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eISSN 2317-6377
Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
Pronunciations of sung brazilian portuguese:
a vocal analysis of recordings by baritone Ernesto De Marco
Daniela da Silva Moreira
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Música, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
danieladasilva.moreira@hotmail.com
Alberto José Vieira Pacheco
Universidade Nova de Lisboa, Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, Lisboa, Portugal
SCIENTIFIC ARTICLE
Section Editor: Fernando Chaib
Layout Editor: Edinaldo Medina
License: "CC by 4.0"
Submitted date: 22 nov 2022
Final approval date: 04 apr 2023
Publication date: 06 may 2023
DOI: https://doi.org/10.35699/2317-6377.2023.41909
RESUMO: Este artigo aborda a pesquisa sobre a pronúncia apresentada pelo barítono Ernesto De Marco em gravações de
cancioneiro do culo XX, em comparação com as normas de pronúncia atuais e as existentes em sua época (e a relação com
modernistas nacionalistas). Como resultado, ficou evidente que De Marco possuía variações de pronúncia diacrônicas e
pessoais, sendo que as variações pessoais repercutiam de forma negativa, com relação ao modernismo nacionalista. Como
conclusões, estudar a pronúncia do cantor auxiliou no entendimento de parte da história do canto em português brasileiro,
além de mostrar possibilidades interpretativas ao cantar um repertório do século passado.
PALAVRAS-CHAVE: Ernesto De Marco; canção brasileira; pronúncia do português brasileiro cantado; voz nacional; modernismo
nacionalista.
ABSTRACT: This paper discusses research on the pronunciation presented by baritone Ernesto De Marco in recordings of a 20th
century songbook, in comparison with current pronunciation norms and those existing in his time, as well the relationship with
nationalist modernists. It became evident that De Marco presented diachronic and individual variations in his pronunciation, and
the latter had negative repercussions with regard to nationalist modernism. As conclusions, studying the singer's pronunciation
has helped in understanding part of the history of singing in Brazilian Portuguese, besides showing possibilities of interpretation
when singing a repertoire from the last century.
KEYWORDS: Ernesto De Marco; Brazilian song; pronunciation of sung Brazilian Portuguese; national voice; nationalist
modernism.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232407 | 2023
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
1. Introdução
Este artigo aborda parte dos resultados da pesquisa sobre o barítono brasileiro Ernesto De Marco (1892-
1969), questões relacionadas à pronúncia apresentada pelo cantor em gravações do início do século XX,
assim como a sua relação com os modernistas nacionalistas da primeira metade desse mesmo século (e
suas normas para a pronúncia do canto artístico em português brasileiro).
A pesquisa se deu por meio do acesso a três gravações do cantor. Uma é a suíte infantil O Sapo Dourado,
do compositor Hekel Tavares, em edição da gravadora Victor, de 1934, em que De Marco gravou as
personagens O Sapo e o Mestre Escola. A suíte completa foi cedida pelo colecionador Miguel Ângelo de
Azevedo (Nirez) e encontra-se disponível on-line na plataforma do YouTube
1
(desta, foi analisada,
brevemente, apenas os trechos cantados por Ernesto De Marco).
Também se descobriu a existência de canções gravadas por De Marco em 1929 junto à gravadora
Parlophon
2
. Por esse selo De Marco gravou quatro discos de 78 RPM, contendo duas faixas cada um.
Dessas, apenas duas foram encontradas, cedidas pelo colecionador Gilberto Inácio Gonçalves (membro do
grupo de colecionadores Confraria do Chiado), sendo elas as canções Ideale e Marechiare, fontes
essenciais para uma análise mais profunda sobre o canto e pronúncia do barítono. Essas também se
encontram disponíveis on-line no YouTube para audição
3
.
A seguir será apresentada uma breve biografia do cantor, realizada a partir de notícias de jornais acessadas
pela Hemeroteca Digital Brasileira. Bem como, em sequência, os resultados sobre as análises de sua
pronúncia, em comparação com as normas de pronúncia existentes hoje e em sua época. Essa investigação
foi realizada a fim de entender possíveis variações de pronúncia diacrônicas e pessoais, considerando o
tempo histórico, como um meio de responder questões surgidas durante a reflexão sobre a não aceitação
do barítono como representante de uma voz brasileira para a música de câmara, almejada pelos
modernistas nacionalistas na primeira metade do século XX.
2. O barítono Ernesto De Marco
Ernesto De Marco foi um cantor brasileiro, barítono, nascido em São Paulo, em 25 de dezembro de 1892, e
falecido no Rio de Janeiro, em 25 de abril de 1969 (Moreira 2020, 41-42). Filho dos imigrantes italianos
Alferio De Marco (?-?), industrial, e D. Luiza Bartholomeu De Marco (?-?), iniciou seus estudos de canto
ainda muito jovem, no Brasil, tendo também estudado na Itália por alguns anos, em viagens particulares e,
em maior período, como pensionista do Estado de São Paulo. Foi em uma de suas primeiras idas a Nápoles
1
A suíte pode ser encontrada para audição pela seguinte referência: Tavares, Hekel. 1934. O Sapo
Dourado. In Músicas do Brasil do Século XX. https://www.youtube.com/watch?v=GJRaes8-VfQ&t=433s.
2
Informação encontrada no site do Instituto Memória Musical Brasileira (Immub). 2020. In Artista Ernesto
De Marco. http://immub.org/artista/ernesto-de-marco.
3
As gravações pelo cantor de Ideale e Marechiare podem ser ouvidas por meio das seguintes referências:
De Marco Ernesto. 1929. Ideale (F. Paolo Tosti). In Músicas do Brasil do Século XX.
https://www.youtube.com/watch?v=b0k_N1fGeDc. De Marco, Ernesto. 1929. Marechiare (F. Paolo Tosti).
In Músicas do Brasil do Século XX. https://www.youtube.com/watch?v=cuEVlKRL50U.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
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que estudou com o famoso professor de canto Beniamino Carelli (1833-1921) (Concerto... A Imprensa
1911, 4).
Por meio de notícias de jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, observou-se que o cantor foi uma figura
extremamente ativa e de expressiva carreira no cenário musical do Brasil da primeira metade do século XX.
As participações em seus primeiros concertos em São Paulo datam de notícias de 1909, indo até alguns
meses antes de sua morte (Salão... Correio Paulistano 1909, 3; Concêrto... Diario de Notícias 1968, 3).
Também possuiu uma carreira significativa no exterior, sobretudo no período em que esteve na Itália como
pensionista do Estado de São Paulo. Foi em 26 de setembro de 1913 que o barítono realizou, no Salão
Nobre do Jornal Correio Paulistano, o recital-audição à Comissão do Pensionato Artístico de São Paulo. De
acordo com o jornal:
O barytono Ernesto De Marco cantou, com agrado geral, [...], tendo merecido, ao
terminar cada trecho dessas operas conhecidas, calorosos applausos e significativas
felicitações. O sr. De Marco, effectivamente, apesar de ser ainda jovem, possue
predicados que assás o recommendam como cantor lyrico, pois dispõe de bonita voz de
barytono, e patenteia exuberantemente bom gosto e acceituada vocação artistica para a
carreira que quer abraçar. O distincto moço, que é paulista, apresenta-se candidato a ir
estudar na Europa com o auxilio do Estado. Tal pretenção é justa e oxalá se realizem as
suas aspirações (Audição... Correio Paulistano 1913, 3).
De Marco ganhou o 1º lugar no referido Concurso de Canto, partindo com sua família para Nápoles em
1916 (Notas... Correio Paulistano 1920, s.n.), quando saiu sua requisição de pagamento pela Secretaria do
Estado (Secretaria... Correio Paulistano 1916, 5). Na Itália aperfeiçoou-se com os maestros Maximiano
Perilli (?-?) e Caetano Scognamillo (?-?), permanecendo como pensionista do estado de São Paulo por seis
anos. Nesse período destacou-se em importantes teatros da época, como o Costanzi de Roma (hoje Teatro
Dell’Opera di Roma), Teatro Mercadante de Nápoles, Teatro Fenice de Veneza, no Teatro Dei Ravvivati
(possivelmente antigo teatro em Pisa), entre outros (Morreu... Diário de Notícias 1969, 5; Moreira 2020).
Foi ainda contratado na Companhia de Ópera Italiana da Empresa Walter Mocchi”, retornando com esta
para o Brasil em 1922, realizando óperas nas temporadas dos Teatros Municipais do Rio de Janeiro e São
Paulo, sob a organização do próprio empresário Walter Mocchi (1870-1955), conhecido fomentador da
ópera na Europa e América Latina da época (Theatro... Correio Paulistano 1922, 10; Traviata... Correio
Paulistano 1922, 10).
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
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Figura 1: Ernesto De Marco (Fonte Primária: Álbum de Recortes de Ernesto De Marco
Acervo histórico do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em Moreira 2020)
Embora tenha cantado, majoritariamente, repertório operístico, De Marco também foi cantor camerístico
e cantor de rádio, realizando repertório estrangeiro e nacional de canção em salas de concertos e em
programas radiofônicos.
