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DOI: 10.35699/2317-6377.2022.39810
eISSN 2317-6377
Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da
performance do baterista Nenê em Maracatu de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981)
Christiano Lima Galvão
https://orcid.org/0000-0002-8108-2620
Universidade Estadual de Campinas
infocgalvao@gmail.com
SCIENTIFIC ARTICLE
Submitted date: 19 may 2022
Final approval date: 16 jun 2022
Resumo: Este artigo apresenta uma análise musical descritiva da performance do baterista Nenê no fonograma
“Maracatu” de Egberto Gismonti presente no álbum Sanfona de 1981. A sua interpretação do maracatu na referida
faixa ilustra como determinados ritmos brasileiros podem ser adaptados e executados de forma criativa na bateria.
Apoiado nos conceitos teóricos sobre performance musical presentes no trabalho Ingrid Monson (1996) e Nicholas
Cook (2013), pretendo neste texto colocar luz sobre a inventiva interpretação desse ritmo popular na bateria no
contexto da música instrumental brasileira.
Palavras-chave: Bateria, Música Instrumental Brasileira, Performance Musical, Egberto Gismonti.
TITLE: SUBTLETY, INTENSIFICATION AND INVENTIVENESS: MUSICAL ANALYSIS OF DRUMMER NENÊ’S
PERFORMANCE IN “MARACATU” BY EGBERTO GISMONTI ON THE SANFONA ALBUM (1981)
Abstract: This article presents a descriptive analysis of drummer Nenê's performance on Egberto Gismonti's
“Maracatu” phonogram on the 1981 album Sanfona. His interpretation of Maracatu on this track illustrates how
certain Brazilian rhythms can be creatively adapted and performed on the drum set. Based on the theoretical concepts
on musical performance present in the work of Ingrid Monson (1996) and Nicholas Cook (2013), I intend to shed light
on the inventive interpretation of this popular Brazilian rhythm on drums in the context of Brazilian jazz.
Keywords: Drums, Brazilian Jazz, Musical Performance, Egberto Gismonti.
Per Musi, no. 42, General Topics, e224215, 2022
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Galvão, Christiano Lima. 2022. “Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da performance do baterista Nenê em “Maracatu” de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da
performance do baterista Ne em “Maracatu” de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981)
Christiano Lima Galvão, Universidade Estadual de Campinas, infocagalvao@gmail.com
1. Introdução
A chamada música instrumental brasileira, surgida entre o advento da bossa nova no final dos anos 1950 e
o estabelecimento da MPB
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a partir da década de 1960, foi um terreno fértil para o surgimento de inventivas
performances de ritmos brasileiros na bateria. Dentre as características do referido estilo musical estão o
espaço para improvisações dos instrumentistas e a articulação de elementos do jazz com gêneros populares
do Brasil (Bastos & Piedade 2006). Corroborando esse pensamento, Guilherme Marques Dias (2013) afirma
que na música instrumental dos anos 1960 emergiram relevantes nomes da bateria brasileira relacionados
ao sambajazz tais como Milton Banana, Edison Machado, Dom Um Romão, Hélcio Milito, Airto Moreira,
entre outros; e que estes bateristas estabeleceram novos padrões de execução musical neste instrumento
(Dias 2013, 24).
Nesse sentido, a interpretação de gêneros populares brasileiros na bateria no âmbito da música instrumental
se revelou um objeto de estudo muito interessante que me instigou a investigar performances de bateristas
inseridos neste contexto musical. Delimitando o escopo de minha pesquisa, dirijo o olhar para o final da
década de 1970 e princípio dos anos 1980, período no qual se deu a consolidação de nomes como Egberto
Gismonti e Hermeto Pascoal como marcos da música instrumental brasileira (Bahiana 2005, 65 apud Barreto
2012, 218). É sabido que o experimentalismo e a improvisação se tornaram uma constante nas músicas
desses compositores que, nesta fase, contou com as inventivas abordagens do baterista Nenê em diversos
registros fonográficos (Buck 2014; Demarchi 2013, 52; Marques & Hashimoto 2017, 6). Dito isso, é na
interpretação do gênero musical do maracatu na bateria, mais especificamente, no repertório de Egberto
Gismonti no início da década de 1980 que coloco o foco deste artigo.
Este texto lança luz sobre a performance do baterista Nenê na música Maracatu de Egberto Gismonti
presente no álbum Sanfona de 1981. Minha intenção é revelar através da análise musical da performance
do baterista na gravação elencada como determinados ritmos brasileiros podem ser adaptados e executados
de forma criativa na bateria. Como referencial teórico, me apoiei nos estudos de Ingrid Monson (1996) e
Nicholas Cook (2013) sobre a performance musical. Com relação as referências rítmicas, me baseei nos
padrões de maracatu tradicionalmente executados pela percussão, como por exemplo, as células tocadas
1
Abreviação de Música Popular Brasileira.
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Galvão, Christiano Lima. 2022. “Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da performance do baterista Nenê em “Maracatu” de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
pela alfaia, pela caixa de guerra, pelo tarol e pelo gonguê. Além das células rítmicas dos instrumentos de
percussão, este texto ilustra também alguns exemplos de adaptões do maracatu na bateria que são
provenientes de materiais didáticos voltados para o ensino e aprendizagem deste gênero musical no
instrumento.
2. O baterista Nenê
Natural de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Nenê - nome artístico de Realcino Lima Filho - é um músico de
formação autodidata. Baterista, acordeonista, pianista e compositor, iniciou sua carreira por volta de 1959
tocando acordeom. No entanto, se destacou por sua atuação como baterista e compositor na música
instrumental brasileira, onde lançou 10 álbuns autorais. Além disso, teve intensa colaboração com
importantes nomes da música brasileira como Milton Nascimento, Elis Regina entre outros (Marques &
Hashimoto 2017, 2; Nenê 2017). Nenê teve relevante participação na discografia tanto de Hermeto Pascoal
quanto Egberto Gismonti. No encerramento da década de 1970, após outros registros, Nenê gravou com
Hermeto os álbuns Zabumbê-bum-á e Hermeto Pascoal ao vivo Montreux Jazz Festival, ambos no ano de
1979 (Silva 2016; Marques & Hashimoto 2017, 2). Já com Egberto Gismonti, no princípio dos anos 1980, o
baterista colaborou nos discos Em Família e Sanfona (Nenê 2017). É nesse último álbum que elenquei o
material para minha investigação devido a sua peculiar interpretação do gênero musical maracatu na
bateria. Passo agora para o referencial teórico sobre performance musical que embasou as análises desta
pesquisa.
