Para além da coleta das duas Fichas de Registro de Sessão analisadas acima, a fim de complementar com
informações mais técnicas, houve a coleta no diário. As informações no diário seguem as ideias das Fichas
de Registros, porém com mais detalhes, às vezes pontuando por compassos cada possibilidade, discutindo
e levantando opções interpretativas. Mostrarei aqui alguns exemplos.
Na coleta no Diário de Prelúdio I - Batuque no Primeiro ciclo (I Diário Reflexivo, 77) eu aponto considerações
sobre o trecho inicial (c.1 a 4) no qual evoca a viola caipira: “Trecho em pizzicato inicial evoca a viola caipira.
Enfatizar a cabeça de compasso e mostrar o caráter anacrústico. Como realçar a evocação da viola (pizz.):
com o dedo mais ‘duro’ ou ‘mole’?”. Essa resposta vem tanto na ficha de Registro de Sessão quanto na
escrita no II Diário Reflexivo (139-144): Ficha de Sessão: “Pizzicato inicial será mais “duro” (som mais
agressivo e sonoro); Diário: “C. 1 ao 4- (pizzicato evocando viola caipira). Sentido de pizzicato proposto para
valorizar os primeiros tempos (c.1, 2, 3 e 4). Ter um cuidado especial na formação do acorde Sol-Mib-Dó#-
Lá# (c.1 e 3), pensar em ser sonoro”. A atenção por arcadas e dedilhados que destacassem o estilo popular
de um batuque é observada em escolha valorizassem as ligaduras no sentido de arco para baixo e de
dedilhados em primeira posição para o uso de cordas soltas.
Em resumo, a característica mais marcante do primeiro ciclo foi o levantamento hipóteses e caminhos
possíveis. Ao longo dessas primeiras foi necessário um período de adaptação, tanto por estar diante de uma
câmera realizando um experimento quanto devido ao uso de protocolos. No segundo ciclo, com
característica principal de afunilar ideias, a tentativa de responder às hipóteses levantadas no primeiro ciclo
e de tomar uma decisão interpretativa e performática, o ajuste foi mais rápido e sem grandes dificuldades.
Atribuo parte desse entendimento do conceito do segundo ciclo à coleta de momentos livres (entre ciclos)
na qual pude refletir e registrar no diário o direcionamento que daria ao segundo ciclo.
Esse processo e seu funcionamento integrado certamente colaboraram para um aumento organizacional,
de objetividade e de retenção informações, pois envolve diversos momentos reflexivos (a escrita, a gravação,
a comparação entre os ciclos e entre os ciclos e as coletas em momentos livres). O processo de
aprofundamento no entendimento de um estudo aplicado na construção de uma interpretação, que nesse
caso teve a duração de aproximadamente quatro anos, constitui um sistema que é válido, cuja necessidade
de transformar em um conceito com pilares principais será proposto a seguir. Prevê-se aplicação em
qualquer instrumento, aplicável em qualquer repertório e adaptável dentro do tempo disponível de
preparação para a performance pretendida.
4. Proposta de um método replicável de Investigação artística: ‘Ciclo Artístico-
Reflexivo de Dupla Checagem’ (CARDC)
As etapas percorridas na pesquisa e apresentadas neste artigo permitiram ganho significativo de poder
reflexivo e, consequentemente, o aprofundamento e a ampliação de discussões relacionadas à música.
Proponho uma sistematização do conceito de estudo/construção de repertório baseada na reflexão,
associando Diário Reflexivo, gravação em vídeo e análise autoetnográfica aplicados a momentos de coletas
livres e em ciclos de coletas de dados. Ressalto que a sistematização desse processo teve como foco um
conjunto de obras e uso específico de um instrumento (o violino), com as suas características inerentes e
idiossincráticas, mas essa proposta é referente a um âmbito geral, que pode ser aplicada a qualquer obra e
em qualquer instrumento com suas devidas adaptações. Ao aplicar o mesmo conceito na preparação de
repertório em período menor, limitado a dias ou semanas, acredita-se que seja possível gerar o mesmo