Nos primeiros anos da década de 1920, com o advento da radiodifusão, o barítono De
Marco aproveitou-se dessa rede de divulgação artística e de mercado, assim como
também parecia considerar as rádios um meio de estar em atualização com parte dos
ideais dos movimentos estéticos daquele momento. Sua participação em programas de
rádio no Brasil mostra a sua versatilidade em trabalhar nos diferentes meios de atuação
musicais disponíveis da época (Moreira 2020, 56).
Do repertório de canção que apresentava, nas rádios e salões, originaram-se gravações de oito canções em
discos de 78 RPM, realizadas pela gravadora Parlophon, em 1929, gravadas com a Hotel Itajubá Orquestra.
O barítono gravou as canções Morena Morena (de Francisco Mignone) e Lolita (creditada a Catulo da
Paixão Cearense e Buzzi-Peccia, provavelmente fazendo uma versão em português brasileiro cantada por
Catulo). As outras seis gravações são todas canções de Paolo Tosti, compositor ao qual De Marco
aparentava ter bastante apreço. Foram elas: A última canção, Tormento, Addio, T’amo ancora, Ideale e
Marechiare
4
. As canções de Paolo Tosti foram gravadas em português brasileiro, a partir de traduções-
adaptações realizadas por sua esposa, a poetisa Julia Cesar De Marco (?-1945) (O Barytono... O Paiz 1929,
7; Falecimentos Gazeta de Notícias 1945, 6).
Como descrito, das gravações registradas pela Parlophon obteve-se acesso a duas delas, Ideale e
Marechiare. Com as primeiras audições de suas gravações concordou-se com críticas positivas ao barítono,
encontradas em notícias de jornais. Nessas críticas, “os principais pontos que podem ser observados sobre
a qualidade vocal e performática de Ernesto enquanto intérprete são apontamentos sobre sua dicção,
projeção vocal e qualidades enquanto ator, de sua construção cênica dos personagens de ópera que
4
Esta informação pode ser consultada junto a seguinte fonte: Immub (Instituto Memória Musical
Brasileira). 2020. In Artista Ernesto De Marco. http://immub.org/artista/ernesto-de-marco.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
interpretava” (Moreira; Goldberg 2019, 96), todas normalmente atestando que o barítono estaria em
conformidade com o que se esperava para o canto lírico de sua época.
No entanto, em estudos sobre o modernismo nacionalista da primeira metade do século XX (movimento
no qual De Marco esteve diretamente inserido), nos deparamos com um artigo publicado nos Anais do
Primeiro Congresso da ngua nacional cantada (1938), intitulado “A pronúncia cantada e o problema do
nasal brasileiro através dos discos” (Discoteca Pública 1938, 189-208)
5
que expunha o que seria o ideal,
conforme os modernistas nacionalistas, de uma voz nacional almejada para a música de câmara brasileira.
Nesse artigo, o barítono é apresentado justamente como um exemplo do que o era desejado como voz
nacional.
No referido texto é afirmado que as escolas de canto europeu eram as únicas bases usadas pelos
compositores eruditos, assim como os estudos técnicos do canto lírico europeu influenciavam diretamente
(e, talvez, exclusivamente) na técnica vocal dos cantores líricos brasileiros, inclusive para a interpretação
de repertório nacional. Dessa forma, acreditavam que ao usar, na música brasileira, as características do
canto lírico europeu (dicção, timbre, entoação), o canto nacional se desnacionalizava e se perdia (Discoteca
Pública 1938, p. 192).
Para exemplificar essa questão é apresentado um disco como um dos exemplos do que era e o que não era
almejado como voz nacional. O disco abordado é a suíte infantil O Sapo Dourado, em edição pela
gravadora Victor, em 1934. Considerado o primeiro disco musical especialmente escrito para crianças,
possuía música de Hekel Tavares (1896-1969), história de Martha Dutra (?-?), versos de Waldemar
Henrique (1905-1995) e foi publicado junto a um livro com ilustrações de Alceu Penna (1915-1980), tendo
Ernesto De Marco como o intérprete das personagens O Sapo e o Mestre Escola (Discoteca Pública 1938, p.
195). Sobre o barítono e seu colega, o baixo Perrota Filho, era exposto que:
[...] As vozes dos srs. De Marco e Perrota Filho são bonitas, não discutimos. Porém esta
boniteza em texto nacional, nada consegue legitimar e as deformações são tão
numerosas e agressivas que a repulsa é instintiva. [...]. É de nosso parecer, diante de
prova tão clarividente, que o canto erudito nacional, si não buscar no timbre, na dicção,
nas maneiras de entoar, e especialmente na nasalação dos nossos cantores naturais uma
maior legitimidade nacional, não poderá seguir o caminho ilustre que estão abrindo os
compositores contemporâneos do Brasil (Discoteca Pública 1938, p. 196).
O Primeiro Congresso da língua nacional cantada, em que esse artigo da Discoteca Pública foi apresentado,
trazia em seu íntimo um forte viés ideológico, marcado por uma busca por edificar uma canção e voz que
seria “verdadeiramente brasileira”. Nessa busca, o uso do vernáculo se tornou questão primordial com o
intuito de formar um tipo de escola nacional de canto, partindo de uma padronização de pronúncia para o
canto em português brasileiro daquela época. Se esperava que, por meio do canto, fosse possível
fortalecer e unificar a “nação brasileira” que eles acreditavam estar finalmente se concretizando, tendo a
língua e manifestações culturais como uns dos seus veículos de transmissão (Herr 2009). A “[...] meta
5
Nos Anais do Congresso não é exposto o nome dos autores do artigo; ele é referenciado à Discoteca
Pública de São Paulo.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
ambiciosa do modernismo nacionalista era fazer com que os compositores falassem a língua musical do
Brasil como quem fala sua ngua materna” (Travassos 2000, 38). O congresso foi realizado entre 7 e 14 de
julho de 1937, no foyer do Teatro Municipal de São Paulo, e tinha Mário de Andrade como um dos seus
principais dirigentes.
Para seu principal propósito, durante o Congresso, foram discutidas as primeiras normas de pronúncia
artística para o português brasileiro, as “Normas para boa pronúncia da língua nacional no canto erudito”
(1938, 50-94), que foram também publicadas nos Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada
(1938), junto aos demais artigos relacionados à ideia (utópica) de voz nacional.
A partir da leitura desses artigos do Congresso, algumas questões foram surgindo, como sobre quais
seriam os motivos específicos para Ernesto De Marco ser usado como um exemplo do que não se esperava
vocalmente para o canto em português brasileiro da canção de câmara de sua época, mesmo o barítono se
apresentando em entrevistas e cartas a jornais como um nacionalista, que buscava se engajar ao
movimento no país. Para tentar responder essas questões, buscou-se o processo de análise da pronúncia
do cantor nas suas gravações, reflexões que são expostas a seguir.
3. As traduções-adaptações das canções de Paolo Tosti
Ambas as canções gravadas por De Marco, Ideale e Marechiare, possuem música composta por Francesco
Paolo Tosti, a primeira com poema original, em italiano, de Carmelo Errico (1848-1892), e a segunda com
poema original, em napolitano, de Salvatore Di Giacomo (1860-1934).
Sobre a canção Ideale, no Quadro 1 abaixo, é apresentado o poema original
6
e sua tradução literal. No
Quadro 2 consta a tradução-adaptação de Julia Cesar De Marco para o canto, transcrita a partir da audição
da gravação de Ernesto De Marco
7
. O texto em português brasileiro está exposto de acordo com as normas
atuais de grafia
8
.
Em relação à tradução-adaptação de Ideale para o canto, feita por Julia Cesar De Marco, percebe-se que é
mantida a temática central. o realizadas algumas pequenas adaptações, com expressões aproximadas,
mas que não modificam a ideia principal do poema. Exemplificando, temos na primeira frase do poema em
italiano: Io ti seguii come iride di pace”, cuja tradução Eu te segui como uma íris de paz” é bastante
aproximada da usada na tradução-adaptação cantada por De Marco: “Eu te segui como um anjo de paz”.
6
Poema extraído da partitura a qual tivemos acesso: Tosti, Paolo; Errico, Carmelo. [19-?]. Ideale. Milão: G.
Ricordi e C. 1 partitura. Canto e piano.
7
A gravação de Ideale pelo barítono pode ser ouvida em: De Marco Ernesto. 1929. Ideale (F. Paolo Tosti).
In Músicas do Brasil do Século XX. https://www.youtube.com/watch?v=b0k_N1fGeDc.
8
As reflexões sobre as traduções-adaptações de Julia Cesar foram discutidas, inicialmente, no trabalho
de Moreira e Goldberg (2018), porém, estão aqui sendo atualizadas.