3. Performance musical
Em termos teóricos, para analisar a prática interpretativa do maracatu na bateria de Nenê no fonograma
selecionado, esse texto se baseou primeiramente nos estudos de Ingrid Monson (1996) sobre a “parte sólida
e a parte liquida” do ritmo. Em seu livro Saying Something, Monson disserta, metaforicamente, que
bateristas norte-americanos no âmbito do jazz podem manter o ritmo de forma sólida e ao mesmo tempo
executar frases livres fazendo sobreposições de dissolução e manutenção do ritmo (Monson 1996). Para
entender esse processo, Monson cita uma metáfora apresentada pelo baterista Michael Carvin quando este
compara a execução rítmica do jazz na bateria com os estados sólidos e líquidos. Carvin relaciona as partes
que mantém o ritmo como sendo do estado “sólido” e as partes ritmicamente livres como sendo do estado
“líquido”. Os quatro membros do baterista integram os aspectos sólidos e líquidos do ritmo, podendo haver
algo flutuante e algo sólido ao mesmo tempo ao invés de ser tudo sólido ou tudo liquido (Carvin 1990 apud
Monson 1996, 55). O conceito do estado “sólido e liquido” do ritmo me auxiliou a entender como o baterista
selecionado manteve ou “dissolveu” a estrutura rítmica básica do maracatu na sua interpretação. Desta
forma, acredito que o emprego de novos padrões rítmicos utilizados por Nenê na gravação selecionada
contribuiu para a construção de uma nova prática interpretativa do maracatu na bateria.
Ao decidir como material de investigação a interpretação de Nenê na faixa “Maracatu”, presente no álbum
Sanfona (1981), refleti sobre certos paradigmas ligados a musicologia no que diz respeito ao uso de
fonogramas no estudo da performance musical. Nesse sentido, penso ser pertinente adentrar um pouco
nesse campo para embasar teoricamente as análises que fiz neste trabalho levando em conta a performance
gravada (gravação) como ferramenta analítica. Minha intenção é dialogar com uma corrente da chamada
nova musicologia cujo campo é composto por autores que dissertam sobre diversas linhas de pensamento.
Em uma breve revisão na literatura posso citar o musicólogo Nicholas Cook (2013) nos estudos sobre a
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Galvão, Christiano Lima. 2022. “Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da performance do baterista Nenê em “Maracatu” de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
performance a partir do som gravado; Eric Clark (2005) que propõe uma abordagem ecológica da percepção
musical (musicologia empírica) pautada não internamente no sistema aural mas na relação com o meio
ambiente sonoro; e Susan McClary (1991) que disserta sobre a presença da diferenciação de gênero no
repertório da música clássica e popular. No entanto, vou me ater somente aos trabalhos que convergem
essencialmente para o entendimento da música através da performance como no caso de Nicholas Cook
(2013).
Na visão da musicologia tradicional a música é entendida como escrita e que, conforme os estudos literários,
seu significado, de que tipo for, esincorporado na notação musical. Neste caso, a música é um objeto a
ser reproduzido pela performance e que o papel do interprete (performer) é de comunicar o significado
deste objeto da página da partitura para o palco. Portanto, a abordagem dessa musicológica tem sido
estudar a música e performance (Cook 2013, 1). Em contraste com esse pensamento, Nicholas Cook (2013),
em seu livro Beyond the score: music as performance, sugere uma nova perspectiva musicológica. O autor
fala em ver a música como performance, tendo como objeto de estudo não a partitura, mas sim, a
performance ao vivo ou gravada:
A experiência da performance ao vivo ou gravada é uma forma primária de existência da
música, não apenas o reflexo de um texto notado. Os performers [interpretes] fazem uma
contribuição indispensável para a cultura da prática criativa que é a música. Minha
afirmação é que, para construir isso profundamente em nosso pensamento sobre música
- a fim de pensar na música como performance - precisamos pensar diferentemente sobre
que tipo de objeto é a música, e até que ponto é apropriado pensar em música como um
objeto em si
2
(Cook 2013, 1). Grifo meu.
Essa mudança de visão dentro da musicologia é um dos um dos argumentos principais do livro de Cook
(2013) que defende um novo paradigma ao usar gravações como dispositivo de análise e não somente a
partitura. Falando dentro do contexto da música clássica ocidental, o autor comenta que ao invés de ser
vista como a beneficiária da análise musical, a performance é vista agora como um objeto de análise. Como
resultado, esta abordagem abriu novos horizontes de pesquisa como o estudo etnográfico da performance
(Cook 2013, 49).
Dito isso, posso fazer uma relação entre as ideias do autor sobre o estudo da performance pelas gravações
com a minha escolha em analisar a faixa “Maracatu” com a performance de Nenê. Em congruência, também
acredito que um estudo aprofundado do fonograma é um fator fundamental para se entender e desvendar
a forma peculiar de executar e interpretar o ritmo do maracatu pelo baterista. No entanto, além do uso da
gravação, penso ser também importante utilizar como ferramenta analítica a notação na forma de
transcrição da performance de Nenê. Desta maneira é possível materializar a interpretação do baterista na
pauta e com isso fazer um estudo mais profundo de sua execução no instrumento. Isso seria como se fosse
o caminho inverso da abordagem musicológica que citei anteriormente que considera que a performance
2
The experience of live or recorded performance is a primary form of music’s existence, not just the reflection
of a notated text. And performers make an indispensable contribution to the culture of creative practice that
is music. My claim is that in order to build this deeply into our thinking about musicin order to think of
music as performance we need to think differently about what sort of an object music is, and indeed how
far it is appropriate to think of it as an object at all (Cook 2013, 1).
