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eISSN 2317-6377
Ensino Musical e Enriquecimento Curricular:
Contornos e Considerações da Política “Escola a Tempo Inteiro” (ETI)
Music Teaching and Curriculum Enrichment:
Outlines and Considerations of the “Full-Time School” Policy
Vera Inácio Cordeniz
Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, Lisboa, Portugal
vera.cordeniz@fcsh.unl.pt
SCIENTIFIC ARTICLE
Section Editor: Fernandp Chaib
Layout Editor: Fernando Chaib
License: "CC by 4.0"
Submitted date: 11 ago 2023
Final approval date: 02 fev 2024
Publication date: 22 mar 2024
DOI: https://doi.org/10.35699/2317-6377.2024.39352
Resumo: Este artigo aborda os contornos da política de ação pública - “Escola a Tempo Inteiro” (ETI), compreendendo
a operacionalização, passados cerca de 15 anos desta implementação, em Portugal Continental, numa interligação à
possível igualdade de oportunidades a outras atividades - ensino da música (1.º ciclo Ensino Básico), assinalando o
papel articulador do Estado. Metodologicamente, o artigo analisa um conjunto de documentação
legislativa/especializada e estudos científicos e procuramos compreender as implicações do ensino musical no
enriquecimento curricular (AEC), em articulação com a nossa experiência. Assinalamos a aplicação desta política na
Região Autónoma da Madeira, por terem sido os pioneiros, no contexto português e fazemos um paralelo com a Escola
a Tempo Integral brasileira, de modo a percecionar diferenças e semelhanças na educação artístico-musical.
Concluímos com uma abordagem da transposição da ETI a outros ciclos de estudo questionando o tempo/ludicidade
das AEC, aliados a ferramentas de poder das políticas de ação pública.
PALAVRAS-CHAVE: Escola a Tempo Inteiro; educação artístico-musical; Atividades de Enriquecimento Curricular;
lúdico.
Abstract: This article reflects on the contours of the public policy - “Full Time School” (FTS), looking at its
operationalization over 15 years of implementation in mainland Portugal. The article considers the interconnection
between FTS, equality of opportunities of other activities - teaching of music (Primary Education) and highlights the
articulating state’s role. Methodologically, the article analyses a set of legislative/specialized documentation as well
as scientific studies to understand the implications of music education in curricular enrichment, in articulation with
the author experience. We consider how this policy has been applied in the Autonomous Region of Madeira and we
draw a parallel with Brazilian FTS, in order to understand the approach in artistic-musical education. We conclude by
outlining how to approach the transposition of the FTS policy to other study cycles, examining the time spent on
AEC/its playfulness, allied to the powerful tools of public policy.
KEYWORDS: Full Time School; artistic-musical education; Activities of Curricular Enrichment; playfulness.
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Inácio Cordeniz, Vera. Ensino Musical e Enriquecimento Curricular: Contornos e Considerações da Política 'Escola a Tempo Inteiro' (ETI)”.
1. Introdução
Este artigo surge no âmbito de uma investigação de doutoramento em Educação Artística que se encontra
em desenvolvimento e que pretende refletir sobre os objetivos da política de ação pública da “Escola a
Tempo Inteiro” (ETI) e analisar a igualdade de oportunidades aí preconizada, permitindo pensar o ensino da
música no 1.º ciclo do Ensino Básico, nas Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), numa perspetiva
de educação global.
Quando começámos a delinear o objeto de estudo verificámos que para a compreensão das implicações do
ensino musical no contexto do enriquecimento curricular em Portugal que entender os envolvimentos da
política pública de “Escola a Tempo Inteiro”. Por isso, centrámo-nos numa recolha e seleção de trabalhos
que se focassem nesta problemática (Almeida 2017; Cosme e Trindade 2007; Pires 2007, 2014, 2019;
Vasconcelos 2011) e procurámos estabelecer uma articulação com o nosso conhecimento empírico
enquanto docente e coordenadora de Música nas AEC entre 2007 e 2015.
Pretendemos desvelar aqui o que é entendido como uma política pública e as suas ações aplicadas ao 1.º
Ciclo do Ensino Básico (1.º CEB), mais concretamente com a implementação das AEC, na procura da definição
de “política pública”; a ETI e a sua implementação (Pires 2007, 2014; Esteireiro et al. 2017) e aspetos
comparativos com a “Educação Integral” que existe no Brasil (Cavaliere 2002, 2007, 2009), abordando
questões da precariedade dos vínculos laborais dos professores/técnicos destas atividades. Por conseguinte,
intencionamos apresentar uma análise documental para demonstrar que a ETI se firma num sentido dualista.
A ETI dissemina uma compensação da educação formal e também proporciona um acréscimo de atividades
extracurriculares. É nosso objetivo explanar essa dualidade através de diferentes tópicos associados ao
serviço público de educação, que acompanham esta política e que abrangem, por exemplo, a extensão do
core curriculum e a ampliação do tempo escolar, numa articulação com a realidade do nosso estudo.
O artigo que aqui apresentamos começa por compreender a cronologia e a operacionalização da política de
ETI ao longo dos últimos 15 anos, em Portugal Continental, prosseguindo para uma breve menção ao caso
pioneiro da Região Autónoma da Madeira e estabelecendo paralelos com a Escola a Tempo Integral
brasileira, com o intuito de descortinar determinadas afinidades e percecionar especificidades.
Pretendemos, nas conclusões, expor o nosso ponto de vista no que respeita à possibilidade de transposição
da política da ETI a outros ciclos de estudo, questionando o tempo e este modelo de democratização das
atividades de enriquecimento curricular, nomeadamente na componente artístico-musical.
2. Aspetos metodológicos
Aquando da definição do objeto da nossa investigação de doutoramento, tropeçámos no conceito de “Escola
a Tempo Inteiro”, o qual acabou por se tornar o cartão de embarque da viagem do nosso estudo. Procurámos
perceber, numa primeira fase, a generalização do termo, pela consulta de Legislação, entre 2005-2019
1
e
rapidamente nos apercebemos da existência de literatura especializada para a compreensão desta política
pública, que nos permitiram articular e refletir sobre questões interdisciplinares. O descortinar desta política
1
Embora seja o Despacho n.º 12591 de 2006 a firmar a generalização dos projetos de enriquecimento
curricular em Portugal, em 2005 já existe legislação a propósito desta temática, pelo que consideramos essa
data no nosso estudo.
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Inácio Cordeniz, Vera. Ensino Musical e Enriquecimento Curricular: Contornos e Considerações da Política 'Escola a Tempo Inteiro' (ETI)”.
pública encaminhou-nos para a compreensão de medidas governamentais, no âmbito do papel da Escola
Pública em Portugal a partir do Estado Novo. Querendo fazer um paralelo com políticas semelhantes à ETI,
não quisemos descurar de “escola integral” existente no Brasil, com as implicações associadas.