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uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
Quadro 1: Poema original e tradução literal de Ideale
Ideale
(poema original de Carmelo Errico)
Io ti seguii come iride di pace
Lungo le vie del cielo
Io ti seguii come un'amica face
De la notte nel velo
E ti sentii ne la luce, ne l'aria
Nel profumo dei fiori
E fu piena la stanza solitaria
Di te, dei tuoi splendori
In te rapito al suon de la tua voce
Lungamente sognai
E de la terra ogni affanno
Ogni croce
In quel sogno scordai
Torna, caro ideal
Torna un istante a sorridermi ancora
E a me risplenderà nel tuo sembiante
Una novell'aurora (2 x)
Torna, caro ideal, torna, torna!
Quadro 2: Tradução-adaptão de Ideale
Ideale
(tradução-adaptação para o canto por Julia Cesar De Marco)
Eu te segui como um anjo de paz
No caminho do céu,
Eu te segui [extremoso]9 de amor
Sem dormir um momento
E te senti ao meu lado chegando
Com perfume das flores
E foi cheio, o quarto solitário,
De amor e de esplendor.
Por ti perdido ao ver tua beleza
Longamente sonhei
E desde então ao ver esta ilusão
O meu sonho morreu
Torna caro ideal
Torna um instante a sorrir-me e ainda
E a mim esplenderá o seu semblante
Uma bem nova Aurora (2 vezes)
Torna caro ideal, torna, torna!
9
Essa é a única palavra que o foi inteligível. Além dos pesquisadores, as gravações foram ouvidas por
outras pessoas, mas como ninguém conseguiu chegar a um possível entendimento, a palavra “extremoso”
foi sugerida por um dos pesquisadores, por conter o número de sílabas que escutamos na gravação e se
encaixar na frase musical.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
Como outros exemplos, no texto original, temos: In te rapito / Al suon de la tua voce / Lungamente
sognai”; cuja tradução é “Absorvido por você / Ao som da sua voz / longamente sonhei”; que na adaptação
para o português passa a ser: “Por ti perdido / ao ver tua beleza / longamente sonhei”. Mesmo o sendo
uma tradução literal, existe uma adaptação coerente, quer pela substituição dos sentidos na segunda
sentença (ouvir ver) e pela descrição de particularidades da personagem descrita (voz beleza), ou por
manter a intensidade de sensação externada pelo eu poético (longamente sonhei).
Outro tipo de adequação pode ser observado pela aproximação de expressões, como, por exemplo, no
final da canção: Una novell'aurora / Torna, caro ideal” (Um novo amanhecer / Volte, querido ideal), que
para a tradução-adaptação em português passa a ser: “Uma bem nova aurora / Torna, caro ideal”. A
adaptação procura manter a sonoridade de palavras próxima à da canção original, mas, novamente, sem
atrapalhar o seu sentido original geral. Nesse trecho pode-se pensar que se trata de uma adaptação que
leva em consideração o jogo de palavras que soa de maneira mais agradável e mais fácil para o canto.
Assim, observa-se que nesta gravação as adaptações do texto não trabalham com determinadas
palavras que colaboram para conservar tanto a linha melódica, como utilizam termos com significações
aproximadas que contribuem para a conservação da sonoridade original do poema. Contudo, algumas
modificações se tornam necessárias quando se considera as necessidades próprias do canto no idioma
para o qual a tradução é realizada.
Com relação à canção Marechiare (Quadros 3 e 4), esta apresenta um procedimento um pouco diferente
em seu processo de tradução-adaptação, embora não se afaste totalmente do conteúdo poético. No
Quadro 3, abaixo, é apresentado o poema original, em napolitano
10
, e uma tradução literal para esse texto.
E, no Quadro 4, consta a tradução-adaptação de Julia Cesar De Marco para o canto, transcrita também a
partir da audição da gravação de Ernesto De Marco
11
, igualmente escrita de acordo com as normas atuais
de grafia do português brasileiro.
Em Marechiare, canção de estilo napolitano, o contexto da tradução-adaptação muda bastante em sua
primeira estrofe. O poema original trata de uma aldeia situada em Nápoles, chamada Marechiaro
(Marechiare em napolitano), cuja história discorre sobre o que neste local acontece, entre as ondas do
mar. Na tradução-adaptação cantada por Ernesto De Marco, a ideia do texto, em sua primeira estrofe,
modifica-se, que não existem quaisquer citações sobre tal aldeia Marechiaro. Provavelmente a
referência a Marechiaro foi suprimida devido ao ouvinte brasileiro, no geral, desconhecer a localidade,
mesmo que a gravação tenha mantido o nome original da canção. No lugar do tema nativo napolitano, a
primeira estrofe da tradução-adaptação fala sobre a imensidão do amor, o brilho do luar sobre o mar, o
sofrimento, as recordações, e o temor desta “canção cheia de ardor” dirigida à pessoa amada.
A similaridade encontrada em ambas as versões, na primeira estrofe, refere-se à janela da pessoa amada.
O poema original fala que, em Marechiare, uma janela e a paixão do personagem se encontra; trata-
10
Poema extraído da partitura: Tosti, Paolo; Giacomo, Salvatore Di. 1945. Marechiare. Milão: G. Ricordi e
C. 1 partitura. Canto e piano.
11
A gravação do barítono pode ser ouvida por meio da seguinte fonte: De Marco, Ernesto. 1929.
Marechiare (F. Paolo Tosti). In Músicas do Brasil do Século XX.
https://www.youtube.com/watch?v=cuEVlKRL50U.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
se da descrição poética de sua visão. Na tradução cantada por Ernesto De Marco, embora não se cante
sobre essa região, essa ideia geral em relação ao mar e a janela da pessoa amada se mantém, auxiliando na
ligação com a temática da segunda estrofe. Nesta, a tradução-adaptação se mantém muito mais
aproximada, com trechos traduzidos quase que literalmente do poema original. São os casos da descrição
sobre o brilho das estrelas e a ideia final, onde o personagem, em serenata, canta para chamar o seu amor.
Quadro 3: Poema original e tradução literal de Marechiare
Marechiare
(poema original de Salvatore Di Giacomo)
Marechiare
(tradução literal do poema original)
Quanno sponta la luna a Marechiare
Pure li pisce nce fann´ a l´ammore
Se revotano l´onne de lu mare
Pe la priezza cagneno culore
Quanno sponta la luna a Marechiare
A Marechiare nce sta na fenesta
La passione mia nce tuzzulea
Nu carofano adora int´a na testa
Passa l´acqua pe sotto e murmuléa
A Marechiare nce sta na fenesta
Ahhh!... A Marechiare, a Marechiare,
nce sta na fenesta.
Chi dice ca li stelle so lucente
Nun sa pe st´uocchie ca tu tiene nfronte
Sti doie stelle li saccio io solamente
Dint´a lu core ne tengo li pônte
Chi dice ca li stelle so lucente?
Scetate, Carulì, ca l´aria è doce
Quanno maie tanto tiempo aggio aspettato?
P´accompagnà li suone cu la voce stasera na chitarra
aggio portato
Scetate, Carulì, ca l´aria è doce.
Ahhh!... O scetate, o scetate, Carulì,
ca l´area è doce.
Quando nasce a lua em Marechiaro
Também os peixes fazem amor
As ondas do mar revoltam-se
Pela alegria mudam de cor
Quando nasce a lua em Marechiaro
Em Marechiaro ela está na janela
Minha paixão bate nela
Um cravo cheira dentro de um vaso
A água passa por baixo e murmura
Em Marechiaro ela está na janela
Ahhh!... Em Marechiaro, em Marechiaro,
ela está na janela.
Quem diz que as estrelas são brilhantes
Não conhece esses olhos que tens na fronte
Essas duas estrelas apenas eu conheço
Dentro do coração mantenho suas pontas
Quem diz que as estrelas são brilhantes?
Acorda, Carolina, que o ar é doce
Quando foi que já esperei tanto assim?
Para juntar os sons e a voz esta noite uma guitarra
eu trouxe
Acorda, Carolina, que o ar é doce.
Ahhh!... Acorda, Acorda, Carolina,
que o ar é doce.
Portanto, percebe-se que em ambas as tradões ocorrem adaptações do texto, principalmente em
Marechiare, mas em um contexto geral a ideia central é preservada
12
. Adaptações textuais em traduções
para o canto, como as de Julia Cesar De Marco, são comuns e necessárias, que esse tipo de processo
possui preocupações adicionais relativas a ajustes musicais e mesmo vocais de emissão, situação diferente
de traduções literais ou poéticas, por exemplo.
A questão da tradução para o canto o será aprofundada aqui, contudo, para mais informações sobre os
métodos que envolvem e auxiliam em traduções de obras vocais (e exemplos desses processos), indica-se
o trabalho de Lúcia de Fátima Vasconcelos sobre tradução e melopoética (2013).
12
Nas gravações de Ernesto De Marco para essas duas canções também ocorrem leves adaptações rítmicas
para ajustar a tensão prosódica dos textos traduzidos para o português brasileiro. Adequações que foram
expostas brevemente no trabalho de Moreira (2020).
