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eISSN 2317-6377
ร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de
instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil
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music instruments between Africa, Europe and Brazil
Nina Graeff
Universidade Federal da Paraรญba, Programa de Pรณs-Graduaรงรฃo em Mรบsica, Joรฃo Pessoa, PB, Brasil
info@ninagraeff.com
SCIENTIFIC ARTICLE
Section Editor: Fernando Chaib
Layout Editor: Edinaldo Medina
License: "CC by 4.0"
Submitted date: 09 aug 2022
Final approval date:24 fev 2023
Publication date: 23 mar 2023
DOI: https://doi.org/10.35699/2317-6377.2023.40743
RESUMO: Instrumentos musicais sรฃo geralmente pesquisados sob uma รณtica eurocรชntrica, que os observa enquanto objetos
fixos e padronizados, a partir de aspectos fรญsicos sobretudo visรญveis, e os compara a instrumentos tidos como padrรฃo oriundos
sobretudo da mรบsica de concerto europeia. Tendo como mote principal a investigaรงรฃo da viola machete do samba de roda, este
terceiro artigo do projeto Tons de Machete cruza registros histรณricos e iconogrรกficos da presenรงa de instrumentos africanos no
Brasil e dados coletados em campo com sambadores e luthiers de viola, desconstruindo a ideologia da origem europeia de
instrumentos e prรกticas da mรบsica popular no Brasil. Busco demonstrar como instrumentos musicais nรฃo sรฃo meros objetos fixos
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construรงรฃo em contextos tradicionais, sรฃo constantemente adaptados a diferentes contextos, sendo muitas vezes substituรญdos e
ressignificados de acordo com a prรกtica musical.
PALAVRAS-CHAVE: Instrumentos musicais; Viola machete; Mรบsica afro-brasileira; Normatividade musical ocidental;
Decolonialidade.
ABSTRACT: Music instruments are generally investigated from a Eurocentric point of view that, based on physical and visible
aspects, observes them as fixed and standardized objects and compares them to canonic instruments mainly from European
concert music. Having as main object of study the viola machete of samba de roda, this article crosses historical and
iconographic records of the presence of African instruments in Brazil with data collected with sambadores and viola luthiers in
the field, in order to deconstruct the supposed European origin of instruments and practices of popular music in Brazil. I seek to
demonstrate how music instruments are not mere fixed objects that were immutably transferred from one culture to another,
but that, like the "living beings" that constitute their materials, are constantly adapted to different contexts, being often
replaced and re-signified within the musical practice.
KEYWORDS: Music instruments; Machete guitar; Afro-Brazilian music; Western musical normativity; Decoloniality.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232404 | 2023
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232404 | 2023
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1. Introduรงรฃo
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de 1960 pelo lendรกrio luthier de Santo Amaro da Purificaรงรฃo, Clarindo dos Santos. Adquirido por Mestre
Celino de Terra Nova aos seus 11 anos de idade e restaurado pelo luthier mineiro Luรญs Armando quase
sessenta anos depois, o instrumento respirava atravรฉs de suas diferentes madeiras de diferentes tempos e
lugares, pulsando memรณrias e musicalidades impregnadas em seu corpo pronto para danรงar e cantar
novamente nos braรงos de seu Celino.
Ao pesquisar e interagir com instrumentos musicais a partir de uma รณtica plural e transversal, baseada em
suas prรณprias histรณrias e prรกticas tanto de execuรงรฃo quanto de construรงรฃo, percebe-se que nรฃo
representam meros meios de produรงรฃo sonora, mas de seres vivos em constante transformaรงรฃo e
interaรงรฃo com os contextos, pessoas e musicalidades de seu entorno. Instrumentos musicais sรฃo
geralmente pesquisados sob uma รณtica eurocรชntrica, que os observa enquanto objetos fixos e
padronizados a partir de aspectos fรญsicos sobretudo visรญveis ๎ฅด sua forma, medida e maneira de produzir
som ๎ฅด, e os compara a instrumentos da mรบsica europeia e norte-americana fabricados e difundidos
mundialmente. Assim, instrumentos tradicionais da cultura popular sรฃo considerados ora como uma
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primitiva, como รฉ o caso das rabecas e violas brasileiras em relaรงรฃo ao violino e ao violรฃo. Enquanto isso,
instrumentos tradicionais, seus personagens e histรณrias, principalmente de matizes africanos, permanecem
invisibilizados e incompreendidos, atรฉ caรญrem em desuso, serem adaptados ou substituรญdos por
instrumentos de fรกbrica, a maioria dos quais representantes de culturas europeias e estadunidenses.
Com a patrimonializaรงรฃo do Samba de Roda do Recรดncavo Baiano em 2005, a viola machete, instrumento
ร  รฉpoca virtualmente desaparecido da regiรฃo, passou a figurar como um de seus principais personagens ao
ter grande parte dos objetivos e aรงรตes do plano de salvaguarda dedicada ร  sua reconstruรงรฃo e
aprendizagem (IPHAN 2006). Embora o instrumento pertenรงa a uma famรญlia de instrumentos tipicamente
portugueses, as violas, e tenha origem atribuรญda ร  Ilha da Madeira de Portugal, suas tรฉcnicas e
musicalidades remetem a matizes africanos (Pinto 1991; Graeff; Pinto 2012; Graeff 2015), afinal seus
praticantes sรฃo afrodescendentes.
Meu projeto de pesquisa Tons de Machete, realizado entre 2019 e 2020 em uma parceria com a
Universidade de Aveiro em Portugal, cruzou os saberes de luthiers, mestres, sambadores, mรบsicos em
torno da viola machete e de registros em vรญdeo e รกudio de um dos grandes violeiros de Santo Amaro da
Purificaรงรฃo, seu Joรฃo de Deus, cantando chulas e tocando cinco toques ou tons de machete: tรฉcnicas
instrumentais que resultam em padrรตes rรญtmico-melรณdicos, cada um em uma tonalidade diferente
1
. O
objetivo era repatriar o material coletado por Tiago de Oliveira Pinto na dรฉcada de 1980, propiciar a
possibilidade de aprendizagem daquelas tรฉcnicas em grande parte jรก esquecidas pelos praticantes atuais, e
compreender melhor a histรณria do instrumento, apresentando-o a luthiers e violeiros de outras regiรตes do
Brasil e de Portugal.
1
Link para mais informaรงรตes e acesso aos vรญdeos apรณs breve registro: www.ninagraeff.com/tonsdemachete.
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Ao longo das Encruzilhadas Sensรญveis (Graeff 2023a) geradas pelo projeto, no entanto, logo percebi como
minhas prรณprias premissas de pesquisa mistificavam aquele instrumento especรญfico, enquanto outros
instrumentos e questionamentos emergiam como tรฃo ou mais relevantes. Como demonstrado no primeiro
artigo da sรฉrie (Graeff 2023a), os sambadores nรฃo apenas valorizam como dominam diversos
instrumentos, seja porque o samba acontece de maneira situacional, de acordo com as pessoas presentes
e os instrumentos que tiverem ร  mรฃo, como pela acessibilidade destes. Por exemplo, os dois grandes
mestres da viola machete atualmente, Aurino da Viola de Maracangalha-BA e Mestre Celino, comeรงaram
tocando em sua juventude, respectivamente, sanfona e cavaquinho, instrumentos ร  รฉpoca mais acessรญveis,
alรฉm de tocarem outros. Esse fato nรฃo se limita ao samba de roda, mas caracteriza prรกticas musicais
populares e tradicionais do Brasil resultando no multi-instrumentismo e na consequente
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A partir do cruzamento de registros histรณricos e iconogrรกficos da presenรงa de instrumentos africanos no
paรญs e dados coletados em campo com sambadores e luthiers de viola, busco desconstruir a ideologia da
origem europeia de instrumentos e prรกticas da mรบsica tradicional e popular no Brasil. Para tanto,
demonstro como instrumentos musicais nรฃo sรฃo meros objetos passรญveis de transferรชncia de um lugar ou
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contextos tradicionais, sรฃo constantemente adaptados a diferentes contextos e por diferentes pessoas e
coletivos, sendo muitas vezes substituรญdos por outros difundidos internacionalmente e ressignificados a
partir da prรกtica musical que os emprega.
O texto estรก dividido em trรชs seรงรตes. A primeira discute a presenรงa de instrumentos musicais africanos no
Brasil, sobretudo entre lamelofones e cordofones, e seus possรญveis processos de substituiรงรฃo e
ressignificaรงรฃo ao longo da histรณria. A segunda enfoca mais detalhadamente em adaptaรงรตes da viola
machete no Recรดncavo Baiano
2
. A terceira tece reflexรตes entorno da falsa premissa de que instrumentos
musicais tenham um padrรฃo de construรงรฃo e sonoridade, premissa vinculada ร  Normatividade Musical
Ocidental (NMO, Graeff 2020) e ร  racionalizaรงรฃo da mรบsica europeia (Weber 1921) consequentes da
mercantilizaรงรฃo, modernizaรงรฃo e institucionalizaรงรฃo de prรกticas musicais da Europa disseminadas por todo
o mundo.
2. Substituibilidade e ressignificaรงรฃo de instrumentos desde รfrica atรฉ o Brasil
A substituiรงรฃo de instrumentos e consequente multi-instrumentismo de mestres do samba do Recรดncavo
Baiano nรฃo se trata de um caso especรญfico do gรชnero musical ou da regiรฃo. Pelo contrรกrio, corresponde a
uma dinรขmica comum a prรกticas musicais populares, sobretudo ร s da diรกspora africana, como demonstra o
antropรณlogo austrรญaco Gerhard Kubik em relaรงรฃo ร s adaptaรงรตes de instrumentos e tรฉcnicas africanos em
solo norte-americano tanto no Blues (Kubik 1996) quanto no Jazz (Kubik 2017). Nessas obras, o autor
revela atravรฉs de inรบmeros exemplos etnogrรกficos, iconogrรกficos e sonoros, como diversos aspectos
musicais africanos, entre eles tรฉcnicas de construรงรฃo e de execuรงรฃo de instrumentos, moldaram e seguem
moldando a histรณria e a prรกtica de ambos os gรชneros musicais desde sua origem.
2
Agradeรงo ao luthier e amigo Rodrigo Veras pela leitura do artigo e por suas imprescindรญveis contribuiรงรตes
principalmente ร  seรงรฃo sobre a viola machete.
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Tais adaptaรงรตes e ressignificaรงรตes, resultantes de um violento processo de migraรงรฃo forรงada e de
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interculturais ๎๎ถ๎ฝ๎Ÿ€๎œ‚๎œš๎ฝ๎žŒ๎œ‚๎ž๎ฅŸ๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ๎ฅž๎ž๎œž๎˜ƒ๎œ๎žŒ๎๎ž๎žš๎œ‚๎ฏ๎๎ŸŒ๎œ‚๎žŒ๎œ‚๎ต๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎˜ƒ๎๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎žต๎ต๎œž๎ถ๎žš๎œ‚๎œ•๎ž๎œž๎ž๎˜ƒ๎ž๎žต๎œ๎ž๎žš๎๎žš๎žต๎Ÿ๎œš๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ๎ต๎ฝ๎œš๎œž๎ฏ๎œ‚๎œš๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎œ‚๎œ๎ฝ๎žŒ๎œš๎ฝ๎˜ƒ
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elas podem ser vistas como uma necessidade situacional, muitas vezes imposta, jรก que prรกticas e
instrumentos musicais negros foram sistematicamente proibidos e perseguidos tanto nos EUA quanto no
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2021).
As anรกlises de K๎žต๎œ๎๎ฌ๎˜ƒ๎œš๎œž๎ต๎ฝ๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎œ‚๎ต๎˜ƒ๎œ‚๎๎ถ๎œš๎œ‚๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎ฅž๎๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎žต๎ต๎œž๎ถ๎žš๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎œจ๎œ‚๎œ๎žŒ๎๎œ๎œ‚๎œš๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎œž๎ต๎˜ƒ๎œจ๎œ„๎œ๎žŒ๎๎œ๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎ฝ๎œ๎๎œš๎œž๎ถ๎žš๎œ‚๎๎ž๎˜ƒ๎œš๎œž๎Ÿ€๎œž๎ต๎˜ƒ๎ž๎œž๎žŒ๎˜ƒ
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3
(Kubik
1999, 88, traduรงรฃo nossa), assim como na atualidade. Os exemplos do antropรณlogo austrรญaco para essa
tese nรฃo se limitam ร  mรบsica afro-americana, abrangendo tambรฉm as relaรงรตes entre culturas central-
africanas, sobretudo angolanas, e afro-brasileiras (Kubik 1979; 2013).
O trabalho de Rafael Galante (2015) representa uma grande contribuiรงรฃo nesse mesmo sentido, aportando
diversos exemplos iconogrรกficos de instrumentos africanos em รfrica, em Portugal e no Brasil e discutindo
suas adaptaรงรตes e cristalizaรงรตes em determinados formatos e terminologias
4
. Mais recentemente, Flรกvio
Vieira da Cunha Silva (2020) igualmente oferece diversas fontes iconogrรกficas, muitas acompanhadas de
๎œž๎Ÿ†๎œž๎ต๎ž‰๎ฏ๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎œž๎ต๎˜ƒ๎œ„๎žต๎œš๎๎ฝ๎ฅ•๎˜ƒ๎œš๎œž๎ต๎ฝ๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎œ‚๎ถ๎œš๎ฝ๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎ฅ•๎˜ƒ๎ถ๎œ‚๎˜ƒ๎ž๎œž๎๎žต๎ถ๎œš๎œ‚๎˜ƒ๎ต๎œž๎žš๎œ‚๎œš๎œž๎˜ƒ๎œš๎ฝ๎˜ƒ๎ž๎œ ๎œ๎žต๎ฏ๎ฝ๎˜ƒ๎™น๎˜ฏ๎™น๎ฅ•๎˜ƒ๎ฅž๎ฝ๎œ๎ฝ๎žŒ๎žŒ๎œž๎žต๎˜ƒ๎ฝ๎˜ƒ๎œš๎œž๎ž๎œ‚๎ž‰๎œ‚๎žŒ๎œž๎œ๎๎ต๎œž๎ถ๎žš๎ฝ๎˜ƒ
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(Silva 2020, 501).
Essas perspectivas contrariam a ideia essencialista de preservaรงรฃo e autenticidade de prรกticas e
instrumentos das culturas populares e tradicionais. Esta define arbitrariamente objetos, datas, locais
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desapareceu a partir de 1978 no Recรดncavo da Bahia (Graeff e Pinto 2012; Graeff 2015) ๎ฅด e outros vistos
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como tradicional ๎ฅด como no caso do cavaquinho, instrumento associado ao samba urbano do Rio de
Janeiro. Ao mesmo tempo, tais perspectivas refutam a ideia dominante que atribui a origem de
instrumentos musicais de paรญses colonizados ร  Europa, e nรฃo a comunidades indรญgenas existentes no Brasil
pelo menos 40.000 anos antes da colonizaรงรฃo europeia, nem africanas e afrodescendentes, que em
diversos momentos da histรณria do Brasil representaram a maior parte de sua populaรงรฃo. Tal crรญtica,
realizada em relaรงรฃo aos pรญfanos nordestinos em artigo anterior (Santana e Graeff 2021), revela uma faceta
da Normatividade Musical Ocidental (Graeff 2020), jรก que os instrumentos europeus sรฃo tomados como
norma e parรขmetro de investigaรงรฃo e comparaรงรฃo histรณricas, organolรณgicas e musicolรณgicas.
Fontes iconogrรกficas e relatos de viajantes europeus visibilizam a presenรงa de instrumentos africanos no
cotidiano de diversas regiรตes brasileiras. ร‰ o caso especialmente de Jean-Baptiste Debret, pintor francรชs
3
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O trabalho de 2015 รฉ a dissertaรงรฃo de Rafael Galante, que atualmente finaliza sua tese de doutorado
aprofundando ainda mais a temรกtica.
