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eISSN 2317-6377
Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais
no canto popular
Towards a methodological framework for vocal behavior analysis
in popular singing
Ricardo Lima
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Escola desica, Natal, RN, Brasil
ricardo.freitas@ufrn.br
Regina Machado
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP, Brasil
SCIENTIFIC ARTICLE
Section Editor: Fernando Chaib
Layout Editor: Edinaldo Medina
License: "CC by 4.0"
Submitted date: 20 apr 2023
Final approval date: 17 jul 2023
Publication date: 24 jul 2023
DOI: https://doi.org/10.35699/2317-6377.2023.45894
RESUMO: Apresentamos neste artigo um alinhavo metodológico que une ferramentas capazes de agenciar entendimentos
quanto às escolhas e intenções interpretativas em Canto Popular, além de perceber resultantes semânticas advindas de
procedimentos vocais e da relação destes com outros elementos da canção. A metodologia abrange aspectos fisiológicos,
acústicos, estéticos, semióticos e musicais. Para isso, acionamos os conceitos e procedimentos da semiótica da canção, das
qualidades emotivas da voz, o entendimento sobre momento musical e unidade sonora. Por fim, aplicamos a proposta, que será
experimentada por meio da análise de interpretações distintas de uma mesma canção, e analisamos a construção do gesto
interpretativo e dos sentidos que emergem das relações que se desdobram na trama cancional das obras.
PALAVRAS-CHAVE: canto popular; metodologia; semiótica da canção; qualidades emotivas da voz.
ABSTRACT: We present in this article a methodological framework that combines tools capable of facilitating understanding of
choices and interpretive intentions in Popular Singing, as well as perceiving semantic outcomes resulting from vocal procedures
and their relationship with other elements of the song. The methodology covers physiological, acoustic, aesthetic, semiotic, and
musical aspects. To achieve this, we use concepts and procedures from the semiotics of the song, the emotional qualities of the
voice, understanding of musical moments and sound units. Finally, we apply the proposal, which will be experimented through
the analysis of distinct interpretations of the same song, and we analyze the construction of the interpretive gesture and the
meanings that emerge from the relationships that unfold in the song's plot.
KEYWORDS: popular singing; methodology; song semiotics; emotive qualities of the voice.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232410 | 2023
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
1. Introdução
Tomando a abordagem cancional
1
como referência para estudos, análises e práticas do canto popular
brasileiro, propomos ferramentas que, uma vez associadas, são capazes de nos revelar estratégias
interpretativas, condutas e aspectos das gestualidades vocais que constroem o projeto de sentido de uma
determinada interpretação. O campo de estudos da canção, mais especificamente aquele destinado ao
canto popular, vem experimentando um gradual desenvolvimento em relação a estratégias pedagógicas e
analíticas. Apresentamos neste artigo um alinhavo metodológico que une ferramentas de escuta, de
análise e de pensar capazes de agenciar entendimentos quanto às escolhas e intenções da interpretação,
além de perceber resultantes advindas de procedimentos vocais e da relação destes com outros elementos
da canção. A metodologia abrange tanto aspectos de níveis fisiológicos, acústicos, estéticos, mas também
semióticos e, obviamente, musicais. Para isso, acionamos os conceitos e procedimentos da semiótica da
canção, das qualidades emotivas da voz, o entendimento sobre momento musical e unidade sonora numa
trama metodológica própria para a investigação cancional. Por fim, aplicamos a proposta,
experimentando-a por meio da análise de versões de uma mesma canção: Marina (Dorival Caymmi).
2. Trama metodológica
A Semiótica da Canção foi estruturada por Luiz Tatit e desenvolvida, no âmbito da voz, por autores tais
como Ricardo Lima (Frei)
2
e Regina Machado
3
, cuja obra é dedicada particularmente aos estudos do gesto
vocal. Dado que nossa atenção é dispensada à análise dos comportamentos vocais, as propostas e modelos
sugeridos por Machado, esses alinhavados à proposta de Tatit, colocam-se como balizadores da
performance analítica apresentada nas próximas linhas. Partimos, pois, bservação e [do] estudo dos
níveis que compõem o fenômeno vocal pelo viés da existência semiótica, levando em conta que a presença
Machado 2012, 43).
Os estudos propulsores de Luiz Tatit sobre o ofício do cancionista nos legaram uma prática descritiva,
inspirada nas semióticas greimasiana e tensiva, que muito nos oferece um instrumental para o
entendimento deste encontro entre palavra e melodia em sua especificidade cancional:
Cantar é uma gestualidade oral, ao mesmo tempo contínua, articulada, tensa e natural,
que exige um permanente equilíbrio entre os elementos melódicos, linguísticos, os
parâmetros musicais e a entoação coloquial (...) no mundo dos cancionistas não importa
1
Trata-se de uma abordagem que tem nas canções populares a referência para a definição de
comportamentos vocais segundo gêneros e estilos. Ainda, tal abordagem recolhe das próprias canções, por
meio de excertos, exercícios e práticas que induzem resultados vocais desejados. Por meio dessa
abordagem, os(as) intérpretes tomam contato com as mais diversas gestualidades, que fazem parte da
genealogia da voz cantada na música popular apresentada por meio de recortes históricos e/ou estéticos
garantindo, assim, um maior conhecimento do repertório cancional popular e incrementando a
diversidade das vozes da música popular contra uma tendência evidente de estandardização dos cantares
da canção urbana popular midiatizada.
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Lima, 2020.
3
Machado, 2011; Machado,2012.
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
tanto o que é dito, mas a maneira de dizer, e a maneira é essencialmente melódica (...) e
na junção da sequência melódica com as unidades linguísticas, ponto nevrálgico de
tensividade, o cancionista tem sempre um gesto oral elegante, no sentido de aparar as
arestas e eliminar os resíduos que poderiam quebrar a naturalidade da canção. Seu
recurso maior é o processo entoativo que estende a fala ao canto. Ou, numa orientação
mais rigorosa, que produz a fala no canto. (Tatit 1996, 9)
Especificamente, é preciso dizer que as formas de compatibilização entre melodia e letra, anunciadas pela
proposição acima, quando se fala de junção de condução melódica e unidades linguísticas, são
identificadas pelas seguintes categorias propostas pelo autor: passionalização, tematização e
oralização/figurativização. Trata-          
daquele que realiza um projeto de sentido, articulando e equilibrando elementos melódicos do universo
musical e aqueles linguísticos próprios da entonação coloquial, do universo da fala. O caminho encontrado
pelo cancionista para a realização desse enlace revela-se como uma dicção, uma singularidade, que apara
as possíveis arestas entre a fala e o canto, criando um projeto entoativo que erige e sustenta o aspecto
cancional da obra, reelaborado pela voz que a interpreta.
Quando o gesto compatibilizador soa através do prolongamento da duração de vogais, da ampliação da
tessitura, de saltos intervalares, Tatit nos diz que a resultante é uma redução do andamento da música,
que revela e destaca os contornos melódicos, num processo de desaceleração que desestimula os ímpetos
somáticos e revela um estado de paixão, de dramatização, superexpostos nas fraturas melódicas (ou saltos
intervalares). Estamos, assim, diante de uma compatibilização via passionalização. Nas palavras do autor,
na série passional, assim chamada por alimentar uma relação de distância entre sujeito e
objeto, o agrupamento quase exclusivo de traços de desaceleração, alongamentos de
         
quadro de estabilização (...) cujo valor de cada fragmento depende da extensão completa
da melodia. Essa valorização do percurso esdiretamente ligada à maior permanência
da voz em cada grau da sequência melódica. Esses traços de abertura no plano da
          
sentimento de falta (...) convive em tensão com o desejo e a esperança do reencontro
(Tatit 2007, 48).
Regina Machado (2012, 46), pensando o campo das atitudes vocais, num esforço de tradução e aplicação
da proposta descritiva de Tatit, define assim o processo de passionalização:
o componente passional da canção se manifesta sobretudo pela disjunção entre sujeito e
objeto, que se expressa na melodia pela distância entre seus motivos idênticos e pelo
andamento lento, configurando um percurso de busca que nem sempre resulta em
encontro. A presença do elemento passional na canção sugere, ao intérprete, espaços
amplos para expor as possibilidades de sua tessitura vocal, bem como o trabalho sobre
aspectos timbrísticos e musicais, pelos quais a voz configurará as oscilações tensivas e os
conteúdos emotivos da obra.
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
Por outro lado, quando o enlace se der por meio da redução das durações e da utilização comedida e
concentrada do universo das alturas, por meio de contornos reiterativos, de progressões melódicas mais
aceleradas e recortadas pelos ataques consonantais, estaremos diante daquilo que Tatit chamou de
tematização. Trata-continuum
               
horizontalizada (Tatit 2007, 73). São canções mais velozes, que evitam contrastes flagrantes e acentuados
           -se na
             