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Galvão, Christiano Lima. 2022. “Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da performance do baterista Nenê em “Maracatu” de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
se concretiza pela reprodução do que es escrito na partitura. No caso deste trabalho, a partitura
(transcrição) é gerada, posteriormente, pela análise da performance gravada de Nenê em “Maracatu” que,
muito provavelmente, não se orientou por uma partitura específica de bateria dada pelo compositor. Meu
argumento é sustentado pelo modo de interpretação característico no âmbito da música instrumental
brasileira, principalmente a partir do final dos anos 1970, que, como mencionei, é baseada na
improvisação jazzística e no experimentalismo e o numa partitura que dita exatamente o que deve ser
tocado.
Com a transcrição da gravação selecionada para este trabalho posso dizer que trago através da notação uma
materialização da performance de Nenê na faixa “Maracatu”. Desta forma, reflito sobre o papel do
performer, ou seja, a ligação entre a obra musical e o interprete. Assim, recorro primeiramente a abordagem
filosófica da relação entre música e performance. Nesta ótica, a concepção de música é entendida como
uma base ontológica da cultura musical que incorpora ideais de que a obra musical é uma entidade abstrata
e duradoura, concebida de forma platônica, sendo fundamentada na notação (Cook 2013, 13). Seguindo
nessa abordagem, a música é imbuída de uma cadeia de comunicação entre o compositor, o interprete e o
ouvinte. Nesse sentido o dever do performer seria traduzir a música do campo abstrato para o concreto,
seguindo as orientações do compositor ou se desviando dela. Este entendimento pode ser constado nas
palavras de Cook (2013):
Sob a sombra do que eu chamo de maldição de Platão, a música é abraçada dentro de uma
cadeia comunicativa (...). Para repetir as palavras de [Sam] Barrett, o papel do intérprete
é, na melhor das hipóteses, transcrever o trabalho do domínio do abstrato para o do
concreto e, na pior, desviar-se dele. O performer torna-se um mediador e, como no caso
de todos os intermediários, envolve uma espécie de relação contratual: é obrigação do
intérprete representar o trabalho do compositor para o ouvinte, assim como é obrigação
do ouvinte esforçar-se por uma adequada compreensão do trabalho em si
3
(Cook 2013,
13). Tradução minha.
O performer como um intermediador que deve reproduzir fielmente o trabalho do compositor,
definitivamente, não é caso da performance de Neem “Maracatu”. Como já citei, sua interpretação, muito
provavelmente, não foi calcada em alguma instrução especificamente contida numa partitura. Minha
suposição leva em consideração o contexto da música instrumental do período da gravação, que foi realizada
no ano de 1981. Isso me leva a crer que o caráter singular da intepretação do baterista na referida faixa tem
mais a ver a sua liberdade de interpretação e criatividade. Isto está diretamente associado com a linguagem
de improvisação no jazz onde a performance não se apoia tanto na partitura nem na composição (Monson
1996; Cook, 2013). Posso dizer também que este tipo de abordagem da performance seria apoiado mais na
semiose, ou seja, na busca de uma significação, do que na reprodução em si. Para ilustrar a diferença entre
a performance no jazz e na música clássica, Bruce Johnson (2002) diz que a música clássica ocidental (WAM-
3
“Under the shadow of what I call Plato’s curse, music is embraced within a communicative chain (...). To
repeat Barrett’s words, the performer’s role is at best to transcribe the work from the domain of the abstract
to that of the concrete, and at worst to deviate from it. Th e performer becomes a mediator, and as in the
case of all middlemen, this involves a kind of contractual relationship: it is the performer’s obligation to
represent the composer’s work to the listener, just as it is the listener’s obligation to strive towards an
adequate understanding of the work itself (Cook 2013, 13).
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Galvão, Christiano Lima. 2022. “Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da performance do baterista Nenê em “Maracatu” de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
Western Art Music) “é ocularcentrica, centrada no texto notado (...). O jazz, ao contrário, é distinto dos
modelos de música de arte [música clássica] na prioridade da audição, na performance coletiva de
improvisação" (Johnson 2002, 102, 104 apud Cook 2013, 226). É neste âmbito, de colaboração e
improvisação coletiva, que penso ter se dado a contribuição de Nenê na gravação de “Maracatu”.
Continuando no prisma da performance, me deparo com uma interessante tipologia que foi sugerida por
Nicholas Cook (2013) em suas análises musicais. Nesta perspectiva, ele identifica duas categorias:
performance estruturalista e performance retórica. Apesar do autor investigar gravações com
interpretações de pianistas no repertório da música clássica ocidental, acredito que seus estudos também
podem ser úteis para esta investigação no sentido de entender a performance do baterista estudado com
relação a sua interpretação na faixa “Maracatu”.
Partindo de um estudo que analisou a mobilidade de tempo (andamento), Cook (2013) investigou uma
gravação com a interpretação do pianista d’Albert, no ano de 1905, para Opus 90 n
o
3 do compositor
austríaco Franz Schubert. Comparando esta com a de outros pianistas em períodos posteriores diversos, o
autor identificou dois tipos de abordagens da execução utilizando como parâmetro a variação de tempo: a
performance estruturalista e a performance retórica. A primeira, performance estruturalista, é aquela que
é fruto da análise para a performance, ou seja, da partitura para o palco. Essa abordagem enfoca qualidades
simétricas e equilibradas, tendendo para pouca variação de andamento e inflexão na dinâmica, se
organizando em padrões mais ou menos regulares, pensando a música (utilizando uma metáfora literária)
como se ela fosse um verso. A segunda, performance retórica, é aquela na qual o intérprete se desvia do
conteúdo da obra em ordem de criar uma maior expressividade, organizando a performance de modo a criar
uma série de momentos expressivos individuais, irregulares e às vezes imprevisíveis; organizando a música
em torno do seu conteúdo emotivo, pensando a obra como se fosse uma prosa (Cook 2013, 86).