O artigo procura assim fazer uma revisão da literatura e análise da aplicação da política de ETI, incidindo em
aspetos da educação artístico-musical, dado que um trabalho que envolve o estudo de políticas públicas
tem, necessariamente, que passar por uma criteriosa recolha da legislação e outros documentos da
administração pública, nomeadamente aqueles relativos às sessões parlamentares da Assembleia da
República e da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que se encontram em linha. Outra documentação
observada foi a produzida pela Associação Portuguesa de Educação Musical (APEM), nomeadamente os
relatórios desta associação para as AEC, que estão disponíveis no sítio da Direção-Geral da Educação (DGE)
e os Relatórios de Acompanhamento da Comissão de Acompanhamento/Coordenadora do Programa.
Informações sobre os estabelecimentos de ensino e entidades promotoras de AEC nas escolas públicas, com
incidência no concelho de Lisboa, por ser o nosso objeto de estudo no âmbito da investigação de
doutoramento, foram obtidas através do sítio em linha da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares
(DGEste). As Escolas têm, na sua essência administrativa e organizativa, uma grande apetência na produção
de documentação, que deve ser cuidadosamente selecionada e analisada e, no contexto da nossa
investigação, considerámos necessário verificar também alguma desta documentação, sobretudo a que se
coaduna com a temática do nosso trabalho de doutoramento. De referir que os recentes estudos sobre as
Atividades de Enriquecimento Curricular, concretizados através de dissertações de mestrado, constituem
um corpus relevante para o desenvolvimento e prossecução de investigação nesta área, podendo encontrar-
se uma abordagem das AEC numa dimensão geral (Guedes 2013; Marques 2018; Rodrigues 2020) ou
centrada na aplicação e gestão da política de ETI (Castanheira 2012; Costa 2012; Pepe 2012; Medeiros 2016;
Videira 2017; Ramalho 2020), em questões relacionadas com os docentes (Santos 2017) ou com o papel dos
Encarregados de Educação (Silva 2017) e no próprio Ensino da Música. Neste último campo, os trabalhos de
investigação não passam exclusivamente pelas AEC, mas também pelo currículo regular - Expressão e
Educação Musical (Jardim, 2017) no 1.º Ciclo do Ensino Básico (Gil, 2021), 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico,
com, por exemplo, a abordagem da coadjuvação no Ensino da Expressão Musical no 1.º CEB como uma
ferramenta de sucesso para os processos de aprendizagem (Leitão, 2021), a utilização de ferramentas
criativas no ensino musical (Boraschi 2022) ou a Educação Artística, nas suas diferentes Expressões (música
e práticas culturais - Severino 2018) e nas ligações às estruturas curriculares e políticas (Augusto 2017).
Os nossos procedimentos analíticos assentaram, portanto, na reflexividade, orientada por um
enquadramento teórico. Executámos também uma análise de conteúdo da documentação recolhida, pois,
num sentido interpretativo, é uma técnica de pesquisa que permite categorizar significados/sentidos
(Amado 2013). Com esta análise pretendemos não descrever a política de ETI, mas inferir conteúdos
dentro dos contextos (Bardin 1995) numa relação de interdependência com o poder (político).
3. ETI, a Política Pública
governing people is not a way to force people to do what the governor wants; it is always
a versatile equilibrium, with complementarity and conflicts between techniques which
impose coercion and processes through which the self is constructed or modified by
himself (Foucault 1993, 203-204).
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O poder tem como capacidade conduzir o conduzido, influenciar os outros, o que se torna paradoxalmente
perigoso e maravilhoso. Pode moldar normas, práticas e questões identitárias, muitas vezes de forma não
percetível e, na transmissão de conhecimento, o problema é o abuso de poder. A Educação, como prática
social e histórica que envolve relações de poder, equaciona-se como “a training exercise in the paradoxes of
freedom” (Dussel 2010, 30). Assim sendo:
Todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação
dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo (Foucault 1999, 44).
Uma política pública implica a ação de diferentes agentes, tendo em conta as atividades governamentais e
os seus processos (Lascoumes e Le Galés cit. Pires, 2014, 29). É construída mediante as ações do Estado,
podendo não estar definida a priori, sendo “o resultado […] de um processo de negociação relativamente
assimétrico entre indivíduos, grupos e forças políticas, económicas, sociais e culturais muitas vezes
antagónicas e conflituais” (Vasconcelos 2011, 6). Neste sentido, estamos perante um “processo dinâmico”,
onde se destaca a figura do Estado, o modo de ação e a sua influência na sociedade (Pires 2014, 29).
No caso das políticas públicas de educação, a sua construção é um ato político e apresenta “o modo como
uma sociedade se pensa a ela própria, se afirma e se projeta no futuro. [Exprime] também as relações de
força numa sociedade [que] não [dispõe] de uma igual capacidade para formular as procuras de educação e
de formação” (Charlot e Beillerot cit. Vasconcelos 2011, 7). A construção de uma política pública assenta
num programa governamental e vai ao encontro da sua ação, com a interferência de diferentes atores,
sociais e políticos, para promover as necessidades da sociedade.
As próprias vulnerabilidades sociais, como a crise do Estado Social, alteram prioridades e fazem com que
exista um encaminhamento das políticas públicas que “devem preocupar-se apenas com os processos de
mercado de modo a que estes funcionem correctamente, e livremente” (Estêvão 2012, 18).
Partindo da conceção de Mény e Thoening (cit. Pires 2014, 46) podemos enunciar diferentes características
intrínsecas a uma política pública e essenciais para a sua perceção. Deste modo, uma política pública implica:
Um conteúdo/recurso;
A existência de um programa intervenção do Estado;
Uma orientação normativa atos relativos à atividade pública que provocam orientações e que
conduzem a objetivos;
Uma ideia coercitiva à atividade pública está associado o carácter autoritário, que se manifesta de
modo coercivo e por isso o ato público impõe-se.
Uma competência social os indivíduos são influenciados pela ação pública.
Observando o caso das AEC encontramos alguns paralelos, nomeadamente a existência de um conteúdo;
programa/orientações programáticas e permitindo a política da Escola a Tempo Inteiro encontrar solução
para um problema social, funciona no sentido da competência social. ETI, política de ação pública, quer-se
como influenciadora e penetrante na sociedade, sobretudo na Escola Pública, pela intervenção do Estado. A
ETI é assim “garante da educação global, contemplando a educação integral da criança (em todas as
dimensões) e contrapondo-se a uma abordagem de separação (e até de oposição) entre instrução e
educação, uma das missões do Estado(Almeida 2017, 475).
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Não obstante, o papel regulador do Estado poderá estar além do expetável, devido à constante delegação
de poderes dentro do processo que envolve o enriquecimento curricular. De acordo com Pires (2007, 78-
79), por existir a necessidade de se melhorarem resultados e de se oferecerem as mesmas oportunidades a
todos os alunos:
[...] o Ministério da Educação (ME) ancora-se em medidas que (...) procuram garantir uma
cobertura de horário a tempo inteiro, no contexto de escolas modernizadas, oferecendo
aos alunos novas oportunidades de aprendizagem que passam pela implementação de
AEC, permitindo, assim, a centralização e rentabilização, ao máximo, do tempo lectivo
dedicado à Língua Portuguesa, à Matemática e ao Estudo do Meio (em particular ao Ensino
Experimental das Ciências), requerendo mais competências profissionais dos professores
e focalizando a sua formação nessas áreas.