2007, 75). Acionando a própria fala de Tatit (2007, 77
de forma intensa ao longo da canção, corresponde ao nosso conceito (...) de tematização. Por meio desse
processo, formam-se núcleos localizados, fundados na recorrência, que contribuem diretamente para a
Dando enfoque ao programa melódico que uma canção se propõe a percorrer
por força da ação do cancionista, Tatit (2007, 
precípua é justamente a de criar zonas de contençã        
dispersão temática. Regina Machado, aplicando a categorização de Tatit para sua análise de gestos vocais,
diz:
atuação vocal expande-se pouco (pelo campo da tessitura) e o gesto do intérprete
configura-se de maneira menos enfática, privilegiando aspectos da continuidade. No
entanto, quanto à articulação tmica, a tematização pode favorecer a intervenção do
intérprete, que encontra espaços para criação de novos recortes rítmicos e, portanto,
nova configuração do plano da expressão (Machado 2012, 47).
Por fim, quando o gesto revela com nitidez a captura da voz que fala no interior da voz que canta,
presenciamos um enlace através de um projeto de figurativização ou oralização. Tal modelo
compatibilizador reme
discurso e conferindo corporeidade ao sujeito da enunciação (Machado 2012, 161). Machado define assim:
aço para as entoações mais próximas
à fala, conferindo veracidade e atualidade ao canto. Essa fala, de alguma maneira, está inscrita na
canção de modo mais ou menos perceptível, e o intérprete apenas atenua o elemento musical para fazer
falar a voz que Machado 2012, 48).
É preciso ainda destacar que tais possibilidades de compatibilização entre melodia e letra não se
apresentam sempre de uma mesma forma nas canções, nem garante a exclusividade de uma ou de outra
proposta compatibilizadora. Os traços relativos a cada categoria podem conviver em uma mesma canção
de modo dominante, recessivo ou até mesmo residual. Ainda, a compatibilização se no ato
composicional, mas pode ser reconfigurada, afirmada ou negada pelo intérprete, que, ao imprimir sua
gestualidade interpretativa, age como um actante legítimo, capaz de produzir uma ação que ressignifique a
canção. Esta se revela como face de um ordenamento cuja origem é o próprio discurso oral em suas
dimensões linguística e entoativa. A estabilidade que soa vem desse compromisso de adequação que
equilibra tensões e opera com letra e melodia, com sujeito e objeto, na busca de um estreitamento de
laços entre a forma e o conteúdo. Tatit se esforça em doar o máximo de luz à questão, o que faz valer a
longa citação que se segue:
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
O processo de estabilização melódica de uma canção prevê necessariamente a
imbricação dos ataques rítmicos (representados foneticamente pelas consoantes e
acentos vocálicos) com as durações de sonoridade propriamente dita (instaladas
foneticamente nas vogais), dando origem ao que chamamos de perfil rítmico-melódico.
Impossível uma composição sem os ataques que sustentam os impulsos de sua
continuidade ou sem a presença das durações vocálicas que, por menores que sejam,
garantem sua direcionalidade no campo da tessitura. Ela [a canção] é o produto dessa
imbricação e sua dinâmica interna depende dos fatores dominância e recessividade
dentre os dois processos. Ou seja, paralelamente ao trajeto percorrido por uma melodia
bem formada sempre uma condução rítmica com presença discreta, mas decisiva. Do
mesmo modo, os motivos, enfaticamente marcados pela periodicidade de seus acentos,
jamais deixam de apontar uma orientação qualquer no donio das alturas, ainda que
não lhe seja atribuída muita importância no contexto geral. O canto é essa eterna
oscilação entre os ataques e os contornos valorizando ora a conjunção imediata entre os
motivos, ora a conjunção à distância, mediado por uma rota a ser percorrida (Tatit 2007,
45).
Assim, respeitadas as observações acima, no procedimento de aferição do comportamento vocal dos
cantores, a semiótica associa-se a um exame técnico que procura compreender e descrever

ao lidar com elementos tais como a emissão (timbre), o andamento, a tessitura, a
articulação rítmica e a entoação, por exemplo, passamos a fazê-lo o mais
exclusivamente por um viés técnico, como seria recorrente numa abordagem sobre
canto, mas buscando compreender como esses recursos seriam utilizados, no plano local
ou global, para expressar os estados fóricos e os estados juntivos inscritos na composição
(Machado 2012, 16).
A citação acima, tal como as análises empreendidas adiante, solicita-nos explicações sobre termos próprios
das abordagens semióticas, uma vez que fazem parte do arcabouço teórico-metodológico que estamos a
revelar. Vejamos.
Quando nos referimos a estados fóricos, dizemos sobre um elemento que se apresenta ao percurso
gerativo de sentido do texto
4
em seu nível mais profundo e abstrato, como estrutura fundamental
composta por categorias também fundamentais determinadas pela relação euforia/disforia. Nessa etapa,
determina-se a oposição semântica mínima de onde emerge a significação, a partir da qual o sentido do
texto é construído. Tais categorias fundamentais estruturantes são determinadas pela oposição
revelada, onde o segundo elemento, ou disforia, institui valores negativos ao universo de sentido
destacado, enquanto o primeiro, a euforia, institui valores positivos quanto à relevância semântica
encontrada nos textos sob análise (Barros 2005).
4

Barros (2005, 13).
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
Um segundo nível estrutural, chamado de narrativo, busca compreender propriamente a sintaxe narrativa
do percurso gerativo de sentido. Quando recorremos à apreciação dos estados juntivos, estamos
           
fazer transformador de um sujeito que age no e sobre o mundo em busca dos valores investidos nos
               
               
(BARROS, 2005, 20). O enunciado elementar de uma narrativa opera por uma relação de transitividade
entre sujeito e objeto responsável por dar-lhes a dimensão da existência. Por funções transitivas,
encontramos a junção (enunciado de estado) e a transformação (enunciado de fazer). O estado juntivo é
aquele que revela ou indica a situação entre o sujeito da narrativa e o seu objeto referente. A junção opera
pela oposição disjunção/conjunção, que representa os modos distintos da relação entre sujeito e os
valores investidos no objeto textual em questão, entendidos em seu estado de encontro (conjuntivo) ou
separação (disjuntivo). A mudança dos estados, por conseguinte, é realizada pela transformação,
enunciado de fazer que opera a passagem de um estado ao outro (Barros 2005).
Quanto aos planos global e local, dizem sobre a relação todo versus parte, evidenciando movimentos e
ações que podem impactar um microespaço para dar um sentido pontual a determinado microuniverso
semântico, ou, pelo contrário, compreendendo como determinado objeto, ação ou personagem interfere
no projeto num todo, em sua dimensão total, global.
O leitor também irá se deparar com termos que operam a relação entre intensidade e extensidade. Da
junção das duas chegamos àquilo que em semiótica se chama tensivida     
imaginário de operações onde atuam duas dimensões (...), na primeira [intensidade], estão os estados de
alma (o sensível), na segunda [extensidade], os estados de coisas (o inteligível). É a intensidade que rege a
extensidade. Investigar esse momento é restituir o sentido dessa experiência humana que consiste em
 iniz apud Machado 2012). Tal articulação conduz a análise de
natureza sintagmática - que busca dar conta de compreender aquilo que Tatit chama de flexões do
enunciado - ora numa dimensão localizada, ora numa dimensão ampliada. A extensidade opera um tipo de
pregnância que garante a pertinência do texto em seu trajeto, uma espécie de função que mira à distância
a condução do enlace entre sujeito e objeto, ou para usar uma perspectiva hjelmsleviana, diz sobre a
Hjelmslev apud Tatit 2007, 23). A dimensão extensa, assim, não enfoca o
agora, mas responde pelo pressuposto, pelo adiante, pelo plano profundo de significação. Embora dirija a
cadeia textual, a extensidade, com seu valor de universo, é governada pela intensidade, entendida como
algo que produz valor absoluto. A intensidade conta com as subdimensões de andamento e tonicidade. A
extensidade, por sua vez, se subdimensiona em temporalidade e espacialidade. Ainda, tal relação traz
consigo uma noção de ritmo cara aos procedimentos de análise. Para Zilberberg (2011), o ritmo é
    icidade (subdimensão da intensidade) com a temporalidade
(subdimensão da extensidade). É válido, assim, pensar que a intensidade acentua e demarca, enquanto a
extensidade distende.
Tatit, num esforço de operacionalização de sua semiótica da canção, aponta como intensidade e
extensidade agem na caracterização de seus modelos de compatibilização entre melodia e letra:
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
Tematização e passionalização, quando confrontadas, delimitam áreas específicas de
atuação: a primeira opera preferencialmente com os dados intensos e com os valores-
fluxos; a segunda, comprometida com distâncias, contornos e orientações, compatibiliza-
se, sobretudo, com a ordem extensa e com os valores-fins. Entretanto, examinadas
internamente, ambas apresentam a articulação universal extenso/intenso e, como
sempre, isso serve para o plano da expressão e para o plano do conteúdo (Tatit 2007, 56).
Os aspectos tensivos também estarão presentes numa espécie de quantificação e qualificação amparadas
em dispositivos que operam a nossa construção de sentido. Acionando o esquema semiótico de Zilberberg
via Tatit (2016, 
          
imprescindível nas construções e avaliações dos discursos verbais e não-
tomadas por Tatit (2016, 

atos de compor e interpretar. Por serem cálculos subjetivos, são tomados como estimativas, que ao

