[Digite texto] [Digite texto] [Digite texto]
eISSN 2317-6377
Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de
densidade-compressão de Wallace Berry
A discussion of texture theory and Wallace Berry’s concept of density-
compression
Alejandro Jara
Pesquisador independente
astudillojara@gmail.com
Luigi Antonio Irlandini
Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
SCIENTIFIC ARTICLE
Section Editor: Fernando Chaib
Layout Editor: Edinaldo Medina
License: "CC by 4.0"
Submitted date: 30 aug 2022
Final approval date: 10 sep 2023
Publication date: 19 oct 2023
DOI: https://doi.org/10.35699/2317-6377.2023.40979
RESUMO: A teoria da textura desenvolvida por Wallace Berry permite visualizar o papel que a textura desempenha dentro da
música, podendo relacionar tal elemento com o delineamento da forma musical. No entanto, as análises feitas por Berry podem
não ser aplicáveis a repertórios em que a componente temporal dominante seja diferente à linearidade, ou o devir, dos períodos
clássicos e românticos, ou seja, repertórios que têm como poética composicional temporalidades não-lineares que tendem ao
presente do ser. Nesse tipo de repertorio, a teoria de Berry pode ser aplicável parcialmente, isto é, unicamente sobre os
aspectos quantitativos, a saber, os conceitos de densidade-número, densidade-compressão e espaço-textural. Este trabalho
aprofunda-se no indicador de densidade-compressão proposto por Berry, o qual é modificado para identificar os segmentos de
alta compressão, avaliando, assim, as características de compressão a partir de suas disposições internas, e não de seus aspectos
globais, como fora definido por Berry.
PALAVRAS-CHAVE: Textura; Wallace Berry; Densidade-Compressão; Temporalidade; Linearidade e não-linearidade.
ABSTRACT: The theory of texture developed by Wallace Berry allows us to visualize the role that texture plays in music and
relates this element to the design of the musical form. However, the analysis made by Berry may not be applicable to
repertoires in which the dominant temporal component is different from the linearity, or the becoming, of the classical and
romantic periods, that is, repertoires that have non-linear or static temporalities of being. In regard to this type of repertoire,
Berry's theory applies only partially, that is, only to quantitative aspects, namely, the concepts of density-number, density-
compression, and space-texture. This work delves into the density-compression indicator proposed by Berry and modifies it to
identify the segments of high compression, thus evaluating the compression characteristics from their internal dispositions, and
not from their global aspects, such as it had been defined by Berry.
KEYWORDS: Texture; Wallace Berry; Density-compression; Temporality; Linearity and nonlinearity.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
2
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
1. Introdução
Músicas lineares
1
, comumente relacionadas com a linearidade do sistema tonal dos repertórios clássico-
românticos, interligam o passado, presente e futuro, isto é, os sons que antecederam determinam os sons
do presente, e geram expectativas sobre os sons que virão no futuro. Por outro lado, repertórios nos quais
os aspectos não-lineares são a força principal tendem a se situar na materialidade sensível do presente.
Esses repertórios, característicos do século XX e XXI, distanciam-se da linearidade inerente do sistema
tonal e de qualquer outro aspecto que remeta à escuta linear dos períodos anteriores.
Nesse sentido, este trabalho busca estabelecer as implicações desse tipo de repertório,
predominantemente não-linear, sobre a teoria de textura desenvolvida por Wallace Berry. Podemos
identificar que as vozes ou linhas melódicas são o elemento principal para a formulação de uma síntese
temporal linear, linhas que Berry utiliza para fundamentar os aspectos qualitativos da textura. É por isso
que surge a necessidade de reavaliar a teoria de textura de Berry para um repertório em que não existem
linhas melódicas, aprofundando-se nos aspectos quantitativos da textura, e readequando os conceitos
desenvolvidos por ele. Para isso, este trabalho segue com algumas definições preliminares sobre o que se
entende por textura em música, contextualizando o assunto. Logo, aprofunda-se no pensamento e nas
abordagens de Berry como teórico da música, estabelecendo algumas discussões entre o conceito de
textura, previamente contextualizado, e as inclinações filosóficas do autor. A continuação, se aprofunda na
teoria quantitativa e qualitativa de textura de Berry, para finalizar com uma discussão e readequação do
indicador de densidade-compressão definido por ele.
2. Definições preliminares
O dicionário on-line da Cambridge University Press exibe três definições de textura (texture) pertencentes
ao Cambridge Academic Content Dictionary (2009). A primeira corresponde ao seu uso mais comum,
textura como “a qualidade de algo que pode ser decidido pelo toque; o grau em que algo é áspero ou liso,
ou macio ou duro”
2
(Cambridge University Press 2009, s. n.). A segunda é uma definição utilizada nas artes,
especificamente nas artes plásticas e visuais, em que “a textura de uma obra de arte são as características
da superfície dela, que vêm dos materiais usados para fazê-la”
3
(Cambridge University Press 2009, s. n.). O
terceiro e mais específico uso corresponde à música, em que “a textura de uma peça musical é uma
característica da forma como ela soa, com base em como os diferentes instrumentos misturam suas partes
e a velocidade com que tocam”
4
(Cambridge University Press 2009, s. n.). Pode-se apreciar como todas as
definições remetem, em alguma medida, aos aspectos físicos, materiais das coisas, mas a textura na
música parece se estender a conceitos que nada tem a ver com o material, e sim com aspectos puramente
musicais, e como eles se misturam através do tempo.
1
Os conceitos de linearidade e não-linearidade utilizadas aqui podem ser procurados no livro The Time of
Music de Jonathan Kramer.
2
“The quality of something that can be decided by touch; the degree to which something is rough or
smooth, or soft or hard” (Cambridge University Press 2009, s. n.).
3
“The texture of a work of art is the features of the surface of it, which comes from the materials used to
make it” (Cambridge University Press 2009, s. n.).
4
“The texture of a piece of music is a feature of the way it sounds, based on how the different instruments
mix their parts and the speed at which they play” (Cambridge University Press 2009, s. n.).
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
3
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
Jean-Yves Bosseur, no seu artigo intitulado Textura e material no pensamento musical contemporâneo
5
(2003), assinala que a palavra textura designa a “disposição dos fios de uma coisa tecida, aplicando-se
naturalmente aos princípios da tecelagem e, por extensão, pode concernir à disposição de elementos
sonoros
6
(Bosseur 2003, 129). O termo textura vem do verbo que “designa a ação de tecer (no século XV)
e [...] estende-se por analogia [...] à disposição (arrangement)
7
dos elementos [...] à organização das partes
de uma obra, à maneira de ligá-las entre si”
8
(Bosseur 2003, 129).
Jonathan Dunsby, no seu artigo intitulado Considerações sobre a textura
9
(1989), explica que textura é um
termo familiar entre musicistas de língua inglesa, mas que o mesmo não ocorre em outras línguas, onde o
termo não existia e teve que ser criado, por exemplo, na Alemanha, ou possui outro significado, como
tessitura na Itália
10
. Dunsby aponta que “textura, como termo musical, pertence principalmente à era
moderna”
11
(Dunsby 1989, 46), e argumenta que, até 1954, não havia um verbete próprio no Grove’s
Dictionary of Music and Musicians, e que na língua inglesa o termo existia em dicionários não musicais
amplamente usados nas Belas Artes. Segundo Dunsby, o primeiro livro que incluiu o termo no tulo foi
Musical textures, de Donald Francis Tovey
12
, em 1941, quatro anos antes do famoso Orchestration, de
Walter Piston, no qual são dedicadas 56 páginas para o estudo de sete tipos de texturas orquestrais.