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2006, 68). A anรกlise desses registros รฉ valiosa para revelar como instrumentos africanos podem ter
passado por processos de adaptaรงรฃo e substituiรงรฃo por instrumentos europeus, reconfigurando
musicalidades, tรฉcnicas de execuรงรฃo e suas sonoridades resultantes, ร s novas plataformas de produรงรฃo
sonora. Segundo Debret,
os negros benguelas e africanos devem ser citados como os mais musicais, e sรฃo
sobretudo notรกveis pela arte de fabricaรงรฃo de seus instrumentos, tais como a marimba, a
viola da Angola, espรฉcie de lira de quatro cordas; o violรฃo [sic, violino, do francรชs violon],
cujo corpo รฉ um coco atravessado por um bastรฃo que lhe serve de cabo, e no qual se
amarra uma รบnica corda de latรฃo presa por uma cravelha; e enfim o oricongo, que
represento aqui. (Debret apud Bandeira e Lago 2008, 166, grifos meus)
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instrumentos africanos, comparando-os a instrumentos europeus a fim de facilitar sua descriรงรฃo para
leitores franceses: a marimba, um dos nomes dados a lamelofones, a serem discutido mais adiante; a viola
da Angola, representada nas figuras 1 e 2 abaixo; um instrumento que o autor compara a um violino de
uma corda, mas que pode ser associado a diversos instrumentos monocรณrdicos friccionados africanos
5
e
que podem ter sido ressignificados nos diversos formatos das rabecas brasileiras; e o oricongo, um dos
nomes do berimbau.
A respeito da viola de Angola, o pintor identifica semelhanรงas nรฃo com uma viola portuguesa, mas com
uma lira de quatro cordas. Ai๎ถ๎œš๎œ‚๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ๎ฝ๎˜ƒ๎žš๎œž๎žŒ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎Ÿ€๎๎ฝ๎ฏ๎œ‚๎˜ƒ๎œจ๎ฝ๎ž๎ž๎œž๎˜ƒ๎ฅž๎žต๎ต๎˜ƒ๎ถ๎ฝ๎ต๎œž๎˜ƒ๎๎œž๎ถ๎œ ๎žŒ๎๎œ๎ฝ๎˜ƒ๎ž‰๎œ‚๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œ‚๎ฏ๎ž‹๎žต๎œž๎žŒ๎˜ƒ๎๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎žต๎ต๎œž๎ถ๎žš๎ฝ๎˜ƒ
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instrumento a uma lira provavelmente por se tratar de um cordofone sem braรงo, com as cordas presas a
arcos e nรฃo rentes a um braรงo, tocadas com duas mรฃos paralelas, tal como pluriarcos representados, com
quatro ou mais cordas, em diversas fontes que tambรฉm o denominam de viola. Abaixo uma figura
desenhada pelo prรณprio Debret no Rio de Janeiro entre 1817-1829, e outra de Alexandre Rodrigues
Ferreira entre 1783 e 1792 no Norte do Brasil de pluriarcos que denominaram como violas:
5
Por exemplo, Njarka da regiรฃo do Mali e tocado pelo famoso artista Ali Farka Tourรฉ
https://www.youtube.com/watch?v=SlY2LLDZ2Z8, Gonje da regiรฃo entre Gana e Burkina Faso,
https://www.youtube.com/watch?v=VzqDq2R7KT0, Endingidi de Uganda,
https://www.youtube.com/watch?v=InpGDzEjYKY, e Tchakare de Moรงambique
https://youtu.be/6ZwGo0hrwFo.
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Figura 1 - Viola dโ€™Angola da mรบsica dos pretosโ€, desenho de Jean/Baptiste Debret, Rio de Janeiro 1817-1829. Fonte: Museu Castro-Maia, Rio
de Janeiro, reproduzida em Silva (2006, 70).
Figura 2 - โ€œViola que tocรฃo os pretosโ€, desenho de Alexandre Rodrigues Ferreira, 1783-1792, Norte do Brasil. Fonte: Codina & Freyre โ€“
Acervo da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss1141031.jpg
Como bem detalha Rafael Galante (2015, 114-124), aportando ainda outros exemplos iconogrรกficos de
รfrica e do Brasil, esse cordofone remete ao nsambi, instrumento documentado no Congo jรก no sรฉculo XVII
e no Brasil no sรฉculo XIV, o qual representa apenas um tipo de uma diversidade de pluriarcos
documentados jรก no sรฉculo XVI e presentes em toda a รfrica Central.
Figura 3 โ€“ Foto publicada por G. Ermakoff como โ€œnegro portando objeto desconhecidoโ€, provavelmente feita no Vale do Paraรญba, por volta
de 1870. Fonte: Galante 2015.
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Segundo Salomรฃo Jovina da Silva (2006), a fotografia acima, a รบnica de um pluriarco africano no Brasil,
retrata uma chihumba de quatro cordas, similar ao instrumento descrito por Debret, tambรฉm de quatro
cordas. Alรฉm do instrumento em si, chama a atenรงรฃo na foto a maneira como o instrumento รฉ tocado, nรฃo
com as mรฃos paralelas e ao lado da caixa de ressonรขncia, como no nsambi, mas sim transversalmente:
O fato de que a postura corporal do personagem nรฃo seja tรญpica na execuรงรฃo desse
instrumento sugere que a imagem possa ter registrado o momento de transiรงรฃo de uma
tรฉcnica africana para outra, utilizada para executar as violas ibรฉricas, que foram adotadas
pelos africanos desde os primeiros contatos com cordofones lusitanos. (Silva 2006, 70)
Alรฉm da postura corporal, que permite que a mรฃo direita dedilhe as notas enquanto a esquerda muda sua
afinaรงรฃo ou as abafe, como no braรงo de uma viola ou violรฃo, outro aspecto รฉ relevante. A posiรงรฃo, na mรฃo
direita, do dedo indicador dobrado que esconde o polegar sobre as cordas, enquanto os demais dedos
ficam para fora do instrumento, sugere o uso da tรฉcnica polegar-indicador, a mesma empregada por
violeiros antigos do Recรดncavo, por guitarristas de diversos paรญses, e em lamelofones, como serรก detalhado
๎œ‚๎˜ƒ๎ž๎œž๎๎žต๎๎žŒ๎ฅ˜๎˜ƒ ๎™…๎œž๎ž๎ž๎œž๎˜ƒ ๎œž๎Ÿ†๎œž๎ต๎ž‰๎ฏ๎ฝ๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ ๎ถ๎œ‚๎ž‹๎žต๎๎ฏ๎ฝ๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ ๎™ž๎œ‚๎ฏ๎ฏ๎ฝ๎ต๎œ‚๎˜ƒ ๎ž๎œž๎˜ƒ ๎žŒ๎œž๎œจ๎œž๎žŒ๎œž๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎ฅž๎žš๎žŒ๎œ‚๎ถ๎ž๎๎œ•๎œ†๎ฝ๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎žต๎ต๎œ‚๎˜ƒ๎žš๎œ ๎œ๎ถ๎๎œ๎œ‚๎˜ƒ ๎œ‚๎œจ๎žŒ๎๎œ๎œ‚๎ถ๎œ‚๎˜ƒ ๎ž‰๎œ‚๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ
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๎ฅž๎ž๎žต๎œ๎ž๎žš๎๎žš๎žต๎œ‚๎œ๎๎ฏ๎๎œš๎œ‚๎œš๎œž๎ฅŸ๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎ต๎žท๎ž๎๎œ๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎ž‰๎ฝ๎ž‰๎žต๎ฏ๎œ‚๎žŒ๎œž๎ž๎ฅ•๎˜ƒ๎žต๎ต๎œ‚
habilidade criativa de expressar-se atravรฉs de tรฉcnicas musicais e de traduzir tal
expressรฃo em diversas plataformas de produรงรฃo sonora. (...) O desaparecimento de
determinados instrumentos nรฃo significa a extinรงรฃo de suas tรฉcnicas e sonoridades, seja
em manifestaรงรตes mu๎ž๎๎œ๎œ‚๎๎ž๎˜ƒ๎ต๎œ‚๎๎ž๎˜ƒ๎žš๎žŒ๎œ‚๎œš๎๎œ๎๎ฝ๎ถ๎œ‚๎๎ž๎˜ƒ๎ฝ๎žต๎˜ƒ๎ถ๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œž๎Ÿ†๎ž‰๎žŒ๎œž๎ž๎ž๎ž๎œž๎ž๎˜ƒ๎ต๎œ‚๎๎ž๎˜ƒ๎ฅž๎ต๎ฝ๎œš๎œž๎žŒ๎ถ๎œ‚๎ž๎ฅŸ๎ฅ˜๎˜ƒ๎˜„๎œจ๎๎ถ๎œ‚๎ฏ๎ฅ•๎˜ƒ
esses saberes sensรญveis sรฃo armazenados no corpo de quem os pratica, e nรฃo na
materialidade dos instrumentos. Assim, a substituabilidade parece contribuir para que
determinadas prรกticas e sonoridades sejam transmitidas de geraรงรฃo em geraรงรฃo, mesmo
na falta de determinados instrumentos, pois as traduz em novas plataformas. Dessa
forma, muitas tรฉcnicas, ritmos, melodias, harmonias, movimentos, toques sรฃo
compartilhados entre instrumentos (percussivos, melรณdicos, harmรดnicos), tocadores e
estilos, em diversos tempos e lugares. (Graeff e Resende 2021, 4)
A substituabilidade pode ter se projetado em instrumentos modernos oriundos da Europa quando do
desaparecimento e substituiรงรฃo de instrumentos africanos, principalmente daqueles populares no Brasil
no sรฉculo XIX, como marimbas (Travassos 1995) e lamelofones. Lamelofones sรฃo uma famรญlia de
instrumentos idiofones que produzem o som a partir de lamelas. Seus formatos e terminologias sรฃo
diversos (Silambo 2020b; 2021), entre os quais sรฃo conhecidos no Brasil termos como mbira, kalimba e
๎ฌ๎๎ž๎œ‚๎ถ๎ฉ๎๎ฅ˜๎˜ƒ๎™…๎œ‚๎˜ƒ๎œš๎œž๎ž๎œ๎žŒ๎๎œ•๎œ†๎ฝ๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎˜˜๎œž๎œ๎žŒ๎œž๎žš๎ฅ•๎˜ƒ๎ฝ๎˜ƒ๎ž‰๎๎ถ๎žš๎ฝ๎žŒ๎˜ƒ๎ž๎œž๎˜ƒ๎žŒ๎œž๎œจ๎œž๎žŒ๎œž๎˜ƒ๎œ‚๎˜ƒ๎žต๎ต๎˜ƒ๎ฏ๎œ‚๎ต๎œž๎ฏ๎ฝ๎œจ๎ฝ๎ถ๎œž๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎ต๎œ‚๎žŒ๎๎ต๎œ๎œ‚๎ฅ•๎˜ƒ๎žš๎œž๎žŒ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎ฅž๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ๎ž๎œž๎˜ƒ๎žŒ๎œž๎œจ๎œž๎žŒ๎๎œ‚๎˜ƒ
aos vรกrios tipos de lamelofones centro-africanos que aqui existiam e que, segundo as fontes do sรฉculo XIX,
eram provavelmente os instrumentos musicais mais populares entre a populaรงรฃo de africanos escravizados
(Galante 2015, 31). Thiermann (1971) indaga as razรตes de seu desaparecimento da paisagem musical do
Rio de Janeiro, processo que pode ter ocorrido em outras regiรตes do paรญs e influenciado o
desenvolvimento de prรกticas musicais como o samba. No samba de Sรฃo Paulo, por exemplo, Affonso de
Freitas testemunhou a presenรงa de uma marimba:
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
O samba, ainda em 1860 e at๎œž๎Ÿต mesmo em 1865, pelas festas religiosas ou dias santos de
guarda, reunia-se no P๎œ‚๎Ÿตtio de S๎œ‚๎ …o Bento, obtida licen๎œ๎ ซa oficial, a escravatura da cidade na
realiza๎œ๎ ซ๎œ‚๎ …o dos seus folgares religiosos que eram suas dan๎œ๎ ซas caracter๎ฆ๎Ÿตsticas. O negrume
formava ent๎œ‚๎ …o tantos grupos quantas as origens ๎œž๎Ÿตtnicas em que se subdividia, e as
dan๎œ๎ ซas e os cantares rompiam ao ru๎ฆ๎Ÿตdo seco do reque-reque, ao som rouco e soturno dos
tambus, das pu๎ฆ๎Ÿตtas e dos urucungos que, com a marimba solit๎œ‚๎Ÿตria, formavam a cole๎œ๎ ซ๎œ‚๎ …o
dos instrumentos africanos conhecidos em nossa terra. (Affonso A. de Freitas, apud
Galante, 2015, 132).
Na descriรงรฃo, encontram-se igualmente os arcos mencionados por Debret, os oricongos, aqui grafados
como urucungos, as puรญtas, nome anterior da cuรญca no Brasil (Galante, 2015), o reco-reco, presente em
diversas fontes iconogrรกficas, e uma marimba. ร‰ possรญvel que a marimba nรฃo se trate de um lamelofone
nesta descriรงรฃo, mas de fato de um xilofone marimba. Porรฉm, o lamelofone aparece retratado sob o
๎ต๎œž๎ž๎ต๎ฝ๎˜ƒ ๎ถ๎ฝ๎ต๎œž๎˜ƒ ๎œž๎ต๎˜ƒ ๎ฝ๎žต๎žš๎žŒ๎œ‚๎ž๎˜ƒ ๎œจ๎ฝ๎ถ๎žš๎œž๎ž๎˜ƒ ๎œš๎œ‚๎˜ƒ ๎œ ๎ž‰๎ฝ๎œ๎œ‚๎ฅ•๎˜ƒ ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ ๎ถ๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎ž๎œž๎ถ๎š๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎˜˜๎œž๎œ๎žŒ๎œž๎žš๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎งญ๎งด๎งฎ๎งฒ๎˜ƒ ๎ฅž๎™„๎œ‚๎žŒ๎๎ต๎œ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ ๎™—๎œ‚๎ž๎ž๎œž๎๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ
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Figura 4 - Marimba. Passeio de domingo ร  tardeโ€. Aquarela de Jean-Baptiste Debret, 1826. Fonte: Bandeira e Lago 2008, 165.
A figura 4 mostra um pequeno cortejo realizado por homens negros caracterizados batendo palmas,
tocando reco-reco, dois lamelofones e carregando um estandarte. Cortejos acompanhados de
instrumentos de percussรฃo de frequรชncia indefinida, tal como pandeiros ou reco-recos, e de instrumentos
de frequรชncia definida ๎ฅด equivocadamente chamados de melรณdicos ou harmรดnicos
6
, como lamelofones,
6
Na Normatividade Musical Ocidental tende-se a diferenciar instrumentos musicais pelas principais
funรงรตes da Teoria Musical Ocidental, melodia, harmonia e ritmo, funรงรตes essas especรญficas de um
pensamento voltado ร  mรบsica de concerto europeia. Dessa forma, um violรฃo ou um piano sรฃo
considerados instrumentos harmรดnicos, por sua possibilidade de executar acordes, mais de uma nota ao
mesmo tempo; uma flauta ou oboรฉ sรฃo considerados melรณdicos por executarem notas sucessivas apenas
verticalmente, e nรฃo ao mesmo tempo, formando um ou mais intervalos harmรดnicos; e instrumentos
percussivos sรฃo considerados rรญtmicos, por nรฃo produzirem, em sua maioria, frequรชncias definidas pelas
quais se identificariam melodias ou harmonias. Entretanto, tais nomenclaturas nรฃo compreendem outras
formas de pensar e fazer mรบsica, nem dedicam atenรงรฃo ร  infinita diversidade de instrumentos nรฃo
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
cordofones, instrumentos de sopro ๎ฅด sรฃo atรฉ hoje muito comuns na histรณria e na atualidade do Brasil, seja
em festas de comunidades rurais como nas esmolas de santo do Recรดncavo Baiano, em congados mineiros,
ou mesmo no carnaval do Rio de Janeiro. Por isso, a imagem de Debret nos permite imaginar no lugar dos
dois lamelofones, dois cordofones. Estes talvez seguissem a divisรฃo entre cordofones do samba chula
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7
, isto รฉ, sons mais agudos e mais graves,
sendo o lamelofone menor ร  esquerda o mais agudo, como o machete ou o cavaquinho no samba; e o da
direita de caixa, maior e com ampla caixa de ressonรขncia, o mais grave, como o violรฃo ou a viola no samba.