A Direção-Geral da Educação tem vindo a apresentar, desde a implementação da política de ETI, relatórios
de acompanhamento das AEC e até por área disciplinar. No interesse deste artigo salientamos os Estudos de
Caso 2008/2009: Actividades de Enriquecimento Curricular: casos de Inovação e Boas práticas, com
coordenação de Pedro Abrantes (2009). Neste relatório aparece-nos a ideia de Escola Inclusiva, como
“projecto integrado e integrador, aberto a todos/as que formam a comunidade educativa e local” (Abrantes
2009). É esta “Escola Inclusiva” que a política de ETI preconiza, embora nos pareça que o percurso não tem
sido linear e a sua criação perpetue aspetos algo utópicos, nomeadamente a igualdade de oportunidades de
acesso, por exemplo, à componente artística, como é o caso da Música, com diminutos recursos, humanos
e físicos. Na óptica de Matthews et al. (2009), a falta de equidade é um problema, “uma vez que as AEC não
são obrigatórias. Se forem vistas como programas de enriquecimento, ou se se sobrepuserem às actividades
curriculares, ocorrerão naturalmente diferenças entre os alunos” (60).
Em 2016 e 2017 foram lançadas duas circulares, pela Direção-Geral da Educação com foco nas AEC; a
primeira com recomendações no âmbito do desenvolvimento e aplicação destas atividades e a segunda
apelando à sua essência lúdica. Estas comunicações permitem constatar que existe consciência das
dificuldades deste percurso da integração e da “Escola Inclusiva”; o facto de os alunos terem uma carga de
presença na escola de mais de 35 horas semanais e a não distinção, em termos de desenvolvimento de
atividades, entre o período curricular e o das AEC. O caráter lúdico das AEC, no sentido de explorar o sentido
criativo dos alunos é apontado como essencial, nestas comunicações, havendo a indicação para se
privilegiarem metodologias de projeto, não podendo a Escola esquecer que brincar é um Direito Universal
na Convenção dos Direitos da Criança.
4. Implementação da ETI
Independentemente dos problemas que lhes estão adjacentes, a ETI preconiza-se como uma política dualista
que tem um elo em comum: os alunos passarem mais tempo na escola. Por um lado, temos os que defendem
a ETI como forma de suprimir algumas lacunas no currículo, “extensão da educação formal”, e por outro lado
há a “outra escola” com atividades que não as da “escola normal”, que se esperam mais lúdicas e também
a ocupação dos tempos livres (Barroso cit. Pires 2014, 8).
Sendo uma política educativa, a ETI surge a partir do pressuposto de um problema político 1.º Ciclo do
Ensino Básico e é apontada como a sua solução. O Estado pretende acompanhar a evolução da
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representação da Escola Pública (prestação de serviços públicos ao nível da educação). Não obstante, a ETI
não é uma solução técnica, mas política, pois representa um serviço público de educação (Pires 2014, 14).
Associado à ETI temos os seguintes tópicos:
A “(re)configuração da rede de escolas”, num chamado horário normal, que abrange o período da
manhã e da tarde, com distribuição do almoço (Pires 2019, 16);
A compensação do core curriculum, mais concretamente nas áreas disciplinares de português de
matemática;
A ideia de ampliação do tempo escolar, com redução dos “tempos livres” dos alunos, oferta de
atividades de enriquecimento curricular, “ a funcionarem após (e, pontualmente, antes ou entre) as
atividades letivas curriculares, desenvolvidas com os alunos por professores(as)/técnicos(as)
contratados(as) diretamente por “entidades promotoras” ou por outras entidades com as quais
aquelas estabelecem parceria” (Pires 2019, 17) e uma
[...] igualdade de oportunidades no acesso a atividades paraescolares (desportivas,
culturais, etc.). A concretização destes objetivos permit[e] o reforço do serviço público de
educação, com a consequente integração social das crianças, através do aumento do
tempo de exposição ao meio escolar e aos seus processos de socialização (Barroso cit. Pires
2014, 9).
A oferta de uma “componente de apoio à família” (CAF), que funciona antes e após as atividades
letivas e também nas interrupções letivas, permitindo assegurar um apoio contínuo numa
permanência da escola que ao encontro dos horários laborais dos encarregados de educação,
mediante uma comparticipação financeira diretamente relacionada com o escalão de subsídio
escolar de cada família.
De acordo com Pires (2019, 17), indicação de que, a nível de valores estatísticos, da Direção-Geral de
Estatística da Educação e Ciência, no ano letivo 2017/2018, 85,9% dos alunos do 1.º CEB frequentavam as
AEC. Não obstante, nas 41,3% de escolas públicas com oferta de CAF, apenas 20% dos alunos optavam por
esse sistema.
O 1.º Ciclo do Ensino Básico, torna-se, portanto, desde a concretização da Lei de Bases do Sistema Educativo
(LBSE), em 1986, uma presença assídua da agenda política do país.
Numa tentativa de estabelecer uma cronologia do Enriquecimento Curricular em Portugal, começamos por
referir que a generalização, em Portugal Continental, da política de ETI, deu-se no ano letivo 2006/2007, com
o Despacho n.º 12591/2006, de 16 de Junho, na sequência das medidas do XVII Governo Constitucional
(2005-2009), cujo programa previa a qualificação do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Os alunos passariam assim
a ter acesso a um “conjunto diferenciado de aprendizagens enriquecedoras do currículo e à articulação entre
o funcionamento da Escola e as necessidades das famílias, uma vez que torna[va] o horário dos
estabelecimentos de ensino compatível com o horário de trabalho dos pais” (Ribeiro 2012, 12). A publicação
do Ministério da Educação, Educação e Formação em Portugal (2007) vem reforçar as medidas de
valorização do 1.º CEB, pela necessidade de
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dar prioridade à reorganização e requalificação da rede de escolas do 1.º ciclo,
identificando, num trabalho de proximidade com as autarquias (...) e à generalização da
escola a tempo inteiro, com o prolongamento do horário, permitindo a oferta a todos os
alunos de actividades de enriquecimento curricular, incluindo obrigatoriamente o inglês, o
apoio ao estudo e ainda outras actividades como o desporto ou a música, possibilitando
um horário escolar compatível com as necessidades das famílias (4).
Não obstante, em 1995, a Região Autónoma da Madeira aplicava a política da ETI, como veremos mais à
frente. Portanto, a primeira grande medida, no âmbito das Atividades de Enriquecimento Curricular
ocorreu com o Programa de Generalização do Ensino do Inglês nos 3.º e 4.º anos do 1.º CEB, abrangido pelo
Despacho n.º 14753/2005, de 24 de junho, que referia que “o sistema educativo português necessita[va]
recuperar algum do seu atraso, promovendo a elevação do nível de formação e qualificação das futuras
gerações, pela aquisição de competências fundamentais através da aposta no desenvolvimento do ensino
básico, nomeadamente na generalização do ensino do inglês desde o 1.º ciclo do ensino básico” assumindo
“o objectivo de promoção de igualdade de oportunidades perante o sistema educativo”. Os alunos usufruíam
também da atividade de Apoio ao Estudo e os estabelecimentos de ensino passaram a estar abertos até às
17h30, assegurando
[...] as condições para responder às necessidades das famílias para assegurar o
acompanhamento dos seus educandos, muitas vezes sem capacidade financeira para estes
frequentarem os Centros de Atividades de Tempos Livres, uma vez que os acordos entre
as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPPS) e o Estado cessaram, como tal, as
referidas instituições viram-se assim impossibilitadas de prestarem o serviço que
prestavam, nomeadamente no que diz respeito aos custos suportados pelas famílias
(Ramalho 2020, 14).