Dunsby aponta que “textura provavelmente surgiu como uma característica do vocabulário crítico gerado
pela música pós-tonal iniciada nos primeiros anos deste século [XX]”
13
(Dunsby 1989, 47), querendo dizer
que o termo textura surgiu como uma forma com que os críticos, revisores e professores lidavam com o
novo, seu entendimento musical para o novo, uma forma de assimilação da música moderna.
5
Texture et matériau dans la pensée musicale contemporaine” (Bosseur 2003 129)
6
Disposition des fils d'une chose tissee, s'appliquant tout naturellement aux principes du tissage et, par
extension, peut concerner l'arrangement d' elements sonores (Bosseur 2003, 129)
7
Optamos por traduzir arrangement como disposição, apesar do cognato arranjo, visto que este último
poderia remeter erroneamente o leitor à noção de arranjo musical como versão de determinada peça
preparada para execução em instrumentos outros que não os originalmente designados pelo compositor,
ou com outras alterações quaisquer em relação às propriedades estruturais da peça original. Note-se que,
nessa passagem, em função de tal decisão, suprimiu-se parte da frase. Originalmente se : “... à
l’arrangement, à la disposition des éléments” (Bosseur 2003, 129)
8
vient du verbe designant l'action de tisser (au XVe siecle) et […] il s'etend par analogie […] a
l'arrangement, a la disposition des elements (Bosseur 2003, 129)
9
Considerations of texture” (Dunsby 1989, 46)
10
Bosseur também aponta a relação que existe entre esses termos: “Note-se igualmente que se pode a ela
[textura] religar o termo ‘tessitura’, que diz respeito ao espaço de registro correspondente às faculdades
de uma voz ou de um instrumento.” [original] A noter egalement que peut lui etre rattache le terme
‘tessiture’, qui concerne l'espace de registre correspondant aux facultes d'une voix ou d'un instrument.
(Bosseur 2003, 129).
11
“Texture as a musical term belongs principally to the modern age” (Dunsby 1989, 46)
12
Tendo em consideração que “a primeira aparição do termo textura no artigo intitulado ‘Some
Considerations of the Effect of Orchestral Colour upon Design and Texture in Musical Composition’ escrito
por H. P. Allen em 1908” (Olivia 2019, 75).
13
“‘Texture’ probably arose as a feature of the critical vocabular spawned by post-tonal music starting in
the early years of this century [XX]” (Dunsby 1987, 47)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
4
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
No Grove Music Online, o verbete
14
sobre textura a define como o termo que é utilizado para se referir aos
“aspectos sonoros de uma estrutura musical
15
(Sadie 2001, s. n.). Ela pode ser aplicada à organização das
alturas das notas, o aspecto vertical da música, que define a relação entre as diferentes vozes ou o
espaçamento dos acordes, assim como a “espessura” de uma sonoridade, “determinada pelo mero de
partes, a quantidade de duplicação no uníssono ou oitava, a leveza’ ou ‘peso das forças de execução
envolvidas e o arranjo das linhas instrumentais em uma obra orquestral”
16
(Sadie 2001, s. n.). Textura
também pode ser aplicada ao timbre e ritmo, assim como a caraterísticas da performance, como a
dinâmica ou articulação.
Existe uma tendência a definir a textura como uma qualidade externa, relacionada aos aspectos sonoros
globais, em oposição a uma caraterística interna relacionada à estrutura e à relação entre suas partes. Essa
diferença entre estrutura e textura é apontada por Reginald Smith-Brindle no seu livro Serial Composition
(1966):
Textura, em um sentido, pode ser definida como estrutura, ou “disposição (arrangement)
das partes constituintes”. Todavia, bem que se possa falar de “textura contrapontística”,
o gênero preciso ou a natureza do contraponto não pode ser descrita por uma
terminologia tal. Referimo-nos ao caráter geral do som, ao invés de ao tipo preciso de
construção. A definição alternativa de textura como “grão, rede, superfície ou trama
(nappe)” é mais adequada. Ela define o “sentimento” exterior da música ao invés de sua
estrutura interna. Os adjetivos habitualmente utilizados em relação com a “textura”
musical confirmam essa definição áspera, lisa, espessa, fina, quente, fria, pesada, rica,
magra, leve, sedosa, aveludada, serrilhada todos descrevem sensações exteriores.
17
(Smith-brindle apud Bosseur 2003, 129)
Nesse sentido, o compositor György Ligeti traz a contribuição, segundo Bosseur, a mais clara, para essa
problemática:
Enquanto deve-se compreender por “estrutura” uma constituição mais diferenciada cujos
elementos podem ser discernidos uns dos outros e que deve ser considerada como o
produto das relações mútuas de seus detalhes, entendemos por ‘textura’ um complexo
14
Não se específica o autor do texto, que se optou por citar o editor da versão impressa, também
publicada em 2001.
15
“Sound aspects of a musical structure” (Sadie 2001, s.n.)
16
“Determined by the number of parts, the amount of doubling at the unison or octave, the ‘lightness’ or
‘heavinessof the performing forces involved and the arrangement of instrumental lines in an orchestral
work” (Sadie 2001, s.n.)
17
"Texture, en un sens, peut être définie comme structure, ou 'arrangement des parties constituantes'.
Toutefois, bien que l'on puisse parler de 'texture contrapuntique', le genre précis ou la nature du
contrepoint ne peut être décrit par une telle terminologie. On se réfère au caractère général du son, plutôt
qu'au type précis de construction. La définition alternative de texture comme "grain, réseau, surface ou
nappe" est plus juste. Elle définit le "sentiment" extérieur de la musique, plutôt que la structure interne. Les
adjectifs habituellement utilisés en relation avec la 'texture' musicale confirment cette définition q rude,
lisse, épais, fin, chaud, froid, lourd, riche, maigre, léger, soyeux, veloute, dentelé q toutes décrivent des
sensations extérieures (Smith-brindle apud Bosseur 2003, 129)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
5
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
mais homogêneo, menos articulado, no qual os elementos constitutivos se dissolvem
quase completamente. Uma estrutura pode ser analisada segundo suas componentes;
uma textura deve, por outro lado, ser descrita segundo suas características globais,
estatísticas.
18
(Ligeti apud Bosseur 2003, 130)
Porém, a distinção entre estrutura e textura pode ter uma importância maior num repertório que, como
bem aponta Dunsby, pertence aos desenvolvimentos feitos no começo do século XX, e que justamente se
relacionam com um desmanche das estruturas claramente identificáveis dos períodos anteriores. Nesse
sentido, a musicóloga Janet Levy, no seu artigo Texture as a Sign in Classic and Early Romantic Music
(1982), traz uma contribuição importante ao aplicar a noção de textura a repertórios anteriores ao
surgimento do conceito, ou, como diria Dunsby, a “repertórios reinterpretados por nossa consciência
musical moderna”
19
(Dunsby 1989, 57). Levy aponta que a textura, como uma das variáveis dentro de uma
composição, é “ao mesmo tempo a mais superficial e a mais complexa”
20
(Levy 1982, 482). Como
superfície, “ela parece ser amplamente tomada como dada; seus efeitos são, sobretudo, muito imediatos e
palpáveis”
21
(Levy 1982, 482). Quanto à complexidade, “sua análise tem visto pouco refinamento
certamente nada parecido com o vocabulário e conceitos que nós temos para lidar com melodia, harmonia
e ritmo”
22
(Levy 1982, 482). Levy observa que a textura tem uma função nas “sintaxes de movimentos
particulares e, especialmente, sua capacidade de funcionar como um signo”
23
(Levy 1982, 482). Ela define
o que entende por signo através de uma citação de Monroe Beardsley:
Em seu sentido mais amplo, em que pode ser aplicado a palavras, gestos e sinais de
semáforo, bem como marcadores que direcionam nosso caminho para saídas e
banheiros, a palavra “signo” denota qualquer objeto ou evento que representa outra
coisa, ou nos leva a levar em conta (considerar) de alguma forma algo além de si
mesmo.