Essa imaginaรงรฃo รฉ reforรงada por outra fonte iconogrรกfica, uma fotografia registrada pelo percussionista
Djalma Corrรชa em 1973 em Cachoeira, no Recรดncavo Baiano:
Figura 5 - Samba de Roda de Suerdieck na Festa da Boa Morte em Cachoeira, agosto de 1973. Fonte: Acervo Djalma Correa - sob
responsabilidade de Josรฉ Caetano Dable Corrรชa
8
.
Embora o momento do samba representado acima se trate de uma roda e nรฃo de um cortejo, ele ocorre
anualmente ao ar livre, sendo precedido por um cortejo durante a Festa da Boa Morte (Marques, 2008).
Independente deste detalhe, os paralelos entre as duas imagens e contextos sรฃo diversos: homens negros
tocando instrumentos de frequรชncia indefinida, incluindo reco-recos, e de frequรชncia definida, sendo um
cavaquinho agudo no fundo ร  esquerda, uma viola e um violรฃo mais graves ร  frente, que compรตem o
europeus que as transcendem. O prรณprio lamelofone e a o xilofone marimba sรฃo considerados
instrumentos de percussรฃo, apesar do primeiro ser dedilhado, e nรฃo percutido, e de ambos executarem
melodias, harmonias e ainda outras formas nem melรณdicas nem harmรดnicas, mas de notas intercaladas,
que em casos especรญficos correspondem ร  tรฉcnica hoquete e em outros formam padrรตes denominados
๎ฅž๎๎ถ๎žš๎œž๎žŒ๎ฏ๎ฝ๎œ๎ฌ๎๎ถ๎๎˜ƒ๎ž‰๎œ‚๎žš๎žš๎œž๎žŒ๎ถ๎ž๎ฅŸ๎˜ƒ๎ฅพ๎˜ผ๎žต๎œ๎๎ฌ๎˜ƒ๎งญ๎งต๎งด๎งด๎ฅฟ๎ฅ•๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ๎œž๎žต๎˜ƒ๎œ๎š๎œ‚๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎ต๎œ‚๎ถ๎œž๎๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎ต๎œ‚๎๎ž๎˜ƒ๎œ‚๎ต๎ž‰๎ฏ๎œ‚๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎ฅž๎žŒ๎๎žš๎ต๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎œž๎ถ๎žš๎žŒ๎œž๎ฏ๎œ‚๎œ•๎œ‚๎ถ๎žš๎œž๎ž๎ฅŸ๎ฅ˜
7
Mestre Jaime do Eco, de Sรฃo Francisco do Conde-BA, รฉ mestre sambador, cantador de chula e tocador de
cavaquinho, bandolim, guitarra baiana e, mais recentemente, machete, do grupo Samba Chula Poder do
Samba. A explicaรงรฃo sobre a divisรฃo de cordas pode ser encontrada no terceiro artigo da sรฉrie (GRAEFF
2023b) e na live de entrevista No Sotaque das Cordas de 8 de outubro de 2020.
https://youtu.be/oVltCSN4VUM
8
O site do qual foi extraรญda a imagem, www.sotaquesdosamba.com.br, nรฃo se encontrava mais disponรญvel
durante a redaรงรฃo deste artigo. Entretanto, foi possรญvel encontrar essa e outras imagens do evento em
vรญdeo do YouTube produzido a partir do mesmo site: https://www.youtube.com/watch?v=Mj01e8iHNRI.
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conjunto de cordas tรญpico ao samba da รฉpoca (cf. Waddey 1981), acompanhado de palmas, como de
costume no samba de roda e como demonstram demais registros do evento.
O objetivo aqui nรฃo รฉ atestar uma relaรงรฃo direta entre as duas imagens, nem entre os dois eventos e
localidades distintos, mas sim demonstrar iconograficamente e de maneira transversal como, apesar de
suas diferenรงas, prรกticas musicais podem revelar diversas similaridades que apontam para histรณrias,
processos e epistemologias senรฃo comuns, no mรญnimo distintos das narrativas dominantes
ocidentocรชntricas, merecendo seu prรณprio lรณcus de entendimento. Teriam diversos instrumentos africanos
simplesmente desaparecido no Brasil junto de suas prรกticas, ou sido constantemente reconfigurados e
ressignificados de acordo com os contextos em que se inscreviam e seguem se inscrevendo?
Segundo Kubik, as causas para o desaparecimento de lamelofones no Rio de Janeiro ๎ฅด e na Bahia? ๎ฅด
apontado por Thiermann podem coincidir com as do processo de reduรงรฃo da prรกtica de lamelofones na
รfrica Central na dรฉcada de 1960:
a introduรงรฃo de transportes modernos que fez com que cada vez menos pessoas
realizassem jornadas a pรฉ, eliminando consequentemente a necessidade de um
instrumento para entreter as caminhadas; o barulho terrรญvel do trรกfico motorizado em
cidades modernas faria com que os lamelofones simplesmente nรฃo fossem escutados.
Um terceiro fator poderia ser que o crescente acesso da populaรงรฃo negra a guitarras,
devido a mudanรงas econรดmicas. Na รfrica Central durante o boom econรดmico do pรณs-
guerra (1950-1966), o violรฃo ๎ฅž๎ž๎œž๎œo๎ฅŸ ๎ž๎œž๎˜ƒ ๎žš๎ฝ๎žŒ๎ถ๎ฝ๎žต๎˜ƒ ๎œ‚๎˜ƒ ๎ฅž๎ž๎žต๎œ๎œž๎ž๎ž๎ฝ๎žŒ๎ฅŸ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎žต๎ต๎˜ƒ ๎žš๎๎ž‰o especรญfico de
lamelofone. Em alguns casos mรบsicas e estilos foram transferidos diretamente do
lamelofone para o violรฃo.
9
(Kubik 2013, 81, trad. nossa)
Para exemplificar tal processo de substituiรงรฃo, verificado igualmente por Ernst Brown na mรบsica do
Zimbรกbue (Brown 1994), pensando na viola machete e nos diversos cordofones do samba de roda, hรก uma
hipรณtese elaborada pelo etnomusicรณlogo paulista Tiago de Oliveira Pinto em diรกlogo com os trabalhos de
Kubik. Segundo o autor, a tรฉcnica de alternรขncia polegar-indicador, na qual se alternam os dois dedos
enquanto os demais nada dedilham, podendo servir de apoio para a mรฃo sobre o tampo, tal como
empregada na vi๎ฝ๎ฏ๎œ‚๎˜ƒ ๎ต๎œ‚๎œ๎š๎œž๎žš๎œž๎˜ƒ ๎ž‰๎ฝ๎œš๎œž๎žŒ๎๎œ‚๎˜ƒ ๎žŒ๎œž๎ž‰๎žŒ๎œž๎ž๎œž๎ถ๎žš๎œ‚๎žŒ๎˜ƒ ๎žต๎ต๎œ‚๎˜ƒ ๎žŒ๎œž๎ž๎ž๎๎๎ถ๎๎œจ๎๎œ๎œ‚๎œ•๎œ†๎ฝ๎˜ƒ ๎ฝ๎žต๎˜ƒ ๎ฅž๎žš๎žŒ๎œ‚๎ถ๎ž๎œจ๎œž๎žŒ๎œก๎ถ๎œ๎๎œ‚๎ฅŸ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎œž๎ž๎žš๎๎ฏ๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎œž๎˜ƒ
tรฉcnicas empregadas em lamelofones (Pinto 1991), como ocorrido na รfrica Central
10
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9
๎ฅžThe introduction of modern transport which made fewer people perform long journeys on foot, and
therefore also eliminated the need for a pastime instrument during the walks; the terrible noise in modern
cities through motor traffic would make the soft-voices lamellophones simply unheard. A third fator could
have been the increasing availability of guitars to the Black population with the changing economic
situation. In Central Africa during the postwar economic boom (1950-๎งญ๎งต๎งฒ๎งฒ๎ฅฟ๎˜ƒ ๎žš๎š๎œž๎˜ƒ ๎ฅš๎œš๎žŒ๎Ÿ‡๎ฅ›๎˜ƒ๎๎žต๎๎žš๎œ‚๎žŒ๎˜ƒ ๎œ๎œž๎œ๎œ‚๎ต๎œž๎˜ƒ ๎žš๎š๎œž๎˜ƒ
๎ฅš๎ž๎žต๎œ๎œ๎œž๎ž๎ž๎ฝ๎žŒ๎ฅ›๎˜ƒ๎ฝ๎œจ๎˜ƒ๎œ‚๎˜ƒ๎ž๎ž‰๎œž๎œ๎๎œจ๎๎œ๎˜ƒ๎žš๎Ÿ‡๎ž‰๎œž๎˜ƒ๎ฝ๎œจ๎˜ƒ๎ฏ๎œ‚๎ต๎œž๎ฏ๎ฏ๎ฝ๎ž‰๎š๎ฝ๎ถ๎œž๎ฅ˜๎ฅŸ๎˜ƒ
10
O autor recomenda a audiรงรฃo do รกlbum Sanza and Guitar. Music of the Bena Luluwa of Angola and Zaire,
de 1976, para uma compreensรฃo aural dessa substituiรงรฃo e ressignificaรงรฃo tรฉcnica entre o lamelofone e a
guitarra. Link para o รกlbum: https://youtu.be/DJfmAJ10ZCk
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
possรญvel, portanto, que ecos da mรบsica de lamelofone do passado ainda vivam em estilos rurais de guitarra
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(Kubik 2013, 81, trad. nossa).
Joรฃo da Viola utilizando a tรฉcnica polegar-indicador na viola machete, Santo Amaro-BA, 1987. Os demais dedos nรฃo dedilham nenhuma
corda, servindo de apoio para a mรฃo sobre o tampo. Foto: Tiago de Oliveira Pinto (Pinto, 1991).
Embora a tรฉcnica polegar-indicador seja tรญpica tambรฉm de diversas tรฉcnicas de guitarras europeias e
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vihuela de mรฃo espanhola, a hipรณtese de Oliveira Pinto e de Kubik busca menos definir uma origem para a
tรฉcnica do que propor uma perspectiva afrocentrada de processos musicais africanos e afro-diaspรณricos.
Ou seja, a questรฃo nรฃo รฉ determinar onde surge a tรฉcnica, seguindo uma perspectiva difusionista que
define um ponto de origem de onde se difundiriam prรกticas culturais, mas sim compreendรช-las sob um
ponto de vista transcultural que reconhece pontos de interseรงรฃo, sem estabelecer hierarquias, entre elas.
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(Agawu
2016, 19, trad. nossa).
Como consequรชncia, em vez de supor que um africano escravizado tenha aprendido no Brasil a tocar a
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sobre sua prรณpria forma de tocar e uma suposta superioridade musical do segundo, reitera-se outras
possibilidades mais simรฉtricas: que o africano jรก tocava com uma tรฉcnica parecida, e/ou que sua tรฉcnica
possa ter se imposto no instrumento europeu, senรฃo jรก influenciado sua emergรชncia em Portugal muito
antes da colonizaรงรฃo do Brasil.
Outro motivo apontado por Kubik para o desaparecimento dos lamelofones vincula-se a seu potencial
sonoro reduzido: nรฃo apenas o volume do barulho das cidades aumenta com sua modernizaรงรฃo, tornando
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๎ฅžIt is possible, therefore, that echoes of the past lamellophone music live on in some rural Brazilian
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๎ฅžAcknowledging the dazzling displays of creativity through playing, dancing, and singing is far more
significant than establishing ownership or origins of material resources and techniques๎ฅŸ๎˜ƒ๎ฅพ๎˜„๎๎œ‚๎Ÿ๎žต๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งญ๎งฒ๎ฅ•๎˜ƒ๎งญ๎งต๎ฅฟ๎ฅ˜
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um cortejo com lamelofones como o representado por Debret inaudรญvel, mas o volume de diversos
contextos em que as prรกticas musicais acontecem, especialmente com o advento do microfone e da
amplificaรงรฃo. As tecnologias de amplificaรงรฃo e equalizaรงรฃo de voz e instrumentos no Brasil sรฃo uma
realidade desde o advento da gravaรงรฃo elรฉtrica em 1927, ๎ฅžque n๎œ‚๎ …o apenas representou um importante
avan๎œ๎ ซo em qualidade, mas tamb๎œž๎Ÿตm introduziu altera๎œ๎ ซ๎ฝ๎ …es tanto na pr๎œ‚๎Ÿตtica de grava๎œ๎ ซ๎œ‚๎ …o quanto na
experi๎œž๎Ÿบncia auditiva๎ฅŸ๎˜ƒ(Gomes 2014, 76), tornando-se cada vez mais uma exigรชncia nas performances de
mรบsica popular. O guitarrista baiano Jurandir Santana atribui a ausรชncia da viola na mรบsica urbana de
Salvador no inรญcio de sua carreira na dรฉcada de 1980, entre outros, ร  sua inicial inadequaรงรฃo para a
amplificaรงรฃo no palco:
Eu lembro que tinha guitarra, guitarra normal rolava, mas violรฃo, instrumento acรบstico
amplificado nรฃo tinha aqueles prรฉs, nรฃo existia. Entรฃo a gente comprava aqueles
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jรก amplificadas... Entรฃo, pra fazer os shows era uma mรฃo na roda, porque quando vocรช
microfonava a viola com os outros instrumentos de percussรฃo era uma confusรฃo danada,
porque vocรช aumentava o microfone da viola e o surdo entrava, entrava o pandeiro,
entrava tudo... Eu acho que รฉ por isso tambรฉm, isso รฉ um dos fatores que saรญam as violas
jรก com prรฉs e tal, eu comprei minha viola nรฃo tava nem ligando pro som, eu tava ligando
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nรฃo tinha tanto som assim, mas era um som encorpado pra gravar. (Jurandir Santana, NO
SOTAQUE DAS CORDAS
13
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As prรกticas musicais eletrificadas se estabeleceram em Salvador sobretudo a partir de 1951, quando Dodรด
e Osmar, que jรก haviam inventado o precursor da guitarra baiana, o pau elรฉtrico, em 1942, saรญram na
avenida do carnaval com seus instrumentos amplificados, inaugurando o que viria a se tornar o trio
elรฉtrico (Paulafreitas 2011, s.n.). Assim, determinados instrumentos musicais se estabeleceram nas
prรกticas musicais populares da Bahia muito cedo, como a guitarra baiana e a guitarra elรฉtrica mencionada
por Jurandir Santana, instrumento ao qual mais se dedicou e pelo qual รฉ mais conhecido. Enquanto isso,
instrumentos como a viola e a viola machete foram sendo abandonados, principalmente na capital de
Salvador, por nรฃo corresponderem ร s demandas tรฉcnicas e estรฉticas dos novos tempos. Jรก em zonas mais
rurais como as do Recรดncavo Baiano, sua presenรงa perdurou atravรฉs de diversas adaptaรงรตes.
3. Adaptaรงรตes de cordofones no samba do Recรดncavo Baiano
Foi sรณ nas รบltimas dรฉcadas que passaram a ser construรญdas industrial e artesanalmente violas com sistema
de captaรงรฃo, assim como lamelofones artesanais como os do Atelier Mukhambira
14
de Moรงambique,
encabeรงado pelo mรบsico-pesquisador Luka Mukhavele. Se antigamente os cordofones construรญdos
artesanalmente no Recรดncavo Baiano como pelo cรฉlebre luthier Clarindo dos Santos, falecido em 1978,
nรฃo tinham sistemas de captaรงรฃo ou outras tecnologias elรฉtricas correspondentes a novas demandas
13
Vรญdeo disponรญvel no link: https://youtu.be/mBa3qriLQwg.
14
https://www.mukhambira-musical.online
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musicais, os sambadores tinham que buscar outras soluรงรตes para a manutenรงรฃo e adaptaรงรฃo de seus
instrumentos aos novos contextos.