Não obstante essas reflexões serem fruto de uma análise voltada para a execução do piano, a
possibilidade de transladar o conceito de performance retórica para a execução da bateria. Isso ocorre
porque a interpretação do marcatu executado por Nenê na gravação analisada está inserida no contexto de
mobilidade de tempo (andamento) e se aproxima mais de uma irregularidade e de uma expressividade
espontânea que advém da liberdade de interpretação e da criatividade. Esse tipo de reflexão estaria, de uma
certa maneira, associado ao entendimento de performance retórica proposta por Cook (2013). É o que
ilustro na análise musical de “Maracatu”.
Antes de apresenta-la, faço um breve estudo sobre o maracatu e a adaptação deste na bateria com objetivo
de familiarizar o leitor com o gênero musical investigado.
4. O maracatu
Nesta seção lanço luz sobre padrões rítmicos do maracatu nos instrumentos de percussão e sua adaptação
na bateria. Para me embasar teoricamente, me apoiei nos trabalhos de Cesar Guerra Peixe
4
(1980) e Climério
4
Nascido na cidade de Petrópolis (RJ), César Guerra Peixe (1914-1993) foi um importante compositor,
arranjador, regente, violinista, professor e pesquisador. Suas composições dialogaram com a tradição da
música de concerto ocidental e o folclore brasileiro. Seu livro Maracatus do Recife, editado em 1955, pode
ser considerado ainda nos tempos atuais como o estudo mais completo sobre os maracatus e tem como
mérito indiscutível uma vasta pesquisa de campo, da qual resultou a categorização dos tipos de maracatus
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Galvão, Christiano Lima. 2022. “Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da performance do baterista Nenê em “Maracatu” de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
Santos & Tarciso Resende (2005) que estudaram os grupos tradicionais de maracatu do estado de
Pernambuco, principalmente na cidade do Recife.
O maracatu de Pernambuco é popularmente conhecido nos dias de hoje como maracatu nação ou maracatu
de baque
5
virado; e maracatu rural ou de baque solto. Sobre a origem do termo maracatu de baque virado,
a mais aceita é que ele seja no sentido de toque “dobrado” ou “virado”. Segundo Guerra Peixe (1980), nos
maracatus antigos participavam seguramente “mais de um zabumba [alfaia] no mínimo três. Por isso o seu
ritmo de percussão é chamado toque dobrado ou baque dobrado ou ainda baque virado (Guerra Peixe
1980, 29). Neste trabalho foco somente no maracatu de baque virado cuja música é formada pelos sons da
percussão e da voz não havendo instrumental harmônico. Os instrumentos de percussão mais comuns no
maracatu de baque virado são o gonguê (agogô) de uma campana, o tarol, a caixa de guerra, o mineiro e as
alfaias. Exceto o gonguê, que é único em cada maracatu, a quantidade de instrumentos pode variar de
acordo com cada grupo (Santos & Resende, 2005, 30).
Para dar uma maior clareza sobre o maracatu de baque virado, apresento na Figura 1 os padrões rítmicos
dos instrumentos de percussão do maracatu em uma de suas levadas. No exemplo estão representadas as
células rítmicas do gonguê, mineiro, tarol, caixa (caixa de guerra), alfaia de marcação, alfaia meião e alfaia
repique. Não pretendo ilustrar todas as variações e viradas do maracatu de baque virado, mas sim um
exemplo básico deste gênero nos instrumentos tradicionais.
Figura 1 Padrões rítmicos do maracatu nos instrumentos de percussão. Fontes: Batuque Book Maracatu (Santos & Resende 2005, 86);
Maracatus do Recife (Guerra Peixe 1980, 74). Transcrição do autor.
4.1. Adaptação do maracatu na bateria
Com relação a adaptação dos ritmos brasileiros para a bateria, uma das formas mais usuais é reproduzir, de
maneira mais acurada possível, os padrões dos instrumentos de percussão característicos dos gêneros
existentes em Pernambuco (Guillen 2007, 236). A fonte que tive acesso é a reedição atualizada de Maracatus
do Recife, editada em 1980.
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A palavra baque quer dizer batida, pancada ou toque de padrões rítmicos executados pelos batuqueiros
(Santos & Resende 2005, 29).
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Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
musicais. Apesar dessa translação não seguir um padrão específico, por motivos diversos que não abordarei
aqui, pois fogem do escopo do meu trabalho, boa parte dos autores que estudei convergem na forma de
adaptação no que diz respeito a salientar os principais acentos de cada gênero nas peças da bateria. Sobre
este assunto, Zequinha Galvão (1998) fala no seu livro Pratica de bateria sobre a necessidade de se
estabelecer um padrão base para identificar os ritmos brasileiros no instrumento tendo o bumbo como
referencia: “Encontraremos, identificados pelo bombo [bumbo] principalmente, desenhos que em sua
grande maioria, representam os ritmos brasileiros: samba, xaxado, baião e outros” (Galvão 1998, 34).
Acredito que essa seja uma boa estratégia de síntese para alguns gêneros como o baião e o maracatu, por
exemplo, que possuem instrumentos de timbre grave (zabumba e a alfaia respectivamente) que executam
padrões como dinâmicas relativamente fortes e que, por consequência, podem ser facilmente reconhecidos.
Contudo, ritmos como o frevo tem na execução da caixa, cujo timbre é de frequência média-aguda, os
padrões que, na minha visão, caracterizam tal gênero musical. De todo modo, considero válida a afirmação
de Galvão (1998) com relação ao maracatu e seguirei por esse caminho. Considerando o padrão da alfaia de
marcação do maracatu de baque virado da Figura 2, temos os acentos característicos desse gênero.