24
(Beardsley apud Levy 1982, 482)
A textura musical depende da melodia, harmonia e ritmo, e é influenciada por orquestração, registro, e
assim por diante, envolve toda atividade das partes componentes em qualquer segmento da
18
Tandisqu'il faut comprendre par 'structure' une constitution plus differenciee dont les elements peuvent
etre discernes les uns des autres et qui est a considerer comme le produit des rapports mutuels de ses
details, on entend par 'texture' un complexe plus homogene, moins articule, dans lequel les elements
constitutifs se dissolvent presque completement. Une structure peut etre analysee d'apres ses
composantes; une texture doit plutot etre decrite d'apres ses caracteristiques globales, statistiques (Ligeti
apud Bosseur 2003, 130)
19
“Repertories reinterpreted by our modern musical consciousness (Dunsby 1989, 57)
20
“At once the most surface and the most complex” (Levy 1982, 482)
21
“It seems largely to have been taken for granted; its effects are, after all, so immediate and palpable”
(Levy 1982, 482)
22
“Its analysis has seen little refinement-surely nothing akin to the vocabulary and concepts we have for
dealing with melody, harmony, and rhythm” (Levy 1982, 482)
23
“Syntax of particular movements and, especially, its capacity to function as a sign” (Levy 1982, 482)
24
“In its broadest sense, in which it can be applied to words, gestures, and semaphore signals as well as
markers that direct our way to exits and rest rooms, the word ‘sign’ denotes any object or event that stands
for something else, or leads us to take account in some way of something besides itself” (Levy 1982, 482)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
6
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
composição”
25
(Levy 1982, 482). Portanto, ela conclui que se assemelha à inflexão da voz na fala, no
sentido que ela é necessária e determinante na entrega de significado, mas ela por si só o contém a
mensagem.
Johanna Frymoyer, na sua tese de doutorado intitulada Rethinking the sign: stylistic competency and
interpretation of musical textures, 1890 1920 (2012), define textura musical como “o efeito composto de
parâmetros musicais interagindo e competindo uns com os outros pela atenção do ouvinte na totalidade
de uma experiência auditiva”
26
(Frymoyer 2012, 16), e ainda faz uma distinção importante entre a textura
e os parâmetros que a compõem:
A textura musical é ontológica e epistemologicamente distinta dos parâmetros musicais.
Essa distinção é crucial. Embora muitos analistas listem a textura ao lado do tom, ritmo,
instrumentação, dinâmica e articulação, a textura abrange cada um desses parâmetros.
Em sua ontologia, a textura ocupa um processo psicológico separado de seus parâmetros
constituintes. O ouvinte percebe características musicais nos domínios paramétricos de
altura, duração, instrumentação, dinâmica e articulação, enquanto a textura é a
montagem cognitiva e a valoração hierárquica desses parâmetros na experiência
temporal da escuta. Ao contrário de Levy, então, a textura não depende de parâmetros,
mas constitui a pluralidade da escuta.
27
(Frymoyer 2012, 16)
Wallace Berry, no seu livro intitulado Structural Functions in Music (1987), destina todo um capítulo para
estudar a importância da textura como fator determinante nas relações sintáticas da música em diferentes
repertórios. Ele define a textura musical como:
O que é textura musical? A textura da música consiste em seus componentes sonoros; é
condicionada em parte pelo número daqueles componentes que soam em
simultaneidade ou concorrência, suas qualidades determinadas pelas interações, inter-
relações e projeções relativas e substâncias de linhas componentes ou outros fatores de
sonoridade componentes.
28
(Berry 1987, 184)
25
“Melody, harmony, and rhythm, and affected by orchestration, register, and so on, it involves the total
activity of the component parts in any segment of a composition” (Levy 1982, 482)
26
“Composite effect of musical parameters interacting and vying with one another for the listener’s
attention in the totality of a listening experience” (Frymoyer 2012, 16)
27
“Musical texture is both ontologically and epistemologically distinct from musical parameters. This
distinction is crucial. Although many analysts list texture alongside pitch, rhythm, instrumentation,
dynamics, and articulation, texture encompasses each of these parameters. In its ontology, texture occupies
a separate psychological process from its constituent parameters. The listener perceives musical
characteristics in the parametric domains of pitch, duration, instrumentation, dynamics, and articulation,
while texture is the cognitive assembly and hierarchical valuation of those parameters in the temporal
experience of listening. Contrary to Levy, then, texture is not dependent on parameters, but rather
constitutes the plurality of listening” (Frymoyer 2012, 16)
28
“What is musical texture? The texture of music consists of its sounding components; it is conditioned in
part by the number of those components sounding in simultaneity or concurrence, its qualities determined
by the interactions, interrelations, and relative projections and substances of component lines or other
component sounding factors” (Berry 1987, 184)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
7
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
Textura, entre outras definições que Berry apresenta no livro, corresponde ao “elemento da estrutura
musical moldado (determinado, condicionado) pela voz ou número de vozes e outros componentes
projetando o material musical no meio sonoro, e (quando tem dois ou mais componentes) pelas inter-
relações e interações entre elas”
29
(Berry 1987, 191), definição que contempla os aspectos quantitativos
(densidade-número, densidade-compressão e espaço-textural) e qualitativos (grau de interdependência),
caraterísticas fundamentais para a análise da textura em música.
***
A ênfase destinada neste trabalho à teoria de Berry é devida ao fato de que ela apresenta mecanismos que
permitem abordar a textura independentemente do tipo de repertório, resultando numa primeira
aproximação, de caráter objetivo, às caraterísticas texturais. Compartilha-se, assim, da visão de Jorge
Santos:
A teoria textural de Berry pode ser entendida, no nosso ponto de vista, como um
paradigma científico nesta área de estudo, pois mesmo o dando conta de todas as
possibilidades de compreensão deste fenômeno, ela estabelece fundamentos e modelos
teóricos, ou seja, modos de abordar e analisar o objeto estudado, que servem como
ponto de partida para investigação. (Santos 2012, 04)
A teoria de Berry poderia ser criticada pelo seu caráter extremadamente objetivo e positivista, e até
poderia servir de exemplo da procura de uma validação acadêmica das áreas menos científicas, como as
artes e humanidades, que pretendiam, ao incluir metodologias ligadas às ciências exatas, como a
matemática e a física, validar seus estudos frente a outras áreas do ambiente acadêmico universitário.
Entretanto, neste estudo considera-se que olhar para a textura a partir de um ponto de vista objetivo pode
trazer discussões muito interessantes, ainda que a textura considere a subjetividade do receptor como
elemento essencial para sua formulação. É a partir desse aparente desencaixe entre a teoria e a prática,
nas abrangências e resultados, seja em repertórios principalmente tonais, como fora geralmente aplicada
por Berry, ou noutros mais contemporâneos, como pretende-se aproximar aqui, que podem ser
visualizadas aquelas caraterísticas que fazem dessa teoria em particular uma que não permite vislumbrar a
totalidade da complexidade do assunto. O reconhecimento dessas caraterísticas poderia levar a uma
readaptação da teoria de Berry e a um conhecimento mais aprofundado do que se entende por textura,
podendo assim traçar pontes frutíferas entre uma teoria aparentemente obsoleta e um repertório que
explora novas noções de textura.