Desde o inรญcio do projeto Tons de Machete era um de meus grandes objetivos conhecer Mestre Celino de
Terra Nova. Celino, alรฉm de ser junto de Mestre Aurino de Maracangalha um dos violeiros antigos a
dominar a viola machete atualmente, jรก havia sido documentado em vรญdeo, em 1987 por Tiago de Oliveira
Pinto, tocando uma viola machete feita por Clarindo dos Santos durante um lindramรด, cortejo de rua
destinado ร  arrecadaรงรฃo de fundos para uma festa de candomblรฉ, em Sรฃo Francisco do Conde. Abaixo uma
imagem de seu Celino no evento:
Figura 6 - Imagem capturada a partir de vรญdeo de Mestre Celino tocando sua viola machete Margarida em um lindramรด em Sรฃo Francisco do
Conde, 1987. Fonte: Acervo pessoal de Tiago de Oliveira Pinto.
Uma das propostas do projeto Tons de Machete era conseguir uma viola machete confeccionada por
Clarindo dos Santos para levรก-la a Portugal, possivelmente ao local tido como seu lugar de origem, a Ilha da
Madeira, e ร  luteria Trevo em Pouso Alegre-MG
15
, com a finalidade de analisรก-la em encruzilhadas
sensรญveis com luthiers e tocadores, bem como para possivelmente tirar sua forma para a construรงรฃo de
uma nova. Apรณs tentativas com outros proprietรกrios de machetes de Clarindo
16
, consegui visitar seu Celino
uma segunda vez antes de partir a Portugal, porรฉm sem esperanรงa de tomar emprestado seu pequeno
tesouro, senรฃo apenas fotografรก-lo.
Apรณs assistirmos o vรญdeo do lindramรด junto a dona Nicinha do Samba e Alexnaldo Santos, comecei a
perguntar a Mestre Celino sobre o instrumento tocado por ele naquele evento. Ele contou que aquela
tinha sido sua primeira viola, comprada apรณs juntar o valor necessรกrio aos 11 anos de idade
17
, e que seu
15
A escolha da luteria se deu pela proximidade de meu companheiro e antropรณlogo pesquisador do samba,
Caio Csermak, com o luthier Luรญs Armando, considerado um dos maiores luthiers de viola do Brasil e que
constrรณi violas para artistas como Almir Sater e Ivan Vilela.
16
Perguntando a Milton Primo, que possui duas machetes de Clarindo, ele me recomendou procurar a
famรญlia do falecido professor Raimundo Sodrรฉ. Apรณs conhecer sua esposa, entrei em contato com sua irmรฃ
Nilsa, que รฉ quem guarda com muito zelo sua machete na Dinamarca, onde reside, hรก anos. A
responsabilidade sobre a relรญquia do irmรฃo nรฃo permitiu o emprรฉstimo do instrumento para uma viagem
internacional.
17
Antes da viola Margarida, Mestre Celino teve um cavaquinho que ganhou aos 8 anos de idade.
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nome era Margarida. Tive que perguntar algumas vezes o que tinha acontecido com a viola, se ele ainda a
possuรญa, pois Mestre Celino desconversava; atรฉ dizer que estava guardada em um armรกrio. Ao ceder ao
meu interesse insistente, foi buscar o instrumento e me entregou uma machete chamada Preta. Nem
imaginando que a Preta tambรฉm tinha sido construรญda por Clarindo, afinal era pintada e envernizada,
comentei que ela era muito diferente daquela que havรญamos visto no vรญdeo, que nรฃo tinha as belas flores
marchetadas de Clarindo. Foi entรฃo que seu Celino saiu para buscar em um lugar ainda mais escondido da
casa sua Margarida.
Pedi para fotografar os dois instrumentos, enquanto ele me contava como diversas pessoas o abordaram
para comprar, pegar emprestado, levar a viola Margarida para o museu da casa do samba, mas que ele nรฃo
havia cedido a nenhum pedido. No exato momento em que eu tirava a foto abaixo, sue Celino me disse
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Figura 7 - Viola Margarida e Viola Preta, construรญdas por Clarindo de Jesus, adaptadas por Mestre Celino. Foto: Nina Graeff, 24/09/2019,
Terra Nova-BA.
O braรงo e o cavalete da viola Margarida vistos na foto, assim como o fundo do instrumento, foram uma
tentativa frustrada do prรณprio mestre em reconstruรญ-lo. Apenas o tampo e as paredes eram originais. Jรก a
viola Preta, segundo Celino, mantinha toda construรงรฃo original, ainda que com a mรฃo quebrada
18
, tendo
sido posteriormente adicionada de um captador para sua amplificaรงรฃo.
Celino disse que eu podia escolher qual delas levar. A proposta inicial de transportar uma viola a Portugal
tornou-se secundรกria ao ver Margarida toda deteriorada e inutilizรกvel e perceber o desejo de seu Celino de
poder tocรก-la novamente. Por isso, prometi-lhe trazรช-la quatro meses depois restaurada, caso fosse ainda
possรญvel salvar o pouco material original que restou, o que impossibilitou sua transportaรงรฃo a Portugal.
Para tanto, registrei seu Celino explicando os aspectos que considerava importantes para a restauraรงรฃo em
um vรญdeo enviado por Whatsapp ao luthier Luรญs Armando da Lutheria Trevo, assim como enviei
depoimento seu a Mestre Celino explicando como cuidaria de sua viola tรฃo querida e valiosa.
18
Os buracos da mรฃo da viola preta sรฃo caracterรญsticos do sistema de tarraxas, diferente das cravelhas
utilizadas nas violas de Clarindo que se tem registro, por isso รฉ possรญvel que tenham sido feitas outras
alteraรงรตes no instrumento. Jรก a pintura e o verniz podem ter sido feitos por Clarindo, jรก que em fala sua a
ser citada nas prรณximas pรกginas, fica subentendido que ele tambรฉm pintava e envernizava instrumentos.
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Devido ร  sua deterioraรงรฃo, nรฃo foi possรญvel reconstituir a Margarida tal como era antigamente e como
desejava seu Celino, com a altura do braรงo rente ao corpo (sem escala elevada) e apenas 10 casas, o que
permitiria ao violeiro incrustar seus prรณprios trastes no corpo, como aqueles vistos no corpo da viola Preta,
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elevada do braรงo, tรฉcnica padrรฃo na construรงรฃo moderna de violรตes e violas, atrapalha o pinicado.
Entretanto, a fragilidade da รบnica peรงa original que pode ser mantida, o tampo, exigiu uma nova estrutura
para o instrumento.
Luรญs Armando, insatisfeito com o resultado sonoro da viola restaurada, fez questรฃo de surpreender a todos
ao construir uma viola nova para seu Celino, alรฉm da que eu havia encomendado para mim. O luthier
queria que seu Celino pudesse experimentar uma machete de estrutura moderna, com som mais potente.
Reproduzo abaixo uma fotografia das trรชs violas juntas confeccionadas pelo luthier mineiro ao lado direito
de uma machete construรญda por seu Zรฉ Carpina de Amรฉlia Rodrigues-BA, e outra do momento de entrega
das duas machetes a seu Celino:
Figura 8 - Machete construรญda por Zรฉ Carpina, e machetes confeccionadas por Luรญs Armando; machete Margarida de tampo e faixa lateral
originais de Clarindo dos Santos; machete 01 feita para a autora; e machete 02 construรญda para Mestre Celino. Foto: Nina Graeff,
13/01/2020, Pouso Alegre.
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
Figura 9 - Seu Elรณi segurando a machete Margarida restaurada e Mestre Celino tocando a nova machete construรญda por Luรญs Armando. Foto:
Nina Graeff, 19/01/2020, Terra Nova.
Para alรฉm da encruzilhada nรฃo apenas de saberes sensรญveis, mas de encantamentos que essas fotos
representam, afinal esse processo nรฃo foi estimulado por nada mais que uma troca de afetos e
generosidades entre pessoas que mal se conheciam ๎ฅด eu, Luรญs Armando e Mestre Celino
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๎ฅด a imagem das
quatro machetes juntas รฉ notรณria. A machete de seu Zรฉ Carpina tem medidas consideravelmente maiores,
tendo inclusive um corpo bem mais fundo que a de Clarindo, o que levou alguns sambadores a chamรก-la de
trรชs-quartos e de machetรฃo. Jรก nas outras trรชs machetes, Luรญs Armando manteve as medidas do tampo e
do braรงo de seu Clarindo, enquanto experimentou variaรงรตes em todos os demais aspectos de sua
construรงรฃo: para cada uma utilizou uma combinaรงรฃo diferente de tipos e consequentemente cores de
madeira, assim como de cavaletes e decoraรงรตes; tambรฉm decidiu por utilizar tarraxas incrustadas
verticalmente na Margarida, em vez de presas nas laterais, aproximando-as das antigas cravelhas; e
tambรฉm aumentou a altura dos corpos das duas machetes novas, sendo a minha a maior das trรชs, com a
finalidade de ampliar seu som. Hรก certamente muitos outros detalhes e diferenรงas de luteria entre as
violas machetes trabalhadas pelo luthier. Interessa aqui atentar para o fato de que um luthier, ou o mรบsico
que lhe faz a encomenda, nรฃo busca de forma alguma seguir um padrรฃo de construรงรฃo e fazer
instrumentos iguais.
A prรณpria ideia de que o machete e demais instrumentos construรญdos por Clarindo dos Santos seguiam um
formato ou tรฉcnica de construรงรฃo รบnicas รฉ equivocada. Em entrevista gravada em รกudio por Ralph Waddey
na oficina de seu Clarindo em 1977, o luthier relata como comeรงou a construir instrumentos. Apesar de
seus primeiros instrumentos adquiridos terem sido um cavaquinho e depois um bandolim, comprados do
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O dia em que seu Celino magicamente decidiu me emprestar sua Margarida era apenas a terceira vez em
que nos encontrรกvamos, enquanto ele e Luรญs Armando nunca se falaram, apenas se viram pelos vรญdeos que
registrei. Mesmo assim, o luthier nรฃo cobrou nada pelas violas, em um ato de generosidade incomparรกvel
ao qual serei eternamente grata.
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luthier de quem buscava copiar os instrumentos, seu Lรญdio, o primeiro instrumento que construiu foi uma
viola trรชs quartos. Logo depois lhe encomendaram uma viola meia regra, que fez de pinho, seguida de dois
cavaquinhos, um de jacarandรก e outro de madeira paraรญba. Na entrevista ainda sรฃo mencionados outros
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(...) Tem machetinho que eu fiz a forma, mas a forma apodreceu, nรฃo fiz mais nรฃo. Tem o machetรฃo que รฉ
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20
. Abaixo pode-se observar outras fotografias de violas feitas por Clarindo, todas com
cravelhas de madeira no lugar do sistema moderno de tarraxas:
Figura 10 - Violas feitas por Clarindo dos Santos. Esq.: Viola trรชs-quarto e viola machete, com contra-cavalete no tampo. Foto: Ralph
Waddey, 1977 (WADDEY, 1980: 200). Cen.: Viola machete de Zรฉ de Lelinha, com rastilho e encordoamento atรฉ o final do tampo com cordal.
Foto: Luiz Santos (IPHAN, 2006: 43). Dir.: Violas machete de Milton Primo que serviram de referรชncia para a primeira viola machete
construรญda por Rodrigo Veras, tambรฉm com cordal ao final do tampo e rastilhos na frente. Foto: Rodrigo Veras, Dezembro de 2012, fonte:
https://corpodusom.blogspot.com/2013/06/viola-machete-construida-para-milton.html
Nas violas da primeira foto, vรช-se o encordoamento mais comum de violas e violรตes atuais, com as cordas
presas a um cavalete no tampo do instrumento. Nas seguintes se visualiza sobre o tampo um rastilho (ou o
espaรงo onde ficava no caso da รบltima viola), que Clarindo chama de contra-cavalete, que mantรฉm a
elevaรงรฃo das cordas antes de seu rebaixamento natural ao serem esticadas e presas em um duas placas de
metal no fim do tampo, uma espรฉcie de cordal como no bandolim ou no banjo. Essa tรฉcnica empregada
igualmente na viola machete de Joรฃo de Deus, assim como nas duas de seu Celino, levou Oliveira Pinto a
tecer paralelos organolรณgicos com cรญtaras (PINTO, 1991: 115). Tambรฉm se visualizam diferentes decoraรงรตes
nos tampos e formas de unir o braรงo ao corpo (algumas mais arredondadas, outras trianguladas) e a
combinaรงรฃo de diferentes madeiras em cada instrumento.
No diรกlogo com Ralph Waddey, cada pergunta do pesquisador tentando definir tamanho, terminologia e
tรฉcnica empregada รฉ rebatida pelo luthier com exemplos de sua prรกtica e dos diversos instrumentos que
os rodeiam:
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Entrevista com Clarindo dos Santos em sua oficina concedida a Ralph Waddey, Santo Amaro da
Purificaรงรฃo, 21/11/1977. Fonte: acervo pessoal de Mรกrio Lamparelli.
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Ralph Waddey: O que รฉ que determina a regra? ร‰ o braรงo ou รฉ o tamanho da caixa? -
Clarindo dos Santos: ร‰ tudo. Olha, essa caixa depende de uma regra desse tamanho,
porque se botar uma regra daquela sua, porque esse cavalete vem pra aqui. Agora,
aquela regra daquela viola ali, ela รฉ menor, mas ela dรก pra essa. [...] Agora tem outra
regra daqui, que esse cavalete vem pra aqui mais. Entรฃo quando eu faรงo viola sem o
cavalete de madeira, pregada aqui, eu faรงo com o braรงo maior, com a regra maior,
porque isso vem pra aqui e o [contra-?] cavalete aqui pregado nรฃo tem importรขncia. [...] -
RW: Agora, quando o cavalete vai aรญ atรฉ o fim e prende aรญ atrรกs, o contra-cavalete fica
onde? - CS: Quando รฉ nessa regra ele fica aqui mesmo... - RW: Depois do lugar [do
cavalete?]... - CS: E quando รฉ da regra maior que eu tenho, ele vem pra aqui assim. - RW:
Dois centรญmetros (abaixo da referรชncia anterior?) - CS: Esse aqui nรฃo vai cavalete de
madeira, senรฃo fica feio. Agora, se botar regra maior que eu tenho aรญ e botar o cavalete
de madeira, esse [contra]cavalete vem pra aqui oh, fica feio. (Entrevista de Ralph Waddey
com Clarindo dos Santos, 21/11/1977, Santo Amaro da Purificaรงรฃo-BA)
Embora nรฃo seja possรญvel visualizar os instrumentos e posiรงรตes das peรงas indicadas por Clarindo, nem as
verificar com Ralph Waddey, falecido no inรญcio do projeto Tons de Machete, o diรกlogo entre ambos รฉ
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especรญfica de uma parte ou do corpo inteiro do instrumento, por exemplo do braรงo e seu nรบmero de
trastes, como sugerem as tabelas comparativas de Corrรชa (2014, 66). Para Clarindo, a regra envolve
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inclui sua profundidade, localizaรงรฃo do cavalete e, quando empregado, do contra-cavalete etc. Depois, ao
explicar sobre a aplicaรงรฃo do contra-cavalete para o encordoamento atรฉ o final do tampo, quando abre
mรฃo do cavalete de madeira, o luthier deixa claro que a relaรงรฃo nรฃo รฉ meramente geomรฉtrica, mas
estรฉtica: a depender do tamanho da regra, a posiรงรฃo do cavalete e/ou do contra-cavalete muda, podendo
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RW: Agora, o som da viola que tem o cavalete aqui no fundo รฉ diferente? - CS: ร‰ a mesma
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madeira. Aรญ uma madeira boa, [bate na madeira] cedro, pinho paraรญba, tudo bom de som.