Se observarmos o período entre 2006 e 2011 encontram-se vários dispositivos legais que regulamentam as
AEC. O Despacho 12591/2006, de 16 de Junho, estabelece o Ensino do Inglês (3.º / 4.º anos) e o Apoio Estudo
como atividades de enriquecimento curricular que devem ser obrigatoriamente implementadas e incluídas
nos Planos de Atividades dos Agrupamentos de Escolas. Por outro lado, o mesmo Despacho vem clarificar a
outra dimensão dos projetos de enriquecimento curricular ao:
Considera[rem]-se actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico
as que incidam nos domínios desportivo, artístico, científico, tecnológico e das tecnologias
de informação e comunicação, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e
voluntariado e da dimensão europeia da educação, nomeadamente:
(...)
e) Ensino da Música
Chamam-lhe Ensino da Música e não Educação Musical, mas tanto num caso como no outro estamos perante
a “música na educação”, ligada ao “ensino regular, alegando-se a existência de valores intrínsecos e
instrumentais que potenciam a formação as crianças” [em oposição à] “educação para a música” que
pressupõe uma “formação especializada de preparação de futuros artistas” (Vasconcelos 2011, 2).
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Para fazer face a esta necessidade de regulamentação, criam-se, entre 2005 e 2007 diferentes orientações
programáticas que “pretendiam ser instrumentos de trabalho para os professores das diferentes AEC,
nomeadamente, para a Atividade Física e Desportiva, o Ensino da Música [Vasconcelos, 2006] e o Ensino do
Inglês” (Marques 2018, 12). Compreende-se a escolha destas três atividades, pois, tendo em conta o Anexo
“Regulamento de acesso ao financiamento do programa de generalização do ensino do inglês nos 3.º e 4.º
anos e de outras actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico” do Despacho
12591/2006, a comparticipação financeira concedida, por aluno, pelo Ministério da Educação às entidades
promotoras, tem o seu montante mais elevado (250€) no caso da escolha de Ensino da Música e Atividade
Física e Desportiva, aliadas ao Ensino do Inglês.
O Despacho n.º 14460/2008, de 15 de maio é o “regulamento que define o regime de acesso ao apoio
financeiro no âmbito do programa das actividades de enriquecimento curricular” e, no que se refere ao
Ensino da Música estabelecia que:
1. Para a execução da actividade ensino da música, as entidades promotoras dev[iam]
preferencialmente celebrar acordos de colaboração com escolas do ensino especializado da
música públicas, profissionais ou do ensino particular e cooperativo, de forma a assegurar a
leccionação, a coordenação pedagógica das actividades e a possibilitar o acesso, por parte dos
alunos, à utilização dos equipamentos necessários.
2. Onde não fo[sse] possível celebrar os acordos de colaboração referidos no número anterior,
as entidades promotoras pod[eriam] celebrar acordos com outras instituições vocacionadas
para o ensino da música, após análise e parecer pela CAP dos projectos apresentados.
Estas indicações têm como intuito a promoção da melhoria da qualidade das aulas de Música, no sentido de
fazer chegar às Escolas do 1.º CEB, recursos musicais pedagógicos especializados.
Chegando a 2011, o Despacho n.º 8683/2011, de 28 de junho vem alterar o Despacho n.º 14460/2008,
introduzindo algo que será significativo para o nosso objeto de estudo. Acrescentam-se, em coexistência
com outras atividades, as atividades lúdico-expressivas que “devem integrar uma ou mais formas de
expressão artística, nomeadamente: a expressão plástica e visual, a expressão musical, o movimento e
drama/teatro, a dança, multimédia, percursos culturais e de exploração do meio, actividades lúdicas e de
animação”. As AEC passam a ter um período mínimo diário de 90 minutos. No que respeita à promoção
destas mesmas atividades, importante referir que os Agrupamentos de Escolas “deveriam planificar as
atividades e celebrar acordos de colaboração, assim como disponibilizar os seus espaços escolares”
(Marques 2018, 12). Há, portanto, a ideia de articulação entre as AEC e as restantes atividades curriculares.
Em 2013, o Despacho n.º 9265-B/2013, 15 de julho, “define as normas a observar no período de
funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino público nos quais funcionem a educação pré-
escolar e o 1.º ciclo do ensino básico, bem como na oferta das atividades de animação e de apoio à família
(AAAF), da componente de apoio à família (CAF) e das atividades de enriquecimento curricular (AEC)” e
podem destacar-se a redução do tempo das AEC (5 a 7 horas semanais) e a responsabilização das escolas,
com o planeamento, acompanhamento e avaliação das atividades. No decorrer do nosso estudo pudemos
verificar que determinados agrupamentos de escola abandonaram o Ensino da Música a partir do ano letivo
2013/2014, pois com o Despacho referido “caso o agrupamento de escolas ou escola não agrupada seja a
entidade promotora das AEC e disp[usesse] de recursos docentes de quadro para as implementar, após
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cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Despacho Normativo 7/2013, de 11 de junho, afeta[ria]
obrigatoriamente esses recursos às AEC que promov[ia]”. Ora, observámos pelo menos um caso em que o
Agrupamento de Escolas tinha docentes de Educação Musical, à data, no quadro, que poderiam lecionar
estas aulas, mas optaram por terminar a atividade Música, numa espécie de antevisão para o que acabou
por concretizar-se em 2015.
A Portaria n.º 644-A/2015, de 24 de Agosto regulamenta o Programa das Atividades de Enriquecimento
Curricular no 1.º Ciclo do Ensino Básico e com ela pode começar-se a perceber o abandono do Ensino da
Música e o idealismo do lúdico, que analisarei no âmbito desta investigação, mais à frente. Deixa de existir
Ensino da Música, por si só, estando camuflado nas Atividades Lúdico-Expressivas:
As atividades previstas na presente portaria devem garantir a qualidade que se pretende
para todo o sistema educativo, pelo que caberá às escolas, em articulação com outras
entidades, a sua planificação, acompanhamento e avaliação, tendo como referência
preferencial a Norma NP 4510:2015 Atividades de enriquecimento curricular e de apoio
à família.
A oferta das AEC deve ser adaptada ao contexto da escola com o objetivo de atingir o equilíbrio entre os
interesses dos alunos, a formação e perfil dos profissionais que as asseguram e os recursos materiais e
imateriais de cada território.
Cabe, portanto, aos Agrupamentos de Escolas a escolha da oferta de AEC conforme o que dispõem (ou
não...). A dificuldade em encontrar professores de música que correspondam às expectativas é apontado
como uma das razões para o abandono do Ensino da Música. Não obstante, a própria precariedade do
vínculo laboral a que os professores/técnicos estão sujeitos e a diminuta carga horária não permite
encontrar uma estabilidade na contratação dos Recursos Humanos. Segundo Matthews et al. 2009 (59), os
professores das AEC
têm um estatuto inferior. O seu salário é mais baixo; o seu contrato é a termo fixo,
normalmente com a duração que varia de um mês a um ano, e, muitas vezes, são alvo de
constrangimentos burocráticos, como atrasos no pagamento dos salários. A maioria do
pessoal docente das AEC é composta por professores novos ou relativamente
inexperientes. (...) apesar da sua relativa inexperiência (...) mostraram [-se] confiantes,
animados e entusiasmados e com uma boa relação com os alunos. São contratados
directamente pelos municípios (ou por empresas privadas pagas pelos municípios), por
associações de pais e pelas IPSS.