Figura 2: Padrão rítmico da alfaia de marcação (Melê) no maracatu de baque virado. Fonte: Batuque Book Maracatu (Santos & Resende
2005, 50). Transcrição do autor.
Se levarmos em conta somente a execução dos acentos principais da alfaia (Figura 2) pode-se obter uma boa
síntese do maracatu na bateria no padrão de bumbo como mostra a Figura 3:
Figura 3: Identificação do ritmo do maracatu através do padrão de bumbo da bateria. Fonte: Pratica de Bateria (Galvão 1998, 34).
Transcrição do autor.
Outros dois instrumentos de percussão do maracatu que ficam bem evidentes quando são adaptados na
bateria são o gonguê e a caixa (tarol). O padrão do gonguê, (Figura 4), pode ser reproduzido na bateria
percutindo no corpo do prato de condução (som mais grave) e na cúpula, (som mais agudo), conforme a
Figura 5.
Figura 4: Padrão rítmico do gonguê no maracatu. Linha inferior (som grave), linha superior (som agudo). Fonte: Batuque Book Maracatu
(Santos & Resende 2005, 48). Transcrição do autor.
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Galvão, Christiano Lima. 2022. “Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da performance do baterista Nenê em “Maracatu” de Egberto
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Figura 5: Adaptação do padrão rítmico do gonguê (agogô) no prato de condução. A figura (X) representa o corpo (som grave) e
a figura ( ) a cúpula do prato (som agudo). Transcrição do autor.
os padrões da caixa de guerra e tarol (Figuras 6 e 7) são sintetizados na caixa da bateria (Figura 8) de modo
que os acentos ficam no 1º tempo e na segunda semicolcheia do , 3º e 4º tempos sendo executados com
toques múltiplos (Cunha 2000, 70; Galvão 1998, 59; Galvão 2010, 8).
Figura 6: Padrão rítmico da caixa no maracatu executado com mãos alternadas. Fonte: Batuque Book Maracatu (Santos & Resende 2005,
48). Transcrição do autor.
Figura 7: Padrão rítmico do tarol no maracatu executado com mãos alternadas. Fonte: Batuque Book Maracatu (Santos & Resende 2005,
48). Transcrição do autor.
Figura 8: Padrão de caixa de maracatu na bateria executado com mãos alternadas com toque múltiplo na segunda semicolcheia dos tempos
2, 3 e 4. Fontes pesquisadas: IPC (Cunha 2000, 79); Pratica de Bateria (Galvão 1998, 59) e Creative Brazilian Drumming (Galvão 2010, 8).
Transcrição do autor.
Finalmente, juntando os padrões de bumbo, caixa e prato, tem-se uma adaptação do maracatu de baque
virado na bateria conforme as Figuras 10 e 11 (Cunha 2000, 79; Galvão 1998, 59; Galvão 2010, 8). De princípio
temos dois tipos básicos de levada de maracatu: a primeira com a caixa (figura 10) e a segunda com o prato
de condução reproduzindo o gonguê (Figura 11). A ilustração desses exemplos é precedida da notação de
bateria (Figura 9) na pauta (Doezima 1986, 3).
Figura 9: Notação para a bateria
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Galvão, Christiano Lima. 2022. “Sutileza, intensificação e inventividade: análise musical da performance do baterista Nenê em “Maracatu” de Egberto
Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
Figura 10: Levada de maracatu na bateria com caixa. Fontes pesquisadas: IPC (Cunha 2000); Pratica de Bateria (Galvão 1998) e Creative
Brazilian Drumming (Galvão 2010). Transcrição do autor.
Figura 11: Levada de maracatu na bateria com prato de condução (5ª linha) e cúpula (5º espaço) simulando o gonguê. Fontes pesquisadas:
IPC (Cunha 2000) e Creative Brazilian Drumming (Galvão 2010). Transcrição do autor.
Não obstante estas referências serem de estudos relativamente recentes (final dos anos 1990 e início dos
2000), gostaria de abarcar também um relevante trabalho de período anterior, que se aproximada da época
da gravação analisada neste artigo. Trata-se de uma publicação do baterista e professor Edgard Nunes
Rocca
6
(1930-1996), conhecido como Bituca, que foi editada em meados dos anos 1980.
No livro Ritmos brasileiros e seus instrumentos de percussão. Com adaptações para bateria, Rocca (1985)
apresenta a adaptação do gênero musical do maracatu na bateria em dois estilos: maracatu de baque virado
e maracatu estilizado. A diferença básica está na execução dos tambores graves da percussão (surdo e
zabumba marcante
7
) que são reproduzidos no surdo e no bumbo da bateria. Estes exemplos estão ilustrados
nas Figuras 12, 13, 14 e 15 que mostram, primeiramente a percussão, e em seguida a bateria.
Figura 12: Maracatu de baque virado na percussão por Edgar Nunes Rocca (Bituca). Fonte: Ritmos brasileiros e seus instrumentos de
percussão. Com adaptações para bateria (Rocca 1985, 48).
6
Edgard Nunes Rocca (1930-1996), o Bituca, foi baterista, percussionista, professor e autor. Lecionou na
Escola Brasileira de Música e foi um dos fundadores do curso de percussão sinfônica da Escola de Música
Villa Lobos no Rio de Janeiro em meados dos anos 1970. Bituca foi responsável pela formação de diversos
músicos importantes como os bateristas Márcio Bahia, Fernando Pereira, Jurim Moreira, entre outros
(Galvão, 2022,71).
7
Edgard Nunes Rocca (1985) denomina de surdo e zabumba marcante o que seria o papel das alfaias.
11
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Figura 13: Adaptação do maracatu de baque virado na bateria por Edgar Nunes Rocca (Bituca). Fonte: Ritmos brasileiros e seus instrumentos
de percussão. Com adaptações para bateria (Rocca 1985, 63). D=mão direita. E=mão esquerda.
Figura 14: Maracatu estilizado na percussão por Edgar Nunes Rocca (Bituca). Fonte: Ritmos brasileiros e seus instrumentos de percussão.