íntima             Tatit 2016, 11). Esses

saturações, exorbitâncias, moderações, depreciações, extin
que operam gradações no estimar de significados.
Para lidar com tais gradações procuramos reconhecer dispositivos de aumento e diminuição que nos
ofereçam incrementos, de mais ou de menos, intervenientes nas condições tensivas da construção de

          
celebração e mais Tatit 2016, 16). É preciso dizer que aumento (mais) e
diminuição (menos) indicam direções e oscilações tensivas, nomeadas por processo ascendente
(progressão) e descendente (degressão), respectivamente. Tatit (2016, 35) nos conta que essas direções,
mais e menos, oferecem-nos
uma base comum para examinarmos as etapas narrativas, as construções figurativas, as ênfases ou
depreciões retóricas e, evident
O acréscimo de mais acena para uma gradação ascendente, progressiva, que nos leva, frente ao acúmulo
de mais, até a plenitude. Seu excesso nos entrega recrudescimento e saturação, enquanto o acúmulo de
menos descreve uma direcionalidade descendente, degressiva, apontando para a carência que, se
extrapolada, leva-nos à extinção. Menos mais sinaliza uma atenuação, diante do risco de uma
hiperbolização tensiva. E menos menos indica uma recuperação e afastamento do risco de extinção. Ao
buscar reconhecer tais indicadores, declínios e crescimentos, procuramos estabelecer assim uma
estimativa que oriente a porção, digamos, quantitativa de nossa análise crítica semiótica.
Como instrumento correlato e aliado das pertinências analíticas da Semiótica da Canção temos aquilo que
Regina Machado nomeia Qualidade Emotiva da Voz (QEV). Se na perspectiva do cancionista de Tatit existe
um exercício de matizar a fronteira entre o falar e o cantar, tal ação necessariamente se efetiva pela voz,
Machado
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
2012, 43). É pela voz que se busca o equilíbrio entre elementos musicais e linguísticos, entre
coloquialidade entoa
de realizar simultaneamente o texto linguístico e o texto musical, e sendo o núcleo de identidade da
canção a relação entre esses dois componentes, compete à interpretação vocal o desenvolvimento das
        Machado 2012, 440). Ao criar um
instrumento capaz de identificar as qualidades emotivas inscritas na voz, Machado o faz vislumbrando uma
contribuição capaz de ser um exercício complementar, que elucide o sentido do gesto interpretativo pela

    Machado 2012, 43). A QEV procura realizar uma espécie de
tradução dos sentimentos inscritos na canção durante o fenômeno da interpretação. Tal fenômeno faz do
cantor o sujeito que retira a canção do seu estágio virtual onde existe uma proposta de entrosamento
entre melodia e letra sugerida pelo compositor para o estágio de materialização, que corporifica a
existência daquele projeto numa outra dimensão, inscrevendo ali uma interveniência própria que implica
em atuação nos componentes que instituem a canção (Machado 2012, 44). A pesquisadora, desse modo,

         -   
podendo mesmo trazer à luz significações expressas no plano de expressão linguística, bem como no plano
Machado 2012, 44).
Regina Machado acrescenta, então, elementos próprios do comportamento vocal à análise que se ampara
na Semiótica da Canção. Tal empenho mira a avaliação do gesto interpretativo e investe num processo
aferidor das marcas interpretativas inscritas no fenômeno de corporificação da canção. Machado considera
] propostos por Tatit,
Machado 2012,
157). O quadro abaixo apresenta os regimes identificados, considerando a figurativização como traço
complementar à passionalização e tematização, que, por sua vez, podem também ser complementares
entre si (Machado 2012, 157):
Passemos a mais um elemento do arranjo metodológico proposto. Julgamos ser o trabalho do professor e
musicista Sérgio Molina peça importante na construção de nossa rota metodológica, uma vez que nos
permite avaliar o impacto semântico de elementos característicos do arranjo em uma canção. Providencia,
mesmo, outro instrumental analítico complementar à investigação. O próprio Tatit indica que elementos
que não aqueles envolvidos diretamente na dicção do cancionista podem ter implicações de destaque no
projeto de construção de sentido como um todo (Tatit 1996, 10). Isso nos diz que outros elementos podem
operar nas dimensões, por exemplo, fóricas e tensivas do percurso narrativo de uma canção. São impactos
dessa ordem que procuramos entender ao recorrermos à Molina, como veremos adiante.
Tabela 1 - Tipologia das QEV e suas definições
Tipo
Passional
Passional Figurativizada
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
Passional Tematizada
Tematizada
Tematizada Passional
Tematizada Figurativizada
Ao incorporarmos mais essa ferramenta descritiva, analítica e conceitual, estamos diante de uma tentativa
de ampliação das possibilidades metodológicas para a análise e conhecimento do campo de estudos do
canto popular. Molina (2014, 40) nos diz que
o estudo meticuloso, consciente e contextualizado das relações estruturais que
organizam a composição e a prática da música popular cantada [...] pode ser importante
fundamento teórico para a criação de ferramentas para o desenvolvimento dessas outras
percepções musicais, que têm se mostrado inapreensível pelo treinamento da educação
musical mais tradicional.
É por estarmos sintonizados com essa impressão que buscamos compreender formas pelas quais se
conectam os elementos que integram a experiência de uma canção popular em seu registro fonográfico,
procurando desvendar algo ligado ao universo da gestualidade vocal dos cantores. Diz respeito àquilo que
Molina 2014,
40). Estamos, pois, investigando processos de interação que atravessam os atos compositivos e
interpretativos, ofertando-nos uma experiência singular de se ouvir, fruir, consumir canções. Tais
elementos atuam simultânea e coordenadamente para atingir um resultado estético de uma obra que se
oferece ao processo de significação em duas etapas: uma, aquela que diz respeito ao gesto significante que
o intérprete tenta imprimir; a outra, que diz respeito à significação consumada pela recepção dos signos
cancionais. Existe, assim, um convívio de estratégias e elementos que concorrem para um desejado
resultado estético e semântico.
É na busca pela compreensão dessas simultaneidades que Molina nos apresenta o conceito de
acontecimentos musicais como chave de entendimento para a dimensão relacional das canções. O
conceito é apreendido pelo autor a partir de uma exposição feita por Willy Correa de Oliveira, por ocasião
de uma aula. Isso nos coloca diante de um conceito que não foi sistematizado pelo seu próprio autor, mas,
sim, operacionalizado e ajustado por Molina na tese que se transformou no livro Música de Montagem
(Molina            
tomando-a como característica não apenas de cada som, mas da própria linguagem musical, para

(Molina 2014, 65). Definem-se como acontecimento musical ideias autônomas expressas por meio dos
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular


um acontecimento musical quando nos deparamos com um efeito particular, que singulariza de alguma
forma a canção. Para Willy, os acontecimentos funcionam como um organismo, diferentes entre si, como
órgãos em um organismo vivo, mas relacionando-se, também, como em um organismo vivo. Quando mexe
na parte, o todo se altera. Quando mexe no todo, a parte também se altera. Tudo se relaciona (Côrrea
apud Molina 2014, 65).
Assim, em busca da operacionalização do conceito, Molina (2014, 66) explica que a condição para que
possamos admitir estarmos diante da escuta         
elementos em questão devem ser de naturezas distintas, embora compartilhem de algum princípio
            
tem-se que cada voz [/instrumento] não seja uma voz [/instrumento], mas um elemento que tenha vida
                 
(Côrrea apud Molina, 2014, 66). A fim de nos mantermos atados às finalidades próprias desta proposta,
não tratamos de identificar a natureza de cada acontecimento, mas apenas de apontar sua presença.
Busca-se a identificação de ideias simultâneas na medida em que tais simultaneidades possam interferir na
resultante interpretativa operada pelos gestos vocais analisados. Desta forma, não nos custa reforçar que
o sentido da utilização da ferramenta analítica proposta por Willy/Molina é investigar a relação que opera
simultaneidades significantes entre gesto vocal e arranjo.
A correlação dos acontecimentos musicais, a forma como os sons se organizam e se nos apresentam
entregam uma proposta relacional, que aponta para aquilo que Didier Guigue nomeia, também acionado
por Molina, como sonoridade ou unidade sonora composta. Nesse caso, os termos podem ser tomados
como equivalentes. A sonoridade é algo que surge da relação entre elementos como textura, timbre,
registros, tessitura, intensidades relativas e é formada, segundo Guigue (apud Molina 2014, 86), pela

faz chegar à visualização do aspecto integral de seu conteúdo. Trata-se da síntese temporária de
o é estipulada por
algum tipo de indicador quantitativo que seja concebido a priori. Percebemos os limites temporais de uma
unidade sonora quando, atentos às ocorrências, deparamo-nos com continuidades e rupturas que possam
atingir e alterar estruturalmente a coesão sonora, levando-nos a identificar, pela modificação de ao menos
um dos elementos que integram a sonoridade, uma nova articulação ou unidade. Molina (2014, 81) nos diz
              contrastes de