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Quadro 4: Tradução-adaptão de Marechiare
Marechiare
(tradução-adaptação para o canto por Julia Cesar De Marco)
Quando eu vier aqui cheio de amor
O luar brilha de novo em pleno mar
E temendo esta canção cheia de ardor
Vou sofrendo e recordando essa ilusão
Quando eu vier aqui cheio de amor
E lá bem longe a ver tua janela
Eu tento ver que fique toda bela
Os meus lábios se agitam e com penar
Dizendo que meu amor eu vou deixar
E lá bem longe a ver tua janela
Ahhh!...
E lá no mar, te vejo toda bela
Bem dizem que as estrelas são brilhantes
Não sabem quanto sofre o meu amor
Essa dor só a ti vou consagrar
Porque esta canção enche de ardor
Bem dizem que as estrelas são brilhantes
Ah, venho sim acordar minha amada
Ao meu sofrer tanta dor eu tenho dado
A consagrar a vida em beijo em graça
Acorda óh meu amor e não desperta
Vem veja meu amor é a serenata
Ahhh!... Acorda, Acorda!
Que a noite é bela!
3.1. Transcrições fonéticas da pronúncia de Ernesto De Marco
Nas primeiras audições das gravações de Ernesto De Marco ficou perceptível que o barítono possuía um
bom condicionamento técnico vocal, dentro de um determinado ponto de vista do canto na música de
concerto. Possuía uma dicção clara e bem articulada, timbre também claro e boa projeção para o estilo de
canção, o que estava em consonância com a maioria das críticas de jornais as quais se obteve acesso.
Essas críticas sobre De Marco (Moreira; Goldberg 2019) também sugeriam que o barítono estava de acordo
com as qualidades vocais que eram reproduzidas em sua época. No entanto, como comentado, algumas
considerações contrárias sobre o canto do intérprete exigiram um estudo mais aprofundado sobre sua voz,
em que se buscou entender o que nele poderia estar em desacordo com alguns estudiosos musicais de seu
tempo. No decorrer da pesquisa percebeu-se que a pronúncia era algo que poderia ajudar a explicar tal
questão.
A seguir, são expostas as transcrições fonéticas da pronúncia de Ernesto De Marco nas gravações das
canções Ideale (Quadro 5) e Marechiare (Quadro 6), utilizando a representação fonética IPA (International
Phonetic Alphabet), realizadas a partir da escuta das gravações do cantor. Quando o se escutou uma
diferença substancial da sua pronúncia em comparação as normas mais recentes, seja pela velocidade da
execução ou qualidade da gravação, optou-se por manter a transcrição fonética de acordo com as Normas
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
para a Pronúncia do Português Brasileiro no Canto Erudito (Kayama et al. 2007), caso que ocorreu, por
exemplo, em alguns sons nasais executados pelo cantor.
Entende-se que possa haver diferenças na produção de alguns dos fonemas executados pelo barítono,
porém, alguns são muito próximos da nossa pronúncia atual, não havendo, nesses casos, uma clara
possibilidade de afirmação das alterações em sua pronúncia para a utilizada nos dias de hoje. Vale
considerar que a escuta é um fator complexo e muito individual, e, portanto, as transcrições aqui
apresentadas, foram alcançadas a partir da percepção e escolhas dos pesquisadores, em um determinado
período e, por isso, salienta-se que outras pessoas (ou mesmo os pesquisadores em outro momento)
possam ouvir a pronúncia do barítono de forma ligeiramente diferente.
Abaixo, seguem as transcrições fonéticas da pronúncia de Ernesto De Marco, comentadas em sequência:
Quadro 5: Transcrição fonética da pronúncia em Ideale por De Marco
Ideale
(transcrição fonética da pronúncia utilizada por De Marco)
Eu te segui como um anjo de paz
No caminho do céu,
Eu te segui [extremoso] de amor
Sem dormir um momento
E te senti ao meu lado chegando
Com perfume das flores
E foi cheio, o quarto solitário,
De amor e de esplendor.
Por ti perdido
Ao ver tua beleza
Longamente sonhei
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
E desde então
Ao ver esta ilusão
O meu sonho morreu
Torna caro ideal
Torna um instante a sorrir-me e ainda
E a mim esplenderá o seu semblante
Uma bem nova Aurora (2 vezes)
Torna caro ideal, torna, torna!
Quadro 6: Transcrição fonética da pronúncia em Marechiare por De Marco
Marechiare
(transcrição fonética da pronúncia por De Marco)
Quando eu vier aqui cheio de amor
O luar brilha de novo em pleno mar
E temendo esta canção cheia de ardor
Vou sofrendo e recordando esta ilusão
Quando eu vier aqui cheio de amor
E lá bem longe a ver tua janela
Eu tento ver que fique toda bela
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
Os meus lábios se agitam e com penar
Dizendo que meu amor eu vou deixar
E lá bem longe a ver tua janela
Ahhh!...
E lá no mar, te vejo toda bela
Bem dizem que as estrelas são brilhantes
Não sabem quanto sofre o meu amor
Essa dor só a ti vou consagrar
Porque esta canção enche de ardor
Bem dizem que as estrelas são brilhantes
Ah, venho sim acordar minha amada
Ao meu sofrer tanta dor eu tenho dado
A consagrar a vida em beijo em graça
Acorda óh meu amor e não desperta
Vem veja meu amor é a serenata
Ahhh!... Acorda, Acorda
Que a noite é bela!
A partir das transcrições fonéticas da pronúncia do barítono, realizou-se uma análise comparativa para
identificar se Ernesto De Marco apresentava variações de pronúncia diacrônicas, ou seja, variações
históricas que ocorrem na pronúncia de uma ngua no decorrer do tempo; uma variação pessoal em
relação com seu próprio contexto histórico; ou mesmo ambas.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
3.2. Pronúncias no tempo: análise comparativa com a pronúncia atual
Em relação ao português brasileiro, evidentemente, é importante levar em consideração que a trajetória
sobre a constituição da língua portuguesa no Brasil é complexa e envolve uma série de variantes,
adicionadas ao falar local dos habitantes do país no transcorrer dos séculos. O português europeu foi
introduzido no Brasil no início da colonização portuguesa, a partir da “descoberta” em 1500 e desde seu
princípio houve combinações com as línguas indígenas locais e, posteriormente, influências e modificações
de outras línguas estrangeiras pelo grande fluxo de imigrantes chegados ou trazidos para o país (africanos
e europeus de diversos países e regiões, entre outros). Foram alguns anos, porém, até que o português
fosse reconhecido como o idioma padrão do país e, devido a tantas intervenções linguísticas, foi cada vez
mais se afastando da “matriz” linguística europeia (Stolagli 2010).
Se é que se pode utilizar o termo “afastando”, que a história faz crer que a língua que foi se
estabelecendo por todo o território brasileiro nunca chegou a ser puramente o português europeu,
possuindo muitas particularidades
13
.
Abaixo, nos quadros 7 e 8, são expostas as transcrições fonéticas das canções Ideale e Marechiare,
comparando a pronúncia apresentada por Ernesto De Marco, em suas gravações, com as mais recentes
“Normas para a Pronúncia do Português Brasileiro no Canto Erudito”, normas publicadas pela revista OPUS
em 2007 (Kayama et al. 2007)
14
.
Quadro7: Comparação fonética para Ideale
Ideale
(transcrição fonética da pronúncia apresentada por De Marco)
Ideale
(transcrição fonética da pronúncia atual)
Eu te segui como um anjo de paz
No caminho do céu,
Eu te segui [extremoso] de amor
Sem dormir um momento
E te senti ao meu lado chegando
Eu te segui como um anjo de paz
No caminho do céu,
Eu te segui [extremoso] de amor
Sem dormir um momento
E te senti ao meu lado chegando
13
Para mais informações sobre o assunto, indica-se alguns trabalhos como: Juliana Starling Stolagli (2010);
Maria Emília Barros (2008); e Olga Maria Lima (2004).
14
Considerando que possam existir outras normativas para o PB cantado em utilização, manifestamos
que não estamos aqui discutindo a validade das Normas publicadas pela revista OPUS, em 2007, mas sim
aplicando as referidas Normas como ferramenta de análise, devido a sua grande difusão e utilização no
meio acadêmico musical.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
Com perfume das flores
E foi cheio, o quarto solitário,
De amor e de esplendor.
Por ti perdido
Ao ver tua beleza
Longamente sonhei
E desde então
Ao ver esta ilusão
O meu sonho morreu
Torna caro ideal
Torna um instante a sorrir-me e ainda
E a mim esplenderá o seu semblante
Uma bem nova Aurora (2 vezes)
Torna caro ideal, torna, torna!
Com perfume das flores
E foi cheio, o quarto solitário,
De amor e de esplendor.
Por ti perdido
Ao ver tua beleza
Longamente sonhei
E desde então
Ao ver esta ilusão
O meu sonho morreu
Torna caro ideal
Torna um instante a sorrir-me e ainda
E a mim esplenderá o seu semblante
Uma bem nova Aurora (2 vezes)
Torna caro ideal, torna, torna!