E se fizer tudo disso, ave maria, fica um som grosso danado. [...] Tem uns pinho que eu
faรงo a viola toda de pinho e dรก dura de corda danada. E tem outras que eu faรงo toda de
pinho, como de Joรฃo de Deus lรก de Santo Amaro - รฉ sambador, tanto grita como toca - e a
violinha dele รฉ famanada em Santo Amaro, toda de pinho: รฉ a qualidade do pinho,
depende da qualidade do pinho. (Entrevista de Ralph Waddey com Clarindo dos Santos,
Santo Amaro, 21/11/1977)
Para Clarindo, portanto, o tipo de encordoamento que emprega o cavalete de madeira se apresenta como
mera questรฃo de estรฉtica visual, que nรฃo intervรฉm na sonoridade do instrumento. Essa รฉ definida muito
mais pelo tipo e combinaรงรฃo de madeiras utilizadas, alรฉm das relaรงรตes geomรฉtricas do instrumento, jรก que
๎ฅž๎ฝ๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎žต๎žš๎ฝ๎žŒ๎˜ƒ๎ž‰๎œž๎ถ๎ž๎œ‚๎˜ƒ๎ถ๎œ‚๎˜ƒ๎žŒ๎œž๎ฏ๎œ‚๎œ•๎œ†๎ฝ๎˜ƒ๎ž๎ฝ๎ต-estrutura, inclusive com a madeira, o pedaรงo de pau que ele vai ter ali
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20/01/2021). A relaรงรฃo som-estrutura varia ainda de acordo com aquilo que รฉ desejado pelo mรบsico que
encomenda o instrumento.
Ainda dois aspectos chamam a atenรงรฃo nessa fala de seu Clarindo. Primeiro, a coincidรชncia de mencionar
justamente Joรฃo de Deus e sua viola Criolinha, anos antes dos registros de Tiago de Oliveira Pinto. Atravรฉs
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utilizando apenas madeira de pinho em todas as suas partes. Clarindo considera Joรฃo de Deus e Maurรญcio
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chamando atenรงรฃo para o fato de que um bom sambador faz bem as duas coisas.
Um segundo aspecto รฉ que, ao se referir ร s madeiras de qualidade para a construรงรฃo dos instrumentos,
Clarindo bate em cada madeira. Ao mencionar a Luรญs Armando esses trรชs tipos de madeira como referรชncia
na construรงรฃo de machetes antigos, ele nรฃo sabia do que se tra๎žš๎œ‚๎Ÿ€๎œ‚๎˜ƒ ๎œ‚๎˜ƒ ๎ต๎œ‚๎œš๎œž๎๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ ๎ฅž๎ž‰๎œ‚๎žŒ๎œ‚๎Ÿ๎œ๎œ‚๎ฅŸ๎ฅ•๎˜ƒ ๎žš๎œž๎žŒ๎ต๎ฝ๎˜ƒ
empregado regionalmente. Quando lhe mostrei esse trecho de รกudio da entrevista, Luรญs Armando
reconheceu a madeira imediatamente apenas pelo som da batida de seu Clarindo, concluindo que era um
tipo especรญfico de pinho. Ou seja, o conhecimento em torno de instrumentos musicais nรฃo envolve apenas
๎ž‹๎žต๎œž๎ž๎žš๎ž๎œž๎ž๎˜ƒ๎๎œž๎ฝ๎ต๎œ ๎žš๎žŒ๎๎œ๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ๎Ÿ€๎๎ž๎žต๎œ‚๎๎ž๎ฅ•๎˜ƒ๎ต๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎ฝ๎žต๎žš๎žŒ๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎ฅž๎ž๎œ‚๎œ๎œž๎žŒ๎œž๎ž๎˜ƒ๎ž๎œž๎ถ๎ž๎Ÿ๎Ÿ€๎œž๎๎ž๎ฅŸ๎˜ƒ๎ฅพ๎˜ง๎žŒ๎œ‚๎œž๎œจ๎œจ๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งญ๎งด๎ฅฟ๎ฅ—๎˜ƒ๎ž๎œž๎ถ๎žš๎๎œš๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎œ‚๎˜ƒ๎œž๎ž๎œ๎žต๎žš๎œ‚๎ฅ•๎˜ƒ๎ฝ๎˜ƒ
toque, o olfato, desenvolvidos atravรฉs de anos de experiรชncia e que estabelecem relaรงรตes profundas com
os materiais e sonoridades envolvidos nos processos de construรงรฃo.
Se a relaรงรฃo som-estrutura mencionada por Rodrigo Veras รฉ variรกvel para um mesmo construtor,
igualmente variam as tecnologias de construรงรฃo empregadas. Mestre Aurino de Maracangalha, que รฉ
sobrinho e afilhado de Clarindo dos Santos, comentou ao assistir os vรญdeos de Joรฃo da Viola
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que seu
machete e os machetes da รฉpoca eram feitos de facรฃo e a partir de uma moldura feita no chรฃo, como na
tรฉcnica artesanal de pandeiro ๎œš๎œž๎ต๎ฝ๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎œ‚๎œš๎œ‚๎˜ƒ๎ž‰๎ฝ๎žŒ๎˜ƒ ๎™„๎œž๎ž๎žš๎žŒ๎œž๎˜ƒ ๎˜’๎œž๎ฏ๎๎ถ๎ฝ๎˜ƒ ๎ถ๎œ‚๎˜ƒ๎Ÿ€๎๎œš๎œž๎ฝ๎œ‚๎žต๎ฏ๎œ‚๎˜ƒ ๎ฅž๎™„๎œž๎ž๎žš๎žŒ๎œž๎˜ƒ ๎˜’๎œž๎ฏ๎๎ถ๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎œ„๎˜ƒ ๎ฝ๎˜ƒ ๎žš๎ฝ๎ž‹๎žต๎œž๎ฅ—๎˜ƒ
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. Considerando a citaรงรฃo anterior de seu Clarindo de que sua forma de
machetinho apodreceu, pode-se imaginar que as formas utilizadas servissem de referรชncia para o tamanho
do buraco a ser feito no chรฃo, o qual seguraria a madeira lateral do instrumento pelo tempo necessรกrio
para moldรก-la de acordo com o formato desejado ๎ฅด segundo Mestre Aurino oito dias. Hoje em dia existem
diversas ferramentas para atingir este o๎œ๎ฉ๎œž๎žš๎๎Ÿ€๎ฝ๎ฅ•๎˜ƒ๎œ‚๎ž๎ž๎๎ต๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎œ‚๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ฏ๎œ‚๎ฅ•๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎ฅ•๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎œž๎ถ๎žš๎œ‚๎˜ƒ๎˜„๎žต๎žŒ๎๎ถ๎ฝ๎ฅ—๎˜ƒ๎ฅž๎ถ๎œ‚๎ž‹๎žต๎œž๎ฏ๎œž๎ž๎˜ƒ
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Maracangalha-BA).
Outro exemplo de mudanรงa na tecnologia da construรงรฃo da viola foi apontado pelo luthier Luรญs Armando.
Ao abrir o corpo da viola Margarida de Mestre Celino, ele estranhou a ausรชncia do leque harmรดnico
23
,
estrutura importante para a sustentaรงรฃo das cordas sem que o tampo empene, no lugar do qual havia
apenas duas traves paralelas:
21
Em entrevista realizada em 18/09/2019, Maracangalha-BA.
22
https://youtu.be/nBBAEbOvB48๎ฅ•๎˜ƒ๎ต๎๎ถ๎žต๎žš๎ฝ๎˜ƒ๎งฎ๎งฎ๎ฅ›๎งฑ๎งญ๎ฅ˜๎˜ƒ
23
Conversa pessoal em 26 de setembro de 2019.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232404 | 2023
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
Figura 11 - Luthier Luรญs Armando, da Lutheria Trevo, abrindo o fundo da viola machete Margarida construรญda por Clarindo de Jesus e
restaurada por Mestre Celino. Foto: Nina Graeff, Pouso Alegre, 26/09/2019.
Segundo o luthier, a estrutura do leque harmรดnico jรก รฉ padrรฃo na construรงรฃo moderna de violas hรก muitas
dรฉcadas. Sua ausรชncia denotaria uma tรฉcnica antiga, possibilidade corroborada por um desenho feito em
1976 pelo luthier Vergรญlio Artur de Lima de duas violas mineiras antigas (Corrรชa 2014, 74), que apresenta
estrutura interna do tampo como a da foto acima, com apenas duas travas ou, como anotou o luthier no
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machete pelo luthier pernambucano Rodrigo Veras, responsรกvel pelo ensino de construรงรฃo da viola
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liderado pelo mรบsico e sambador Milton Primo. A foto do processo de construรงรฃo de uma viola machete
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mostra um leque harmรดnico sendo prensado:
Figura 12 - Leque harmรดnico hรญbrido de uma de viola machete sendo construรญda por Adson Santโ€™Anna dentro no projeto Essa viola dรก
samba! Fonte: Site do projeto. https://sites.google.com/view/essavioladasamba/apresentaรงรฃo
Segundo Rodrigo Veras, o leque acima trata-se de um leque, utilizado apenas no projeto par๎œ‚๎˜ƒ๎ฅž๎ž๎๎ต๎ž‰๎ฏ๎๎œจ๎๎œ๎œ‚๎žŒ๎˜ƒ๎ฝ๎˜ƒ
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construรงรฃo para o contexto especรญfico dos aprendizes da oficina, combinando as tecnologias para
possibilitar ao mesmo tempo duas opรงรตes de construรงรฃo; uma com cavalete e outra com cordal. O luthier
afirma que na construรงรฃo de outros instrumentos com cordal, como bandolins e guitarras portuguesas,
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tampouco รฉ necessรกrio o leque harmรดnico, sendo suficiente uma barra transversal, que pode ser reforรงada
em outros pontos para equalizar o tampo (Rodrigo Veras, conversa de Whatsapp em 29/03/2022).
Sobre o uso variado do leque harmรดnico e de outras tecnologias, o luthier segue o que chama de uma
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melhor ou pior que a outra; mais desenvolvida ou mais atual do que a outra. Sobre a decisรฃo pelo emprego
do leque harmรดnico, ele afirma:
Isso em hipรณtese alguma quer dizer que รฉ melhor. Pelo contrรกrio, o que se percebe รฉ que
aparentemente os instrumentos com menos estrutura no tampo tรชm uma ressonรขncia e
um som na hora que รฉ feito realmente muito mais amplo, no sentido que vocรช tem
๎ต๎œž๎ถ๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎žš๎žŒ๎œ‚๎Ÿ€๎œ‚๎˜ƒ ๎ถ๎œ‚๎˜ƒ ๎ต๎œ‚๎œš๎œž๎๎žŒ๎œ‚๎ฅ•๎˜ƒ ๎œž๎ถ๎žš๎œ†๎ฝ๎˜ƒ ๎Ÿ€๎ฝ๎œ๎œก๎˜ƒ ๎ฅž๎œ๎žŒ๎žŒ๎žŒ๎œ‚๎ต๎ฅŸ๎ฅ—๎˜ƒ ๎Ÿ€๎๎œ๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ ๎ฝ๎˜ƒ ๎žš๎œ‚๎ต๎ž‰๎ฝ๎˜ƒ ๎๎ถ๎žš๎œž๎๎žŒ๎ฝ๎˜ƒ ๎ฅพ๎ฅ˜๎ฅ˜๎ฅ˜๎ฅฟ๎˜ƒ ๎œž๎žต๎˜ƒ ๎ถ๎œ†๎ฝ๎˜ƒ ๎žš๎ž€๎˜ƒ
pensando em fazer um instrumento pra tocar legal durante um tempo, talvez preencher
algum requisito estรฉtico ou mesmo de preservaรงรฃo de patrimรดnio (...) precisava, durante
o projeto ainda mais, propor um instrumento que durasse para atender as expectativas
da comunidade da Pitangueira em ter violas que fossem utilizรกveis para o ensino
aprendizagem que se estende atรฉ os dias atuais (...) agora mesmo eu tรด pondo tensor no
braรงo. Nรฃo รฉ o braรงo que empena? Pronto, se o braรงo empenar, ele vai voltar... entรฃo eu
tenho que pensar no peso... sรฃo transformaรงรตes que eu faรงo... (Rodrigo Veras, รกudio de
Whatsapp em 20/01/2022)
Rodrigo reconhece as vantagens e desvantagens de cada tecnologia nas decisรตes que toma, contrariando a
๎ฅž๎œจ๎œ‚๎ฏ๎ž๎œ‚๎˜ƒ๎ž‰๎žŒ๎œž๎ต๎๎ž๎ž๎œ‚๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ ๎๎ถ๎ฝ๎Ÿ€๎œ‚๎œ•๎œ†๎ฝ๎˜ƒ ๎œž๎˜ƒ๎œž๎Ÿ€๎ฝ๎ฏ๎žต๎œ•๎œ†๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎ž๎๎๎ถ๎˜ƒ๎žŒ๎œž๎ž๎žต๎ฏ๎žš๎œž๎ต๎˜ƒ ๎ถ๎œž๎œ๎œž๎ž๎ž๎œ‚๎žŒ๎๎œ‚๎ต๎œž๎ถ๎žš๎œž๎˜ƒ ๎œž๎ต๎˜ƒ๎œ‚๎ž‰๎žŒ๎๎ต๎ฝ๎žŒ๎œ‚๎ต๎œž๎ถ๎žš๎ฝ๎ฅŸ
25
(Barclay 2003, 24, trad. nossa). No exemplo acima, demonstra ter prezado no projeto pela durabilidade do
instrumento, afinal, por mais que seu resultado sonoro atenda ร s expectativas do tocador que o
encomendou no ato da entrega, seguramente o comprador cujo instrumento apresentar defeitos ao longo
do tempo terรก muita insatisfaรงรฃo. O problema de empenar o tampo da viola machete, por exemplo, รฉ
bastante comum, tendo ocorrido com a minha viola feita por seu Zรฉ Carpina e, segundo relatos de mestres,
com outras machetes feitas recentemente por construtores de pouca experiรชncia
26
, trazendo este tipo de
insatisfaรงรฃo aos compradores.
Alรฉm disso, violeiros e sambadores relembram sempre a dificuldade de afinar e manter a afinaรงรฃo das
violas machetes antigas, por utilizarem cravelhas de madeira para segurar as cordas, no lugar do sistema
๎ต๎ฝ๎œš๎œž๎žŒ๎ถ๎ฝ๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎žš๎œ‚๎žŒ๎žŒ๎œ‚๎Ÿ†๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎ต๎œž๎žš๎œ‚๎ฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎™ž๎œž๎๎žต๎ถ๎œš๎ฝ๎˜ƒ๎™„๎œž๎ž๎žš๎žŒ๎œž๎˜ƒ๎˜„๎žต๎žŒ๎๎ถ๎ฝ๎ฅ•๎˜ƒ๎ฝ๎˜ƒ๎ž๎๎ž๎žš๎œž๎ต๎œ‚๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎žš๎œ‚๎žŒ๎žŒ๎œ‚๎Ÿ†๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎ฅž๎ถ๎œ†๎ฝ๎˜ƒ๎œž๎Ÿ†๎๎ž๎žš๎๎œ‚๎˜ƒ๎ถ๎œ†๎ฝ๎ฅ˜๎˜ƒ๎˜ฏ๎ž๎ž๎ฝ๎˜ƒ๎œ‚๎Ÿ๎˜ƒ๎œจ๎ฝ๎๎˜ƒ
de 80 e poucos pra cรก. (...) Tinha na viola grande, na regra inteira, algumas que tinham, quem pudesse
botar, porque aquilo ๎œž๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎œ๎œ‚๎žŒ๎ฝ๎ฅ˜๎˜ƒ๎˜œ๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎œ‚๎ž๎ž๎๎ต๎ฅ˜๎˜ƒ๎˜˜๎œž๎ž‰๎ฝ๎๎ž๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎งด๎งฌ๎ฅ•๎˜ƒ๎ž‰๎ฝ๎žŒ๎˜ƒ๎œ‚๎Ÿ๎˜ƒ๎ž๎๎ต๎ฅ•๎˜ƒ๎œ‚๎Ÿ๎˜ƒ๎œจ๎ฝ๎๎˜ƒ๎œ‚๎ž‰๎œ‚๎žŒ๎œž๎œ๎œž๎ถ๎œš๎ฝ๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ๎œจ๎ฝ๎๎˜ƒ๎ต๎ฝ๎œš๎๎œจ๎๎œ๎œ‚๎ถ๎œš๎ฝ๎ฅŸ
27
.