unidade sonora, a partir de ocorrências que se apresentam como uma constante delimitada por duas
rupturas. Sobre isso, Molina, citando Guigue, em forma de síntese, esclarece: Sendo a unidade o produto
da combinação de um número variado de componentes, a ruptura na continuidade estrutural de pelo
menos um desses componentes implica, em teoria, em uma ruptura na continuidade sonora, e,
consequentemente, identifica uma nova articulação, isto é, uma nova unidade (Guigue apud Molina 2014,
86).
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
Molina também faz uso de outro conceito, algo que nos será muito útil. Este, agora, tomado de
empréstimo ao pensamento de Stockhausen. Trata-se da ideia de momento musical, algo que também se
coloca como intercambiável em relação à definição de unidade sonora. Distingue unidade de momento o
entendimento de que a primeira definição
chama a atenção para os parâmetros intrínsecos da própria construção das tipologias
sonoras, a relação específica de seus componentes; já a segunda se refere principalmente
ao recorte na linha do tempo que tal unidade sonora faz, a duração que cria um certo
estado e, à sua maneira, contribui para a construção da forma da música (Molina 2017,
117).
Por momento musical, Molina nos apresenta a seguinte definição:
quando certas características permanecem constantes por algum tempo em termos
musicais, quando os sons ocupam uma região determinada, um certo registro, ou ficam
dentro de uma determinada dinâmica, ou mantém uma certa velocidade média então
um momento es acontecendo: essas características constantes definem o momento.
Pode ser um número limitado no domínio harmônico, de intervalos entre as alturas no
domínio melódico, uma limitação de durações na estrutura rítmica ou de timbres na
realização instrumental. (Maconie; Stockhausen apud Molina 2014, 87).
O exercício analítico que empreendemos mostra-nos que unidades sonoras, acontecimentos e momentos
musicais - em interação, pois, com comportamentos vocais - são intervenientes na construção de sentido
por meio da relação figura versus fundo e são capazes de doar destaque, ressaltar, matizar elementos que
integram aspectos dessa relação, dessa operação de simultaneidades. Quanto ao uso dos conceitos
momento musical e unidade sonora/sonoridade, dado à equivalência existente entre eles, usaremos o
primeiro quando quisermos destacar aspectos da trama sonora em relação à dimensão temporal, e o
segundo nas demais situações. Quanto ao uso do conceito de acontecimento musical, tal termo será
acionado para destacar incidências de ideias autônomas antes de passarem pelo processo unificador que
as estabilizarão em momentos ou unidades sonoras. Daí em diante, uma vez incorporada à sonoridade,
poderão ser tratados como ocorrências ou eventos musicais no interior de um acontecimento.
3. Marina (Dorival Caymmi): acionando a metodologia
3.1. Sobre a canção
Marina foi analisada por Tatit, por ocasião de sua apreciação sobre a dicção de Dorival Caymmi em O
Cancionista (Tatit 1996, 117). Como revela o autor, a canção apresenta uma combinação de estratégias e
procedimentos que complexificam a identificação da compatibilização entre melodia e letra agenciada pelo
cancionista. Isso porque somos capazes de apontar traços evidentes e importantes dos três regimes
próprios do modelo que tomamos como orientador analítico.
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
Bem no início da análise de Marina         mpo amorosa e
               
     Tatit 1996, 118). Tatit segue apontando-nos que os segmentos da
canção sempre apresentam motivos, que se encontram encadeados, insinuando a compatibilização via
tematização, mas sem abandonar aspectos passionais e figurativizadores. Os valores temáticos são
claramente identificados, seja pelo contexto reiterativo, seja pela tessitura concentrada. Porém, destaca-se

ibdem), surgindo sempre em suas propostas de canção. Embora o traço tematizador,
então, seja algo que subjaz ao acervo cancional de Caymmi, ele aparece em Marina como potencialidade
presente, mas em relação residual frente à passionalização, e, sobretudo, à figurativização. Assim,
podemos identificar, no modelo de compatibilização de Marina, a passionalização e a figurativização

O samba-canção fala de desunião e afastamento entre os protagonistas da narrativa recorrendo a traços
de canções temáticas, tal como motivos recorrentes, além de elementos figurativizadores identificados
com a prosódia que acompanha a fala corriqueira e cotidiana (Tatit 2008). Isso, contudo, não compromete
os elos estabelecidos entre letra e melodia obra afora. Os trechos que apresentam certa concentração,
com predominância de graus conjuntos, não apontam mais do que um traço local eufórico, frente a um
percurso que pende à disforia em seu projeto extenso. Percebamos, assim, que tais recursos revelam um
traço entoativo capaz de auxiliar o intérprete na condução de mensagens rumo a uma verdade enunciativa
convincente. São partes residuais e recessivas de um universo de sentido marcado pela dominância dos
valores tensivos negativos, próprios da disjunção amorosa, que se nos apresenta narrativizada neste
samba-Tatit 1996, 119).
3.2. Gil
3.2.1. Comportamento Vocal
A versão de Gilberto Gil (figura 1)
5
para Marina traz uma particularidade também mencionada por Tatit
na análise citada anteriormente. Como dito, a canção apresenta uma compatibilização mista, que contém
vestígios em intensidades relevantes dos três modelos de enlace com os quais estamos trabalhando. Isso
nos leva, na palavra do próprio Tatit, a impressões paradoxais. Concluiu-se que estamos diante de um
processo de passionalização amplamente figurativizado, entrecortado pelo estilo tematizador que a dicção
de Caymmi apresenta, revelando uma espécie de conjunção passional. E é exatamente esse traço que
marca as composições de Dorival Caymmi, impregnando, inclusive, projetos passionalizantes de
reiterações, motivos e força tematizadora. Essa é a chave para a compreensão do que acontece na Marina
5
A imagem traz o QR Code do Spotify. Utilizando-se dessa ferramenta, o leitor será levado imediatamente
à escuta da versão analisada, dispensando o uso de links e facilitando o acesso à plataforma. Para uso do
                
imagem de uma câmera, que fica perto do símbolo de lupa, à direita na barra de opções. Feito isso, toque
no ícone da câmera e a posicione para que se possa capturar o Spotify Code. Àqueles que preferirem o
acesso por meio de link, acesse: https://spoti.fi/3Q21H0K
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
de Gilberto Gil. Nesta versão, a respeito das possibilidades de compatibilização e da dicção própria de
Caymmi, Tatit nos diz que
a aceleração do andamento e, sobretudo, a marcação regular e acentuada das sílabas
tônicas, num contexto melódico tão reiterativo como este, pode deslocar o polo
persuasivo da canção, privilegiando seus estímulos somáticos externos. Nesse caso,
fecha-se o vértice principal com a tematização, ficando as figuras e as paixões como
efeitos secundários (Tatit 1996, 118).
E é exatamente esse aspecto que Gilberto Gil explora em sua versão. Faz emergir a face temática do gesto
cancionista de Caymmi, deixando que a força somática surja como principal elemento integrador na
relação entre melodia e letra. Dito isso, passemos à análise.
Figura 1 - Spotify Code da versão analisada.
Andamento: 105 BPM
Tonalidade: D
Tessitura: 19 semitons
Instrumentação: Violão, guitarra, contrabaixo elétrico, bateria, percussão, piano Rhodes, flautas,
trombones e trompetes.

Ano: 1979
Gilberto Gil, com seu timbre metalizado, exposto em região aguda da voz, leva a canção até o limite do
, 59), que
imprimem uma sensação de expansão ainda maior à tessitura. Se em Silva, como veremos adiante, o
esgarçamento é indolente (nada enérgico) e se dá por uma espécie de puir sonoro apresentado nas regiões
mais graves da interpretação, em Gil o mesmo se por um desfiar-se agudo onde escutamos força e
ímpeto. O direcionamento tensivo em Gil aponta para a saturação, enquanto em Silva exibe alguma
atenuação dos valores em jogo. Ainda que a região aguda soe um traço característico do comportamento
vocal do intérprete baiano, neste caso, o esforço que somos levados a perceber compromete a percepção
daquele lugar como confortável para sua emissão. Na interpretação de Silva, tratada na próxima subseção,
escutamos o contrário: uma emissão vocal que atua numa região evidentemente de conforto. A voz de Gil
soa, em alguns momentos, mesmo antinatural.
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
O intérprete opta pela utilização de um registro, digamos, modal (ou M1
6
) em região extremamente aguda,
que escapole inúmeras vezes para o falsete, imprimindo quebras de registro nem sempre sutis. Tais
quebras percorrem as curvas melódicas por toda a 