3. Wallace Berry
O livro Structural Functions in Music foi publicado inicialmente em 1976 pela editora Prentice-Hall, e foi
reimpresso numa segunda edição pela editora Dover Publications no ano 1987, edição utilizada neste
29
“Texture is conceived as that element of musical structure shaped (determined, conditioned) by the voice
or number of voices and other components projecting the musical materials in the sounding medium, and
(when there are two or more componentes) by the interrelations and interactions among them” (Berry
1987, 191)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
8
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
trabalho. O livro se divide em três capítulos; além da Introdução, o primeiro capítulo chamado
“Tonalidade”, o segundo “Textura” e, por último, “Ritmo e Métrica”. Segundo Berry, o livro trata da:
Exploração sistemática dos elementos da estrutura e suas inter-relações importantes,
delineando uma variedade de abordagens para a análise de sucessões dirigidas de
eventos envolvendo tonalidade, melodia, harmonia, textura e ritmo [...] Esses quatro
estudos procuram, portanto, dar uma exposição abrangente a processos sintáticos
particulares nos quais se pode dizer que a música tem significado, e esclarecer, em
análises penetrantes de obras de muitos tipos, os procedimentos pelos quais os
elementos estruturais em quase todas as músicas funcionam expressivamente.
30
(Berry
1987, 01)
Na introdução do livro, Berry procura estabelecer as bases sobre as quais o texto se constrói. Para isso, ele
explora vários conceitos, os quais define segundo o critério adotado, e explica que a consistência do livro
se apoia na base de que a música, a experiência musical, contém significados que devem ser analisados
logicamente. Berry acredita na importância e necessidade de uma “análise lógica da experiência musical,
do estudo de dados objetivos derivados da análise da estrutura e experiência”
31
(Berry 1987, 02), com a
finalidade de tornar consistentes as exposições teóricas e explicações analíticas que ele apresenta no livro,
o “olhar fundamental das relações sintáticas em música [...] num contexto em que as relações sintáticas
são cultivadas e controladas como o resultado de disciplinados atos criativos”
32
(Berry 1987, 02).
Berry aponta que a experiência musical pode ser dividida em dois níveis de consciência. O primeiro nível,
mais mental, que envolve o entendimento, é denominado nível cognitivo, e o segundo é de uma apreensão
afetiva sensorial mais simples. Esse segundo nível não faz parte do livro devido à impossibilidade, segundo
Berry, de analisá-lo. O nível sensorial o é de caráter objetivo, e pertence ao campo das sensações, fora
do campo do conhecimento
33
. Assim, pode se ver como Berry busca fundamentar as análises feitas no livro
com o viés mais objetivo possível, indicando que “a crença de que percepções lógicas podem ser obtidas
nas relações entre estrutura e efeito está por trás de toda investigação estética produtiva. É uma crença
orgulhosamente afirmada neste livro”
34
(Berry 1987, 03), o qual claramente representa uma generalização
30
Systematic exploration of the elements of structure and their important interrelations, laying out a
variety of approaches to the analysis of directed successions of events involving tonality, melody, harmony,
texture, and rhythm [...] These four studies thus seek to give comprehensive exposition to particular
syntactic processes in which music can be said to have meaning, and to illuminate in penetrating analyses
of works of many kinds the procedures by which structural elements in nearly all music function
expressively (Berry 1987, 01)
31
Logical analysis of the musical experience, of the study of objective data derived in the analysis of
structure and experience(Berry 1987, 02)
32
“Fundamental view of syntactic relations in music […] in contexts in which syntactic relations are
cultivated and controlled as the result of disciplined creative acts(Berry 1987, 02)
33
“Essa distinção esrelacionada àquela entre saber e sentir, ‘insight’ (introspecção) e reação inocente;
ambos os tipos de fatores são críticos na experiência musical [original] This distinction is related to that
between knowing and feeling, insight and innocent reaction; both kinds of factors are critical in the musical
experience” (Berry 1987, 02)
34
The belief that logical insights can be had into relations between structure and effect underlies all
productive aesthetic inquiry. It is a belief proudly affirmed in this book(Berry 1987, 03)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
9
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
sobre o fenômeno de percepção ao não considerar, por exemplo, o receptor e seu contexto dentro dessa
forma de pensamento. A forma de pensar de Berry pode não ser congruente com um repertório em que a
poética composicional trata de uma subjetividade temporal, isto é, uma música que pretende trazer,
justamente, essa superficialidade musical, essa apreensão afetiva sensorial, e que, ao contrário do que diz
Berry, não necessariamente é mais simples. Essas e outras questões são chaves para a formulação de uma
adaptação dessa teoria neste trabalho.
Outro ponto essencial que Berry busca definir na introdução é o sentido de progressivo e recessivo,
tendências que os elementos estruturantes seguem e que ele relaciona com diversos contextos formais,
como, por exemplo, tendências recessivas para eventos cadenciais.
A música está constantemente envolvida (em relações de evento simultâneas e
contíguas) em uma dialética na qual tendências opostas de crescimento e declínio (e seus
correlativos de acima-abaixo, longe-perto, denso-esparso, simples-complexo, etc.) estão
em interação contínua em diferentes níveis hierárquicos [...] a [linha] de intensidade
crescente qual aplicamos o termo progressão), a de intensidade diminuída qual o
termo recessão é aplicado), e a de sucessão de eventos envolvendo graus de intensidade
imutáveis (estase)
35
(Berry 1987, 06-07).
Aqui, apresentam-se algumas das relações que ele estabelece entre elementos musicais e o conceito de
progressão (e recessão): (1) Melodia ascendente, salto com expectativa de fechamento, especialmente
quando dissonante, instabilidade tonal; (2) Harmonia quando se afastando do centro tonal, dissonante,
invertida, formas complexas, cromatismo; (3) Tonalidade quando se afasta do sistema primário (tom
inicial), sucessão cromática e expansão; (4) trica em direção a unidades mais curtas, assimetria e
flutuações, aceleração, direção à instabilidade, afastamento da norma de unidade racional; (5) Tempo no
sentido de aceleração; (6) Textura quando for maior a diversidade interlinear e o conflito, incremento de
densidade, aumento da tessitura
36
; (7) Timbre quando incrementado o peso sonoro e a penetração, som
mais alto em volume, registros mais agudos, mais percussivo, tensão na articulação (Berry 1987, 11). Ele
afirma que “essas ações e interações, pertinentes aos elementos de tonalidade, harmonia, melodia,
textura e ritmo, como a outros parâmetros dentro de cada um deles, são a substância principal de função e
expressão na música”
37
(Berry 1987, 13).
Outro ponto importante abordado na introdução corresponde ao conceito de níveis hierárquicos de
estrutura, e sua relação com as mudanças recessivas ou progressivas.