Com adaptações para bateria (Rocca 1985, 48).
Figura 15: Maracatu estilizado na bateria por Edgar Nunes Rocca (Bituca). Fonte: Ritmos brasileiros e seus instrumentos de percussão. Com
adaptações para bateria (Rocca 1985, 63).
Os exemplos de adaptação do maracatu na bateria e os padrões dos instrumentos de percussão serviram
como uma espécie de referencia rítmica para verificar o quanto Nenê se aproximou ou se distanciou destas
adaptações na sua interpretação do maracatu na faixa elencada.
5. Análise da performance de Nenê em “Maracatu” de Egberto Gismonti no
álbum Sanfona (1981)
A análise da interpretação de Nenê na faixa “Maracatu”
8
, que mostro a seguir, foi focada preferencialmente
na questão rítmica. Procurei evidenciar a criativa execução do gênero maracatu na bateria, demonstrando
as possíveis interações musicais entre o instrumento, a melodia do tema e os padrões rítmicos tradicionais
dos instrumentos de percussão no maracatu.
8
É interessante notar que a música Maracatu já tinha sido gravada anteriormente por Egberto Gismonti
no disco Nó Caipira de 1978 (Tiné & Gomes 2017, 5), cuja a bateria ficou a cargo de Zé Eduardo Nazário.
12
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O fonograma “Maracatu”
9
é a primeira faixa do álbum Sanfona
10
de Egberto Gismonti e Academia de Danças
lançado pelo selo alemão ECM records no ano de 1981. Dentre os instrumentistas que participaram da
gravação elencada posso citar: Egberto Gismonti (piano), Nenê (bateria e percussão), Zeca Assumpção
(baixo) e Mauro Senise (sax soprano).
Para facilitar a minha análise e orientar o leitor, faço um esquema geral da forma estrutural de “Maracatu”.
Na versão deste disco, o tema principal é exposto pela primeira vez (seção A) após uma introdução de piano
e percussão e se repete ao longo da composição com variações de dinâmica e andamento (seções A2, A3,
A4, A5 e A6). Descrevo as seções da música e sua posição (em minutos) na faixa segundo a Quadro 1:
SEÇÃO
MINUTOS NA GRAVAÇÃO
Introdução
0:00 0:36
A
0:37 1:12
A2
1:13 1:42
B
1:43 2:37
Intermezzo
2:38 2:56
A3 - Modulação
2:57 3:15
A4 - Rápido
3:15 3:42
C Só piano
3:43 6:02
Solo
6:03 7:00
A5 - Rápido
7:00 7:16
A6
7 :16 7:35
Coda e Fim
7:36 8:15
Quadro 1: Seções de “Maracatu” do álbum Sanfona de Egberto Gismonti e sua localização em minutos na faixa
A título de visualização, apresento as mesmas seções que foram descritas na Tabela 1, só que agora no
espectrograma de áudio na forma de onda (wave) (Figuras 16 e 17). Esta representação gráfica é um dos
recursos que utilizei nesta análise, como mostrarei mais adiante, no que diz respeito a alguns parâmetros
como adensamento da levada e variações de andamento.
9
Para escuta trechos com as levadas de Nenê na faixa Maracatu do álbum Sanfona acesse:
<https://music.apple.com/br/album/maracatu/1444148421?i=283597069&l=en> Acesso em:13 mai. 2022.
10
Créditos do álbum. Acesse: Discogs home page. Disponível em: <https://www.discogs.com/pt_BR/Egberto-
Gismonti-Academia-De-Danças-Sanfona/release/3482428>. Acesso em:13 mai. 2022.
13
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Figura 16: Representação gráfica no espectrograma de áudio das seções Introdução, A, A2, B Intermezzo, A3 e A4 de “Maracatu” e seu
posicionamento em minutos na gravação. Fonte de análise: Sonic Visualizer.
Figura 17: Representação gráfica no espectrograma de áudio das seções Piano solo, Solo 2, A5, A6 e Fim de “Maracatu” e seu
posicionamento em minutos na gravação. Fonte de análise: Sonic Visualizer.
Para análise deste trabalho me concentrei somente nas seções introdução, A e A2, conforme o Quadro 2,
que conta também com a localização dos compassos na transcrição (partitura):
SEÇÃO
MINUTOS
Introdução
0:00 0:38
A
0:37 1:12
A2
1:13 1:42
Quadro 2: Seções A e A2 de “Maracatu” do álbum Sanfona e sua localização em compassos na partitura em minutos na faixa.
Logo na introdução, mesmo sem uma levada da bateria, uma menção ao maracatu feita pelo piano de
Egberto Gismonti. No trecho, repetido várias vezes, a divisão rítmica da frase é de colcheia o que lembra
uma parte do padrão rítmico do gonguê (ver Figura 4). No entanto, o piano não completa a célula típica da
campana do maracatu no tempo do compasso (semicolcheia, colcheia e semicolcheia) deixando
subentendido ao ouvinte. Um outro detalhe é o timbre. No padrão do gonguê o primeiro som é grave e o
segundo agudo. Na frase do piano acontece exatamente o oposto. A Figura 18 mostra esta diferença nos
dois primeiros compassos.
14
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Figura 18: Introdução de “Maracatu”, compassos 1à 4 (0:00-0:13), com piano em destaque, em comparação com o padrão de gonguê no
maracatu. Transcrição do autor.