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
Quadro 8: Comparação fonética para Marechiare
Marechiare
(transcrição fonética da pronúncia apresentada por De Marco)
Marechiare
(transcrição fonética da pronúncia atual)
Quando eu vier aqui cheio de amor
O luar brilha de novo em pleno mar
E temendo esta canção cheia de ardor
Vou sofrendo e recordando esta ilusão
Quando eu vier aqui cheio de amor
E lá bem longe a ver tua janela
Eu tento ver que fique toda bela
Os meus lábios se agitam e com penar
Dizendo que meu amor eu vou deixar
E lá bem longe a ver tua janela
Ahhh!...
E lá no mar, te vejo toda bela
Bem dizem que as estrelas são brilhantes
Quando eu vier aqui cheio de amor
O luar brilha de novo em pleno mar
E temendo esta canção cheia de ardor
Vou sofrendo e recordando esta ilusão
Quando eu vier aqui cheio de amor
E lá bem longe a ver tua janela
Eu tento ver que fique toda bela
Os meus lábios se agitam e com penar
Dizendo que meu amor eu vou deixar
E lá bem longe a ver tua janela
Ahhh!...
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
Não sabem quanto sofre o meu amor
Essa dor só a ti vou consagrar
Porque esta canção enche de ardor
Bem dizem que as estrelas são brilhantes
Ah, venho sim acordar minha amada
Ao meu sofrer tanta dor eu tenho dado
A consagrar a vida em beijo em graça
Acorda óh meu amor e não desperta
Vem veja meu amor é a serenata
Ahhh!... Acorda, Acorda
Que a noite é bela!
E lá no mar, te vejo toda bela
Bem dizem que as estrelas são brilhantes
Não sabem quanto sofre o meu amor
Essa dor só a ti vou consagrar
Porque esta canção enche de ardor
Bem dizem que as estrelas são brilhantes
Ah, venho sim acordar minha amada
Ao meu sofrer tanta dor eu tenho dado
A consagrar a vida em beijo em graça
Acorda óh meu amor e não desperta
Vem veja meu amor é a serenata
Ahhh!... Acorda, Acorda
Que a noite é bela!
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
Com as transcrições fonéticas da pronúncia utilizada por Ernesto De Marco em suas gravações, tornaram-
se mais aparentes algumas diferenças e semelhanças, comparadas com as mais recentes normas de
pronúncia para o português brasileiro, usadas como referência.
Nas palavras terminadas com a vogal /e/, inicialmente, ficou a dúvida se o barítono articulava ou
. Ambas parecem ocorrer em diferentes passagens entre as duas canções. O mesmo acontece com
palavras terminadas com a vogal /o/ que, por vezes, soam como e vezes como mostrando
que o cantor não possuía um padrão de pronúncia. Porém, quando em notas longas, percebe-se com
clareza que o barítono pronunciava os fonemas conforme sua escrita: /e/ como e /o/ como
como nas palavras: “flores” [ ; “brilhantes[ ; “chegando
[; “o quarto solitário” [ ; entre outras.
Isso, no entanto, não é aconselhado pelas Normas mais recentes (Kayama et al. 2007), sendo indicado,
para aproximação do que ocorre comumente na fala urbana brasileira, utilizar os substitutos sonoros de
e , respectivamente, para palavras que terminem com as vogais /e/ e /o/ em posição átona.
Ou seja, /e/ soa como a vogal /i/ (símbolo do substituto sonoro: ), e /o/ soa como a vogal /u/
(símbolo do substituto sonoro: ).
Também fica evidente, na pronúncia do barítono, uma articulação prolongada ou quase duplicada da
consoante /l/ em meio de algumas palavras, muito aproximada da doppia italiana. Por esse motivo grafou-
se sua pronúncia para esse caso, como seria a doppia do idioma italiano. Exemplos: beleza”
[; “janela” [ ; “bela” [ . O mesmo efeito ocorre
em exemplos com as consoantes /b/ e /c/ nas palavras “semblante” [ ; e
“acorda” [ . Situação essa que também não é reconhecida pelas Normas mais recentes
do português brasileiro, já que se trata de uma articulação “estrangeirada”, ao estilo do idioma italiano.
Com relação ao /l/ em finais de palavras, como pode ser percebido em Ideale, na pronúncia da palavra
“ideal [ , o cantor também pronunciava a consoante “real”, utilizando o ponto de
articulação da letra /l/ (ponta da língua na região alveolar), já nas Normas de 2007 (Kayama et al. 2007), /l/
em finais de palavras deve soar com o mesmo som da vogal /u/, sendo assim, como o seu substituto
sonoro o que ocorre normalmente na fala urbana dos brasileiros na atualidade.
Os /r/ de Ernesto De Marco em finais de sílabas e em finais de palavras foram grafados como para
representar uma articulação mais vibrante ou sonorizada dessa consoante (situação que era bastante
comum entre os cantores da época, inclusive entre alguns cantores populares de rádio). Contudo, a
articulação usada pelo barítono para esse fonema parece demasiadamente vibrante, mais que o /r/
vibrante ainda presente na fala brasileira em algumas regiões do país (como o de algumas localidades do
Rio Grande do Sul, por exemplo). Esse caso pode ser ouvido nos exemplos: “perfume” [ ;
“torna” [ ; “amor” [ ; “luar” [ .
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232407 | 2023
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
A partir disso, entende-se que a articulação do barítono mais sonorizada para a consoante /r/ em finais de
sílabas e em finais de palavras esfora dos padrões da fala urbana brasileira da atualidade, entretanto, as
Normas de 2007 (Kayama et al. 2007, 36) indicam o uso do para esses casos sem nenhuma
observação adicional. Situação que foi muito discutida na época de sua elaboração, tendo até hoje
opiniões divergentes sobre seu uso, pois alguns estudiosos consideram que o fonema justamente
pode induzir em uma vibração excessiva para a época presente. Sendo assim, as indicações das Normas de
2007 possibilitam aceitar como adequada a pronúncia de Ernesto de usar em finais de sílabas e em
finais de palavras, e, portanto, esses dois casos não podem ser considerados variantes históricas de sua
pronúncia.
Com relação a /r/ em início de palavras e na ocorrência do dígrafo /rr/, o barítono também usava a
articulação alveolar dessa consoante, o vibrante , como nos exemplos: “recordando
[; e “morreu” [ . Isso, no entanto, normalmente o acontece na
fala urbana brasileira da atualidade, sendo mais comum ouvir um som velar para /r/, representado como
na simbologia fonética. Por esse motivo, optou-se por utilizar o velar para essas duas
ocorrências de /r/, nas transcrições fonéticas da pronúncia atual: “recordando”
[; “morreu” [ .
As Normas mais recentes (Kayama et al. 2007, 35-36) deixam à escolha do cantor realizar o /r/ alveolar
(vibrante) ou velar tanto em início de palavras como na ocorrência do dígrafo /rr/. Inclusive, indicam como
um dos critérios para o uso do vibrante, razões estéticas/musicológicas para a interpretação de
repertório anterior a 1937 (devido, justamente, às primeiras normas de pronúncia do I Congresso da
Língua Nacional Cantada). Para esses casos em especial, as Normas apresentam uma observação de que
ao escolher a pronúncia vibrante de , este deve ser realizado de maneira branda, caso contrário pode
soar “italianizado”. Partindo desta observação, nestes dois casos, De Marco está em desacordo com os
padrões atuais de pronúncia devido a sua demasiada sonorização e acentuação vibrante do
Ainda em relação à letra /r/, as Normas de 2007 não apresentam a pronúncia dessa consoante no caso de
elisões entre palavras terminadas em /r/ e palavras iniciadas em vogal, situação frequente tanto na fala
como no canto brasileiro. Como é de praxe, na ocorrência de elisões, esse /r/ soar brando como [
(articulação de consoante alveolar de um tap”), optou-se por utilizar esse símbolo nas transcrições
fonéticas da pronúncia atual. Exemplo na frase: “sem dormir um momento”
.
Este mesmo som mais brando como é indicado nas Normas mais recentes para a ocorrência da
consoante /r/ entre vogais e em encontros consonantais (Kayama et al. 2007, 35). Para esses dois casos, De
Marco estava adequado para a atualidade, embora a audição de sua articulação de /r/ nos encontros
consonantais seja um pouco imprecisa no decorrer das duas gravações, talvez devido à qualidade sonora
dos arquivos de áudio.
Outra diferença que fica muito aparente entre a pronúncia de Ernesto De Marco e a atual é a articulação
das consoantes /t/ e /d/ em determinadas situações. Atualmente, essas são pronunciadas na fala urbana
brasileira, majoritariamente nos grandes centros, como e (sendo seu ponto de
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232407 | 2023
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
articulação pós-alveolar), quando: antes da letra /i/; antes da letra /e/ em posição átona, na última sílaba
da palavra (que deve soar como /i/); e quando seguido por consoante na sílaba seguinte. a pronúncia
utilizada por De Marco, para esses casos, era muito aproximada do italiano e em que
esses fonemas utilizam articulação dentialveolar. Exemplos na pronúncia atual: “senti” ;
“noite” ; “perdido” ; “dizendo . Mesmos
exemplos na pronúncia utilizada por De Marco: “senti” ; “noite” ;
“perdido” ; “dizendo” .