35
Music is constantly involved (in both concurrent and contiguous event-relations) in a dialectic in which
opposing tendencies of growth and decline (and their correlatives up-down, far-near, dense-sparse, simple-
complex, etc.) are in continual interplay at different hierarchic levels […] that of increasing intensity (to
which we apply the term progression), that of subsiding intensity (to which the term recession is applied),
and that of event-succession involving unchanging degrees of intensity (stasis)(Berry 1987, 06-07)
36
Tessitura como espaço textural [original] “wider spatial field” (Berry 1987, 11)
37
These actions and interactions, pertinent to the elements of tonality, harmony, melody, texture, and
rhythm, as to further parameters within each of these, are a principal substance of function and expression
in music(Berry 1987, 13)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
10
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
Para colocá-lo à luz das formulações acima: cada elemento-evento individual tem
implicações imediatas (locais, de primeiro plano); aqueles que são mais fundamentais
também têm implicações mais amplas. Consequentemente, o conceito de níveis
hierárquicos em todas as estruturas de elementos surge natural e inevitavelmente, e
deve ser visto como aplicável ao funcionamento dos eventos dentro de qualquer
confluência de ação dada. [...] Segue-se, portanto, que as linhas recessivas e progressivas
de mudança de elemento devem finalmente ser avaliadas quanto ao nível de significância
funcional.
38
(Berry 1987, 14-15).
Portanto, os eventos que não têm conexão contextual dentro da música, isto é, eventos isolados sem
relação estreita com os eventos adjacentes (sintaxes), presumivelmente, “possuem poderes evocativos em
si mesmos em algum sentido puro e primitivo”
39
(Berry 1987, 25). Assim, as qualidades dos eventos
singulares (por ex. articulação, densidade, volume) raramente têm importância em níveis mais profundos
da estrutura musical, e que, segundo Berry, possuem unicamente qualidades superficiais, as quais são
subestimadas no estudo da experiência musical, provavelmente por sua aparente natureza não intelectual
e predominantemente sensorial, pura, primitiva. Pode-se relacionar essa superficialidade da sensação, da
qual Berry tenta se afastar, à definição de textura proposta por Levy, apontada no começo deste artigo.
Novamente pode-se, então, apontar o conflito entre Berry e um repertório que procura uma síntese
temporal do presente, ou seja, a superficialidade e imediatez da textura. Esse tipo de música tenta
justamente eliminar as relações sintáticas, escondendo os aspectos lineares e as hierarquias estruturais
que delineiam a forma, isto é, uma música que se afasta da forma que orienta o ouvinte num percurso que
se aproxima da narração e do tempo cronológico linear. Porém, esse conflito não corresponde a um
divórcio, mas sim a um matrimônio. Explico-me: que a música trate dessa superficialidade da textura não
significa que, para fazer essa superfície aparente, não exista um “contexto em que as relações sintáticas
são cultivadas e controladas como o resultado de disciplinados atos criativos”
40
(Berry 1987, 2), isto é, a
textura se torna o tema, justamente, quando as relações sintáticas comumente utilizadas pela música de
arte são diminuídas ou suprimidas intencionalmente. Um repertório que trate da materialidade sensível do
presente deve favorecer os aspectos não-lineares em detrimento dos aspectos lineares, e, para tanto,
devem ser controladas as relações sintáticas, que a partir delas surgem os aspectos que dão linearidade
à música. Esse processo de construção e composição, em oposição ao que estabelece o pensamento de
Berry, tem sim uma natureza intelectual factível de análise.
38
To put it in the light of the above formulations: every individual element-event has immediate (local,
foreground) implications; those that are more fundamental have broader implications as well. Hence, the
concept of hierarchic levels in all element-structures arises naturally and inevitably, and it must be seen as
applicable to the functioning of events within any given confluence of action […] It thus follows that
recessive and progressive lines of element-change must finally be evaluated as to level of functional
significance(Berry 1987, 14-15)
39
“Presumably have evocative powers in themselves in some pure and primitive sense” (Berry 1987, 25)
40
In contexts in which syntactic relations are cultivated and controlled as the result of disciplined creative
acts” (Berry 1987, 02)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
11
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
3.1. A teoria quantitativa e qualitativa da textura musical
A teoria sobre a textura musical de Berry pode ser compreendida como dependente de dois aspectos
fundamentais: os quantitativos e os qualitativos. Em uma primeira definição, Berry se pergunta:
O que é textura musical? A textura da música consiste em seus componentes sonoros; é
condicionada em parte pelo número daqueles componentes que soam em
simultaneidade ou concorrência, suas qualidades determinadas pelas interações, inter-
relações e projeções relativas e substâncias de linhas componentes ou outros fatores de
sonoridade componentes.
41
(Berry 1987, 184)
No mero daqueles componentes que soam em simultaneidade ou concorrência” (grifos meus), citado
na definição anterior, está descrito o aspecto quantitativo da textura, expressado através da incorporação
do número como forma de medição. O aspecto qualitativo, por outro lado, está descrito nas qualidades
determinadas pelas interações, inter-relações e projeções relativas e substâncias de linhas componentes
ou outros fatores de sonoridade componentes” (grifos meus). Nessa mesma linha e de forma similar, Berry
apresenta uma outra definição da textura, considerando-a como o “elemento da estrutura musical
moldado (determinado, condicionado) pela voz ou número de vozes e outros componentes projetando o
material musical no meio sonoro
42
(Berry 1987, 191, grifos meus), complementando, “e (quando tem dois
ou mais componentes) pelas inter-relações e interações entre eles
43
(Berry 1987, 191, grifos meus),
definição que contempla, novamente, a divisão entre aspectos quantitativos e qualitativos, sobre os quais
Berry fundamenta quase todas as suas análises. Procura-se fazer evidente que o meio sonoro é um
conceito fundamental para a formulação dos aspectos quantitativos da textura, sendo ele mesmo um
aspecto quantitativo no que se refere à sua verticalidade, a tessitura.
Os aspectos quantitativos que Berry define são três: densidade-número, densidade-compressão e espaço-
textural. Os dois primeiros estão relacionados ao conceito de densidade, definida por Berry como “aquele
parâmetro textural, quantitativo e mensurável, condicionado pelo número de componentes simultâneos
ou concorrentes e pela extensão do espaço vertical que os envolve: densidade-número e densidade-
compressão
44
(Berry 1987, 191). É possível apreciar como a densidade-número corresponde ao número de
componentes concorrentes, sendo a extensão do espaço vertical necessária para o entendimento da
densidade-compressão unicamente. O espaço-textural, por outro lado, é definido como “um campo
bidimensional que estabelece limites ‘horizontais’ e ‘verticais’ que encerram as sucessões de elementos
41
“What is musical texture? The texture of music consists of its sounding components; it is conditioned in
part by the number of those components sounding in simultaneity or concurrence, its qualities determined
by the interactions, interrelations, and relative projections and substances of component lines or other
component sounding factors” (Berry 1987, 184)
42
“Element of musical structure shaped (determined, conditioned) by the voice or number of voices and
other components projecting the musical materials in the sounding medium” (Berry 1987, 191)
43
“And (when there are two or more components) by the interrelations and interactions among them
(Berry 1987, 191)
44
That textural parameter, quantitative and measurable, conditioned by the number of simultaneous or
concurrent components and by the extent of vertical “space” encompassing them: density-number and
density-compression (Berry 1987, 191)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
12
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
que constituem a obra musical”
45
(Berry 1987, 249), acrescentando que esse plano, de forma muito
semelhante à disposição na partitura, possui níveis de profundidade nos quais as estruturas de elementos
se dispõem hierarquicamente, desde os planos superficiais (imediatos) até os planos mais fundos, o nível
estrutural mais amplo.