do limiar da mudança de registro, a voz de Gil nos remete ao esforço, ao quase-berro, e isso tem presença
contínua e destacada ao longo da narrativa, investindo o projeto tematizador da canção de importantes
elementos disfóricos. Isso quer dizer que, embora haja embutido na própria canção um projeto de
passionalização, sua escolha interpretativa, tal como a opção por uma levada em andamento acelerado,
por exemplo, atenua e muito essa ideia de projeto inicial da integração entre melodia e letra sem que tais
elementos sejam alijados. Ainda, percebe-se que, ao optar por um canto em região elevada, imprime-se
uma aceleração de base, que revela ora valores positivos e eufóricos ora ansiedade e inquietude,
mantendo uma perspectiva dúbia que contamina todo o percurso gerador de sentido.
Ainda como recurso que dilata a dimensão estridente da interpretação, Gil opta pela emissão de seguidas
notas e frases em falsete que atingem e deixam tal registro com frequência irregular. Isso pode ser mais
facilmente escutado no estribilho, quando o intérprete dialoga por repetidas vezes com o coro: /eu de
mal /. Tal aspecto revela um elemento que adiciona e amplifica força semântica à canção, ao mesmo
tempo em que confirma a ambiguidade constatada. Em alguns momentos, o tal esgarçamento soa como
um traço passionalizante, dado à emissão que rasga a trama enunciativa. Por outro lado, o mesmo gesto,
ocorrendo em registro de cabeça
7
, ou M2, compete para que identifiquemos traços eufóricos, ligados ao
universo da festa, do gozo, pertencente ao ethos disco, que supostamente desdiz e desconstrói a
impressão anterior. É como se estivéssemos num limiar de condições fóricas, num entrelugar vacilante,
onde pudéssemos hibridamente pensar em uma espécie de disjunção eufórica. Seria uma espécie de
inversão, de trocas de sinais, frente ao que poderíamos nomear como conjunção passional. Porque, neste
caso, não estaríamos falando de predominância ou recessividade, mas de um traço pronto a servir de
forma alternada, mas também controversa, ao percurso semântico da canção. Encontramos classificação
capaz de esclarecer a ação vocal de Gil se considerarmos tais aspectos como algo característico daquilo
que Regina Machado descreve como qualidade emotiva tematizada passional, ocorrência que pode ser
 reiterações e aos recortes rítmicos somam-se a expansão pelo campo da tessitura
6
Roubeau, Henrich e Castellengo (2009) são autores de um estudo que identificou, por meio de
eletroglotograma e espectograma, a existência de quatro mecanismos que são agenciados ao longo da
extensão vocal de um indivíduo em sua totalidade. Tais mecanismos, o nomeados como M0, M1, M2 e
M3. Dada a profusão de termos encontrados na literatura especializada, deve-se dizer que se pode
considerar as seguintes equivalências: M0 como Fry, Strohbass, Registro Pulsátil ou de Pulso; M1 como Voz
de Peito, Registro Denso, Registro Modal, Voz Pleno, Mecanismo Pesado; M2 como Voz de Cabeça, Falsete,
Registro Tênue, Registro Elevado, Mecanismo Leve; M3 como Voz de Apito, Flauta, Assobio, Whistle.
7
            registros vocais é
            
popular. Ainda segundo Mariz, uma das nomenclaturas que mais ganharam espaço no Brasil foi proposta
por Harry Hollien, dividindo os registros em Pulso, Modal e Elevado. Nessa categorização, o registro Modal
se subdivide em sub-registros de peito, misto e cabeça, ou grave, médio e agudo. Aqueles que preferem
essa categorização devem considerar que Gil está num registro Modal, utilizando-se do sub-registro de
cabeça.
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
e as durações vocálicas, contrapondo à percepção do percurso melódico as ações locais que revalorizam o
     , 157). Mesmo com todas as observações realizadas até
aqui, parece mesmo que tal impressão será mais bem avaliada quando estivermos analisando o arranjo.
Por ora, contudo, julga-se importante dizer sobre questões estéticas e comerciais que talvez possam nos
ajudar na elucidação do porquê da referida flutuação semântico-interpretativa.
Marina é a primeira faixa do lado 2 do LP Realce, lançado em 1979. O álbum ficou conhecido como o
último da trilogia Re (Refazenda, Refavela, Realce). Naquele momento, vivia-se a repercussão do ingresso
de Gilberto Gil no universo da música negra norte-americana a partir do movimento Black Rio. A adesão
aos códigos musicais daquele mundo negro aparece na sonoridade de Refavela (1977), lançado dois anos
antes. Realce foi gravado nos Estados Unidos e conta também com instrumentistas americanos, que
emprestam um sotaque próprio da cultura e da época ao LP. Vivia-se o momento da disco-music, e Gil
trouxe para o seu trabalho signos difundidos do universo discothèque. Realce revela esteticamente uma
incursão no estilo
tecnopop . Contudo, o intérprete traz o estilo sem abandonar seus
motes, suas referências culturais e cancionais, o que explica Marina naquele álbum. Segundo Gil, Realce
           Fonteles 1999, 204). No
caso, a marca disco dos arranjos e interpretações não revelava uma adequação de Gil ao público
(externo e interno) e à expressão musical de uma época, mas também uma forma de doar principalmente


da abertura política, [faz] o cati          
mundo e o inventaria, revisita o relicário de tradições baianas.
A breve descrição de valores estéticos que ocupam as faixas de Realce pode nos apontar ao menos um dos
elementos que nos fazem também identificar, num mesmo gesto interpretativo que se quer passional,
traços eufóricos marcadamente estilísticos. E tais traços podem ser vistos na introdução da performance
vocal (canto silabado, sem configuração de sentido) e em ornamentos requeridos pelo intérprete como em
o igual/. Melismas como este, tal como glissandos e outros improvisos, são
         
após emissão em registro elevado, Gil usa de uma interjeição para ao mesmo tempo criar um indicador
estilístico, que soa eufórico, e marcar um traço passionalizante - por ser ela mesma uma interjeição que
nos remete a lamentos ou queixumes - /Marina, ai, ai, ai, ai,/. Em     
apogiatura na qual podemos aplicar a mesma observação: /Morena/. O ornamento, ao passo que situa a
interpretação no campo do universo da música dançante norte-americana, amplifica um traço disfórico,
dado o ataque pouco sutil à nota que confirma a apogiatura, reforçando a partir de um exagero gestual os
valores negativos que acompanham o percurso gerativo desse enredo.
Embalado pelo tema dos ornamentos, podemos perceber também certos drives vocais que, tal como os
outros citados acima, podem ser admitidos como índice de comportamento vocal culturalmente
localizados, mas que Gil habilmente aciona para, de forma intensa, corroborar o traço extenso de seu
projeto narrativo tematizador. Escuta-      ete faz soar um rascante
/arranjava outro igual/. Os drives são retomados no refrão, soando ali menos o estilo e mais o gesto
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
intenso que passionaliza o elo entre melodia e letra. Contudo, o mesmo gesto faz parte dum projeto de
estridência próprio do tropicalismo, do qual Gil é um dos principais representantes. Por este viés, podemos
pensar que tudo isso soa como grito, e também como faceta incorporadora, antropofágica, alimentada
pelo projeto carnavalizante da mistura tropicalista. Podemos identificar isso 
           drives, quebras bruscas de
registros finalizando numa espécie de gemido estridente em glissando errático: /morena, Marina/.
Focando agora nos aspectos melódicos, podemos perceber discretas variações na interpretação de Gil se
comparada ao projeto original de Caymmi para a canção. Enfocaremos a seguir aquelas que alteram
semântica e foricamente a narrativa. Primeiramente, ao incorporar nova melodia ao refrão, a mesma linha
melódica que escutamos no início da canção em forma de um canto vocalizado silábico, sem palavras, Gil
exibe saltos intervalares que ganham expressão tanto na voz do próprio intérprete como também nas
inserções do coro. Ao salto de quarta justa ascendente, segue-se uma curva descendente de sexta maior.
Em sequência, o coro responde em trecho também descendente, cujo maior salto é o de terça maior
imediatamente anterior ao desfecho melódico daquela porção.
Diagrama 2 Diagrama das alturas idealizado por Tatit com trecho da versão de Gil.
Faz-se preciso dizer que o coro revela algo distinto do que se pode perceber nas outras interpretações.
Enquanto que nas versões de Silva e na original, de Dick Farney, o diálogo acontece no âmbito do que é
privado, numa interação face a face, reservada, ao inserir o coro, Gil parece trazer para um espaço externo
a disjunção afetiva que passa a ser observada e experimentada agora num espaço blico. O conflito foge
para fora de uma circunspecção, abrindo-se ao julgamento e à interferência de outros personagens que, ao
que parece, encorpam a ruptura. O prolongamento do refrão, assim, seria entendido como algo que
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
reforça o afastamento, que repisa a falta, incidindo disforicamente no projeto narrativo. Se nos permitimos
enxergar disjunção nesse traço intenso, podemos interrogar sua condição provisória, o que nos autoriza a
admitir vestígios coléricos no canto do enunciador. Se não, voltando à constatação da dubiedade inscrita
no projeto da canção, o referido traço pode ser reconhecido como indicador de festividade, negando a
cólera. Eis as possibilidades abertas pela oscilação da incidência de aspectos compatibilizadores distintos.
Admitido isso, podemos dizer que, ao fazer extrapolar para o público a suposta disjunção, podemos
perceber no coro também um caráter festivo, que sugere celebração e nos coloca num contexto de
intervenções somatizadoras. Aquilo que poderíamos interpretar como uma atitude furiosa passa a
autorizar uma leitura que a considera como blague, como troça, como algo que questiona e brinca
euforicamente com a conduta repressiva de uma conjunção possessiva.
o. Diferente
da primeira vez (apresentação) em que permanece no sustenido, fecha-se a ponte numa terça menor
acima, num (reapresentação), como que num grito para intensificar a sensação dessa ruptura, a esta
altura um tanto quanto inconvincente: /mas eu tô/.
A intepretação de Marina pelo gesto de Gil opta por uma emissão que soa francamente frontalizada e que,
em certos momentos, exibe anasalamentos. Todavia, o que prevalece é o destaque para os harmônicos
agudos, exibem a estridência. Sua voz soa clara, mantendo a frontalização no falsete. Tal característica
nitidez à ruptura por um viés costumeiramente entendido como eufórico. A pressão e a metalização da voz
do enunciador se arrefecem em poucos momentos. Num gesto intenso, levando-nos a uma mimese sonora
dos contornos da língua falada, despe a interpretação do seu traço estilístico para deixar aos ouvidos a

