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eISSN 2317-6377
A preparação para performance musical de quarteto de violões
sob o ponto de vista de violonistas profissionais
The Preparation for Musical Performance by Guitar Quartet
from the point of view by Professional Guitarists
Rafael Salgado
UFMS\UDESC, Música, Campo Grande/Mato Grosso do Sul, Florianópolis/Santa Catarina, Brasil
rafaelsalgado@hotmail.coml
Maria Bernardete Castelan Póvoas
UDESC, Música, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
SCIENTIFIC ARTICLE
Section Editor: Fernando Chaib
Layout Editor: Edinaldo Medina
License: "CC by 4.0"
Submitted date: 11 aug 2022
Final approval date: 23 oct 2023
Publication date: 11 dec 2023
DOI: 10.35699/2317-6377.2023.45993
RESUMO: Neste artigo foram levantadas e discutidas estratégias para a preparação e realização da performance de música de
câmara para quarteto de violões, levando em consideração o ponto de vista de violonistas profissionais brasileiros. O estudo foi
desenvolvido com base em autores que investigam o tema do planejamento da execução musical e que discutem técnicas e
procedimentos de preparação para a performance, em especial para a música de câmara. Por meio de questionário aplicado a
violonistas que atuam e atuaram em quartetos brasileiros, buscou-se levantar estratégias de ensaio aplicadas à prática destes
grupos, por meio de perguntas acerca do planejamento e realização de seus ensaios, técnicas e estratégias de estudo individual e
coletiva, disponibilidade de tempo, relações e integrações interpessoais e interpretação musical. A análise do material compilado
mostrou os procedimentos mais utilizados em suas práticas e sugeriu direcionamentos para sua otimização, contemplando
especificidades da formação camerística quarteto de violões.
PALAVRAS-CHAVE: Quarteto de violões, Planejamento da prática, Estratégias de ensaio, Música de câmara, Otimização da prática.
ABSTRACT: In this article, strategies for chamber music performance by guitar quartets were raised and discussed, considering
the point of view Brazilian Professional Guitarists. The study was developed based on authors who deal with musical performance
planning and discuss performance preparation techniques and procedures, especially for chamber music. Through a questionnaire
applied to guitarists who work and have worked in Brazilian Quartets, we sought to raise rehearsal strategies applied to practice
by these groups, through questions about the planning and performance of their rehearsals, techniques and strategies for
individual and collective study, availability of time, interpersonal relationships and integrations and musical interpretation, and
their interactions. The analysis of the compiled material showed the most used procedures in their practices, and presented
guidelines for their optimization, contemplating specificities of the chamber music of the guitar quartet.
KEYWORDS: Guitar quartets, Practice planning, Rehearsal strategies, Chamber music, Practice optimization.
Per Musi | Belo Horizonte | v. 24| General Topics | e232425 | 2023
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
1. Introdução
A formação de quarteto de violões é relativamente recente se comparada com outras formações
camerísticas já estabelecidas, como os quartetos de cordas e quintetos de sopros. A formação em foco tem
seu reconhecimento a partir da década de 1960 com o grupo Los Romeros, que obtém alcance internacional
e influencia, decisivamente, o surgimento de novos quartetos de violões. A partir da década de 1970,
importantes compositores começam a colaborar com esse quarteto, criando um repertório original para o
grupo, como é o caso do compositor espanhol Federico Moreno Torroba (1891-1982) que escreveu as
primeiras obras: Estampas e Ráfagas, ambas de 1976. Desse período em diante o número de obras originais
aumenta consideravelmente. No Brasil, as primeiras obras para a formação foram compostas entre as
décadas de 1980 e 1990 e, posteriormente, gravadas. Em 1991 foi gravada a composição Cidade 87 de
Guilherme Campos da Silva (1966) pelo Quarteto de Violões de Curitiba
1
e, em 1995, a peça SUITERNAGLIA,
de Estércio Marquez Cunha (1941), pelo grupo Quaternaglia
2
.
A partir do breve panorama apresentado acerca dessa recente formação instrumental muito praticada em
ambientes de ensino e com uma vasta quantidade de grupos profissionais, não encontramos uma
preocupação com os aspectos da preparação para performance musical que leve em consideração aspectos
não apenas musicais. Neste artigo são apresentadas algumas perspectivas e estratégias de estudo
praticadas na preparação para a performance musical de quarteto de violões. Procura-se explanar como e
quais critérios de ensaio são realizados por profissionais brasileiros que atuam nessa formação camerística
na preparação, assim como levantar práticas referentes a esta formação em relação a outros grupos de
câmara.
Para dar continuidade à investigação, discutimos abordagens relacionadas ao planejamento da execução
musical e analisamos técnicas e procedimentos de preparação que contribuem para a performance em
música de câmara de grupos musicais em geral. Essas técnicas abordam questões relacionadas não apenas
à técnica instrumental, mas também a alguns aspectos comportamentais e interpessoais que interagem
durante a prática musical. Parte das abordagens utilizadas tem como suporte teórico a psicologia da música
e processos cognitivos de aprendizagem musical. O referencial sobre a preparação e realização da
performance de grupo de câmara se baseia em autores como Davidson e King (2004), Goodman (2002) e
Hallam (1995), entre outros estudiosos do tema.