A célula do piano que remete ao gonguê é uma espécie de introdução da levada de maracatu que irá se
completar com a chegada da bateria no início da próxima seção. A primeira intervenção da bateria com uma
levada acontece na seção A quando o tema é apresentado. Ao invés de tocar uma execução próxima das
referencias de adaptações do maracatu na bateria, como mostrado anteriormente nas Figuras 10,11,13 e
15, Nenê optou por uma levada bem interessante que, como no piano da introdução, sugere a rítmica do
maracatu de maneira sutil. A partir dos compassos 9 e 10 (Figura 19), parafraseando Monson (1996), o
baterista cria uma levada mais líquida, ou seja, mais dissolvida do maracatu, ao adaptar o padrão de alfaia
entre os tambores e o prato de condução. O baterista percute os tom-tons agudo e grave na segunda
semicolcheia do 2º e 3º tempo do compasso sendo intercalados pelo prato. Se levarmos em consideração a
colocação de Galvão (1998) de que o bumbo é peça chave para se enfatizar as características de um gênero
musical na bateria, teoricamente, a figura rítmica do maracatu deveria ter sido tocada nessa peça do
instrumento. Porém, Nenê executou o padrão rítmico da alfaia nos tambores da bateria e não no bumbo o
que acarretou um resultado sonoro com uma dinâmica mais baixa e sutil, mas ao mesmo tempo, enfatizando
o padrão característico do maracatu de forma muito inventiva dentro da levada. Desta forma poderia ousar
e denominar este exemplo de uma levada liquida do ritmo do maracatu na bateria.
Figura 19: Performance da bateria Nenê em “Maracatu”, seção A, compassos 9 e 10. Transcrição do autor.
A ênfase dos acentos principais do maracatu é percebida também na interação musical entre o piano e a
bateria que, neste mesmo trecho, dividem a função de marcar os acentos característicos do gênero.
Juntamente com o baterista, que toca no tambor agudo, o piano reforça com um acorde a segunda
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semicolcheia do tempo do compasso (Figura 20). No 3º tempo, o piano não acentua do mesmo jeito, mas
o que sobressai é o som do tambor grave da bateria que completa o padrão rítmico do maracatu ao ser
percutido por Nenê na segunda semicolcheia. Ouvindo a gravação (0:39 -0:46), o timbre resultante é bem
interessante pois combina o som do acorde do piano com o tom agudo no 2º tempo, e depois somente o
som do tambor grave no 3º tempo. Este trecho é ilustrado em destaque na Figura 20 no compasso 10.
Figura 20: Performance da bateria Nenê e piano em “Maracatu”, seção A, compassos 9 e 10 (0:39 0:46). Transcrição do autor.
Um outro exemplo de levada criativa pode ser constado na seção A2. Aqui o baterista mantém basicamente
a mesma ideia de tocar o padrão da alfaia no tambor agudo ao invés do bumbo. Diferente da seção anterior,
agora Nenê introduz um recurso interpretativo de preenchimento da levada ao utilizar notas fantasmas
11
(ghost note) na caixa. O efeito sonoro é de dar uma maior solidez no groove (levada), mantendo a sutileza,
só que com uma maior intensidade (Figura 21).
Figura 21: Performance da bateria Nenê e piano em “Maracatu”, seção A2, compassos 23 e 24 (1:15 1:16). Transcrição do autor.
Voltando a Monson (1996), sobre a parte sólida e líquida do ritmo, se comparamos as duas levadas de
maracatu, posso dizer que uma é ritmicamente um pouco mais sólida do que a outra. Em outras palavras, a
levada de maracatu da seção A (Figura 22) é mais solta, com poucos elementos, apenas sugerindo o padrão
característico do gênero nos tambores. a segunda, é mais preenchida, ou seja, ela é mais sólida
11
Padrões tocados na caixa da bateria de forma não acentuada são comumente conhecidos como notas
fantasmas ou ghost note.
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ritmicamente com aplicação do recurso da nota fantasma na caixa completando a subdivisão em
semicolcheia. Portanto, comparando os dois exemplos, posso operar como o conceito de Monson e nomear
a performance de Nenê e chama-la de levada líquida e sólida de maracatu na bateira (Figuras 22 e 23).
Figura 22: Levada líquida de maracatu na performance de Nenê na seção A, compassos 9 e 10 (1:15 1:16). Transcrição do autor.
Figura 23: Levada sólida de maracatu na performance de Nenê na seção A2, compassos 23 e 24 (1:15 1:16). Transcrição do autor.
A diferença de intensidade das levadas de maracatu na performance de Nenê revela a intenção e a interação
musical do baterista no sentido de criar um movimento de crescimento da dinâmica, mesmo que de forma
sutil. Sobre este fato, Monson (1996) chama atenção para variação de intensidade musical em relação às
performances da seção rítmica (piano, baixo e bateria) em uma gravação. Ao fazer uma análise de Bass-Ment
Blues, um standard do repertório de jazz, a autora faz um diagrama esquemático da intensidade ocorrida no
curso da performance na qual se produziu uma imagem visual através de um gráfico. Desta forma, ela
emerge com o termo intensificação (Intensification):
Eu estou usando a intensificação como um termo amorfo deliberativo que mede eventos
internos à uma performance particular que contribuem para o sentimento do clímax
musical (como mudanças na dinâmica, densidade rítmica, registro, timbre, melodia,
harmonia, interação e estilo de groove
12
) (Monson 1996, 139). Grifo do autor.
Sob a mesma perspectiva, posso dizer que a levada de bateria na seção A2, com uso das notas fantasmas na
caixa, de fato gerou uma maior intensidade no trecho de reexposição do tema. Em outras palavras, esta
levada acarretou uma intensificação da performance de Nenê e da faixa como um todo. Fazendo um estudo
do fonograma na transição das seções A e A2, utilizando como parâmetro analítico o somatório de
intensidade das gamas de frequências, foi possível observar o crescimento, ou seja, a intensificação neste
trecho da faixa quando o baterista executa a variação de levada do maracatu. A Figura 24 mostra o
espectrograma resultante desta análise.
12
I am using intensification as a deliberately amorphous term that combines musical events internal to a
particular performance that contribute to feeling of musical climax (such as changes in dynamics, rhythmic
density, register, timbre, melody, harmony, interaction, and style of groove) (Monson 1996, 139).
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Figura 24: Espectrograma de intensidade de frequência no final da seção A (0:55 1:00) e início da seção A2 (1:13 1:18), entre os
compassos 16 e 24, do fonograma “Maracatu” (Egberto Gismonti). Fonte de análise: Sonic Visualizer.