Outra grande variante na pronúncia de Ernesto De Marco em comparação com a pronúncia atual são
alguns de seus sons nasais. Nas vogais nasais curtas é dúbia a audição de uma diferença substancial do som
produzido pelo barítono em comparação com o de nossa fala urbana atual, por isso é difícil afirmar com
precisão como se a sua pronúncia e, também, como a grafar foneticamente. Com isso, alguns de seus
sons nasais, quando não encontradas essas diferenças claramente evidentes, foram grafados seguindo as
Normas de pronúncia de 2007, como nos exemplos: “anjo” ; “dizem” ;
“ilusão” ; “canção” . Não descartamos a possibilidade que,
mesmo nesses casos, haja uma variante de pronúncia, porém, realmente se torna difícil afirmar. Contudo,
a sua pronúncia, principalmente para /ão/, parece bastante satisfatória para a atualidade.
Com relação aos nasais em sílabas com duração mais longa, as suas variantes ficam mais evidentes,
apresentando uma pronúncia muito parecida com a do idioma italiano. É o caso de palavras como:
“longamente” ; “recordando” ; “tanta”
; “bem” . Parece que o barítono não realizava alguns dos nasais /an/; /en/ e
/em/ e, ao invés disso, produzia as vogais /e/ e /a/ mais fechadas ou mais arredondadas que o normal para
o português brasileiro, juntamente com uma coda aparentemente nasal pela articulação de . Desses
exemplos, na pronúncia do fonema /an/ fica ainda mais aparente que o barítono realizava uma articulação
mais arredondada para a vogal /a/. Para representar essa pronúncia do barítono para /an/, optou-se por
usar o símbolo fonético correspondente à vogal arredondada /a/ no italiano, ficando, portanto: .
As variações de pronúncia aqui comentadas, por meio do canto de Ernesto De Marco, mostram um
pequeno exemplo das variantes históricas ocorridas na pronúncia do canto em português brasileiro, no
transcorrer dos séculos XX e XXI, principalmente quando pensamos na pronúncia do barítono para /e/ e
/o/ em finais de palavras; /l/ em finais de palavras; e algumas situações apresentadas da sua articulação
vibrante para a consoante /r/. Esse pode ser um dos campos de análise para entender a história e a prática
vocal no Brasil, que a forma de pronunciar as palavras cantadas pode explicar muito sobre períodos
históricos, técnicas, estilos, e até mesmo sobre a forma de interpretação musical.
A partir dessas diferenças, encontradas entre a pronúncia utilizada por Ernesto De Marco e as Normas de
2007 sugeridas para uma pronúncia do português brasileiro cantado atual , podemos inferir que De
Marco apresentava em suas gravações, variações de pronúncia diacrônicas, o que obviamente era
esperado devido às variantes linguísticas históricas que ocorreram de seu tempo até o momento.
Além disso, em relação à articulação dos seus sons nasais; às consoantes /d/ e /t/; e à duplicação de
consoantes em meio de palavras, o cantor não apresentava uma variante histórica de pronúncia, mas sim
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232407 | 2023
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
influências de outro idioma (o italiano) sobre sua técnica vocal. Muito provavelmente devido à escola de
canto a qual seguiu. Trata-se de um gesto vocal articulatório da técnica vocal italiana com o qual o barítono
mostrava estar bastante acostumado, fazendo-o influenciar o seu canto em português.
Foi também com esses processos de análise da pronúncia de Ernesto De Marco que ficaram evidentes
diferenças em relação à forma como o barítono cantava em comparação com o que desejavam os
modernistas nacionalistas em seu tempo. Essa percepção se tornou possível por meio da comparação com
as primeiras Normas de pronúncia do português brasileiro publicadas em 1938, como dispostas a seguir.
3.3. Comparação com as “Normas para boa pronúncia da língua nacional no canto erudito”
(1938)
Não será apresentada uma comparação de transcrição fonética da pronúncia utilizada por Ernesto com as
“Normas para boa pronúncia da língua nacional no canto erudito” (1938), pois essas não apresentam uma
representação fonética em suas Normas ou informações totalmente claras para que tal seja realizado,
sendo assim, algumas conclusões podem ser tiradas a partir do seu texto, mas não considera-se fidedigno
o uso da representação utilizando o IPA (International Phonetic Alphabet), para as Normas de 1938.
Contudo, o texto das Normas a entender que não estavam tão distantes das mais recentes Normas de
2007.
Também não serão apresentadas aqui as descrições das Normas de 1938, contudo, essas informações
foram expostas no trabalho de mestrado de Juliana Stolagli (2010), para consulta aos interessados, além,
claro, do próprio documento original das Normas contido nos Anais do Primeiro Congresso da Língua
Nacional Cantada (Normas 1938, 50-94). Ainda assim, foi realizado um panorama das principais
informações das Normas de 1938 que pode ser encontrado no trabalho de Moreira (2020).
Sobre as primeiras normas de pronúncia artística para o português brasileiro, estas foram publicadas junto
a outros artigos nos Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada (1938). Como já comentado,
em um desses artigos é abordada a gravação da Suíte Infantil O Sapo Dourado, de Hekel Tavares, em
edição pela gravadora Victor (1934), na qual De Marco é citado como um dos cantores brasileiros que não
representavam a “voz nacional” almejada em sua época. O barítono é indicado como um cantor que estava
a serviço do belcanto italiano (Discoteca Pública 1938, 196). Dessa forma, foi necessário estudar as Normas
de 1938 para entender quais os parâmetros e características vocais específicos que faziam De Marco estar
fora do escopo de vozes nacionais referenciadas pelos modernistas nacionalistas e almejadas por um
número significante de estudiosos de sua época.
O documento das Normas apresenta dezenove formas e suas definições para as vogais; e vinte e cinco
formas e suas definições para as consoantes, aceitas para a língua-padrão do português brasileiro cantado
(Normas 1938, 61-63). São apresentadas também: Normas Particulares para cada uma das Vogais e
Consoantes; Valor Relativo de Vogais e Consoantes; Vogais Abertas e Fechadas; Vogais de Compromisso;
Consoantes Omitidas; Fenômenos Fonéticos; Regionalismos; Estrangeirismos Musicais; e Ditongos e
Hiatos. O documento, no entanto, delimita com pouca clareza a produção e articulação dos fonemas, o
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
que se tornou, de certa forma, uma dificuldade nesta pesquisa para o seu propósito de usá-las como
referencial para análise vocal e para uma possibilidade interpretativa historicamente orientada.
A dificuldade de compreensão aconteceu, por exemplo, com relação à diferenciação sonora que deveria
ocorrer para as vogais de compromisso, definidas no documento, e de algumas consoantes em que a
pronúncia da época se distancia da utilizada nos centros urbanos atualmente, porém as descrições das
Normas não contemplam suficientemente a produção desses fonemas (por exemplo as consoantes /t/, e
/d/).
Em relação à compreensão geral do texto das Normas de 1938, concluiu-se que a falta de uma boa
representação e exemplificações dúbias fizeram com que o documento não fosse claro, principalmente
para a posteridade, que apenas com as descrições e exemplificações do seu texto não se pode ter
certeza de todos os sons fonéticos que haviam sido normatizados naquela época. Fator que representa
uma perda para pesquisas que poderiam se beneficiar do documento no âmbito da interpretação vocal.
Apesar dessas questões, as Normas de 1938 não são de todo ininteligíveis e contribuíram para a análise da
pronúncia de Ernesto De Marco nesta pesquisa. Além disso, são uma importante fonte da época que muito
nos diz sobre a história da canção e do canto no país, assim como sobre a tentativa de construção de uma
voz e escola nacional pelos modernistas nacionalistas.
Este estudo das Normas de 1938 mostrou que De Marco apresentava também variações pessoais de
pronúncia dentro do contexto histórico do seu próprio tempo. O barítono não estava completamente fora
dos parâmetros exigidos para a pronúncia de sua época, no entanto, alguns pontos principais são bastante
relevantes também para entendermos algumas críticas negativas a seu respeito.
De acordo com as Normas de 1938, De Marco se mostra coerente com as Normas de seu tempo nos
seguintes casos: a sua pronúncia “real” de em palavras terminadas com a consoante /l/, assim como
a pronúncia de vibrante para as palavras iniciadas com a consoante /r/. Para a consoante /l/ nos
finais de palavras é dito que era renegada a sua substituição pelo som de /u/, essa consoante deveria ser
articulada de forma “real e natural”, evitando-se, porém, a sua excessiva articulação a ponto de gerar a
sensação de duplicação dessa consoante (Normas 1938, 89). De Marco está de acordo, nesse caso, quando
se trata de /l/ em finais de palavras, contudo, para a ocorrência dessa consoante em meio de palavras a
situação é outra, como será apontado mais à frente. Com relação à pronúncia de vibrante para as
palavras iniciadas com a consoante /r/, Ernesto os realizava de maneira satisfatória, mas não em outras
situações para a mesma consoante.