      refrão, num esforço figurativo, o enunciador faz escutar algo
ofegante, respectivamente, como um /hummmm/ e outro /óhhhhh/. Assim, aquele arrefecimento parece
servir mesmo para dar verossimilhança enunciativa. Ali, a força entoativa amortiza a passionalização que
se faz experimentar aos berros em prol de uma oralização mais evidente.
É preciso ainda dizer sobre a divisão rítmica da interpretação de Gil. em suas divisões e acentuações
uma forte oralização, recoberta predominantemente pelos aspectos temáticos da interpretação. De certo,
aquilo que faz dançar, o impulso somático, é o que orienta a realização vocal de Gil, ainda que esse aspecto
apareça com mais ou menos intensidade ao longo da interpretação. Na exposição da canção, por exemplo,
tal aspecto é ligeiramente mais comedido do que na reexposição. O que não vimos matizado no gesto de
Gil é a permanente associação com o figurativismo que incrementa a força entoativa na contestável cena
disjuntiva que experimentamos. Em determinados momentos, com       
profere um canto que ao mesmo tempo articula e produz um legato, cujas interrupções coincidem com os
ataques às consoantes: /Que eu gosto e que é meu / Marina, você é bonita com o que Deus lhe deu/.
Isso produz uma desaceleração pontual reforçando ligeiramente o aspecto passional que envolve a canção.
na reexposição, podemos perceber alteração na rítmica do gesto interpretativo. A impressão do legato
está presente no início do trecho, mas a forma acentuada e articulada com que o enunciador interrompe
tal impressão, sobretudo na tonicidade da última sílaba dos vocativos /Marina/ e /morena/, doa força
              
quando a expressão em legato praticamente repete aquela da exposição, seguem-se gestos que produzem
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
variações rítmicas e articulações que oferecem paixão e figura a um tempo. Tais acentos produzem
atenuação das recorrências temáticas, fazendo com que tenhamos breve contenção do apelo somático,
um controle do elemento eufórico que também responde à adequação estilística. Os vários ornamentos
presentes nesse momento ajudam a cumprir tal estetização musical, mas também criam traços intensos
que fazem oscilar os valores ricos investidos no universo da canção. Se na reexposição temos um pouco
mais de disjunção, isso não altera a perspectiva somática da canção. Marina de Gil traz ao primeiro plano
uma estratégia eufórica, fazendo com que os valores positivos tenham peso maior do que os negativos
nessa balança fórica. De fato, devemos ratificar que a interpretação de Gil se vê orientada pelos valores
musicais de um universo dançante, que exibe uma sintaxe própria, expressa, por exemplo, pelo
andamento, e que orienta de forma contundente o comportamento vocal do intérprete.
3.2.2. O arranjo
Gil apresenta uma versão de Marina na qual é possível perceber um encaixe de sonoridades que disputa a
atração da escuta com a canção propriamente dita. Não há incorporação ao fonograma de outros gêneros
discursivos, por recursos de montagem, ao ponto de se tornar uma inequívoca obra da categoria, digamos,
complexa. Tal como as demais analisadas aqui, embora o arranjo se faça com a presença de muitos
instrumentos, entendemos que a versão pode ser incluída no rol das narrativas simples bakhtinianas. Gil
repete a forma de canto acompanhado, desta vez, por um conjunto instrumental repleto de sopros e coro,
bem aos moldes de sonoridades ligadas à tradição da Soul Music e também do pop norte-americano
exibidas e esparramadas pelas tramas do álbum Realce.
É traço marcante no arranjo a condução do baixo e da bateria que compõem a unidade sonora
característica, exibindo regularidade e homogeneidade interpretativas incontestes. São células com poucas
variações que estabelecem um sentimento de estrutura à inter
momento musical cuja marca principal é a referida condução de baixo e bateria. Some-se a isso os
comentários de guitarra (wah wah), flautas e os ataques empreendidos pelo naipe de sopros. Tal como a
  ouviremos em Silva, sopros e guitarra parecem estabelecer um diálogo que pode
representar a própria circunstância enunciativa entre /Marina/ e seu interlocutor. Todavia, aliado à
condução da voz em forma de scat, o momento serve mais para nos introduzir uma perspectiva audível
que permanecerá ao longo da narrativa, tal como reforçar os traços estilístico presentes nessa
interpretação da obra.
                   
retirada dos ataques de trompetes e trombones, da linha melódica de flauta e da condução de guitarra.
Podemos entender essas ausências como ocorrências que não comprometem os parâmetros estruturais da
sonoridade. Neste momento, o piano e o violão ganham o proscênio sobr
bateria e pelo baixo. Apesar da textura do arranjo contar com um traço de abundância, este instante
entrega uma sonoridade que deixa ouvir o enunciador. O chimbal constante e a célula rítmico-melódica do
baixo nos ofertam um traço eufórico. O som velado do Rhodes, a inserção em notas longas e graves dos
sopros e a discrição do violão não competem com a voz de Gil, que se presta ao esforço de uma
aspectuação figurativizadora e tematizadora da canção. O bumbo desdobrado parece impedir que se
instale de uma vez a sonoridade disco, o que não impede a edificação de um clima evidentemente
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular

/Marina/. O comentário do piano ao longo desse momento parece mesmo revelar os rumores da disjunção
fora do ambiente privado, como uma voz terceira capaz de amplificar discretamente o traço
passionalizante pela intromissão de um público que quer opinar sobre o processo de reconciliação. Porém,
a rítmica do piano desdiz tudo isso e nos prepara para um estado fórico diferente. Tudo parece antecipar, a
               
disjunção.
-se outra ocorrência que impacta superficialmente o momento e a unidade sonora. É preciso
dizer que tais ocorrências levam-nos a uma espécie de inventário de diferenças que marcam a sonoridade,
revelando importância fórica e tensiva ao mesmo tempo que nuclearmente mantém a estrutura do arranjo
inalterada. O que podemos identificar como traço marcador da sonoridade naquele instante é, novamente,
a guitarra ocupando o lugar do piano e a presença gradualmente mais intensa dos sopros, fazendo com
que o acompanhamento ganhe em força somática, em elementos fóricos positivos, indo ao encontro de
uma adequação estilística, mas de encontro a qualquer resquício de disjunção que pudesse existir na
Marina de Gil. Reforço tematizador importante é a discreta, mas pungente, clave percussiva que marca
uma célula rítmica subjacente.
Figura 2 Representação de clave na versão de Gil.

que antecede essa minutagem é a retomada das frases executadas pela flauta, incrementando o refrão
com valores explicitamente eufóricos. Percebemos, ao longo do arranjo, uma alternância dos mesmos
elementos que ora entram ora saem do complexo sonoro, sem que, de fato, tenham força e autonomia
discursiva que nos façam desviar o foco 
atenções: o enlace de melodia e letra que forma a canção Marina (Molina 2017, 42). Retomando a
característica do momento, a pulsão de movimento se estabelece e anula, inclusive, aquilo que fora
identificado como um traço infantilizado em outra versões. O índice passionalizador na voz interpretante
-se mitigado frente à profusão de elementos euforizantes. E a discotèque se instala à moda de Gil, que,
de forma contrária ao padrão disco, exibe ataques de caixa/bumbo desdobrados, que fazem dançar, mas
numa condução ligeiramente desacelerada. Isso resvala nas conformações semânticas, levando-nos a uma
espécie de recurso não-pragmático que garante a presença residual do traço disjuntivo em meio ao

A reexposição da canção nos leva a confirmar a percepção da unidade sonora, do momento musical da
exposição, que está em jogo uma repetição provocadora de uma (re)escuta das mesmas ocorncias e
de suas características. Excetua-se, claro, o instante que recai sobre a introdução da canção. Tirante isso, o
             Rhodes,
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
destoando de sua atuação por uma intensidade ligeiramente acima daquela exposta no primeiro A. Numa
visada integradora que avalia voz e arranjo, podemos dizer que o trecho se diferencia não por conta de
algo próprio do campo instrumental, mas pela ação interpretativa do cantor que, como vimos, imprime
valores que resvalam semanticamente em aspectos disfóricos, estes mais pronunciados na reexposição.
          
existe 
intensa, a clave soa mais nítida e assertiva, incrementando o ritmo, destacando a perspectiva eufórica, que
será mimetizada pelo gesto rítmico vocal de Gil, quando altera a prosódia para espelhar a célula
percussiva: /Já me aborreci, me zanguei/ Já não posso falar/.
               
flauta e todo o resto observado na exposição estão ali. É evidente que, por ser entregue numa dinâmica
distinta, sua inauguração não gera o mesmo impacto semântico. Temos a impressão de que durante toda a
reexposição o ambiente eufórico esinstrumentalmente posto. Vale dizer, contudo, que, se no primeiro
refrão os valores eufóricos do arranjo amortizam supostos aspectos passionais instalados na voz do
enunciador, agora, como numa tentativa de se fazer ouvir acima da intensidade instrumental, a voz grita,
berra, tende numa geração de mais mais, apontando para um recrudescimento tensivo, desfia-se em
falsetes tentando acionar em seu favor os dúbios valores semânticos que se quer exibir frente à categórica
somatização proposta pela execução dos instrumentos musicais. É como se o intérprete assim o fizesse
para que se mantivessem todas as perspectivas (passional, tematizada e figurativa) ativadas, que o
arranjo assume o acento tematizador de maneira evidente.
Assim, conclui-se que o arranjo se presta à desconstrução da parcela de passionalização investida no
projeto do cancionista e, também, no gesto interpretativo do enunciador encarnado em Gil, ao passo,

3.3. Silva
3.3.1. Comportamento Vocal
8
Figura 3 - Spotify Code da versão analisada.
8
Acesse o Qr Code do Spotify conforme instrução indicada na primeira canção analisada (nota de roda pé
5) ou acesse https://spoti.fi/46LNbQq
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
Andamento: 115 BPM
Tonalidade: E
Tessitura: 11 semitons
Instrumentação: Teclados, samples, bateria eletrônica.