É possível apreciar que o espaço-textural, na sua componente vertical, ou tessitura, determina o grau de
compressão da densidade, sendo, portanto, a densidade-compressão um produto determinado pela
densidade-número projetada no espaço-textural. A seguir, é apresentada a Figura 1, com alguns exemplos
de densidade-número, densidade-compressão e espaço-textural, expressados em números e proporções.
Densidade-número
3
3
4
Espaço-textural
19
12
12
Densidade-compressão
3:19
3:12
4:12
Figura 1 - Exemplos de densidade-número, espaço-textural e densidade-compressão
Pode-se apreciar que os aspectos quantitativos possuem uma relação estreita com a verticalidade musical,
mas isso não impede que mudanças dessas caraterísticas verticais através do tempo não provoquem uma
linearidade de caráter horizontal dentro da música, ou seja, os aspectos quantitativos, apesar de sua
relação com o vertical, não teriam relação direta, pelo menos por si sós, com uma temporalidade vertical
do presente.
Por outro lado, o aspecto qualitativo da teoria de Berry fica determinado pela interação e inter-relação das
componentes, isto é, “o grau e natureza da concordância interlinear (acordo, falta de conflito) ou fatores
coincidentes de relativa intensidade e variância (contraponto)”
46
(Berry 1987, 185). Berry explica que
ambas a independência e interdependência das linhas concorrentes podem ser descritas observando a
“conformidade ou disparidade na direção das vozes, nos intervalos e no ritmo”
47
(Berry 1987, 213), mas
também depende de outros fatores complementares ou contrativos de “dissonância, imitação (paralelismo
motívico na separação temporal), cor, distância espacial e compressão, distinção na dinâmica ou
articulação, e qualquer outro parâmetro de projeção”
48
(Berry 1987, 213). Isso coloca em evidência que o
grau de conformidade ou acordo (dependência) depende primeiramente dos movimentos realizados pelas
linhas ou vozes, mas também depende de movimentos defasados temporalmente, como acontece no
processo imitativo, técnica usada amplamente pelos compositores de distintas épocas e estilos.
45
Two-dimensioned field setting out “horizontal” and “vertical” boundaries enclosing the element-
successions which constitute the musical work (Berry 1987, 249)
46
The degree and nature of interlinear concordance (agreement, lack of conflict) or coincident factors of
relative intensity and variance (counterpoint)(Berry 1987, 185)
47
Directional, intervallic, and rhythmic conformity or disparity (Berry 1987, 213)
48
Dissonance, imitation (motivic parallelism in temporal separation), color, spatial distance and
compression, dynamic or articulative distinction, and any of other parameters of projection (Berry 1987,
213)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
13
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
As categorias que Berry propõe são essencialmente produto dos aspectos qualitativos da textura:
polifônica, homofônica, cordal, dobramentos, espelhado, heterofônica, heterorrítmica, sonoridade,
contrapontística e monofônica. Nessas categorias, “três parâmetros específicos (aspectos, dimensões,
esferas de referência) são adotados como relevantes para a avaliação das condições texturais”
49
(Berry
1987, 193), sendo eles o ritmo, a direção e o conteúdo intervalar linear. Surgem assim os termos, que,
antepondo os prefixos homo, hetero e contra, descrevem as relações entre os elementos, como, por
exemplo, homorrítmicos, contradirecionais, heterointerválico, etc.
Do mesmo modo que os aspectos quantitativos têm uma relação estreita com as caraterísticas verticais,
certamente mensuráveis, os aspectos qualitativos têm uma estreita relação com os aspectos horizontais da
música, os quais, de certa forma, dependem da qualidade subjetiva do agrupamento dos sons através do
tempo, em linhas ou vozes. Numa música em que a formulação de linhas é ofuscada, seria, portanto,
ineficiente, senão impossível, aplicar uma análise qualitativa como a proposta por Berry. Isto é, se as
sequências de som não têm correlação direta através do tempo, não podendo-se estabelecer linearidade
nenhuma, os aspectos qualitativos da teoria de Berry seriam impossíveis de aplicar de forma produtiva,
pela falta da linearidade inerente ao reconhecimento de linhas ou vozes melódicas.
Num repertório em que a questão temporal é de principal interesse, é muito provável que vejamos os
aspectos lineares diminuídos, ou ofuscados, com a finalidade de se afastar da excessiva linearidade dos
períodos anteriores. Repertórios modernos que se centram na materialidade do som, nas explorações
rítmicas e tímbricas, geralmente têm uma componente temporal que tende ao presente, propiciando
assim os aspectos não-lineares da música em detrimento dos lineares. Portanto, e a favor dos aspectos
quantitativos sobre os qualitativos, considera-se pertinente se aprofundar na caraterística de compressão
textural para, assim, desenvolver novos indicadores que incorporem o proposto, brevemente, por Berry na
seguinte citação:
A distribuição particular dos componentes dentro de um determinado espaço é mais um
parâmetro de consideração dentro do fator de densidade-compressão [...] o ponto aqui é
mais simples: estamos notando que a avaliação da densidade-compressão pode exigir a
consideração de números de som simultâneos dentro de segmentos do espaço-textural
total
50
(Berry 1987, 210)
3.2. Compressão textural
Berry destina toda uma seção, intitulada densidade e dissonância, para falar da relação que existe entre
compressão, um aspecto da densidade quantificável, e dissonância. É evidente que, numa densidade-
compressão maior, a disposição das notas no espaço vertical ficaria restrita a intervalos menores, os quais
representariam um nível de dissonância maior. Isso ocorre porque os intervalos de segunda menor e maior
correspondem a dissonâncias de maior intensidade que terças e quartas, da mesma forma que seus
49
“Three specific parameters (aspects, dimensions, spheres of reference) are adopted as relevant to the
evaluation of textural conditions (Berry 1987, 193)
50
“The particular distribution of components within a given space is a further parameter of consideration
within the factor of density-compression [...] the point here is a simpler one: we are noting that the
evaluation of density-compression may require consideration of simultaneous numbers of sound within
segments of the total texture-space” (Berry 1987, 210)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
14
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
complementares, sextas e quintas. A densidade-compressão também explicaria o fato de sentir que a
dissonância harmônica diminui com o espaçamento, isto é, o efeito de sentir o intervalo de 7M ou 9m
menos dissonante que uma 2m. A relação entre densidade-compressão e dissonância não se aplicaria para
alguns casos, por exemplo o trítono, que tem uma densidade-compressão similar a quartas e quintas, mas,
um nível de dissonância muito maior. Não poderíamos dizer que uma 3M é mais dissonante que uma 7M
devido a sua compressão maior, existindo assim, certamente, casos nos quais a relação densidade-
compressão e dissonância não se aplica.
Considere-se, então, um repertório no qual as relações harmônicas, vistas como o aspecto fundamental da
linearidade tonal tradicional, não são uma força fundamental dentro da música. Os movimentos
provocados pela relação de contraste entre consonância e dissonância deveriam ter, portanto, sua
linearidade suprimida. O conteúdo dissonante deveria ter caraterísticas imutáveis através do tempo, para,
assim, não gerar, por meio do movimento harmônico, a linearidade que, tradicionalmente, se torna a força
predominante dentro da música. Nesse caso, poder-se-ia considerar que o movimento provocado pelas
mudanças de densidade-compressão é um aspecto pelo qual a música se desenvolve, e considerá-lo um
parâmetro que determina as relações de tensão e relaxamento, antes delineadas pela dicotomia entre
consonância e dissonância.