Aos poucos, os cordofones antigos jรก nรฃo correspondiam a novas demandas da prรกtica musical: seu
volume รฉ baixo em um contexto microfonado e com mais instrumentos de percussรฃo, devido a seus corpos
pequenos e suas estruturas de construรงรฃo; nรฃo eram amplificรกveis para o palco; suas cravelhas sรฃo difรญceis
25
๎ฅžFalse assumption that innovation and evolution of design necessarily result in improvement๎ฅŸ๎ฅ˜
26
Mantenho aqui os mestres e os construtores no anonimato para evitar conflitos entre eles.
27
Entrevista filmada com Mestre Aurino em 18 de setembro de 2019.
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
de afinar e de manter a afinaรงรฃo; eram estruturalmente mais frรกgeis e consequentemente menos
duradouros que instrumentos de construรงรฃo moderna, feitos em fรกbrica ou a mรฃo.
Assim, pode-se perceber como a viola machete nรฃo foi sendo substituรญda por outros instrumentos apenas
porque seus construtores foram morrendo sem pupilos a quem repassar seu conhecimento, mas tambรฉm
porque sua tรฉcnica de construรงรฃo artesanal se tornou desatualizada, obsoleta dentro de novos contextos
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machete, nรฃo representa descuido em relaรงรฃo a antigas prรกticas. Ao contrรกrio, elas trazem ร  tona uma
parรกbola no conceito de preservaรงรฃo: insistir na preservaรงรฃo de um determinado formato de instrumento
ou de uma tรฉcnica de construรงรฃo antigos intactos, nesse caso, implica em diminuir a durabilidade e
aplicabilidade dos instrumentos em contextos musicais atuais, isto รฉ, em reduzir seu prรณprio potencial de
preservaรงรฃo tanto material como imaterial atravรฉs de seu uso.
ร‰ por isso que seu Celino e seu Aurino tocavam, e seguem tocando, violas industrializadas antes de ganhar
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da machete ou nรฃo soubessem tocรก-la. ร‰ por isso tambรฉm que Mestre Jaime toca bandolim, cavaquinho e
guitarra baiana, todos amplificรกveis, e nรฃo porque nรฃo tivesse ou nรฃo quisesse tocar viola machete, como a
๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ๎œ‚๎œš๎ž‹๎žต๎๎žŒ๎๎žต๎˜ƒ๎œž๎ต๎˜ƒ๎ถ๎ฝ๎Ÿ€๎œž๎ต๎œ๎žŒ๎ฝ๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งญ๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎˜ƒ๎ฝ๎˜ƒ๎ฏ๎žต๎žš๎š๎๎œž๎žŒ๎˜ƒ๎˜ง๎žต๎ž๎žš๎œ‚๎Ÿ€๎ฝ๎˜ƒ๎™ž๎œ‚๎ถ๎žš๎ฅ›๎˜„๎ถ๎œ‚๎ฅ•๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎˜ง๎ฝ๎๎œ„๎ž๎ฅ•๎˜ƒ๎œ‚๎žš๎žŒ๎œ‚๎Ÿ€๎œ ๎ž๎˜ƒ๎œš๎œ‚๎˜ƒ๎nternet, apรณs
diversas tentativas frustradas com construtores de sua regiรฃo.
Fig. 13: ร€ esquerda, Joรฃo de Deus com machete Criolinha feita por Clarindo dos Santos, em foto de Tiago de Oliveira Pinto em Santo Amaro
da Purificaรงรฃo-BA, 1984 (PINTO 1991, 155). No centro, Mestre Aurino tocando machete confeccionada pelo projeto Essa Viola dรก Samba!,
em foto de Samuel Macedo em Maracangalha-BA, 2017. ร€ direita: Mestre Jaime do Eco e grupo Samba Chula Poder do Samba tocando sua
guitarra baiana, em foto de Nina Graeff em Coroado-BA, marรงo de 2010.
Portanto, o uso da guitarra baiana, assim como do plectro no lugar da tรฉcnica polegar-indicador, por
Mestre Jaime do Eco, ou de uma viola machete envernizada com tarraxas, cavalete e escala elevada com
14 trastes por Mestre Aurino nรฃo representam transformaรงรตes desviantes de uma suposta tradiรงรฃo
instrumental do samba do Recรดncavo Baiano, cristalizada por narrativas e pesquisas de Waddey, Oliveira
Pinto e do IPHAN sobre um ou outro instrumento feito em uma determinada รฉpoca por um reconhecido
luthier da regiรฃo, Clarindo dos Santos. Pelo contrรกrio, essas prรกticas representam a continuaรงรฃo de um
processo dinรขmico e situacional de substituibilidade de instrumentos e substituabilidade de mรบsicos que รฉ
justamente o que garante, ao invรฉs de deturpar, a transmissรฃo de saberes sensรญveis da tradiรงรฃo dentro de
seus novos contextos.
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
4. O padrรฃo รฉ nรฃo ter padrรฃo: instrumentos e Normatividade Musical
Ocidental
Eu pretendo, na hora que analisar os instrumentos (as violas antigas do Recรดncavo, na
pesquisa de mestrado) constatar isso, ver que cada instrumento รฉ diferente mesmo! Eu
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percursos, caminhos, possibilidades... Mas um padrรฃo vai ficar difรญcil de estabelecer.
(Rodrigo Veras, รกudio de Whatsapp em 20/01/2021)
Cada instrumento, sobretudo artesanal, รฉ de fato diferente, jรก que construรญdo em um determinado
momento, por um determinado construtor, para um determinado tocador e prรกtica musical, com os
materiais disponรญveis e adequados a cada contexto. Apรณs sua construรงรฃo, um instrumento ainda passa por
adaptaรงรตes para atender ร s necessidades das prรกticas musicais em que se insere, interagindo
๎ฅž๎œš๎๎œ‚๎ฏ๎œž๎žš๎๎œ๎œ‚๎ต๎œž๎ถ๎žš๎œž๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎˜ƒ๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎žŒ๎œž๎œ‚๎ฏ๎๎œš๎œ‚๎œš๎œž๎ž๎˜ƒ๎œ๎žต๎ฏ๎žš๎žต๎žŒ๎œ‚๎๎ž๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ๎œจ๎Ÿ๎ž๎๎œ๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎ž๎œž๎žต๎˜ƒ๎œž๎ถ๎žš๎ฝ๎žŒ๎ถ๎ฝ๎ฅŸ๎˜ƒ๎ฅพ๎™š๎œ‚๎œ๎Ÿ‡๎˜ƒ๎งญ๎งต๎งต๎งฐ๎ฅ•๎˜ƒ๎ž‰๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฏ๎งด๎ฅฟ๎ฅ˜๎˜ƒ๎˜œ๎ถ๎žš๎œ†๎ฝ๎˜ƒ๎ž‰๎ฝ๎žŒ๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ๎ž๎œž๎˜ƒ
define a viola como um cordofone de cinco cordas duplas de determinado tamanho e organologia, se
existem diversas denominaรงรตes, formatos e encordoamentos de violas? Por que se supรตe que a rabeca รฉ
uma versรฃo anterior, uma variaรงรฃo ou uma imitaรงรฃo do violino Stradivarius
28
? E por que lamelofones sรฃo
๎œ๎š๎œ‚๎ต๎œ‚๎œš๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎ฅž๎ž‰๎๎œ‚๎ถ๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎œš๎œž๎œš๎ฝ๎ฅŸ๎˜ƒ ๎ž‰๎ฝ๎žŒ๎˜ƒ ๎ถ๎œ†๎ฝ-africanos (ver Silambo 2020b), se nรฃo apresentam nenhuma
relaรงรฃo histรณrica ou organolรณgica com o piano europeu?
Quanto mais fontes se coletam na compreensรฃo de instrumentos tradicionais como as violas da Bahia,
mais se verifica que รฉ antes a padronizaรงรฃo de instrumentos musicais que representa uma exceรงรฃo ร  regra,
revelando-se como um aspecto da Normatividade Musical Ocidental (NMO, Graeff 2020). Isto รฉ, a mรบsica
Ocidental, sobretudo a europeia, mas cada vez mais a norte-americana, ao se difundir pelo mundo atravรฉs
de instrumentos, mรฉtodos de estudo instrumental, conservatรณrios, faculdades de mรบsica, impรดs e segue
impondo suas prรณprias visรตes, teorias e musicalidades atravรฉs da colonialidade (Quijano 2005). Essas
imposiรงรตes resultam em um conjunto de normas que moldam a prรณpria percepรงรฃo do que รฉ e de como se
faz mรบsica. Por exemplo, em nossa sociedade รฉ considerado mรบsico aquele que estuda formalmente
mรบsica, que aprende a ler partitura, que toca um instrumento do cรขnone europeu. Jรก quem canta em casa
ou toca autodidaticamente reco-reco em rodas de choro รฉ considerado amador. Nesse sentido
discriminatรณrio, pois hierarquizante, aprender mรบsica significa aprender violino, piano, violรฃo, flauta, mas
nรฃo pandeiro, por exemplo.
A NMO se reflete em instrumentos musicais de maneira a definir hierarquicamente quais sรฃo dignos de
aprendizagem e dedicaรงรฃo, quais sรฃo considerados instrumentos musicais e quais nรฃo. Dessa forma,
tambรฉm define quais formatos sรฃo considerados padrรฃo e de qualidade superior, estabelecendo uma linha
evolutiva e ao mesmo tempo difusionista entre eles: se o violino Stradivarius รฉ o padrรฃo superior,
desenvolvido no centro da Europa, rabecas nordestinas sรฃo variaรงรตes inferiores ou mesmo predecessores
28
Na Colรดmbia, diz-se que os violinos caucanos, do Pacรญfico Sul do paรญs, feitos de bambu e utilizados em
tradiรงรตes afro-colombianas da regiรฃo, foram criados por pessoas escravizadas que buscavam imitar seus
senhores brancos tocando violinos Stradivarius. https://www.youtube.com/watch?v=kjKk8zUfGBQ
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
primitivos, que teriam vindo de Portugal, paรญs europeu perifรฉrico, e estagnado no tempo desde que
chegaram no Brasil.
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reconhece no desenvolvimento e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais uma das principais ferramentas
de racionalizaรงรฃo da mรบsica europeia. Para ele, as adaptaรงรตes dos instrumentos de cordas friccionadas na
Europa culminaram na primeira cristalizaรงรฃo de instrumentos padrรฃo empregados na mรบsica de concerto,
o violino, a viola (de arco) e o violoncelo:
Os numerosos g๎œž๎Ÿบneros de violas, que ainda eram vistos nos s๎œž๎Ÿตculos XVII e XVIII, com os
mais variados encordoamentos, freq๎žต๎ ‹entemente com muitas cordas (...) foram um
resultado dos experimentos incessantes, especialmente os do s๎œž๎Ÿตculo XVI, dos costumes
individualmente vari๎œ‚๎Ÿตveis e das exig๎œž๎Ÿบncias das orquestras mais importantes. Contudo,
todas elas desapareceram no s๎œž๎Ÿตculo XVIII, diante dos tr๎œž๎Ÿบs instrumentos modernos de
cordas friccionadas: o violino, a viola e o cello. (...) Estes instrumentos, que formam o
๎ฝ๎Ÿตrg๎œ‚๎ …o especificamente moderno da m๎žต๎Ÿตsica de c๎œ‚๎Ÿบmara, o quarteto de cordas (...), mas
tamb๎œž๎Ÿตm, e sobretudo, o n๎žต๎Ÿตcleo da orquestra moderna, podem ser vistos como um
produto, obtido apo๎Ÿตs longo experimento, da fabricac๎ ซa๎ …o de instrumentos em Brescia e
Cremona. ๎˜œ๎Ÿถ muito significativa a diferen๎œ๎ ซa de pot๎œž๎Ÿบncia destes instrumentos, em nada
aprimorados desde o s๎œž๎Ÿตculo XVIII, frente a seus antecessores. (Weber 1995, 137-138,
grifo meu)
ร‰ possรญvel tecer um paralelo entre os diversos formatos de violas de arco mencionadas acima com as violas
brasileiras principalmente antigas, que apresentam tambรฉm nรบmeros diversos de cordas e de ordens, mas
๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ ๎œš๎๎œ‚๎ถ๎žš๎œž๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎ฅž๎žš๎žŒ๎œก๎ž๎˜ƒ ๎๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎žต๎ต๎œž๎ถ๎žš๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎ต๎ฝ๎œš๎œž๎žŒ๎ถ๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎œ๎ฝ๎žŒ๎œš๎œ‚๎ž๎ฅŸ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎œš๎๎ฏ๎š๎œ‚๎œš๎œ‚๎ž๎˜ƒ ๎œจ๎ฝ๎žŒ๎œ‚๎ต๎˜ƒ ๎œš๎œž๎ž๎œ‚๎ž‰๎œ‚๎žŒ๎œž๎œ๎œž๎ถ๎œš๎ฝ๎˜ƒ ๎œ‚๎ฝ๎˜ƒ ๎ฏ๎ฝ๎ถ๎๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎ฝ๎˜ƒ
sรฉculo XX: o violรฃo, como o principal deles, de seis cordas simples, que comprovadamente substituiu a
viola ao menos no Rio de Janeiro (Taborda 2002) e que compรตe o cรขnone instrumental da mรบsica de
๎œ๎ฝ๎ถ๎œ๎œž๎žŒ๎žš๎ฝ๎˜ƒ๎œž๎žต๎žŒ๎ฝ๎ž‰๎œž๎๎œ‚๎ฅ–๎˜ƒ๎œ‚๎˜ƒ๎Ÿ€๎๎ฝ๎ฏ๎œ‚๎˜ƒ๎ฅž๎ž‰๎œ‚๎žต๎ฏ๎๎ž๎žš๎œ‚๎ฅŸ๎˜ƒ๎ฝ๎žต๎˜ƒ๎ฅž๎œ๎œ‚๎๎ž‰๎๎žŒ๎œ‚๎ฅŸ๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎œ๎๎ถ๎œ๎ฝ๎˜ƒ๎ฝ๎žŒ๎œš๎œž๎ถ๎ž๎˜ƒ๎œš๎œž๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎žŒ๎œš๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œš๎žต๎ž‰๎ฏ๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ๎žŒ๎œž๎๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎๎ถ๎žš๎œž๎๎žŒ๎œ‚๎ฅ•๎˜ƒ๎œจ๎ฝ๎žŒ๎ต๎œ‚๎žš๎ฝ๎˜ƒ
possivelmente estabelecido atravรฉs de sua confecรงรฃo em fรกbrica pela Giannini; e o cavaquinho, pequeno
cordofone de quatro cordas simples, que outrora se referia junto a outros termos como machete e
machinho (Oliva 2014) a diversos cordofones pequenos, independente do nรบmero de ordens e cordas
29
. Os
๎žš๎žŒ๎œก๎ž๎˜ƒ๎๎ถ๎ž๎žš๎žŒ๎žต๎ต๎œž๎ถ๎žš๎ฝ๎ž๎ฅ•๎˜ƒ๎žš๎œ‚๎ฏ๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎ž๎œ†๎ฝ๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ถ๎š๎œž๎œ๎๎œš๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎š๎ฝ๎ฉ๎œž๎ฅ•๎˜ƒ๎ฅž๎ž‰๎ฝ๎œš๎œž๎ต๎˜ƒ๎ž๎œž๎žŒ๎˜ƒ๎Ÿ€๎๎ž๎žš๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎žต๎ต๎˜ƒ๎ž‰๎žŒ๎ฝ๎œš๎žต๎žš๎ฝ๎ฅ•๎˜ƒ๎ฝ๎œ๎žš๎๎œš๎ฝ๎˜ƒ๎œ‚๎ž‰๎ฟ๎ž๎˜ƒ๎ฏ๎ฝ๎ถ๎๎ฝ๎˜ƒ
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Weber situa na citaรงรฃo acima os trรชs primeiros instrumentos europeus a serem padronizados, a se
tornarem produtos, definindo tambรฉm formatos modernos para a mรบsica feita em grupo, tanto em
conjuntos de mรบsica de cรขmara quanto na prรณpria orquestra moderna. Nรฃo รฉ por acaso que ainda hoje
compositores de mรบsica de concerto se dediquem ร  composiรงรฃo de quartetos de cordas e, claro, de mรบsica
orquestral. O sรฉculo XVII era o inรญcio de um perรญodo de consolidaรงรฃo da instrumentaรงรฃo e dos formatos dos
instrumentos a serem empregados atรฉ a atualidade na mรบsica de concerto:
29
๎˜ž๎˜ƒ ๎๎ถ๎žš๎œž๎žŒ๎œž๎ž๎ž๎œ‚๎ถ๎žš๎œž๎˜ƒ ๎ถ๎ฝ๎žš๎œ‚๎žŒ๎˜ƒ ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ ๎œ‚๎ž๎˜ƒ ๎œ‚๎ถ๎œ„๎ฏ๎๎ž๎œž๎ž๎˜ƒ ๎œš๎ฝ๎˜ƒ ๎œ๎ฝ๎ถ๎žš๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎™„๎œ‚๎œ๎š๎œ‚๎œš๎ฝ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎˜„๎ž๎ž๎๎ž๎˜ƒ ๎œ‚๎˜ƒ ๎ž๎œž๎žŒ๎˜ƒ ๎œš๎๎ž๎œ๎žต๎žš๎๎œš๎ฝ๎˜ƒ ๎œ‚๎œš๎๎œ‚๎ถ๎žš๎œž๎ฅ•๎˜ƒ ๎ฅž๎™‹๎˜ƒ
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pelo escritor como um termo antigo para cavaquinho.
