pela alfaia, pela caixa de guerra, pelo tarol e pelo gonguê. Além das células rítmicas dos instrumentos de
percussão, este texto ilustra também alguns exemplos de adaptações do maracatu na bateria que são
provenientes de materiais didáticos voltados para o ensino e aprendizagem deste gênero musical no
instrumento.
2. O baterista Nenê
Natural de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Nenê - nome artístico de Realcino Lima Filho - é um músico de
formação autodidata. Baterista, acordeonista, pianista e compositor, iniciou sua carreira por volta de 1959
tocando acordeom. No entanto, se destacou por sua atuação como baterista e compositor na música
instrumental brasileira, onde lançou 10 álbuns autorais. Além disso, teve intensa colaboração com
importantes nomes da música brasileira como Milton Nascimento, Elis Regina entre outros (Marques &
Hashimoto 2017, 2; Nenê 2017). Nenê teve relevante participação na discografia tanto de Hermeto Pascoal
quanto Egberto Gismonti. No encerramento da década de 1970, após outros registros, Nenê gravou com
Hermeto os álbuns Zabumbê-bum-á e Hermeto Pascoal ao vivo – Montreux Jazz Festival, ambos no ano de
1979 (Silva 2016; Marques & Hashimoto 2017, 2). Já com Egberto Gismonti, no princípio dos anos 1980, o
baterista colaborou nos discos Em Família e Sanfona (Nenê 2017). É nesse último álbum que elenquei o
material para minha investigação devido a sua peculiar interpretação do gênero musical maracatu na
bateria. Passo agora para o referencial teórico sobre performance musical que embasou as análises desta
pesquisa.
3. Performance musical
Em termos teóricos, para analisar a prática interpretativa do maracatu na bateria de Nenê no fonograma
selecionado, esse texto se baseou primeiramente nos estudos de Ingrid Monson (1996) sobre a “parte sólida
e a parte liquida” do ritmo. Em seu livro Saying Something, Monson disserta, metaforicamente, que
bateristas norte-americanos no âmbito do jazz podem manter o ritmo de forma sólida e ao mesmo tempo
executar frases livres fazendo sobreposições de dissolução e manutenção do ritmo (Monson 1996). Para
entender esse processo, Monson cita uma metáfora apresentada pelo baterista Michael Carvin quando este
compara a execução rítmica do jazz na bateria com os estados sólidos e líquidos. Carvin relaciona as partes
que mantém o ritmo como sendo do estado “sólido” e as partes ritmicamente livres como sendo do estado
“líquido”. Os quatro membros do baterista integram os aspectos sólidos e líquidos do ritmo, podendo haver
algo flutuante e algo sólido ao mesmo tempo ao invés de ser tudo sólido ou tudo liquido (Carvin 1990 apud
Monson 1996, 55). O conceito do estado “sólido e liquido” do ritmo me auxiliou a entender como o baterista
selecionado manteve ou “dissolveu” a estrutura rítmica básica do maracatu na sua interpretação. Desta
forma, acredito que o emprego de novos padrões rítmicos utilizados por Nenê na gravação selecionada
contribuiu para a construção de uma nova prática interpretativa do maracatu na bateria.
Ao decidir como material de investigação a interpretação de Nenê na faixa “Maracatu”, presente no álbum
Sanfona (1981), refleti sobre certos paradigmas ligados a musicologia no que diz respeito ao uso de
fonogramas no estudo da performance musical. Nesse sentido, penso ser pertinente adentrar um pouco
nesse campo para embasar teoricamente as análises que fiz neste trabalho levando em conta a performance
gravada (gravação) como ferramenta analítica. Minha intenção é dialogar com uma corrente da chamada
nova musicologia cujo campo é composto por autores que dissertam sobre diversas linhas de pensamento.
Em uma breve revisão na literatura posso citar o musicólogo Nicholas Cook (2013) nos estudos sobre a