As Normas de 1938 dizem que deveria ser evitado o /r/ vibrante demasiadamente em finais de palavras,
optando-se por uma articulação de um /r/ “levíssimo”, “aproximadamente nulo” (Normas 1938, 90-91).
Assim como também deveria ser brando o /r/ entre vogais; em finais de palavras seguidas de palavras
iniciadas por vogal (onde naturalmente ocorreria uma elisão); ou quando antecedido por consoante
pertencente a mesma sílaba (encontros consonantais) com intuito de não “[...] italianizar-se num valor
mais duro” (Normas 1938, 93). Embora seja difícil de “medir” esse valor de articulação indicado apenas
pela referência textual que se possuí, fica compreendido que Ernesto estaria em desacordo com as Normas
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232407 | 2023
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
de 1938 para alguns desses casos, que, como visto nas transcrições fonéticas anteriormente, o cantor
realizava uma sonorização excessiva de /r/ em vários momentos.
Na análise desta pesquisa, se percebeu que o barítono realizava um /r/ brando apenas entre vogais; finais
de palavras seguidas de palavras iniciadas por vogal; e encontros consonantais, embora este último fosse
um pouco dúbio. Nas palavras consagrar” e “graça”, em Marechiare, a articulação de /r/ no encontro
consonantal /gr/ o é suficientemente claro, se é brando ou vibrante , entretanto, em vários
outros encontros consonantais fica evidente a articulação de , como na palavra “sofre”, na mesma
canção. Em finais de sílabas e finais de palavras fica mais explícito que o barítono exagerava na sonorização
da consoante /r/ fazendo, portanto, um vibrante demais.
Assim como nas Normas de 2007, as Normas de 1938 previam a pronúncia dos substitutos sonoros
e para as vogais /e/ e /o/ em finais de palavras, algo que o barítono não realizava na grande
maioria das vezes, ficando bastante perceptível em sílabas mais longas das melodias, conforme
apresentado nas transcrições fonéticas de sua pronúncia em comparação com as Normas mais recentes. As
Normas de 1938 previam que /e/ e /o/ em finais de palavras deveriam soar, respectivamente,
aproximadamente como /i/ e como /u/, soando como vogais de compromisso (Normas 1938, 71; 73-74).
As Normas apresentam uma listagem das situações, no canto, de como deveriam soar essas vogais de
compromisso, mas, sem uma transcrição fonética, ou fontes sonoras como exemplos, fica impossível saber
o quão aproximada essas vogais de compromisso deveriam ser umas das outras.
A pronúncia do cantor para os fonemas /t/ e /d/ parece muito aproximada da sonoridade da articulação
italiana, o que não era exatamente o que exigiam as Normas de 1938. Enquanto no italiano a articulação é
dentialveolar, as Normas de 1938 falam apenas em articulação dental para essas consoantes, dando a
entender que a articulação dessas, no português brasileiro, deveria ser realizada no centro ou entre as
arcadas dentárias superior e inferior. Como as informações das Normas de 1938 o são suficientes para
entender a articulação exigida para essas duas consoantes, fica o questionamento se o cantor estaria tão
distante do que era solicitado na pronúncia artística de sua época. Além disso, é perceptível nas Normas
uma busca por um distanciamento de padrões vocais estrangeiros e principalmente em relação ao canto
italiano (do dito belcanto), o que faz inferir que as pronúncias exigidas pelas Normas para essas duas
consoantes seriam diferentes das que o barítono realizava.
Em relação a essa busca por um distanciamento de padrões de emissão vocal advindos de línguas
estrangeiras, as Normas de 1938 possuem uma normativa muito relevante para a análise do canto do
barítono De Marco. Trata-se do item apresentado como Estrangeirismos Musicais, nele é exposto
enfaticamente que toda a emissão vocal e dicção proveniente de uma forma de emissão estrangeira era
profundamente repudiada no canto brasileiro. Como, por exemplo, as vogais mudas e as paragoges
15
depois de /l/ ou /r/ presentes no português europeu; o nasal francês; as consoantes duplas italianas; ou a
emissão do “rr” forte nos grupos consonantais: /br/, /cr/, /dr/, /fr/, /gr/, /pr/, e /tr/ (Normas 1938, 68). A
partir disso percebe-se que De Marco também estava em desacordo com as Normas de 1938 devido a sua
15
Ocorrência da adição, no final de uma palavra, de um fonema ou de uma sílaba não etimológicos
(advindo da etimologia: estudo da origem e da evolução das palavras).
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
articulação dupla das consoantes /l/, /b/ e /c/ em meio de palavras, justamente por ser proveniente de
estrangeirismos vocais, tornando sua articulação muito aproximada da utilizada na língua italiana.
Ainda em relação aos estrangeirismos musicais, refutados pelas Normas de 1938, os nasais de Ernesto De
Marco também estavam em desacordo. Como apresentado na análise comparativa com a pronúncia atual,
os nasais pronunciados pelo barítono mostram uma articulação italianizada, na qual o cantor não realizava
alguns dos nasais /an/; /en/ e /em/, produzindo as vogais /e/ e /a/ mais fechadas ou arredondadas que o
normal para o português brasileiro e realizando uma coda aparentemente nasal pela articulação de .
Para os modernistas nacionalistas, o canto lírico no Brasil deveria buscar, especialmente no nasal do
português brasileiro, o caminho para a “legitimidade nacional” (Discoteca Pública 1938, 196).
No artigo de Mário de Andrade, “Os Compositores e a língua nacional” (Andrade 1938, 96-168), o autor faz
entender que reconhecia a existência de uma nasalização muito específica na fala e no timbre vocal dos
brasileiros que deveria ser trabalhada com atenção pelos compositores na música brasileira. Essa
pronúncia italianizada dos sons nasais de Ernesto De Marco apresenta majoritariamente a interferência da
escola italiana sobre sua técnica vocal e, provavelmente, seria esse um dos maiores motivos pelo qual os
modernistas nacionalistas o rejeitavam como representante do canto “nacional” de sua época.
Além do arredondamento mais aparente da vogal /a/ em algumas palavras e sons nasais, o cantor também
parece “cobrir” demais algumas de suas vogais /e/ a ponto da palavra “meu”, por exemplo, quase soar
como “mio”. Esse movimento de arredondamento de vogais, realizado muito provavelmente com o intuito
de impedir o excesso de levantamento da laringe, é típico de um estudo da técnica vocal italiana que, por
vezes, os cantores acabavam mantendo em outros idiomas como padrão da sua técnica vocal em geral.
Este é mais um exemplo da interferência da técnica da escola de canto italiana sobre o canto do barítono
De Marco.
Posto tudo isso, o Quadro 9, abaixo, apresenta uma comparação das variantes diacrônicas e pessoais mais
evidentes na pronúncia de Ernesto De Marco, em relação às Normas de 2007 e às Normas de 1938, aqui
discutidas:
Quadro 9: Comparação das variantes diacrônicas e pessoais da pronúncia de Ernesto De Marco
VARIANTES APRESENTADAS POR DE MARCO
NORMAS DE 2007
NORMAS DE 1938
Pronúncia de e em finais de
palavras
Inadequado
Inadequado
Pronúncia de em finais de palavras
Inadequado
Adequado
Duplicação de consoantes em meio de
palavras
Inadequado
Inadequado
Pronúncia dentialveolar de e
Inadequado
Aparentemente Inadequado
Sons Nasais
Inadequado
Inadequado
Pronúncia de para dígrafo rr
Adequado (Normas deixam a
escolha do cantor)
Inadequado (Por demasiada
sonorização da consoante)
(Sem informações)
Pronúncia de em início de palavras
Adequado (Normas deixam a
escolha do cantor)
Inadequado (Por demasiada
Adequado
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
sonorização da consoante)
Pronúncia de em finais de palavras
Adequado
Inadequado
Pronúncia de em finais de palavras
seguidas de palavra iniciada por vogal (com
elisão)
(Sem informações)
Adequado
Pronúncia de entre vogais
Adequado
Adequado
Pronúncia de em finais de sílabas
Adequado
Inadequado
Pronúncia de em encontros
consonantais
Adequado
Adequado
As comparações apresentadas são, contudo, sobre a pronúncia de Ernesto De Marco em suas gravações
pela Parlophon, em 1929. As críticas dos modernistas nacionalistas ao barítono, por sua vez, tiveram como
referência a gravação O Sapo Dourado, de 1934, realizada pela gravadora Victor. A fim de confirmar suas
análises, realizou-se também a transcrição fonética da pronúncia do cantor na gravação de 1934. Nela, De
Marco interpretou o Sapo Dourado e o Mestre Escola, possuindo duas frases gravadas: uma do Sapo, na
Parte da suíte, que é repetida na 3ª Parte; e uma frase do Mestre Escola, na 2ª Parte da Suíte
16
.
