As consequências de um paradigma essencialista também se veem impactadas pela relação entre símbolo e
“ficção”, já que o ciclo estético de transmissão e decifragem simbólica estabelece a criação de novas cadeias
inter-relacionais — novos entendimentos e, consequentemente, novas posturas. A relação entre ficção e
conhecimento tem sido investigada em profundidade pela área de estudos literários nas últimas décadas
(Bhabha 2004; Ette 2010). Como fluxo artístico e inter-relacional, a ficção diz respeito direto à experiência
humana, a elabora e transforma. Fala aos homens e sobre os homens. Segundo Ottmar Ette, “a literatura
conecta a ficção ao vivido” (2010, 3) e se constitui em “estruturas polilógicas do saber”, que sintetizam a
relação entre vida e conhecimento (Lebenswissen), proposta pelo autor, tanto no sentido da vida do
conhecimento, quanto do conhecimento da vida. A ficção é uma forma de “conhecimento vivo” na medida
em que se configura como plataforma de inter-relação simbólica, o que também se lê na obra de Homi
Bhabha, em um sentido distinto que, no entanto, recapitula a discussão aqui apresentada sobre a fruição
artística como alternativa ao essencialismo. Em Bhabha (2004), lê-se uma teoria da literatura como teoria
identitária, que justamente é capaz de desafiar o essencialismo por intermédio da ficção.
Estas mesmas palavras, que constituem a ‘ficção’, não são senão símbolos inter-relacionais, pois indicam
imagens que permanecem em uma mesma dimensão simbólica, e que são, portanto, narrativas sobre o
mundo, o homem, a realidade; justamente por criarem a realidade mesma. Também as imagens são
narrativas, e também reconstroem um mundo simbólico, fazendo com que o caráter ficcional da arte
contenha (e represente) seu valor simbólico. O símbolo possível à arte é o símbolo possível ao homem. O
fluxo de significar, ressignificar, encobrir e desvelar gera a ficção que corresponde ao caráter humano de
nossas próprias inter-relações. Curiosamente, essa ficção que se dá na expressão artística nos aproxima do
mundo, não o contrário, pois justamente nos faz ativos nele.
A dispersão é um processo inerente ao fluxo da arte. Este fluxo artístico, que envolve criação e transmissão,
faz do homem ativo. Mas nem toda forma de dispersão é constitutiva do fluxo da arte. A dispersão social,
amplificada pela tecnologia contemporânea, também tem atuações capazes de dificultar o fluxo artístico,
como no caso de atitudes autocentradas, que justamente dificultam o aspecto coletivo do processo artístico,
o que veremos a seguir, por meio da investigação do utilitarismo.
5. O Utilitarismo como contraponto ao símbolo
Ainda que a arte não necessariamente apresente o apelo imediato da “utilidade”, compreendida como
ferramenta social, política e econômica, ela tem sido frequentemente utilizada como propaganda, símbolo
político ou comercial, o que não é um fenômeno recente e nem se mostra como algo incomum ao longo da
história, como já denunciam Horkheimer e Adorno (2002, 169-214). A arte é extremamente eficiente na
transmissão de ideologias, paradigmas e entendimentos, e o faz de forma silenciosa, praticamente
transparente, como se não houvesse intenção alguma envolvida e, justamente por isso, ela se configura
como excelente meio de propagação ideológica — associando ideais ao próprio movimento de velar e
desvelar símbolos. Na contemporaneidade, observa-se um aspecto histórico da relação entre arte e
ideologia, que se baseia na insistência em valores iluministas, como descreve Schmidt (2017). Dentre esses
valores, destaca-se um entendimento universalista, que conduziu a processos de aniquilação cultural por
intermédio da suposta configuração da arte como expressão hegemônica europeia, e na música, por
exemplo, o ideal universalista continua a ser revelado como a esperança por uma “linguagem universal”