Torna-se mais fácil ter como opção Atividades Lúdico-Expressivas, pois não existe obrigatoriedade de uma
área, podendo os constrangimentos que surgem ao longo do ano letivo, como saída de professores/técnicos,
serem mais facilmente colmatados. De salientar que esta dificuldade na fixação de recursos humanos se
prende, entre outros aspetos, com a precariedade e fragilidade dos vínculos laborais. Por outro lado, os
próprios espaços onde são lecionadas as AEC apresentam carências para um bom desenvolvimento das
mesmas; o facto de os alunos terem as aulas das AEC nos mesmos locais onde lidam com o currículo regular,
com uma mesma disposição das secretárias, não promove um ambiente de ludicidade.
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Inácio Cordeniz, Vera. Ensino Musical e Enriquecimento Curricular: Contornos e Considerações da Política 'Escola a Tempo Inteiro' (ETI)”.
O Relatório de Acompanhamento da Comissão Coordenadora das AEC de 2015/2016 aborda a questão da
contratação de profissionais como um dos pontos fracos da AEC devido à constante mobilidade e
substituição, fruto do que lhes é oferecido não ser suficientemente apelativo. É precisamente em 2015 que
deixam de existir atividades pré-definidas, ficando a decisão da tipologia de oferta de atividades na mão dos
agrupamentos em consenso com entidades promotoras e/ou executoras. Em muitas escolas a solução
encontrada foi a adoção das Atividades Lúdico-Expressivas, que por si contemplam no seu nome o
chavão apregoado, abrangendo o que mais conveniente for para cada agrupamento de escolas:
As AEC continuam a registar algumas fragilidades no que refere ao comportamento e
disciplina dos alunos, bem como à adequação de instalações. A identificação das causas
destes valores é um processo que deve ser implementado pelas diferentes unidades
orgânicas. Sem prejuízo de razões próprias a cada situação devem ser observados alguns
princípios base, nomeadamente:
O reforço do carácter lúdico das AEC;
A seleção criteriosa das atividades a oferecer em função da idade dos alunos e do
contexto local;
A gestão flexível dos espaços permitindo uma adequação da planificação e
implementação das atividades, potenciando o seu aspeto lúdico e a escolha por parte dos
alunos.
As Atividades de Enriquecimento Curricular são reconhecidas como potenciadoras do
reforço das aprendizagens, da melhoria das competências sociais e da autonomia dos
alunos (25).
Depois de percorrermos a cronologia das AEC, apoiada na documentação legislativa, verificamos que as
estruturas governamentais foram introduzindo alterações necessárias, resultantes dos resultados das
análises efetuadas pelas Comissões de Acompanhamento que assinalavam os pontos fortes e fracos destas
mesmas atividades. Destacamos a maior articulação que se promoveu entre as AEC e o currículo “normal”,
pesem embora as diferenças observadas nos diferentes Agrupamentos de Escolas.
Fazendo uma pequena comparação com outras realidades internacionais, que já aplicavam a ETI, pelo menos
20 anos, como é o caso dos Estados Unidos da América e Alemanha, compreendemos, ao lermos o
trabalho de Martins et al. (2015), que é uma preocupação generalizada, nas sociedades contemporâneas,
arranjar solução para o período horário pós core curriculum, auxiliando famílias, sobretudo aquelas com mais
tendência a serem negligenciadas. De acordo com os mesmos autores (2015, 200):
[…] the creation of “all-day schooling” programmes was a strategy to avoid the low levels
of performance of the students that had been disclosed by the Programme for
International Student Assessment (PISA) in 2000. Those low levels were seen as a
negative result of the fact that a remarkable number of children and adolescents were left
to their own devices, i.e., were left without adult supervision in the period between the
end of school and the end of their parent(s)’ day at work.
O facto de existir uma supervisão no período pós-aulas, ou seja, uma generalização da ETI, poderá evitar
uma série de situações problemáticas (drogas; delinquência) que poderão pôr em causa o desenvolvimento
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emocional e comportamental dos alunos. São estas vulnerabilidades sociais que impulsionam a
implementação de políticas públicas que se devem preocupar com o bem-estar dos cidadãos.
Carlos Pires (2014, 52-53) apresenta um modelo de operacionalização da política de ETI, que interrelaciona
três componentes:
Atividade Educativa oferta de atividades de enriquecimento curricular, gratuitas, mas facultativas;
Tempo e Espaço alargamento do horário de funcionamento dos estabelecimentos de ensino;
Condições Estruturantes responsabilidade das instituições promotoras (IPSS; Autarquias).
Com este modelo os diferentes atores envolvidos na operacionalização da política manifestam a ação do
Governo. Contudo, analisando sobretudo o caso do ensino da música, denota-se que existem lacunas no
currículo disciplinar (Expressão e Educação Musical) e as atividades de enriquecimento curricular poderiam
colmatar ou diminuir este problema.
A ETI implica uma maior permanência dos alunos na escola (8h00 às 17h30 -19h00)
2
, permitindo oferecer às
famílias a possibilidade de responderem às suas necessidades, no que respeita a uma maior articulação com
os atuais horários laborais.
A ideia deste “novo modelo educativo” pressupõe o reforço do “núcleo duro” do currículo e a oferta de
atividades que enriquecem este mesmo currículo, sujeitando o aluno a uma “ocupação integral do tempo
escolar” (Pires 2014, 64).
No entanto, claramente um conjunto de efeitos negativos que surgem desta relação dos alunos com a
escola:
Fadiga e desinteresse dos alunos, devido ao excesso de horas de escolarização;
Redução do tempo para trabalho individual/criativo do aluno (tempo de brincadeira) (Mouraz et al.
2012).
O Relatório de Avaliação Políticas de valorização do primeiro ciclo do ensino básico em Portugal (Matthews
et al. 2009) considera que pelo facto de na maior parte das escolas as AEC ocorrerem nos mesmos espaços
do currículo nuclear, o “efeito é o de alongar o currículo nuclear através do acréscimo de disciplinas
suplementares, tornando o dia escolar muito longo para as crianças” (18).
A Escola a Tempo Inteiro e a generalização das Atividades de Enriquecimento Curricular impulsionou uma
nova dimensão na administração pública. Neto Mendes (cit. Pires, 2014) revela a existência de uma “nova
fase”, uma “nova dinâmica” impulsionada pelo poder central que atribui novas competências ao poder local
Autarquias.
É certo que as AEC implicam uma nova empregabilidade e as Autarquias são chamadas a entrar neste
processo de contratação de técnicos/professores que possam dar resposta a esta necessidade emergente.