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
De um ponto de vista tรฉcnico, (...) poucas mudanรงas fundamentais foram feitas em
qualquer instrumento da orquestra durante um sรฉculo e meio. E poucos, se algum, dos
muitos instrumentos inventados desde meados do sรฉculo XIX alcanรงaram um lugar
permanente na orquestra sinfรดnica. (...) O desenvolvimento nรฃo ficou parado, mas
certamente hรก um reconhecimento de que o padrรฃo estabelecido funciona
extremamente bem, e que nenhuma mudanรงa profunda de direรงรฃo tรฉcnica รฉ desejรกvel,
necessรกria ou mesmo possรญvel.
30
(Barclay 2003, 37, trad. nossa, grifo meu)
Barclay evidencia como mesmo na histรณria da mรบsica de concerto houve um processo de padronizaรงรฃo de
instrumentos musicais que significou a exclusรฃo e o desaparecimento de outros formatos. Alรฉm disso, esse
proce๎ž๎ž๎ฝ๎˜ƒ ๎๎ต๎ž‰๎ฏ๎๎œ๎ฝ๎žต๎˜ƒ ๎ถ๎œ‚๎˜ƒ ๎ž‰๎žŒ๎œž๎ต๎๎ž๎ž๎œ‚๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ ๎ฝ๎˜ƒ ๎ž‰๎œ‚๎œš๎žŒ๎œ†๎ฝ๎˜ƒ ๎œž๎ž๎žš๎œ‚๎œ๎œž๎ฏ๎œž๎œ๎๎œš๎ฝ๎˜ƒ ๎ฅž๎œจ๎žต๎ถ๎œ๎๎ฝ๎ถ๎œ‚๎˜ƒ ๎œž๎Ÿ†๎žš๎žŒ๎œž๎ต๎œ‚๎ต๎œž๎ถ๎žš๎œž๎˜ƒ ๎œ๎œž๎ต๎ฅŸ๎ฅ•๎˜ƒ ๎ž๎œž๎ถ๎œš๎ฝ๎˜ƒ
considerado como tecnicamente superior a outras possibilidades, inclusive de possรญveis adaptaรงรตes a
novos contextos. Nesse sentido รฉ interessante perceber como, ao contrรกrio das mudanรงas em contextos
musicais populares e tradicionais ร s quais as prรกticas e instrumentos musicais tรชm de ser adaptados, as
adaptaรงรตes da mรบsica de concerto ocorrem nos contextos em que ela acontece: nas arquiteturas de salas
de concerto com isolamento e maior potรชncia acรบstica, no lugar da amplificaรงรฃo; na educaรงรฃo do pรบblico
quanto ao silรชncio a ser mantido durante a performance, limitando sua participaรงรฃo ao pagamento do
ingresso e aos aplausos finais; nos programas que contextualizam a mรบsica a ser apresentada a ouvintes
que nรฃo viveram na รฉpoca de Bach, Beethoven, etc. O formato da mรบsica de concerto, considerado de alta
qualidade, รฉ que deve ser mantido e respeitado, enquanto seus contextos e pรบblicos devem se adaptar
para sua apreciaรงรฃo.
A suposta superioridade dos instrumentos e da mรบsica de concerto corresponde a uma ideologia
evolucionista eurocรชntrica, que os coloca no topo de uma linha evolutiva e normativa, relegando outras
formas de fazer mรบsica a um estรกgio inferior dessa linha:
Uma crenรงa comum desde o surgimento da organologia como disciplina no sรฉculo XIX รฉ a
de um processo progressivo e essencialmente evolutivo. Os cidadรฃos europeus estavam
cercados pelo desenvolvimento mecรขnico, pela engenharia e pela maturaรงรฃo do
pensamento cientรญfico, enquanto a prรณpria teoria da evoluรงรฃo humana se formalizou. (...)
Nos processos de colonizaรงรฃo, a civilizaรงรฃo europeia havia encontrado e subsumido
culturas 'primitivas', enquanto ao mesmo tempo os artefatos e prรกticas dessas culturas
comeรงaram a ser sistematicamente catalogados e preservados. Nรฃo foi difรญcil tirar
conclusรตes gerais sobre a evoluรงรฃo dos instrumentos musicais, fazendo comparaรงรตes
diretas entre os itens coletados de culturas nรฃo desenvolvidas e aqueles feitos e
utilizados dentro da esfera ocidental.
31
(Barclay 2003, 23, trad. nossa)
30
โ€œFrom a technical point of view, though, few fundamental changes have been made to any instrument of
the orchestra for a century and a half. And few, if any, of the many instruments invented since the middle of
the nineteenth century have achieved a permanent place in the symphony orchestra. (...) Development has
not stood still, but there is certainly a recognition that the established pattern functions extremely well, and
that no profound change of technical direction is desirable, necessary, or even possibleโ€ .
31
โ€œIn the processes of colonisation, European civilisation had encountered and subsumed โ€˜primitiveโ€™
cultures, while at the same time the artefacts and practices of these cultures started to be systematically
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
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definiรงรฃo, formataรงรฃo e valorizaรงรฃo de instrumentos musicais. Instrumentos que integram o repertรณrio da
orquestra moderna europeia, como o violino, a flauta transversa e o violรฃo, sรฃo reconhecidos como tรฉcnica
๎œž๎˜ƒ ๎ต๎žต๎ž๎๎œ๎œ‚๎ฏ๎ต๎œž๎ถ๎žš๎œž๎˜ƒ ๎ž๎žต๎ž‰๎œž๎žŒ๎๎ฝ๎žŒ๎œž๎ž๎˜ƒ ๎œž๎˜ƒ ๎žต๎ถ๎๎Ÿ€๎œž๎žŒ๎ž๎œ‚๎๎ž๎ฅ•๎˜ƒ ๎œž๎ถ๎ž‹๎žต๎œ‚๎ถ๎žš๎ฝ๎˜ƒ ๎ฝ๎žต๎žš๎žŒ๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎ž๎œ†๎ฝ๎˜ƒ ๎œ๎ฝ๎ถ๎ž๎๎œš๎œž๎žŒ๎œ‚๎œš๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎ฅž๎žŒ๎œž๎ž‰๎žŒ๎œž๎ž๎œž๎ถ๎žš๎œ‚๎ถ๎žš๎œž๎ž๎˜ƒ
contemporรกneos de las etapas mรกs atrasadas de la lรญnea evolut๎๎Ÿ€๎œ‚๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎ฏ๎œ‚๎˜ƒ ๎œ๎žต๎ฏ๎žš๎žต๎žŒ๎œ‚๎ฅŸ๎˜ƒ ๎ฅพ๎™ค๎žŒ๎œ‚๎Ÿ€๎œ‚๎ž๎ž๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎งญ๎งต๎งต๎งฑ๎ฅ•๎˜ƒ ๎งฎ๎งฏ๎งณ๎ฅฟ๎ฅ•๎˜ƒ
como รฉ o caso da rabeca, do pรญfano e da viola artesanal.
Essa ideologia, longe de se limitar ao campo da mรบsica, integra aquilo que Dussel denomina ๎ฅžmito da
modernidade๎ฅŸ๎˜ƒ (Dussel 2005) em que a ๎ฅžciviliza๎œ๎ ซ๎œ‚๎ …o moderna [europeia] se autodescreveu como a mais
desenvolvida e superior e, por isso, com a obriga๎œ๎ ซ๎œ‚๎ …o moral de desenvolver os primitivos, a despeito da
vontade daqueles que s๎œ‚๎ …o nomeados como primitivos e atrasados๎ฅŸ๎˜ƒ(Bernardino-Costa e Grosfoguel 2016,
17). O mito da modernidade posiciona a Europa no centro e outras culturas na periferia da histรณria e da
linha evolutiva tidas como universais, de maneira que o ๎ฅž๎ฅšeurocentrismo๎ฅ›๎˜ƒda Modernidade ๎œž๎Ÿต exatamente a
confus๎œ‚๎ …o entre a universalidade abstrata com a mundialidade concreta hegemonizada pela Europa como
๎ฅš๎œ๎œž๎ถ๎žš๎žŒ๎ฝ๎ฅ›๎ฅŸ๎˜ƒ๎ฅพ๎˜˜๎žต๎ž๎ž๎œž๎ฏ๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฌ๎งฑ๎ฅ•๎˜ƒ๎งฏ๎งฌ๎ฅฟ๎ฅ˜
Nรฃo รฉ difรญcil de enxergar esse mito em um paรญs como o Brasil que, com uma diversidade de prรกticas
musicais, segue reproduzindo a NMO tanto em espaรงos de formaรงรฃo musical quanto em projetos sociais
que buscam, por exemplo, levar a mรบsica (de concerto) e seus instrumentos (europeus) a contextos
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positivo que cada vez mais pessoas tenham acesso a diversas formas de conhecimento, de prรกticas
culturais, expandindo sua visรฃo de mundo e possibilidades de emancipaรงรฃo, porรฉm existe uma imensa
assimetria de poder entre quais conhecimentos e prรกticas sรฃo considerados dignos de difusรฃo e
financiamento, enquanto outros passam historicamente por silenciamentos.
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pelo menos o sรฉc. XIX a produรงรฃo industrial tem sido impulsionada por forรงas de mercado com รชnfase no
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32
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trad. nossa)
33
. Nesse sentido, um primeiro mercado de instrumentos musicais na Europa teria surgido ao
final da Idade Mรฉdia, quando
os progressos tรฉcnicos da construรงรฃo dos instrumentos de cordas friccionadas estavam
entรฃo tambรฉm evidentemente relacionados com a organizaรงรฃo corporativa-musical - em
curso desde o sรฉculo XIII - dos instrumentistas, tratados ainda no Sachsenspiegel [cรณdigo
da Saxรดnia] como sem direitos legais. Tal organizaรงรฃo proporcionou pela primeira vez um
catalogued and preserved. It was not difficult to draw general conclusions on the evolution of musical
instruments by making direct comparisons between items collected from undeveloped cultures and those
made and used within the Western sphere.โ€ (Barclay 2006, 23)
32
โ€œSince at least the nineteenth century, industrial production has been driven by market forces that
emphasise improvement and fairly rapid obsolescenceโ€.
33
โ€œThere is much evidence that innovation is actually driven more by the needs of music performance and
commercial gainโ€.
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mercado fixo para a construรงรฃo de instrumentos, ajudando tambรฉm a padronizar seus
tipos. (Weber 1995, 137)
De acordo com essa passagem, o processo de mercantilizaรงรฃo musical mostra-se vinculado ร 
institucionalizaรงรฃo do campo musical: instrumentistas e construtores de instrumentos se organizam
corporativamente para reivindicar seus direitos legais. Seus ofรญcios passam a ser reconhecidos como
serviรงos e seus artefatos como produtos passรญveis de comercializaรงรฃo para alรฉm de seus contextos
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medida que a ordem tรฉcnica se intensifica, seus instrumentos musicais se tornam cada vez mais
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Ademais, conhecimentos musicais sรฃo cada vez mais documentados em tratados e mรฉtodos, estes
tambรฉm passรญveis de uma disseminaรงรฃo que nรฃo apenas transcende os contextos geogrรกficos em que
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instituiรงรตes de formaรงรฃo musical, sejam escolas, conservatรณrios ou mesmo aulas particulares, que por sua
vez formam mรบsicos e professores que reproduzem ร s prรณximas geraรงรตes os saberes transmitidos, e assim
por diante.
A institucionalizaรงรฃo do campo musical divide e especializa ofรญcios, separando o mรบsico do amador, o
compositor do intรฉrprete e do construtor de instrumentos, o instrumentista do cantor e do danรงarino,
entre outros. Da mesma forma, a relaรงรฃo do instrumentista com seu instrumento, assim como com aquele
que o constrรณi รฉ transformada. Relaรงรตes como a relatada pelo luthier Clarindo dos Santos, com um
comprador que encomendou um instrumento sem pintura e verniz acreditando que teria mais potรชncia
sonora, mudam com processos de modernizaรงรฃo e mercantilizaรงรฃo, desaparecendo completamente na
fabricaรงรฃo de instrumentos musicais. Jรก em contextos tradicionais, os prรณprios usuรกrios de um instrumento
musical รฉ que muitas vezes o constroem de acordo com suas vontades e necessidades e a partir dos
materiais presentes na natureza em seu entorno, como no exemplo oferecido pelo mรบsico e pesquisador
moรงambicano Micas Silambo do instrumento Maguita, denominado assim por seu construtor e
executante:
Relaรงรฃo que a pessoa cria com o instrumento em termos da prรณpria concepรงรฃo: a relaรงรฃo
com o seu dedo, a relaรงรฃo com a sua mรฃo, a dimensรฃo do prรณprio instrumento - o
volume, o tamanho do instrumento em relaรงรฃo com a pessoa que o executa - e o
desenvolvimento de uma tรฉcnica especรญfica. Entรฃo, nesse tipo de abordagem, vocรช
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รฉ uma tรฉcnica especifica consoante ร s suas finalidades. A afinaรงรฃo รฉ uma afinaรงรฃo
especรญfica consoante ร  sua finalidade e de acordo com aquilo que ele quer tocar. O
nรบmero de cordas tambรฉm varia de acordo com as finalidades da pessoa, ou com a
prรณpria altura da sua voz (Micas Silambo 20๎งฎ๎งฌ๎ฅ•๎˜ƒ๎™„๎™ช๎™ž๎˜ฏ๎˜’๎˜„๎™ž๎˜ƒ๎˜„๎˜ฆ๎™š๎˜ฏ๎˜’๎˜„๎™…๎˜„๎™ž๎ฅ•๎˜ƒ๎ต๎๎ถ๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฏ๎ฅ›๎งฎ๎งฑ๎ฅŸ๎ฅฟ
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Quando nรฃo os usuรกrios, sรฃo artesรฃos da comunidade que os confeccionam em um diรกlogo constante com
o futuro proprietรกrio, como detalha o mรบsico, pesquisador e construtor de instrumentos moรงambicano
Luka Mukhavele:
Tradicionalmente, instrumentos musicais sรฃo, geralmente, feitos para uso prรณprio.
Um/uma instrumentista realizado รฉ aquele que consegue fazer seu prรณprio instrumento.