Ano: 2015
Silva escolhe uma região confortável para uma interpretação capaz de, inclusive, exatamente pelo pouco
esforço perceptível à escuta, pela forma despojada de emissão, indicada por um relaxamento dominante,
revelar um gesto de displicência, que acaba por penetrar e marcar a relação entre conteúdo e forma. Tal
conduta vocal, como veremos adiante, pode ao mesmo tempo indicar um reforço da passionalidade
inscrita na canção e apontar para uma superficialidade na relação com os valores fóricos.
A interpretação de Silva oscila continuamente entre a predominância de M1 e variações na emissão que
fazem soar uma voz em M0 ou basal. Isso pode ser percebido já na finalização dos primeiros componentes
narrativos dos quatro primeiros compassos: /Marina, morena /Marina, você se pintou/. Em quase todos os
fins de frase o intérprete deixa soar uma espécie de fry, seguido de respirações incontidas recorrentes
quando das retomadas de frases musicais. Não se trata de respirações discretas que possam passar
despercebidas, soar de forma sutil ao longo de um gesto interpretativo. Pelo contrário, são respirações que

dimensão disfórica que a canção carrega em sua trama, mas também podendo ser indicativo apenas de um
gesto superficial e sensualizado, algo que aponta para a simulação disjuntiva da qual nos conta Tatit em
sua análise de Marina. No trecho destacado acima, o arfar antecede a primeira nota, logo antes do
vocativo: /Marina, morena /
9
. Na parte que a sucede, o mesmo procedimento se repete: / Marina,
você faça tudo/. Se compreendido como elemento disjuntivo, podemos inferir que a suposta displicência
lugar a sinais que, de forma intensa, corroboram sentimentos de exaustão ou esgotamento: mais
passionalização. Caso contrário, podemos pensar que tais incidências refletem, de fato, a indiferença, ou a
pouca convicção de uma disjunção nada verossimilhante. Assim sendo, faz destacar do projeto original as
porções de oralização e tematização, sem retirar de cena o elemento passional. Estamos diante de uma
reorganização das intensidades fóricas. Experimentamos na Marina de Silva uma compatibilização
caracterizada por uma oralização que se tematizada e atravessada por caracteres passionalizadores.
Não pretensão de anular a paradoxal relação dos regimes de compatibilização contidos no projeto
narrativo original, mas, sim, de reposicioná-los. Ouve-se, principalmente, a fala por trás da voz que canta, o
que não anula uma residual faceta passionalizante. Nessa toada, a escolha da região da tessitura em que
discorre o canto nos leva à ideia de displicência ou indolência, mas não nos impede de identificar ali, em
menor grau, um enunciador desenergizado em virtude da disjunção afetiva ensaiada. O esgarçamento que
frequentemente é exibido na voz do intérprete nos autoriza ambas as deduções.
Traço marcante na versão, se comparada ao projeto narrativo do cancionista Caymmi, é o andamento
aplicado na interpretação de Silva. Enquanto a versão original de Dick Farney, no momento em que a
condução rítmica é instalada, apresenta-nos uma canção num adagio a 64 bpm, Silva interpreta Marina
num allegro em 115 bpm. O andamento mais acelerado nos leva a uma potência tematizadora, frente à
predominância passionalizante contida na canção original. A tematização vê-se reiterada pela gestualidade
9
O símbolo indica graficamente o momento que antecede imediatamente o vocativo Marina.
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
vocal de Silva, que, ao articular determinadas notas, emprega uma percussividade na voz, priorizando o
ataque consonantal, instalando, de forma local, um traço dançante que faz pulsar um ímpeto somatizador,
eufórico: / o pinta esse ros-to que eu gos-to/. Por outro lado, quando a seguir o cantor utiliza-se de
quiálteras, levando-nos a entendê-las, num primeiro momento, como um traço portador de valores
semânticos positivos, o prolongamento sonoro das palavras, executadas por vezes ligadas, sem entoar
qualquer tipo de interrupção, parece amenizar o suposto tema, ora articulado sob saltos constantes de
quartas justas. Isso matiza a descontinuidade vertical, mas, de outra forma, reforça a desaceleração de
base pelo incremento da duração das notas: /Marina, vo é bonita / Com o que Deus te deu/. O
procedimento se repete ao longo de boa parte da interpretação. É algo tão renitente quanto a indolência
interpretativa sinalizada pela incidência dos frys e pelas respirações. Todavia, as ligaduras se mesclam com
notas que demarcam silabicamente o texto, deixando rastros de reiteração rítmica, amortecendo ainda
mais as características passionalizantes que, por sua vez, permanecem incidindo ao longo da narrativa nas
investidas, nada enérgicas, para se alcançar as notas mais distantes. São intervalos de sexta maior, quinta e
quarta justas em fins e meios de percursos frasais que tendem a ver sua força disfórica bruscamente
amortecida, amortecimento que não chega a anular a força disruptiva, mas que a deixa em modo de
subocorrência disjuntiva. E isso é identificado pelas insistentes idas a M0 e, também, pelos arfares
propositalmente soados e amplificados. O gesto blasé de Silva, indicando um descompromisso com o
aspecto disfórico, é o traço mais marcante de sua atitude vocal, que exprime um estado de ânimo que
ratifica o entendimento de que estamos diante de um arrefecimento tensivo (menos menos). Tal
característica, também faz coro com aquilo identificado por Tatit. Se não crise ou conflito diante da
separação é porque não disjunção afetiva, mas apenas um arremedo, um simulacro. Assim, o
enunciador não emprega força de convencimento ou algo que o valha, sabedor que é de que vive uma
disjunção na conjunção, que de fato a ruptura não durará mais do que o tempo de um  
podemos mesmo pensar que o gesto passional, além de discreto, pode ser algo dissimulado num disfarce,
por assim dizer, diáfano. Tudo isso nos leva à identificação de uma escolha pela qualidade emotiva
tematizada figurativizada, algo que acontece quando valores da oralização são adicionados aos aspectos
temáticos. Contudo, neste caso, o comportamento vocal de Silva nos leva a admitir uma tematização
figurativizada residualmente passional.
Voltemos às características apresentadas pela gestualidade vocal de Silva. O intérprete exibe uma
quantidade expressiva de ar, acionando uma fonação por vezes soprosa e, ainda, ressonantalmente,
recorre à ativação do que se usa chamar de voz mista , que ajuda na impressão de desinteresse fórico.
Sua emissão, de uma forma geral, apresenta algum anasalamento característico. Ao perfil anasalado da
emissão soma-se uma ressonância frontalizada, traços esses que operam como indicadores de
figurativização do projeto. A expressão que antecede o refrão, /tô de mal com você/, parece ser mesmo a
chave que revela esse jogo furtivo dos valores juntivos e emplaca a tal dimensão infantilizada que Tatit diz
ser fonte de amortecimento fórico. Um aspecto acriançado, imaturo, parece percorrer a narrativa e
atenuar a ruptura, tornando-a cada vez mais improvável. Ao optar por suprimir o A na repetição, trecho
onde se elenca os atributos positivos de /Marina/, onde se evidencia a admiração e afeto, por exclusão,
destaca-se exatamente o motivo da quase-zanga, do aborrecimento, destacando a face disjuntiva do
projeto. Porém, isso em nada desconstrói o aspecto pouco convincente que procura sinalizar a ruptura.
Isso está indicado na expressão que anuncia o estribilho: /mas eu tô de mal/. Enquanto a canção original
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
assevera o valor negativo por um salto intervalar que repousa na tônica, aqui o intervalo que finaliza o
trecho é ascendente. Ou seja: não a atesta e mantém a ruptura em xeque.
Diagrama 2 Diagrama das alturas idealizado por Tatit com trecho da versão de Silva
Parece ser a exacerbação de uma turra juvenil que deseja, de fato, a reconciliação, mas que ocorreria
por meio de alguma adulação, lisonja ou mimo. Ainda assim, estende-se o estado de coisas ao não dar
atenção, cantarolando com ouvidos moucos um cantar qualquer, dessemantizado (/la la la/), cujo único
objetivo é tentar simular ou impedir que a fala do outro ganhe corpo e sentido na interlocução.
Por fim, podemos dizer que existe certo equilíbrio entre as marcas interpretativas que se revelam no
titubeante expressar dos valores fóricos. Ora contribuindo euforicamente, ora disforicamente para o
percurso gerativo. Contudo, a superficialidade dos valores fóricos - mais precisamente, o pouco
envolvimento disfórico - é o que sobressai, e sua predominância conduz o gesto interpretativo de Silva.
3.3.3. O arranjo
A versão de Silva, apesar de recorrer a sonoridades artificiais, decorrentes do processo de digitalização e
manipulação dos sons e seus parâmetros, não agrega com tais recursos outros gêneros do discurso
musical. Porém, deixa evidente o aspecto de uma unidade sonora montada. Trata-se, pois, de um gênero
complexo, onde a sonoridade é um fim, embora o centro propositivo seja o enlace texto/melodia. O
acompanhamento, nesse caso, ainda que dialogue com o núcleo cancional, está construído por
acontecimentos de naturezas distintas, que se aproximam e se distanciam da canção, propriamente dita,
responsável por animar o percurso narrativo. O acompanhamento investido de sons eletrônicos ganha
interesse por sua improbabilidade, por sua feição nada costumeira, implicando em alguma autonomia de
ordem estética.
Antes de iniciar a análise do arranjo, de eventuais momentos e unidades sonoras, vale dizer de um traço
que percorretoda a canção. Trata-se da utilização econômica de sons e ruídos, parecendo corroborar o
aspecto citado na análise acima quando nos referimos a certa superficialidade no trato dos valores fóricos.
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
 longas
e contínuas, desenha um fundo para que dois outros sons, num movimento de pergunta e resposta,
possam representar o suposto diálogo entre os interlocutores da canção, diálogo que não se apresenta na
forma textual, uma vez que podemos escutar o discurso do sujeito que adverte /Marina/. A sonoridade
que se instala parece mesmo ratificar a impressão de que somos testemunhas de uma interlocução
presencial entre dois personagens, revelando o aqui-e-agora da narrativa.
Embora a textura rarefeita deste primeiro momento leve-nos ao destaque do elemento verbal, a
admoestação parece ser amortizada exatamente pela incidência de tais sons, que nos entregam algo de
um discurso jogralizado. Parece que os recursos sonoros sinalizam um universo infantilizado e arrefece,
por meio de valores eufóricos, a teia passionalizada do projeto narrativo original.