De acordo com Pires (2014), a implementação da política de ETI vai para além da capacidade que o Estado
2
Horário comum da componente regular de um estabelecimento público de ensino: 9h00-16h00/30/45
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tem em validar a oferta educativa da escola pública e, por essa razão, a necessidade de se recorrer ao
poder local, seja diretamente pelas Câmaras Municipais ou com acordos celebrados entre as Câmaras e
outras instituições (públicas e privadas). Ainda no seguimento desta ideia, Pires refere que “delegando na
administração local a mediação dos processos desse serviço público, o Estado ganha legitimidade” (89). Não
obstante, esta municipalização desvaloriza a aplicação da política de ETI, tornando-a uma política menor,
com princípios e meios desiguais. Formosinho (cit. por Castanheira e Gonçalves 2016, 16) refere que esta
descentralização da educação, na ideia de autonomia dos municípios, pode ser considerada uma “falsa
autonomia”, pois não pode ser efetivamente exercida, pela escassez de recursos.
Podemos dizer que as Atividades de Enriquecimento Curricular funcionam por “subempreitada”, sendo que
a articulação e supervisão do(s) órgão(s) gestor(es) máximo(s) (Câmara Municipal e Governo Central) poderá
ficar aquém do expectável. Entidades promotoras e depois entidades executoras que efetivamente
trabalham com os alunos e contratam professores, tornam este sistema alvo de constante (re)delegação,
quase não deixando margem real às Autarquias em assumirem um papel verdadeiramente ativo no
enriquecimento curricular
A ideia de igualdade de oportunidades democratização do ensino fez com que houvesse uma necessidade
crescente dos sistemas educativos se basearem em modelos de uniformização. A avaliação enquadra-se
neste movimento e muito se discute a este propósito, sendo uma necessidade dos sistemas educativos. No
caso da política de ETI, uma avaliação conveniente terá que ir ao encontro das alterações, exigências da
sociedade atual e da verdadeira aplicação do enriquecimento curricular no ensino público, não descurando
o papel do Poder Local.
5. Caso da Região Autónoma da Madeira
Consideramos relevante referir o caso da Região Autónoma da Madeira por ter sido precursora na
implementação da política de Escola a Tempo Inteiro em 1995, precisamente 10 anos antes da sua
concretização em Portugal Continental (2005).
Em 1980, depois de um período de experiências, no pós 25 de Abril, relativamente à Educação Artística,
realiza-se um projeto piloto, “Expressão Musical”, em duas escolas do 1.º ciclo do ensino básico, em tempo
curricular, e que alguns anos depois se propaga a todas as escolas da Região. Segundo Esteireiro et al. (2017):
Este projeto foi pioneiro em Portugal, atendendo que em 1986, com a Lei de Bases do
Sistema Educativo (LBSE) Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro é assumido oficialmente, e
pela primeira vez de modo claro e evidente, que a arte é um contributo importante na
formação integral do ser humano e, como tal, deve fazer parte integrante do sistema
educativo (39).
O projeto inicial, implementado em 1980, muda de nome dois anos mais tarde passando a chamar-se
“Expressão Musical e Dramática”. A propagação do projeto acarretou consigo a criação de grupos de canto
coral e prática instrumental (método Orff), implicando também performancesblicas, em contexto escolar
ou fora dele). O dinamismo das apresentações públicas permitia uma interação entre docentes, alunos e a
comunidade, tendo o apoio das Câmaras Municipais, com organização da Secretaria Regional de Educação
(Esteireiro et al 2017, 39-40). Por se ter verificado que os grupos criados estavam a ter sucesso entre os
alunos, criou-se também o “Núcleo de Cordofones Madeirenses”, numa tentativa de preservação da arte de
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tanger aqueles cordofones considerados tradicionalmente madeirenses braguinha, rajão e viola de
arame. De acordo com dados recentes, em 2016 cerca de 1580 crianças tocavam estes cordofones, o que
demonstra o sucesso do projeto (Esteireiro et al 2017, 39-41).
Observando-se que os projetos musicais, implementados em tempo curricular, nos anos 80, superaram
expectativas, em 1995, a Administração Educativa Regional introduz a política de Escola a Tempo Inteiro, no
1.º ciclo do ensino básico, para dar resposta às necessidades das famílias madeirenses, permitindo que os
alunos passem mais tempo na escola. Com a política de ETI criam-se as Atividades de Enriquecimento
Curricular, com 5 possibilidades de atividades (dança; expressão dramática; grupos corais; grupos
instrumentais; cordofones tradicionais madeirenses) (Esteireiro et al 2017, 42). Este enriquecimento
curricular:
pressupõe que as Actividades de Complemento Curricular e Extra Curricular se realizem
em dois períodos diários, em regime de alternância. Ou seja, metade do número de turmas
da escola funciona com Actividades Curriculares no turno da manhã e Actividades de
Complemento Curricular e Extra Curricular à tarde e vice-versa. As actividades de Ocupação
de Tempos Livres foram ainda incluídas, com intuito de evitar tempos sem ocupação
(Mendonça e Bento 2009, 4).
Um aspeto que nos parece importante salientar tem que ver com os professores destas “áreas artísticas”,
que passaram a ser designados de “professores de apoio às áreas artísticas” e que usufruem do apoio da
Secretaria Regional da Educação, através da oferta de uma formação contínua.
Também a própria infraestrutura basilar escolar se procurou adaptar ao modelo da ETI, com a reestruturação
da rede dos estabelecimentos escolares; fornecimento de refeições nas escolas e criação de um sistema de
transporte escolar (Mendonça e Bento 2009, 4-5).
no ano de 2002, o Gabinete Coordenador de Educação Artística, que hoje se chama Direção de Serviços
de Educação Artística e Multimédia, considerou que o projeto de Educação Artística não se deveria cingir ao
1.º ciclo do ensino básico e por isso criou-se o projeto de “Modalidades Artísticas no Ensino Básico: 1.º, 2.º
e 3.º ciclos (Esteireiro et al 2017, 43). O facto de este projeto dispor de um acompanhamento pedagógico
(Coordenador) para cada modalidade; uma oferta formativa para docentes; um documento orientador para
os docentes, denota a existência de uma supervisão do projeto, por parte da entidade gestora Secretaria
Regional da Educação. Mais uma vez a Região Autónoma da Madeira está um passo à frente da realidade de
Portugal Continental, no campo da generalização da política da ETI. É sabido que uma realidade insular não
é a mesma que se observa no continente, mas as mais-valias da implementação deste Programa são
constantemente descritas e valorizadas, havendo uma componente científica que lhe está adstrita e que
valida determinadas considerações.
Relativamente à Administração, salienta-se que, desde 2007, passou a existir um Coordenador Regional das
Modalidades Artísticas, com funções que se traduzem no acompanhamento das atividades, através de
observação direta e reuniões; no tratamento de documentação (planificação); coordenação de espetáculos
(eventos regionais); orientação de formação para os docentes e avaliação do projeto. O modelo de
modalidades artísticas aplicado na Região Autónoma da Madeira revela que existe um cuidado com a
validade do projeto, havendo uma supervisão definida, sendo um claro exemplo do bom funcionamento
desta política de ETI. É certo que, tal como referimos, não se podem comparar ambientes insulares a
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continentais, mas é facto de que “estamos perante um modelo inovador e único no panorama do ensino
artístico em Portugal (...)” (Esteireiro et al 2017, 51).