E, porque instrumentos sรฃo feitos a mรฃo, cada um รฉ รบnico, tenso suas particularidades e
identidade. O construtor investe bastante tempo em cada instrumento, desenvolvendo
assim uma intimidade com ele. Quando um instrumento รฉ encomendado, o construtor
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quanto ao tamanho, a afinaรงรฃo e a tonalidade, se for o caso, para que o instrumento seja
personalizado para ele/ela... Assim, o proprietรกrio/encomendante participa do processo
de construรงรฃo, o que torna o instrumento personalizado/pessoal
34
. (Mucavel 2018, 108,
trad. nossa)
Ou seja, a modernizaรงรฃo de instrumentos nรฃo resulta apenas em rupturas no continuum de prรกticas
tradicionais de construรงรฃo e execuรงรฃo, mas tambรฉm em um distanciamento entre o mรบsico, seu
instrumento e os conhecimentos por trรกs tanto de sua construรงรฃo quanto de sua produรงรฃo sonora. Nesse
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mรบsicos a tecnologias user-๎œจ๎žŒ๎๎œž๎ถ๎œš๎ฏ๎Ÿ‡๎ฅ•๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ต๎ฝ๎˜ƒ๎ต๎œž๎๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎ต๎œ‚๎๎ž๎˜ƒ๎žŒ๎œ„๎ž‰๎๎œš๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎ž‰๎œ‚๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎œ‚๎žš๎๎ถ๎๎๎žŒ๎˜ƒ๎ž๎œž๎žต๎ž๎˜ƒ๎ฝ๎œ๎ฉ๎œž๎žš๎๎Ÿ€๎ฝ๎ž๎ฅŸ๎˜ƒ๎ฅพ๎™„๎žต๎œ๎œ‚๎Ÿ€๎œž๎ฏ๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งญ๎งด๎ฅ•๎˜ƒ
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sabe a relaรงรฃo entre os materiais e as sonoridades produzidas no seu instrumento, nรฃo sabe como um
determinado som, intervalo ou acorde se forma; ele aprende a reproduzir uma escala ou uma forma de
acorde no braรงo de um violรฃo
35
ou nas teclas de um piano. Com isso,
a ordem do mundo auditivo se transformou, entรฃo (com a mecanizaรงรฃo e temperamento
dos instrumentos), em um fenรดmeno visual e mecรขnico, bem como previsรญvel. Agora tudo
o que um instrumentista precisava fazer era olhar para a partitura musical e colocar o
dedo em um determinado lugar e o som concebido na cabeรงa de outra pessoa sairia
36
(Walton 1971, 163, trad. nossa)
34
๎ฅžTraditionally, musical instruments are, usually, made for self-use. An accomplished instrumentalist is
one who can make his/her own instrument. And, because instruments are made by hand, each one is
unique, having its particularities and identity. The builder spends much time on each instrument, thus
developing an intimacy with it. When an instrument is ordered, the builder will consider the size of the
โ€˜ordererโ€™sโ€™ hand, or the โ€˜ordererโ€™ himself, will give specification regarding the size, the tuning and the
tonality, if applicable, so the instrument is customized to him/her (its owner). Thus, the owner/orderer
participates in the construction process, which makes the instrument personalโ€ (Mucavel 2018, 108).
35
Esse exemplo รฉ provido por Luka Mukhavele em sua enri๎ž‹๎žต๎œž๎œ๎œž๎œš๎ฝ๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎ž‰๎œ‚๎ฏ๎œž๎ž๎žš๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎ฝ๎ถ๎ฏ๎๎ถ๎œž๎˜ƒ๎ฅž๎™…๎ฝ๎Ÿ€๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎™—๎œž๎žŒ๎ž๎ž‰๎œž๎œ๎žš๎๎Ÿ€๎œ‚๎ž๎˜ƒ
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36
โ€œThe order of the auditory world had now been transformed into a visual mechanical and predictive
phenome- non. Now all a player had to do was look at the music and put the finger a certain place and out
would come the sound that had been conceived long before in somebodyโ€™s headโ€
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29
Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
Esses dois autores diferenciam formas tradicionais africanas de saber e fazer mรบsica das modernas
ocidentais, demonstrando como as primeiras compreendem uma visรฃo holรญstica e um ethos comunitรกrio
que nรฃo separam o indivรญduo mรบsico de um pรบblico a quem entretรฉm, nem dos conhecimentos em torno
de seu instr๎žต๎ต๎œž๎ถ๎žš๎ฝ๎ฅ•๎˜ƒ ๎œš๎œ‚๎˜ƒ ๎š๎๎ž๎žš๎ฟ๎žŒ๎๎œ‚๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ ๎œš๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎œ๎ฝ๎ถ๎žš๎œž๎Ÿ†๎žš๎ฝ๎ž๎˜ƒ ๎œž๎ต๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ ๎œจ๎œ‚๎ŸŒ๎˜ƒ ๎ž๎žต๎œ‚๎˜ƒ๎ต๎žท๎ž๎๎œ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎˜„๎˜ƒ ๎๎œš๎œž๎๎œ‚๎˜ƒ๎œž๎žต๎žŒ๎ฝ๎ž‰๎œž๎๎œ‚๎˜ƒ ๎œš๎œ‚๎˜ƒ ๎ฅž๎œ‚๎žŒ๎žš๎œž๎˜ƒ ๎ž‰๎œž๎ฏ๎œ‚๎˜ƒ
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37
(Ani 1994, 215). O reconhecimento da separaรงรฃo do fazer artรญstico do sangue vital coletivo, isto รฉ, da
dimensรฃo visceral que impulsiona seres humanos a se expressarem artisticamente produzindo sons e
mรบsica para e com outros seres humanos e nรฃo-humanos, aproxima-se da concepรงรฃo que perpassa a obra
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Portanto, a NMO รฉ que estabeleceu e difundiu padrรตes para o fazer musical, incluindo para seus
instrumentos, suprimindo ou no mรญnimo ignorando a diversidade de formas musicais existentes nรฃo
apenas em outros continentes, mas mesmo dentro da Europa. Afinal,
os sรฉculos de tradiรงรฃo da matematizaรงรฃo e racionalizaรงรฃo da mรบsica levaram o Europeu a
esquecer sua origem e como ela รฉ produzida naturalmente ๎ฅถ ao contrรกrio de
sinteticamente (a mera imitaรงรฃo e descriรงรฃo da mรบsica). Os Europeus nรฃo criaram a
primeira mรบsica nem os primeiros instrumentos musicais; eles os encontraram e os
tornaram objetos de estudo. Porque havia apenas uma maneira pela qual eles podiam
entender essa mรบsica com a qual foram confrontados, eles analisaram-na, procurando
๎ž‰๎ฝ๎žŒ๎˜ƒ ๎ฅž๎ฏ๎œž๎๎ž๎ฅŸ๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎š๎œ‚๎žŒ๎ต๎ฝ๎ถ๎๎œ‚๎˜ƒ ๎œž๎˜ƒ ๎žŒ๎œž๎ฏ๎œ‚๎œ•๎ž๎œž๎ž๎˜ƒ ๎ต๎œž๎ฏ๎ฟ๎œš๎๎œ๎œ‚๎ž๎ฅ•๎˜ƒ ๎ต๎œ‚๎ž๎˜ƒ ๎๎ถ๎œ๎œ‚๎ž‰๎œ‚๎ŸŒ๎œž๎ž๎˜ƒ ๎œš๎œž๎˜ƒ ๎ฝ๎žต๎Ÿ€๎๎žŒ๎˜ƒ ๎ฅฌ๎˜ƒ ๎ž๎œž๎ถ๎žš๎๎žŒ๎˜ƒ ๎ฅฌ๎˜ƒ
compreender a manifestaรงรฃo cรณsmica do som (...). Os Europeus entรฃo criaram um
facsรญmile e estilo em que se destacaram; ou seja, um estilo que expressava todo o poder e
controle da estรฉtica e do valor Europeus. Eles criaram a sinfonia ๎ฅถ uma obra-prima
tรฉcnica e organizacional, o epรญtome da especializaรงรฃo em desempenho. (Ani 1994, 210,
trad. nossa)
Os europeus criaram a sinfonia, a orquestra sinfรดnica, os instrumentos que a compรตem e disseminaram
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centrais na histรณria da mรบsica e da humanidade, mais evoluรญdas e consequentemente superiores ร s demais
formas musicais existentes no mundo. Sรฃo antes os padrรตes teรณricos, tรฉcnicos, organolรณgicos, estรฉticos,
difundidos pela NMO que representam uma exceรงรฃo em meio a uma infinita diversidade de possibilidades
de se expressar musicalmente, de se construir, tocar e adaptar instrumentos musicais.
5. Consideraรงรตes Finais
Nรฃo รฉ uma linha evolutiva que traรงa a adaptaรงรฃo, modernizaรงรฃo ou substituiรงรฃo de um determinado
instrumento por outro, mas plural e transversal que condiz com as dinรขmicas mutรกveis e situacionais e, por
isso diversas, da cultura popular. No Brasil, lamelof๎ฝ๎ถ๎œž๎ž๎˜ƒ ๎ถ๎œ†๎ฝ๎˜ƒ ๎ฅž๎œž๎Ÿ€๎ฝ๎ฏ๎žต๎Ÿ๎žŒ๎œ‚๎ต๎ฅŸ๎˜ƒ ๎ถ๎œž๎ต๎˜ƒ ๎œจ๎ฝ๎žŒ๎œ‚๎ต๎˜ƒ ๎ž๎žต๎œ๎ž๎žš๎๎žš๎žต๎Ÿ๎œš๎ฝ๎ž๎˜ƒ
diretamente pela viola e esta pelo violรฃo. Seus contextos de construรงรฃo e de prรกtica, assim como as
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โ€œThe confused European conception of โ€˜art-for-artโ€™s sakeโ€™- an idea predicated on the assumption that
there is value in separating the function of art from the life-blood of the groupโ€.
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Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
necessidades e expectativas de seus praticantes que mudaram. Os processos de mercantilizaรงรฃo,
modernizaรงรฃo e institucionalizaรงรฃo de instrumentos musicais do Hemisfรฉrio Norte nรฃo sรฃo diferentes aqui:
a construรงรฃo e difusรฃo em larga escala de instrumentos ocidentais de fรกbrica como o violรฃo e o
cavaquinho, sim, suprimiram e seguem suprimindo paulatinamente instrumentos de difรญcil acesso,
especialmente aqueles identificados com culturas populares e rurais, seja por serem feitos a mรฃo, como a
viola machete, a mbira, o nsambi, ou por necessitarem de manutenรงรฃo especializada, como no caso da
sanfona em tantas tradiรงรตes como o prรณprio samba baiano. Entretanto, outros processos de reinvenรงรฃo,
ressignificaรงรฃo e adaptaรงรฃo como os da viola machete seguem ocorrendo.
Se os contextos mudam, mudam tambรฉm suas prรกticas culturais. ร‰ nesse sentido que a pesquisa e projeto
รบnicos de Luka Mukhavele em seu Atelier Mukhambira em Maputo atuam, estabelecendo pontes entre
instrumentos musicais tradicionais e contextos atuais. Sua pesquisa acerca de instrumentos musicais
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sons inerentes; contornar seus desafios e explorar seu potencial para os vรกrios usos do contexto musical
๎œ‚๎žš๎žต๎œ‚๎ฏ๎ฅŸ๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ๎ฅž๎œš๎œž๎ž๎œž๎ถ๎Ÿ€๎ฝ๎ฏ๎Ÿ€๎œž๎žŒ๎˜ƒ๎Ÿ€๎œž๎žŒ๎ž๎ž๎œž๎ž๎˜ƒ๎œž๎ฅฌ๎ฝ๎žต๎˜ƒ๎žš๎œ ๎œ๎ถ๎๎œ๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎ถ๎ฝ๎Ÿ€๎œ‚๎ž๎ฅฌ๎ต๎œž๎ฏ๎š๎ฝ๎žŒ๎œ‚๎œš๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎ž‰๎œ‚๎žŒ๎œ‚๎˜ƒ๎ž‹๎žต๎œž๎˜ƒ๎ž๎œž๎˜ƒ๎œ‚๎œš๎œ‚๎ž‰๎žš๎œž๎ต๎˜ƒ๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎Ÿ€๎œ„๎žŒ๎๎ฝ๎ž๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎ถ๎žš๎œž๎Ÿ†๎žš๎ฝ๎ž๎˜ƒ
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com diversos discรญpulos inclusive no Brasil
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, รฉ a mbira. Construรญda e amplificada de diversas maneiras, a
mbira, no lugar de desaparecer e de ser substituรญda por guitarras ou outros instrumentos de maior
potencial sonoro como no passado, passa hoje por um renascimento tanto em รfrica como no Brasil. O
mesmo ocorre com a viola machete desde o projeto Essa viola dรก samba! e os caminhos encontrados por
Rodrigo Veras, e mais tarde outros luthiers, para a sua adaptaรงรฃo aos contextos atuais do samba de roda e
da mรบsica popular do paรญs.
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instrumentos e suas prรกticas, evocando novamente o fato de se tratar de seres vivos. Um ser vivo pulsa; รฉ
dinรขmico, interage com outros seres vivos de seu ambiente, adaptando-se flexivelmente a diferentes
contextos. Um ser vivo morre e pode atรฉ mesmo se extinguir. Mas ele permanece vivo na memรณria
coletiva de seus sucessores, podendo ressurgir em diversos formatos, diversas musicalidades, atravรฉs da
criatividade daqueles que carregam e que partem em busca de sua ancestralidade.
6. Referรชncias
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38
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instrumentos-africanos-trazem-outras-sonoridades-a-bh.shtml. Recentemente, em 2020, foi lanรงado um
podcast abordando os lamelofones em รfrica e sua ancestralidade no Brasil
https://soundcloud.com/escuta-ancestral.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232404 | 2023
31
Graeff๎ฅ•๎˜ƒ๎™…๎˜ฏ๎ถ๎œ‚๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งฏ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅžร‰ um ser vivo: substituiรงรฃo, adaptaรงรฃo e padronizaรงรฃo de instrumentos musicais entre รfrica, Europa e Brasil๎ฅŸ
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Bernardino-Costa, Joaze e ๎˜ง๎žŒ๎ฝ๎ž๎œจ๎ฝ๎๎žต๎œž๎ฏ๎ฅ•๎˜ƒ๎™š๎œ‚๎ต๎ฟ๎ถ๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งญ๎งฒ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅž๎˜˜๎œž๎œ๎ฝ๎ฏ๎ฝ๎ถ๎๎œ‚๎ฏ๎๎œš๎œ‚๎œš๎œž๎˜ƒ๎œž๎˜ƒ๎ž‰๎œž๎žŒ๎ž๎ž‰๎œž๎œ๎žš๎๎Ÿ€๎œ‚๎˜ƒ๎ถ๎œž๎๎žŒ๎œ‚๎ฅ˜๎ฅŸ๎˜ƒRevista
Sociedade e Estado 31 (1): 15๎ฅด24.
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(Mestrado em Histรณria Social) ๎ฅด Faculdade de Filosofia, Letras e Ciรชncias Humanas, Universidade de
Sรฃo Paulo, Sรฃo Paulo.
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Brasileira de Estudos da Canรงรฃo 5: 73๎ฅด82.
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Graeff, Nina๎ฅ–๎˜ƒ๎™š๎œž๎ž๎œž๎ถ๎œš๎œž๎ฅ•๎˜ƒ๎˜พ๎žต๎œ๎œ‚๎ž๎ฅ˜๎˜ƒ๎งฎ๎งฌ๎งฎ๎งญ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅž๎™š๎œž๎ž๎ž๎ฝ๎ถ๎œ…๎ถ๎œ๎๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œ‚๎žš๎ฏ๎œ…๎ถ๎žš๎๎œ๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œž๎ต๎˜ƒ๎œ๎ฝ๎žŒ๎œš๎ฝ๎œจ๎ฝ๎ถ๎œž๎ž๎˜ƒ๎œš๎ฝ๎˜ƒ๎™…๎ฝ๎žŒ๎œš๎œž๎ž๎žš๎œž๎ฅ—๎˜ƒ
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ANPPOM - Associaรงรฃo Nacional de Pesquisa e Pรณs-Graduaรงรฃo em Mรบsica, 2021, Joรฃo Pessoa. XXXI
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Graeff, Nina. 20๎งฎ๎งฌ๎ฅ˜๎˜ƒ๎ฅž๎™…๎ฝ๎žš๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎ถ๎œž๎๎žŒ๎œ‚๎ž๎ฅ•๎˜ƒ๎ž‰๎œ‚๎žต๎žš๎œ‚๎ž๎˜ƒ๎œ๎žŒ๎œ‚๎ถ๎œ๎œ‚๎ž๎ฅ˜๎˜ƒAbertura do dossiรช Matizes Africanos na Mรบsica
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