Trata-se, no entanto, de uma concepção positivista, epistemologia desenvolvida no século XIX por Auguste
Comte (1798-1857) - filósofo francês contemporâneo de Fétis - e propagada por diversos autores das
gerações posteriores. Nesse contexto, atribuir as alterações de desenho, formato, massa e outros atributos
do arco a uma ideia de melhoria ou progresso incorre, muitas vezes, em não considerá-lo em seu devido
contexto histórico.
Desde sua consolidação na Itália na década de 1520 (Boyden 1990) até o final do século XVIII, o violino e sua
família atuaram nos mais diversos segmentos sociais, com funções específicas, respeitando-se a adequação
apropriada a cada decoro. No contexto de dança, tanto dentro quanto fora da cortesania, o estilo
determinava o emprego de múltiplas notas de curta duração, consistência rítmica, muitas vezes subsidiadas
por frequentes retomadas de arco nas primeiras notas de cada compasso - sobretudo se considerarmos os
gostos franceses, capitaneados pelo modelo autoritativo de Jean-Baptiste Lully (1632-1687). Por outro lado,
o estilo italiano, representado pela obra de Arcangelo Corelli (1653-1713), consistia, fundamentalmente, na
utilização não apenas de notas longas (sobretudo nos movimentos lentos) e de sequências prolongadas de
notas ligadas, tendo em vista o procedimento da ornamentação extempore (Ribeiro 2020), como também
na emulação do modo de emissão sonora do canto e das articulações da linguagem do discurso retórico. Ao
se observar esses dois extremos coexistentes no continente europeu, é possível supor que diferentes
orientações estilísticas norteavam utilizações diversificadas do arco e, consequentemente, seus modelos de
construção.
O presente trabalho tem por objetivo, por meio de pesquisa iconográfica e revisão bibliográfica, analisar os
variados tipos de arcos, procurando demonstrar que uma compreensão histórica destes sob o prisma
evolutivo seria reducionista. Ainda que diversos modelos tenham surgido através do aperfeiçoamento de
espécimes anteriores, os diversos exemplares de arcos denominados ‘de transição’ coexistiram por muito
tempo, inclusive com o arco moderno, por muitas décadas. Eles eram, antes de tudo, arcos adaptados ao
estilo musical proposto, e não simplesmente arcos mais primitivos, que deveriam ser substituídos sempre
que uma nova tecnologia era desenvolvida.
2. O positivismo e a ideia de evolução do arco
O movimento positivista fez-se muito presente na Europa em meados do século XIX, em um momento em
que a história da música começou a marcar de maneira mais clara uma dicotomia entre o antigo e o novo.
Neste momento, diversas transformações profundas estavam em curso, não somente no ambiente musical,
mas também no político, social e filosófico. No campo político, a França em poucas décadas passou por uma
revolução, uma república, um império napoleônico e uma restauração monárquica. Todas estas mudanças
afetaram sobremaneira seus países vizinhos, provocando conflitos por muitas décadas, mas não impedindo
a transmissão das ideias decorrentes destes movimentos. Socialmente, a revolução industrial mudou a
forma de circulação de riqueza, levando à ascensão da burguesia, criando novos hábitos e formas de
consumir a cultura (Reis 2019). Filosoficamente, ainda que a monarquia fosse restaurada na França, os ideais
iluministas plantados na Revolução Francesa perdurariam, tendo dentre seus frutos, por exemplo, o bem-
sucedido estabelecimento do Conservatório de Paris em 1795, criado sob a égide da Égalité, do ensino de
qualidade para todos, e de uma necessidade de se chegar a metodologias claras, que pudessem replicar de
maneira eficiente o conhecimento adquirido (Santos 2011; Reis; Held 2021).