6. Comparação entre ETI e “Escola Integral”
Este artigo não faria sentido se não houvesse uma alusão ao modelo brasileiro de “Escola Integral”. A
Educação em Tempo Integral está patente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e funciona
como uma política pública:
[...] a proposta da educação integral/em tempo integral procura se consolidar como uma
política pública, respaldada pela LDB e por programas institucionais destinados à sua
implantação, como o Programa Mais Educação, que “tem por finalidade contribuir para a
melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças,
adolescentes e jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica
em tempo integral” (Penna 2011, 144).
Quer-se como uma escola justa, democrática e com um papel socializador. Implica o acesso a experiências
diferentes, articulando saberes numa óptica de inclusão social (Guará 2009).
O Programa Mais Educação procura combater desigualdades sociais, contribuir para uma melhoria do
desempenho académico e promover a cidadania (Penna 2011, 145). Neste sentido fica a ideia de articulação
das áreas curriculares com a componente sócio-cultural - educação integral.
Analisando o estudo de caso de Maura Penna (2011), nas escolas da rede municipal João Pessoa, as
atividades de música escolhidas, no âmbito do Programa Mais Educação, foram: banda fanfarra; canto coral;
percussão e flauta doce que “fazem parte do macrocampo Cultura e artes, que oferece ainda as seguintes
atividades: hip hop, leitura, danças, teatro, pintura, grafite, desenho, escultura, capoeira, cineclube, práticas
circenses, mosaico” (146-147). Uma das questões que nos chamou a atenção, nomeadamente por haver
paralelos com o caso português foi, em certa medida, a desvalorização da formação pedagógica, pois estas
atividades são, na sua maioria acompanhadas por “monitores voluntários”, não implicando o pagamento de
salário, mas sim de ajudas de custo. Esta situação é vista como um contrassenso dado que o Programa Mais
Educação fornece condições materiais superiores às do core curriculum, mas desprestigiando a classe
docente. Cremos ser relevante replicar aqui o desabafo de uma professora de música da rede:
Com esses projetos, se esquece de um simples fato, a estrutura física das próprias escolas
e dos professores, sua valorização, até mesmo em relação a “salário”. O Mais Educação
tem sala, instrumentos, materiais e eu não tenho nada disso para minhas aulas! [...] Eu
como PS [prestadora de serviços] ganho em torno de 400 reais por mês, trabalhando 20
horas semanais. Agora, como oficineira do ME, receberia 240 por 8 horas semanais. Olha
o absurdo!... O ME recebe materiais e até salas; na minha escola foram construídas 2 salas
para o projeto. No entanto, eu, como professora de música, fico perambulando pela escola,
“lutando por um lugar onde possa realizar as atividades, muitas vezes “disputando”
espaço com a professora de Educação Física. (Monitora de canto coral) (Penna 2011, 150).
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Como se pode constatar, a precariedade ligada à classe docente destas atividades, promovidas pela Escola
a Tempo Integral e Escola a Tempo Inteiro, é transversal e carece de um acompanhamento político eficaz
que minimize estas discrepâncias.
À semelhança do que acontece em Portugal o prolongamento do horário escolar, no Brasil, pode justificar-
se pelos seguintes aspetos:
Um meio para se obterem melhores resultados escolares, pela maior exposição à prática escolar;
Uma forma de corresponder às necessidades das famílias;
Uma tentativa de integrar a mudança da própria conceção de educação escolar (Cavaliere 2007,
1016).
A implementação da escola a tempo integral também se operacionalizou num modelo que tem duas
vertentes:
Alteração das unidades escolares para permitir condições para a presença de alunos e professores a
tempo integral;
Articulação com instituições e projetos da sociedade envolvente, que possam oferecer alternativas
aos alunos, mesmo que não seja no recinto escolar (Cavaliere 2009).
Foi no Estado do Rio de Janeiro que, nos anos 80, se implementou o Programa dos Centros Integrados de
Educação Pública (CIEPs). As escolas permitiam que as crianças estivessem todo o dia, com acesso a
alimentação, sendo uma maneira de apoiar as famílias, numa articulação com os seus horários laborais. No
Estado de São Paulo, por essa mesma altura, temos o aparecimento do Programa de Formação Integral da
Criança (Profic), que permitia a extensão do tempo do escolar com apoio a atividades dentro ou fora da
escola (Cavaliere 2009, 52).
Compreende-se que a escola pública no Brasil é tida como “parte da sociedade”. Tendo em conta que
estamos perante uma “sociedade que tem como principal desafio a diminuição das desigualdades e o
aperfeiçoamento da democracia, [a escola terá] um papel contraditório” (Cavaliere 2009, 61).
Destacamos que esta educação integral considera o indivíduo como um todo e que esta aceçãoé possível
Através de linguagens diversas, em variadas atividades e circunstâncias. A criança
desenvolve seus aspectos afetivo, cognitivo, físico, social e outros conjuntamente. Não há
hierarquia do aspecto cognitivo, por exemplo, sobre o afetivo ou social. Por isso, as
atividades a que é exposta devem envolver multiplicidade de aspectos para benefício de
seu desenvolvimento (Maurício 2009, 26).
As parcerias com instituições sociais, embora possam contribuir para o enriquecimento escolar, pelo facto
de os alunos poderem ter acesso a uma educação em tempo integral fora do recinto convencional, também
poderão conduzir a uma “precarização da educação” (Cavaliere 2009, 61). Além disso, segundo Coelho
(2009, 94) muitas das parcerias desenrolam-se fora da escola, através de instituições das comunidades
envolventes e os professores das atividades curriculares não têm conhecimento do que os alunos realizam
com estas parcerias, não existindo uma articulação com as práticas educativas.
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Tal como se observa no caso português, também no Brasil a dificuldade de administração supervisão por
parte do Poder Central poderá levar a uma desfragmentação da política ao invés da sua congregação.
Existem também outras condicionantes, apontadas por Maurício (2009, 27), que passamos a referir:
No modelo da Escola a Tempo Integral a criança tem de se sentir motivada a gostar da escola, caso
contrário será difícil existir uma efetiva integração;
A escola deve ser vista como um laboratório de soluções, em que os alunos e professores formam
uma simbiose;
Este modelo poderá pressupor uma não reprovação, devido ao tempo que o aluno passa na escola;
Sendo uma política governamental está sujeita a oscilações;
É uma política “obrigatoriamente paulatina”, que requer etapas e uma análise constante.
7. ETI no 2.º ciclo do Ensino Básico Uma solução
De acordo com informações publicadas nos media, no início de 2020
3
, havia o objetivo de generalizar a
política de ETI ao 2.º CEB em 2022, sendo que o Governo terá implementado uma experiência piloto em 10
Agrupamentos de Escolas, no ano letivo 2021/2022. Não é nosso objetivo aprofundar aqui a questão,
contudo consideramos que é relevante assinalá-la por ir ao encontro do que temos vindo a preconizar nestas
reflexões e articulações com a política da ETI e as AEC, quer pelos pontos fortes, como pelos pontos fracos.