Entretanto, existe uma contradição ao considerar um aumento da densidade-compressão, pelo menos
como Berry a define, como uma linha de progressão no tempo. É preciso compreender que tanto
aumentos na densidade-compressão como na tessitura geram linhas progressivas. Berry diz a esse
respeito: “é interessante que os dois aspectos da textura denominados densidade-compressão e espaço-
textural são necessariamente contraditórios em inclinações progressivas ou recessivas, assumindo um
número de densidade fixo”
51
(Berry 1987, 191). Ou seja, se o número de notas se mantiver constante, um
aumento da densidade-compressão implicaria numa diminuição da tessitura, dois eventos que, em termos
de progressão, seriam contraditórios, sendo, portanto, contraproducente considerar uma variação da
densidade-compressão como um movimento inequívoco, pelo menos nos níveis hierárquicos maiores.
Outro problema aparente, com respeito ao indicador densidade-compressão desenvolvido por Berry, é que
ele não leva em consideração a disposição das notas dentro do empilhamento vertical, ou seja, ele
considera de igual densidade-compressão todas as combinações possíveis de um acorde, sempre que o
número de notas e a extensão de tessitura sejam as mesmas. Como citado anteriormente, o próprio Berry
sabia da necessidade de considerar a disposição dos componentes como um parâmetro a mais para a
avaliação da densidade-compressão, mas ele considerava que o caminho para ultrapassar essa questão era
através da segmentação do espaço-textural, ou seja, avaliar a mesma definição de densidade-compressão
para segmentos do espaço, os quais atuariam simultaneamente. Isso, certamente, permitiria identificar os
lugares no espaço que têm alta densidade-compressão, mas provocaria uma proliferação de valores de
densidade-compressão para cada arranjo vertical, perdendo o poder de síntese que teria um único
indicador. Considera-se que, apesar de Berry estar certo nas suas formulações, deve-se optar por um
indicador único que seja capaz de diferenciar dois acordes pelas suas caraterísticas de compressão. Para
isso, se utiliza o caminho começado por Berry, e se propõe uma reformulação do indicador de
51
“It is interesting that the two aspects of texture termed density-compression and texture-space are
necessarily contradictory in progressive or recessive inclinations, assuming a fixed density-number” (Berry
1987, 191)
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
15
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
densidade-compressão e da extensão harmônica dele. Essa extensão harmônica do indicador de
densidade-compressão leva em consideração a compressão harmônica dentro de uma única oitava,
incorporando, assim, a caraterística módulo 12 da escala cromática. Para isso, consideram-se unicamente
os intervalos que vão desde a segunda menor até o trítono, sendo os outros complementos maiores que
esses
52
.
Certo estava Berry ao dizer que seria preciso segmentar o espaço-textural para identificar lugares de alta
compressão. No entanto, que segmentar o espaço é uma alternativa para a análise da densidade-
compressão, por que não utilizar esse recurso para a sua avaliação contínua? Utiliza-se da segmentação
apontada por Berry para, a partir dos valores das densidades-compressão dos segmentos individuais,
formular um novo indicador que conta das caraterísticas internas, das disposições. Num primeiro lugar,
vejamos como é o indicador definido por Berry.




Figura 2 - Densidade-compressão definido por Berry
Pode-se apreciar que o indicador, como definido por Berry, contém alguns erros. Como foi comentado
anteriormente, não existe relação direta entre densidade-compressão e dissonância. A modo de exemplo,
podemos ver na Figura 2 que, nos dois primeiros intervalos, apesar de um aumento da densidade-
compressão, a sensação de dissonância se dissolve por completo ao chegar na oitava. Porém, fora do
visualizado por Berry, pode-se notar que o indicador apresenta uma anomalia nos dois valores restantes. O
indicador de Berry considera que a terceira formação, a segunda menor entre e bemol, possui uma
densidade-compressão maior que a apresentada pela formação conformada por duas segundas menores
empilhadas, consideradas neste trabalho como uma configuração mais densa. Ainda mais, o valor a que
tende o empilhamento infinito de segundas menores, o que seria a máxima densidade-compressão do
espaço-textural, é 1
53
, um valor menor que o empilhamento de uma única segunda menor, que é 2.
Pode-se apreciar que o indicador de Berry considera só as caraterísticas globais, a saber, tessitura total
(espaço-textural) e quantidade de notas (densidade-número). A segmentação do espaço seria, portanto,
uma tentativa de considerar as caraterísticas internas do empilhamento, isto é, a disposição das notas,
determinada pelos tipos de intervalos presentes. Propõe-se avaliar a densidade-compressão a partir de
suas caraterísticas internas, isto é, segmentar a totalidade do espaço e, a partir das caraterísticas
intervalares internas, formular um indicador para a densidade-compressão. Pode-se ver que as
52
Para essa formulação, utilizo os conceitos de Módulo12 (Straus 2016, 06) e Intervalos Não Ordenados
entre Classes de Notas (Straus 2016, 11), desenvolvidos na teoria pós-tonal, especificamente, no livro de
Joseph Straus Introdução à Teoria Pós-tonal.
53
Podemos identificar que a densidade-compressão do empilhamento de segundas menores tem como
fórmula a expressão
, sendo n o número de notas do cluster, e que para um n alto, essa expressão
tende a 1.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
16
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
caraterísticas intervalares internas, desde que elas correspondam ao intervalo entre cada duas notas
contíguas, poderiam perfeitamente ser expressas através das densidades-compressão individuais.
Portanto, o indicador densidade-compressão total ficaria determinado pela agregação das densidades-
compressão individuais.
Define-se, assim, e como uma continuação do desenvolvido por Berry, um indicador de densidade-
compressão total:
 



 

Equação 1 - Densidade-compressão Total
A densidade-compressão total ficaria assim determinada pela somatória das densidades-compressão
individuais. Pode-se apreciar que as densidades-compressão individuais dependem unicamente dos
intervalos, que o número de notas é constante, igual a 2. Devido ao fato de que o número de notas é
constante em cada segmento, pode-se normalizar e deixar o valor de densidade-compressão máximo igual
a 1, a diferença do máximo 2 que se obtém da aplicação direta da fórmula de Berry. Isso beneficia a
compreensão do indicador, deixando os valores de densidade-compressão individuais entre um mínimo 0 e
máximo 1. Portanto, intervalos menores teriam um peso maior dentro da densidade-compressão total,
internalizando assim os segmentos de compressão maior.
Tem-se um indicador para uma disposição vertical de n notas que cresce na medida que a compressão
entre seus componentes é maior. No entanto, a partir dele não seria possível saber o vel de compressão
do conjunto, que esse indicador, como definido anteriormente, não internaliza o número de notas. Não
é possível comparar, através dessa densidade-compressão total, dois conjuntos com número de notas
muito dispares, podendo levar a interpretações erradas. Para isso, parece adequado calcular a dia por
quantidade de notas, isto é, dividir a densidade-compressão total por n, obtendo assim uma densidade-
compressão média por nota, tornando o indicador comparável entre as diversas configurações,
independentemente da quantidade de notas que componham o arranjo vertical. Tomando em
consideração essas modificações, definimos, novamente, o indicador de densidade-compressão.