do plano instrumental por meio de claps, sons sintetizados de palmas. O estabelecimento deste novo
momento insere um valor eufórico que se soma ao gesto vocal. Instala-se um apelo dançante, tematizador,
que mais uma vez amortece o ímpeto repreendedor do texto. Tais valores positivos revelam aquilo que
valoriza a condição juntiva. Tensivamente, amplia-se a força dos predicados que garantem mais união
amorosa. Aquilo que se gosta, a beleza que se admira, o amor que é único e ocupa o lugar do que é
próprio: /só meu/.
  -se um momento musical que reuni os elementos para a configuração da unidade
sonora que predomina ao longo do arranjo. Uma bateria eletrônica com acentos endurecidos e
desumanizados gera uma certa perturbação capaz de desdizer o texto no momento exato em que se fala
de zanga e de aborrecimento. A bateria, tendo em vista seus ataques soarem imprecisos, sugere uma
tematização errática que não contesta o projeto rítmico, mas que pode desconstruir a incursão passional
sugerida pelos contornos textuais. Some-se a isso, a incidência de dois outros elementos sintetizados, um
agudo e outro grave, que se fazem soar de forma intercalada sobre o fundo rítmico, e efetivam aquilo que
               
eufórico -se robustecido com o retorno dos claps, evento este que demarca a unidade sonora acionando
impulsos dançantes. Percebemos que valores eufóricos são extraídos da força do arranjo ao requerer
corpo e movimento, promovendo espécie de questionamento da porção que aciona aspectos
passionalizantes. E tal inquirição, somada aos elementos que nos oferecem uma perspectiva infantilizada,
leva-nos à dúvida da intensidade desse mal-estar afetivo, uma vez que recobre exatamente o trecho onde
a /desculpa/ pedida pelo sujeito é verbalizada na narrativa. O arranjo e a interpretação, aqui, reforçam a
impressão de que tal /desculpa/, ainda que verbalizada, esamparada num misto de gestos musicais que
promovem um sentido de vacilação, o que pode levar à dúvida, numa perspectiva de atribuição de sentido,
sobre o verdadeiro motivo/culpado pela disjunção amorosa que se escuta.
Ficamos inclinados a admitir que, a essa altura, com a soma dos elementos descritos, o motivo da
ruptura se sonoramente questionado, deixando entrever, pelas artimanhas cancionais, muito embora o
enunciador objetivamente o admita, falta de razão e pouca verossimilhança. Tudo isso, amparado em
um momento musical que parece zombar da situação, seja através dos elementos rítmicos destacados,
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
seja por meio dos timbres artificias ou por execuções que fazem soar certa imprecisão (talvez, infantil).
Tudo isso parece insinuar dissimulação, talvez um jogo de sedução, mais do que uma separação à vera. As
         svaziamento, uma rarefação sonora do
arranjo, capaz de reinvestir o percurso de valores disfóricos, embora a condução do teclado, incidindo em
cada tempo do compasso, evite que a porção somática da canção se esvaia por completo. Esta ocorrência
se dá exatamente quando o interlocutor tenta afirmar a ruptura, dizendo estar /de mal/ com /Marina/. Em
-se a sonoridade predominante, preparando-nos para o refrão, que, se antesnos remetia
a uma troça imatura, agora, ao ser conduzida por um arranjo dançante, parece ratificar seu caráter, para
dizer o mínimo, vacilante. De fato, a celebração insinuada pelo arranjo parece em descompasso com a
ratificação do estado disjuntivo presente na letra da canção. É como se os elos de compatibilidade, em um
e outro, procurassem caminhos próprios, e às vezes distintos, no que diz respeito ao aspecto juntivo.
Em 1           
reexposição que reitera a condição de separação: /me aborreci, me zanguei/. Se o quase-silêncio doa força
semântica ao enunciado que repisa a zanga e a incapacidade do enunciador em perdoar, o único som
sintetizado, por ser algo que pode remeter à singeleza e leveza do universo infantil, funciona como um
antídoto apaziguador da disforia que se supunha energizada. O estado fórico hesitante, tal como a
sonoridade dominant-
         samples e teclados reformula a unidade sonora,
apresentando mais valores positivos, mais impulsos somáticos, o que i até o fim da canção
desconstruindo qualquer disforia que pudesse estar contida na repetição da expressão infantil: /tô de
mal/la la la la la/. Um dos samples presentes nesse instante, de fato, remete a sons de brinquedos,
operando certo descompromisso com os valores tensivos em jogo, revelando semanticamente displicência,
cujo desvelo se na nota final da canção, que instrumentalmente se encerra num tempo fraco, sem
arremate qualquer da porção eletrônica instrumental. O arranjo, nesse caso, apresenta um
descompromisso com as validações fóricas, replicando a displicência e superficialidade da interpretação.
4. Breves notas conclusivas
Após a estruturação de um recorte, da elucidação de noções, de acionamentos de ferramentas de pensar,
passamos por análises que procuraram, a um passo, exercitar a observação sobre a construção de
sentidos produzidos pelos gestos vocais, mas também reconhecer procedimentos de ordem física, técnica,
interpretativa capazes de nos ajudar no entendimento das gestualidades que soam a canção popular.
Primeiramente, fizemos a escolha das vozes e das versões que seriam escutadas e decupadas
analiticamente. No caso, optamos por uma perspectiva comparada. Em seguida, orientados principalmente
pela Semiótica da Canção, analisamos a interação, a compatibilização entre melodia e letra, seus elos,
enfim, a própria estratégia composicional do cancionista em questão (Caymmi). Em seguida, partimos para
as escutas e análises de cada uma das vozes interpretantes (Gil e Silva). Nesse momento, o trabalho foi
agenciado pelas noções da Semiótica da Canção de Luiz Tatit; pelos recursos semióticos voltados
particularmente para análises dos comportamentos vocais, tal como nos ensina Regina Machado; por
elementos da semiótica tensiva; por uma composição de operadores analíticos capazes de perceber a
interação das vozes com o arranjo proposto, trama inspirada nos trabalhos de Molina, Guigue e
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
Stockhausen sob a organização sugerida por Ricardo Lima (Frei). Tal associação metodológica nos ofereceu
acesso para compreensão de resultantes vocais - no que diz respeito aos aspectos da emissão, da fonação,
das escolhas musicais, das opções estéticas, dos recursos estilísticos, das designações semióticas - algo
capaz de nos revelar um quadro associativo de estratégias cancionais.
Operando, assim, por níveis de análise da voz cantada, compreendendo-as como uma articulação ao
mesmo tempo histórica, cultural, psicológica, fisiológica, estética, ética e musical, que vale de recursos
técnicos e semânticos para a sua realização, entrega-se aqui uma possibilidade analítica que julgamos
potente quando da tarefa de pensar e praticar o canto popular.
5. Referências
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
 Unicamp, São Paulo.
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Por uma trama metodológica para análises de condutas vocais no canto popular
 Semitica TensivaTrad. Luiz Tatit, Iv Carlos Lopes e Waldir
Beividas. So Paulo: Ateli.