Temos a frase do Sapo: “Sapo Cururú, da beira do rio, quando o sapo canta, maninha, Cururú tem frio”. Na
primeira parte a gravação está bastante deteriorada, comprometendo a qualidade, principalmente no
início da frase, o que impede uma clara escuta. A frase é repetida na parte da suíte e o áudio manteve
uma qualidade melhor da gravação, possibilitando ouvir esse trecho em velocidade reduzida, o que auxilia
na audição. Com a escuta da repetição dessa frase chegou-se a seguinte transcrição da pronúncia por De
Marco:
Na frase do Mestre Escola temos: “Não duende que não seja singular, o há, quero, portanto, este
caso estudar”. Com qualidade de áudio melhor, pode-se ouvir a pronúncia do barítono como:
Como se pode constatar, a pronúncia do barítono não se altera muito entre as gravações de 1929 e a de
1934. Sua consoante /t/ ainda soa italianizada (na palavra , por exemplo); ele continua
pronunciando e em alguns finais de palavras; assim como articulando demasiadamente o
vibrante em finais de palavras e finais de sílabas. Aqui há, também, a confirmação de que o
barítono articulava em alguns encontros consonantais (como na palavra ), o que
estava inadequado para as Normas de 1938. Em relação aos seus sons nasais, na gravação de 1934, esses
não apresentam uma clara diferenciação da pronúncia atual e para o que era indicado nas Normas de
1938, embora a escuta do nasal na palavra seja um pouco dúbia.
Uma informação relevante é que a Suíte Infantil O Sapo Dourado foi regravada em 1939
17
, também sob
regência de Hekel Tavares, com algumas variações na orquestra e adições de trechos musicais. Pode-se
16
A suíte completa pode ser ouvida por meio da seguinte fonte: Tavares, Hekel. 1934. O Sapo Dourado. In
Músicas do Brasil do Século XX. https://www.youtube.com/watch?v=GJRaes8-VfQ&t=433s.
17
A segunda gravação, atualizada, da suíte pode ser ouvida por meio da seguinte fonte: TAVARES, Hekel.
1939. O Sapo Dourado. In Lauro Gomes Pinto. https://www.youtube.com/watch?v=JADoPZCEOjw&t=294s.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
especular que essa regravação talvez tenha sido realizada devido às críticas negativas contidas nos Anais,
no artigo da Discoteca Pública (1938). Na segunda gravação da obra, com a participação de outros
cantores, podem se constatar algumas questões de pronúncia e sonoridades vocais consideravelmente
diferentes das ouvidas na gravação de 1934, com menos estrangeirismos musicais, estando mais próximas
do gosto modernista da época.
Outro ponto a ser salientado é que fica perceptível que o cantor demonstra, em alguns momentos, que
não seguia um padrão específico em seu canto, provavelmente decorrente da não existência de uma
escola de canto brasileira para tal. Como não havia uma escola de canto alicerçada, o cantor seguia o seu
instinto, guiando-se pelo som que considerava mais “belo”, e variando de acordo com questões técnicas de
som que considerava interessantes. Como não há uma regra no canto de Ernesto, as soluções técnicas que
ele encontra são baseadas na escola de canto que possuía: a italiana.
Essa observação também esde acordo com o que Mário de Andrade identificava em sua época, que, por
não haver uma escola de canto brasileira, os cantores levavam para os teatros o canto baseado em
sonoridades estrangeiras. Por isso a tentativa de uma normatização da pronúncia do português brasileiro
artístico com a realização do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada em 1937. E, embora com a
realização das mais recentes Normas de pronúncia (Kayama et al. 2007), ainda hoje não se pode dizer que
exista uma escola de canto para o português brasileiro, talvez por não haver uma real tradição musical e
vocal, ou até mesmo uma produção composicional padronizada no Brasil. Padronizações essas que seriam
inviáveis devido ao Brasil ser um país tão plural.
Portanto, as análises mostram que as escolhas de Ernesto De Marco eram guiadas pelas influências
italianas no seu processo de construção técnico-vocal. Este dado foi confirmado por meio do estudo de
métodos de canto publicados por um de seus professores, o italiano Beniamino Carelli, com quem o
barítono estudou na Itália, no início do século XX. Os títulos estudados, publicados por Carelli, foram
acessados diretamente na Biblioteca del Conservatorio San Pietro a Majella, em Nápoles, e na Biblioteca
del Conservatorio Statale di Musica “Giuseppe Verdi, em Milão, por Alberto Pacheco, um dos autores
deste trabalho. Sendo eles: L’Arte Del Canto Livro I (s.d.), L’arte del canto Livro III (s.d), L’Arte Del Canto
Livro VI (s.d) e Torniamo a cantare (1891).
Carelli foi um cantor, compositor e professor de canto italiano, nascido e falecido em poles. Em sua
cidade natal, lecionou canto por muitos anos no Conservatório de Música de Nápoles, no complexo de San
Pietro a Majella. Foi um dos professores de canto mais procurados da Itália no final do século XIX e início
do século XX e, para alguns, os seus volumes do livro L'Arte del canto: metodo teorico-pratico continuam
sendo importante fonte bibliográfica sobre o canto italiano
18
.
Em suma, os resultados sobre o estudo dos todos de canto de Carelli, que podem ser lidos em sua
íntegra no trabalho de Moreira (2020), confirmam que De Marco construiu uma técnica vocal alicerçada na
clareza de timbre vocal, de dicção e projeção advindas do canto italiano, não apenas por sua ascendência
italiana, mas por todas as influências que possuiu diretamente na Itália com o repertório local e seu
professor , logo, podemos entender algumas características em sua voz e algumas de suas escolhas
18
Mais informações sobre Carelli podem ser encontradas no site: Beniamino Carelli. 2020. In Galileum
Autografi. https://www.galileumautografi.com/autore.php?id=514&nome=carelli-beniamino.
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Moreira, Daniela da Silva; Pacheco, Alberto José Vieira. 2023. “Pronúncias do português brasileiro cantado:
uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
técnicas vocais. Do mesmo modo, entendemos os motivos para alguns críticos relacionarem o barítono a
um cantor que estava “a serviço do canto italiano”, em uma época que se prezava pela ideia de
representatividade de uma “voz brasileira”. Por outro lado, a formação do barítono com uma técnica vocal
baseada no canto de meados do século XIX, sem os exageros do verismo, pode ter sido o que deu a ele
uma forma vocal flexível e brilhante que pode ser ouvida em suas gravações: uma voz que não exagera,
por exemplo, no timbre escuro e no vibrato.
4. Considerações finais
Buscou-se neste trabalho como um todo, entender uma parte da história da canção no Brasil e suas
práticas na primeira metade do século XX, compreensível por meio do estudo da trajetória artística e da
análise do canto do barítono brasileiro Ernesto De Marco.
Esta pesquisa também trabalhou na redescoberta e divulgação do percurso histórico e profissional do
cantor De Marco, demonstrando a importância de estudar os intérpretes brasileiros nas pesquisas em
performance em música, de forma a resgatar partes da história musical de nosso país e refletir sobre suas
práticas. Com isso, entende-se que este trabalho contribuiu nas pesquisas sobre a performance musical do
Brasil, assim como no incentivo para novos trabalhos na área, principalmente sobre o olhar do intérprete.
Este trabalho também pode ser visto como um estudo de um importante cantor, devido a sua significativa
trajetória musical, em sua época, para a música teatral e de canção no Brasil. Por outro lado, como nos
mostram os resultados, mesmo ele é um exemplo de que não havia uma escola de canto no país. Embora
se mostrasse preocupado com a língua, sua capacitação e sua técnica vocal, a sua formação vocal de
caráter fortemente italiana o tornou alvo de críticas pelos modernistas nacionalistas. Com as análises aqui
desenvolvidas e expostas, entendeu-se os motivos dessas críticas recebidas, assim como também os
motivos para o barítono apresentar tais particularidades em sua pronúncia e nos seus processos
articulatórios.
Por fim, estudar a pronúncia utilizada por De Marco, as Normas de pronúncia propostas em 1938 e as
Normas de 2007 para o português brasileiro cantado, auxiliaram não somente no entendimento das
variantes diacrônicas e pessoais do barítono (para compreender os motivos centrais das críticas dos
modernistas nacionalistas sobre o cantor), como fez também analisar e entender possibilidades de
diferentes formas de pronunciar as palavras em uma determinada obra musical, levantando
questionamentos quanto às decisões interpretativas e performáticas que um cantor pode (e deve) pensar
ao cantar um repertório do século passado.
5. Referências
Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada. 1938. São Paulo: Departamento de Cultura do
Município de São Paulo.
Andrade, Mario de. 1938. Os compositores e a língua nacional. In Anais do Primeiro Congresso da Lingua
Nacional Cantada, 96-168. São Paulo: Departamento de Cultura do Município de o Paulo.
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uma análise vocal de gravações do barítono Ernesto De Marco
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Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232407 | 2023
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de Arnold Schoenberg por Augusto de Campos - uma análise a partir da ótica melopoética. Tese
(Doutorado em Música), Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.