Um estudo de Moura et al. (2014) cujo objetivo foi o de analisar a relação entre a frequência de atividades
de complemento curricular clube de música e o desempenho académico de estudantes do 2.º ciclo do
ensino básico, poderá, desde já, apontar algumas características e tecer considerações sobre o aspeto
extracurricular neste ciclo de estudos, mais concretamente na componente artística, como é o caso da
Música. As autoras abordaram as atividades de complemento curricular (ACC) sob uma perspetiva da sua
ludicidade, apoiadas pelo Despacho n.º 141/ME/90, que menciona a dimensão lúdica, cultural e formativa
das ACC (art.º 2.º, alínea 1) e consideram que estas mesmas atividades permitem “vivenciar experiências
diferentes das atividades curriculares, num ambiente lúdico e motivante” (70-71). Na investigação em
questão, as atividades musicais analisadas são aquelas que funcionam nas escolas no formato de clubes -
coros; orquestra Orff; grupos de bombos, por exemplo. De referir que as autoras assinalam, no estado da
arte do trabalho apresentado, uma série de estudos que associam as práticas musicais e o desempenho
académico, sendo que em certos casos há a perceção da existência de uma relação:
Relativamente à associação entre a prática de música e o desempenho académico,
Gouzouasis et al. (2007) realizaram um estudo com 184.565 estudantes e concluíram que a
participação em música estava associada, de forma geral, a um elevado desempenho
académico. As notas do 11.º ano permitiram predizer o desempenho no 12.º ano e ainda que
o tempo dedicado ao estudo musical não inibia, antes acompanhava ou ultrapassava, o
desempenho em disciplinas «estruturantes» (77).
Moura et al. (2014) confirmaram as hipóteses a que se propuseram pela “existência de uma relação positiva
entre a frequência de clube de música e os resultados escolares ao nível não da Educação Musical, mas
3
vide https://expresso.pt/sociedade/2020-01-17-Governo-avanca-com-projeto-piloto-de-Escola-a-Tempo-
Inteiro-para-alunos-do-2.-ciclo
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também da Língua Portuguesa e da Matemática” (86). Neste aspeto, esta ligação vem confirmar o idealismo
da educação integral promovida pela ETI, pelo que nos resta aguardar pelos resultados aplicação da política
nas escolas públicas do 2.º CEB para poder compreender e analisar uma possível relação da componente
artística com o sucesso dos alunos em diferentes áreas curriculares.
Carlos Pires (2019, 20) considera que uma certa “rentabilidade política” nesta generalização, pois “esta
mobilização utilitarista do conceito de ETI toma-o com solução sem se perceber ou conhecer qual é o
problema e qual a “prova de pertinência” que justifique a sua inscrição na agenda política”. Por conseguinte,
ainda na ótica do mesmo autor, o 2.º CEB tem características diferentes do 1.º CEB, como a carga horária; a
idade dos estudantes, a pluridocência. Além disso, as despesas com esta generalização ficarão por conta do
Estado ou terão uma comparticipação das famílias, consoante o escalão social? E será efetuada uma
articulação entre os mecanismos da ETI e as estruturas que atualmente funcionam para solução para as
famílias (salas de estudo; centros de tempos livres; etc.)? Estas e outras questões poderão vir a ser
respondidas no âmbito de outra investigação, que permita compreender as especificidades da ETI no 2.º
ciclo, com enfoque nas semelhanças e diferenças em comparação com o 1.º CEB.
7. Conclusões
Neste artigo apurámos que uma política pública é um ato governamental e que deve ser desconstruída para
que a sua aplicação não se deixe contaminar por discursos antecipados. Por conseguinte, uma política de
ação pública acarreta diferentes poderes, quer sejam eles de ordem social, económica ou cultural. No caso
da temática que aqui apresentámos, observamos que a Escola a Tempo Inteiro (ETI) pressupõe-se como uma
política que se apropriou de um problema político, que diz respeito ao 1Ciclo do Ensino Básico, numa visão
de prestação de serviços públicos ao nível da educação e é tida como a solução deste problema. Traz consigo,
portanto, um “discurso” do que está errado. Estes discursos tipificados que acompanham as políticas
públicas condicionam e até normativizam realidades. Estaremos corretos ao incorporar na sociedade
soluções tipificadas? Ou estaremos a modelar o sistema perante necessidades? Observando a política de
ETI, consideramos que a sua estrutura está bem pensada, pois que encontrar soluções para uma
sociedade em que os horários laborais não permitem que as famílias consigam flexibilizar o seu “tempo” de
modo a usufruírem dos filhos com “tempo” …
A ETI preconiza uma Escola Inclusiva, mas ao mesmo tempo depara-se com dificuldades inerentes ao próprio
sistema, como é o caso da falta de recursos humanos e físicos que possam responder ao grande chavão da
igualdade de oportunidades de acesso à componente artística, como é o caso da Música. Verificámos que,
através da cronologia da aplicação da política de ETI, esta falta de recursos acabou por retirar a atividade
Música das AEC e criar a opção Atividades Lúdico-Expressivas, como um grande chapéu, não existindo
obrigatoriedade de uma área. Deste modo, determinados problemas, observados em diferentes
Agrupamentos de Escolas, como a dificuldade na contratação de professores/técnicos especializados; a falta
de espaços com condições necessárias ao desenvolvimento da atividade Música e a carência de materiais
didáticos/pedagógicos, que podem ser mais facilmente ultrapassados.
Atestámos também que o 1.º Ciclo do Ensino Básico é uma presença assídua da agenda política do país e
que neste seguimento, a ETI se apresenta em duas vertentes, nomeadamente a extensão da educação
formal (reforço de aprendizagens) e a “outra escola” (competências pessoais e artísticas), que se quer, por
recomendação dos órgãos governamentais, mais lúdica.
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Inácio Cordeniz, Vera. Ensino Musical e Enriquecimento Curricular: Contornos e Considerações da Política 'Escola a Tempo Inteiro' (ETI)”.
Consideramos relevante a alusão ao caso da Região Autónoma da Madeira, por ter sido precursora na
implementação da política de ETI em 1995 e pelo facto de promover a valorização dos professores das “áreas
artísticas (apoio da Secretaria Regional da Educação, através da oferta de uma formação contínua).
Também a menção à “Escola Integral” no Brasil, que revela os mesmos princípios da ETI de uma escola
democrática, que articula saberes e promove a redução de desigualdades nos fizeram percecionar outras
semelhanças, que se prendem com a precariedade dos docentes e uma falta de acompanhamento político
nesta situação.
A Escola a Tempo Inteiro, apresenta o “tempo” e está a “vender” o “tempo” que as famílias procuram e sua
extensão a outros ciclos de estudos é um aspeto que merece um tratamento e análise adequados. Não
obstante, este “Tempo” que se anseia é demasiado curto para se implementarem políticas de
enriquecimento curricular…
A este “tempo”, das chamadas AEC, está implicitamente associada a ideia de lúdico e terminamos, em tom
provocatório, dizendo que no decurso do trabalho de investigação em curso, concretizámos que para muitos
a música, o Ensino Musical não é lúdico. Será este um discurso prévio ligado ao elitismo que tem
acompanhado o Ensino Musical?
8. Referências Bibliográficas
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Norma NP 4510:2015 Atividades de enriquecimento curricular e de apoio à família
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