo tempo, seus recursos cômicos o aproximavam de um público cada vez mais numeroso,
heterogêneo e ávido por divertimento, inclusive nos Dias Santos. Os elogios, críticas e caricaturas publicadas
nos periódicos oitocentistas devem, assim, ser virados e revirados ao avesso para neles desvelarmos as
características principais do estilo de atuação de nosso artista: a voz afinada, potente e grave, a capacidade
de improvisação e comunicação com as plateias, a fisionomia hilariante, o gestual musical afro-brasileiro, a
versatilidade cênico-musical-coreográfica, a inteligência e o humor irônico, sexual, grotesco e, por vezes,
satírico.
Com seu repertório híbrido de lundus, árias, vaudevilles e paródias Martinho interpretou personagens que
satirizaram capitães-do-mato, ridicularizaram elites afrancesadas, escaparam de mosteiros e fantasmas,
além de seduzirem baronesas, coristas e sinhazinhas brancas. Enquanto entretinha as plateias, encontrando
um meio instável de sobrevivência como homem livre pobre, Martinho escancarou aquilo que a escravidão
oprimia: o corpo negro e, junto a outros artistas e homens de letras, denunciou o tráfico ilegal, beneficiou
irmandades e ajudou a alforriar homens e mulheres. Dessa maneira, por meio de performances estéticas,
étnicas, sociais e políticas, o artista e cidadão negro Martinho Corrêa Vasques subverteu o racismo na arena
cultural e na sociedade escravocrata urbana do Brasil oitocentista.
47
Correio Mercantil, 06.12.1859, 2.
27
Neto, Luiz Costa-Lima. 2022. “O Ator-cantor-dançarino negro Martinho Corrêa Vasques (1822-1890): lundus, árias, vaudevilles e paródias
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