Equação 2 - Indicador de Densidade-compressão proposto
Na Figura 3, pode-se apreciar o comportamento do indicador de densidade-compressão proposto para
diferentes configurações, de igual tessitura e mero de notas, de um mesmo material harmônico, isto é,
um mesmo conjunto de tipo de notas (C, Db e B). Podemos verificar que configurações com intervalos
menores possuem uma densidade-compressão maior, incorporando, assim, como bem apontou Berry, a
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
17
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
distribuição particular das componentes dentro do espaço-textural. Pode-se agregar que as anomalias,
antes comentadas sobre o indicador definido por Berry, também ficam solucionadas. A densidade-
compressão de uma segunda menor é
, menor que o valor de duas segundas menores empilhadas, que é
. Ainda mais, o empilhamento infinito de segundas menores, nesse novo indicador proposto, tende a 1,
valor limite máximo de qualquer configuração possível, e que intuitivamente corresponderia à máxima
densidade-compressão do espaço-textural.
Figura 3 - Densidades-compressão de diferentes configurações de C, Db, A# e B, a tessitura e n constantes
Considere-se agora o apresentado brevemente na Figura 1, nas duas primeiras configurações, e que diz
respeito à relação entre densidade-compressão e dissonância. Como dito anteriormente, não existe
correlação direta entre densidade-compressão e dissonância, mas, para intervalos menores do que o
trítono, poderíamos atribuir-lhe algum tipo de relação harmônica. Isto é, desde a segunda menor até a
quarta justa, pode-se ver uma relação no sentido que o intervalo de segunda menor é o mais comprimido
e ao mesmo tempo o mais dissonante, podendo-se atribuir, em algum sentido dissonante-comprimido, um
relaxamento dessa condição na medida que o intervalo cresce, ou se descomprime. Do mesmo modo,
poder-se-ia perceber algo similar para os intervalos maiores ao trítono, identificando o intervalo de sétima
maior como o mais dissonante-comprimido desse conjunto. Nesse sentido, intervalos complementares
teriam uma relação dissonância-compressão similar. Além disso, essa relação se manteria para intervalos
maiores do que a oitava, ou seja, a relação dissonância-compressão teria fundamento em algum sentido
harmônico.
Então, parece adequado avaliar o indicador de densidade-compressão para o conteúdo harmônico, ou
seja, para o conjunto de tipo de notas. Para isso, foi preciso eliminar as duplicações de oitava e
enarmonias, dispondo o conjunto de tipo de notas dentro de uma única oitava. Nesse conjunto, aplica-se o
indicador de densidade-compressão proposto, incluindo um último intervalo, destacado na Figura 4, para
fechar o círculo da oitava. Isso se deve à natureza módulo 12 do conjunto de tipo de notas.
Eliminando
duplicação de oitava
e
enarmonias
Densidade-compressão harmônica
󰇡
󰇢

Figura 4 - Indicador de densidade-compressão harmônica
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
18
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
Como dito anteriormente, a relação densidade-compressão e dissonância é parcial, e se expressa de
melhor maneira através desse indicador harmônico. Contudo, ainda nesse indicador existe uma
contradição no intervalo de 6 semitons. Esse intervalo, conhecido como trítono, é considerado instável, ou
seja, uma dissonância
54
. Apesar disso, avaliando-o através desse indicador, obtemos a menor densidade-
compressão harmônica possível a partir de duas notas, gerando, assim, uma contradição na relação
densidade-compressão harmônica e dissonância.
4. Considerações finais
O indicador de densidade-compressão desenvolvido por Berry foi aqui adaptado para incorporar, através
da segmentação total do espaço-textural, as disposições internas. Agora, é possível diferenciar duas
configurações que, antes, na avaliação do indicador como Berry o definiu, eram reconhecidas como
equivalentes no que diz respeito à compressão de seus componentes internos.
A relação entre densidade-compressão e dissonância apontada por Berry é parcial, e se sustenta no fato de
que intervalos menores tendem a ser considerados mais dissonantes. Com base nisso, propõe-se avaliar o
indicador de densidade-compressão proposto no conjunto dos tipos de notas com a finalidade de obter um
índice de densidade-compressão harmônica que represente, de forma mais concisa, a relação com a
dissonância. É importante perceber que essa relação ainda é parcial, apresentando uma contradição
quando avaliado o intervalo de trítono, o qual é, ao mesmo tempo, um dos mais dissonantes e com menor
densidade-compressão harmônica. É importante perceber que a densidade-compressão harmônica,
através das simplificações para sua representação como conjunto módulo 12, se afasta da noção de
textura, a qual é totalmente dependente dos aspectos sonoros, incluídos os dobramentos, oitavas e, em
casos mais extremos, enarmonias.
Deve-se entender que o indicador tem implicações diferentes quando aplicado numa disposição na
totalidade do espaço vertical ou na sua redução harmônica dentro da oitava. Ambas as aplicações seriam
independentes, entregando informações diferentes e, em algum sentido, complementares ao estudo da
densidade-compressão. Em específico, uma disposição particular pode não ter um índice de densidade-
compressão alto na totalidade do espaço, mas pode sim ter um índice alto de densidade-compressão
harmônica. Por outro lado, se uma disposição tem um alto índice de densidade-compressão na totalidade
do espaço, seria também, inevitavelmente, comprimida na redução harmônica. Portanto, é fundamental
avaliar ambos os indicadores de forma paralela para obter resultados satisfatórios no momento de analisar
o impacto dos aspectos quantitativos no delineamento da forma musical.
54
Com respeito à dissonância, refere-se ao fenômeno, audível, que se produz pelo desencontro das
frequências. Isso é atribuível à razão entre as frequências, que, no caso do intervalo de quarta aumentada
ou quinta diminuta, é de 45/32, diferentemente de intervalos consonantes que possuem razões de 1/2,
3/2, 4/3, 5/4, etc. Diferencia-se assim o sentido de dissonância que se atribui a intervalos que, de forma
contextual, são dissonantes, como seria uma quarta num acorde maior, ou seja, uma dissonância que não
teria relação aos batimentos produto dos desencontros da frequência, e sim a um construto histórico
estilístico.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232415 | 2023
19
Jara, Alejandro; Irlandini, Luigi Antonio. “Uma discussão sobre a teoria da textura e o conceito de densidade-compressão de Wallace Berry
5. Referencias
Berry, Wallace. 1987. Structural Functions in Music. New York: Dover.
Bosseur, Jean-Yves. 2003. “Texture et matériau dans la pensée musicale contemporaine.” Muzikologija (3):
129-139.
Brandão, Luigi, Alejandro Jara, e Jean-Yves Bosseur. 2023. “Textura e material no pensamento musical
contemporâneo”. Revista Música 23 (1):617-29.
Cambridge University Press (Org.). 2009. Cambridge academic content dictionary. New York: Cambridge
University Press. https://dictionary.cambridge.org/es-LA/dictionary/english/texture
Dunsby, Jonathan. 1989. “Considerations of Texture.” Music & Letters 70 (1): 46-47.
Frymoyer, Johanna. 2012. “Rethinking the sign: Stylistic competency and the interpretation of musical
textures, 1890 1920.” Doctoral dissertation, Princeton, NJ: Princeton University.
Levy, Janet M. 1982. “Texture as a Sign in Classic and Early Romantic Music.” Journal of the American
Musicological Society 35 (3): 482531.
Olivia, Carlos A. 2019. “A Comparison of Excerpts by Igor Stravinsky, Alban Berg, Dmitri Shostakovich and
Béla Bartók to Excerpts by György Ligeti: Comparative Analysis Based on Textural Parameters.”
Dissertação de mestrado, São Paulo, Brasil: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
UNESP Instituto de Artes.
Sadie, Stanley, and John Tyrrell. 2001. “Texture. In The New Grove Dictionary of Music and Musicians.
Oxford: Oxford University Press.
Straus, Joseph N. 2016. Introduction to post-tonal theory. New York: W. W. Norton & Company.