Os espectrogramas construídos apresentam a coluna vertical com o somatório de frequência e a coluna
horizontal com os minutos da gravação. Observando a Figura 25, no espaço compreendido entre 0:55 e 1:00,
é possível ver o resultado de quando o baterista executa a levada mais sutil de maracatu no final da seção
A. Na passagem para a seção A2, Nenê muda a sua interpretação e passa a utilizar as notas fantasmas na
caixa a partir de 1:13. Analisando comparativamente o trecho entre 0:55 e 1:00 e o trecho entre 1:13 e 1:18,
percebe-se claramente a intensificação do somatório das gamas de frequência na gradação que vai de 1 a 5
na coluna vertical esquerda. Como não houve uma alteração da instrumentação neste trecho (piano, bateria,
baixo e sax) e nem uma mudança significativa de dinâmica na repetição do tema principal, posso creditar
essa intensificação à performance de Nenê, pois o único elemento novo neste trecho foi a inclusão das notas
fantasmas na caixa na interpretação do baterista.
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Gismonti no álbum Sanfona (1981) Per Musi no. 42, General Topics: 1-21. e224215. DOI 10.35699/2317-6377.2022.39810
Figura 25: Espectrograma de intensidade de frequência ilustrando a diferença de intensificação das levadas de maracatu da seção A (0:55
1:00) e A2 (1:13 1:18) na performance de Nenê entre os compassos 16 e 24 do fonograma “Maracatu” (Egberto Gismonti). Fonte de
análise: Sonic Visualizer.
Refletindo sobre a performance de Nenê e a relação com os diversos andamentos observados na sua
interpretação de “Maracatu”, retorno à mencionada pesquisa de Nicholas Cook (2013), que investigou a
mobilidade de tempo em um registro de uma performance de d’Albert para um tema de Schubert. Como
visto anteriormente, nela Cook identifica a interpretação do pianista como sendo uma performance retórica
cuja mobilidade do tempo (andamento), na execução da obra, gerou momentos de expressividade não
regulares, como uma prosa (Cook 2013, 86). Voltando para minha análise, investigando a variação de tempo
do fonograma elencado, percebi que não um andamento padrão e contínuo. Pelo contrário, a própria
interpretação do piano de Egberto Gismonti na gravação já sugere uma performance retórica, como definiu
Cook. Em um panorama geral da faixa, o gráfico da Figura 26 ilustra as curvas que representam as variações
de andamento na gravação de “Maracatu”.
Figura 26: Gráfico da variação de andamento em “Maracatu” de Egberto Gismonti do álbum Sanfona (1980). Fonte de análise: Sonic
Visualizer.
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Com um olhar focado na variação de andamento das seções A e A2, (0:37 - 1:42), nas quais surgem as
primeiras execuções de maracatu na bateria, o gráfico da Figura 27 revela que a performance de Nenê
acompanha a mobilidade de tempo sugerida por Egberto e demais instrumentistas. Neste sentido, penso
que a interpretação do baterista também pode ser entendida como uma espécie de performance retórica
no instrumento nesta gravação.
Figura 27: Gráfico da variação de andamento das seções A (0:37 1:12) e A2 (1:13 1:42) em “Maracatu” de Egberto Gismonti do álbum
Sanfona (1980). Fonte de análise: Sonic Visualizer.
Acredito que a construção das levadas de maracatu na interpretação de Nenê seguiu um caminho bastante
pessoal e inventivo. A interação musical com os demais instrumentistas e seu entendimento dos padrões
rítmicos característicos do maracatu propiciaram o surgimento de novas formas de interpretação deste
gênero musical na bateria neste contexto musical.
6. Considerações finais
Fazendo um comparativo entre os exemplos de adaptação do maracatu na bateria ilustrados anteriormente
e a interpretação mais livre do baterista Nenê na gravação de “Maracatu, posso fazer uma diferenciação
tipológica da performance. A exemplo da performance do baião simples e o baião complexo
13
na bateria
(Galvão 2015, 73), posso pensar que a performance de Nenê revelada nas análises também pode ser
diferenciada. No entanto, ao invés de olhar sobre o prisma da complexidade ou simplicidade rítmica, penso
ser mais apropriado pensar sob a ótica da interpretação, ou seja, a performance de Nenê no fonograma
analisado difere das adaptações mais comuns do gênero na bateria como demonstrei anteriormente neste
texto. A ênfase dos acentos principais do maracatu percutida nos tambores agudo e grave, ao invés do
bumbo, na condução rítmica do tema, criou uma solução musical de interpretação muito interessante. Neste
caso o baterista criou uma levada líquida do maracatu, ou seja, mais dissolvida ritmicamente, ao adaptar o
padrão de alfaia entre os tambores e o prato de condução. Já no exemplo em que o músico utiliza o recurso
de tocar a caixa com notas fantasmas, completando a subdivisão em semicolcheia, a levada fica mais
preenchida ritmicamente, o que denominei de levada sólida de maracatu na bateria. Neste caso, a levada
13
O baião simples é aquele onde a levada é composta de poucos elementos, mantendo o padrão rítmico
do baião e cujo produto sonoro é bastante claro. Já o baião complexo também mantém o padrão básico do
baião na bateria, no entanto, neste são empregadas várias subdivisões em diversas peças do instrumento
resultando numa batida mais complexa ritmicamente (Galvão 2015, 73).
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de Nenê promove uma intensificação em determinados trechos do arranjo, mesmo de forma aparentemente
sutil, quando o baterista executa esta variação da batida do maracatu.
As decisões interpretativas de Nenê e sua interação musical na faixa estudada criaram mecanismos
expressivos, inesperados, que resultaram numa performance não linear que fugiu do lugar comum de uma
simples reprodução dos instrumentos de percussão na bateria. Além disso, as análises evidenciaram o
pensamento criativo desse músico e a importante contribuição de sua performance para a composição de
Egberto Gismonti na gravação de “Maracatu” no álbum Sanfona de 1981.
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