Bruno Mangueira: Essa pergunta é muito interessante porque pra quem toca música clássica, em geral..., a
gente sabe que muita gente passa a vida sem ter conhecimento de harmonia, especialmente do que você
está tratando aqui, que é a percepção. A pessoa toca em orquestra, toca aquelas harmonias maravilhosas,
toca violino, oboé, trompa, toca as harmonias mais bem feitas que você puder imaginar e não entende
nada do que está acontecendo. Porque de uma maneira funcional, prática, ele, entre aspas, não precisa
daquele conhecimento para conseguir tirar um belo som do instrumento. Eventualmente a afinação, para
o cara tocar afinado, ele acaba precisando ter essa percepção. Isso porque se ele está tocando em relação
aos outros, só pra ele afinar com os outros, alguma percepção harmônica ele vai ter que ter. Mas assim,
no caso dos acordes, de entender a harmonia, o que está acontecendo de fato... às vezes para o cara ser
um músico funcional, competente numa orquestra, sem ter isso desenvolvido ele consegue desempenhar
aquela função ali. E assim, no nível intermediário, antes de chegar na parte de música popular que você
comentou, até as pessoas que tocam em bandas e que também é bom a gente chamar de músico popular,
principalmente músicos de sopro, se o cara toca na Banda do Corpo de Bombeiros, ou em grupos menores
que têm o naipe de sopros pequenos, ou grupo de música pop, ou de axé, vários tipos de rock, vão ter
sopros... ele pode ser músico de naipe que está sempre lendo e não desenvolve essa parte. Porém, mesmo
para essas pessoas, a compreensão da harmonia possibilita uma compreensão muito melhor do que elas
estão fazendo. Inclusive qual a relação do que estão fazendo com o resto que está acontecendo. Então
acho que, mesmo para os músicos que, entre aspas, não precisam disso no dia a dia, isso os torna
melhores músicos, e até interfere no quanto eles vão curtir o que estão fazendo. O cara está tocando
numa orquestra sem saber o que está fazendo direito em relação ao resto harmonicamente, ele está
aproveitando muito menos do que se soubesse. Mas sabendo, ele certamente consegue entender melhor
as nuances pra direcionar a interpretação dele, pra entender o que o compositor, de fato, quis significar
com aquilo ali etc. Eu acho que, de maneira geral, para todos, às vezes até mesmo para cantores, a Thais,
ela é cantora e conhece harmonia, mas tem muitos cantores que conhecem de maneira mais intuitiva.
Aquilo acaba interferindo na interpretação que eles vão dar, como eles vão compreender.
Para quem trabalha com música popular... porque a gente tem diferentes instrumentos. Pra quem toca
bateria, embora ele trabalhe com música popular, ele fica na mesma situação do músico da orquestra. Ele
pode saber até menos, em tese, porque ele não vai nem precisar afinar a nota que está tocando com os
outros. Ele precisa afinar ali a bateria, mas na hora que tiver tocando não vai estar preocupado com
afinação, nem tem como ele mexer na afinação quando estiver tocando. Então assim, acho que a diferença
maior é para quem trabalha com instrumentos harmônicos ou com arranjo, com composição. Esses são os
que vão necessariamente ter que desenvolver isso, porque não tem como você fazer determinadas coisas
sem conhecer isso. Você fica inviabilizado.
Thais Nunes: Eu só queria aproveitar que você falou do músico arranjador ou do músico que toca
instrumento harmônico e perguntar em relação ao músico improvisador, mesmo que seja um instrumento
melódico.
Bruno Mangueira: Na verdade, eu acho assim, pensando em atividades criativas da música, tem três coisas
que eu considero como uma mesma coisa, e fica dentro do mesmo raciocínio. Só são formas diferentes de
raciocinar, que são: composição, arranjo e improvisação. Então a pessoa que está improvisando só vai ter
que fazer isso mais rápido. Aí já tem aquela coisa de você ter uma harmonia pré determinada, mas em
termos de percepção harmônica é a mesma necessidade. Como é que o cara vai improvisar sobre uma
harmonia se ele não entende? Mesmo quem toca de ouvido é a mesma coisa, é só uma forma diferente de
desenvolver. Não é questão de saber teoricamente, embora isso ajude bastante. Mesmo o cara que toca
de ouvido, ele também desenvolve isso. Eu, particularmente, aprendi isso tudo primeiro de ouvido.
Inicialmente [aprendi] as relações harmônicas para depois estudar teoria e vi muitos músicos assim.
Mesmo que a pessoa faça de ouvido, ela também tem o conhecimento das relações harmônicas. Então
quem trabalha com improvisação [é] da mesma forma. Eu já até li em livros de arranjo falando que o cara
vai acabar usando muitas coisas do que ele conhece como improvisador para trabalhar com arranjo, para