Este artigo está dividido em duas partes, na primeira delineia-se uma revisão de literatura sobre a
preparação para a performance em música de câmara e, na segunda, são apresentados resultados de
pesquisa de caráter qualitativo obtidos através da análise do material levantado. Os dados foram obtidos
através de questionário
3
aplicado a violonistas que participaram ou participam de quartetos de violões
profissionais brasileiros. Para a formulação do questionário semiestruturado, foram organizadas 12
perguntas com a finalidade de levantar procedimentos que orientam quartetos de violões na
operacionalização de etapas de preparação para a performance musical. Para tanto, tomou-se como base
teórica autores que discutem aspectos técnicos, psicológicos e cognitivos no ambiente do fazer musical em
1
LP Quarteto de Violões de Curitiba (1991) - selo independente através da Fundação Cultural de Curitiba
2
CD Quaternaglia (1995) pelo selo JHO.
3
O questionário foi devidamente aprovado por comitê de ética em pesquisa (Plataforma Brasil); o número
do Parecer de aprovação da Plataforma Brasil: 563.580
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
conjunto. As respostas ao questionário dos 27 violonistas respondentes foram compiladas e categorizadas.
Posteriormente, foi realizado cruzamento entre os dados obtidos e os referenciais teóricos, seguindo-se uma
compilação e discussão dos resultados.
Como conclusão apontamos para algumas estratégias que funcionam como facilitadores na formação e
desenvolvimento de quartetos de violões.
2. Um Panorama teórico
2.1 Sobre estratégias de estudo e de ensaio
Nas situações de ensaio, estratégias de aprendizado de uma determinada obra pode ser concebida de
diversas maneiras. Uma delas é a prática da peça do começo ao fim, enquanto outra maneira é o foco e
trabalho isolado em passagens mais difíceis. Para Goodman, o equilíbrio do foco nos ensaios entre
segmentos longos e curtos de uma peça pode ajudar a manter a concentração e envolvimento dos
integrantes nos ensaios e tem se mostrado uma característica do aprendizado eficiente (Goodman 2000
apud Davidson e KinG 2004). Já Chaffin e Imreh (1997) sugerem inserir o que chamam de run-throughs, que
significa praticar a música de uma vez sem parar durante o processo dos ensaios. Os autores salientam que
essa estratégia de preparação é importante para colocar as ideias expressivas e/ou problemas técnicos no
contexto do todo. Essa forma, segundo os autores, pode ser um importante mecanismo de reforço da
memória, consolidação do tempo comum dos integrantes, de dinâmicas, e de outros elementos expressivos.
Hallam (1995), ao pesquisar sobre diferentes estratégias de estudo, não defende somente um tipo em
relação à outra, mas, sim, a existência de algumas diferenças entre elas. Para a autora duas formas de
estratégias de estudo: o estilo “holístico”, que é semelhante ao processo descrito por Chaffin e Imreh (1997)
para o que chamam de run-throughs, ou seja, praticar a música de uma vez sem parar, e o “serialista” que é
a fragmentação da música em pequenos trechos para um trabalho específico. Tanto no primeiro quanto no
segundo estilos, Hallam sugere que os grupos precisam achar qual melhor estratégia para uma
aprendizagem efetiva.
Davidson e King (2004) aconselham aos sicos que “quando o tempo de ensaio é curto, devem apenas
trabalhar passagens que precisem de atenção, então não [se] desperdice tempo em partes que está
suficientemente apreendido
4
(Davidson; King 2004, 110). Assim, os autores colaboram com a visão do
estudo “serialista” para a resolução de problemas.
Todas as estratégias mencionadas anteriormente são importantes ferramentas para a prática em conjunto.
A utilização de cada uma depende da situação por exemplo, se a música a ser aprendida é nova, uma boa
solução é a separação por trechos, para que assim todos possam ouvir as partes um dos outros com a
finalidade de se acostumarem com a sonoridade. Quando esta peça estiver um pouco mais amadurecida, a
prática do começo ao fim é necessária, pois pode propiciar ao grupo situações de palco.
4
Tradução livre de: “When time is short, only work on passages that need attention, so as not waste time
going over parts that are sufficiently grasped”. (Davidson; King 2004, 110)
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
2.2 Sobre planejamento da prática instrumental
Tratando-se de questões voltadas a técnicas de ensaio para a prática em conjunto, é essencial que haja um
planejamento prévio dos ensaios. Este planejamento pode reduzir e otimizar o tempo e energia dos músicos
nos ensaios, além de se obter melhores resultados em menor tempo. Para Davidson e King (2004), grupos
de câmara que não conseguem encontrar uma maneira coordenada de trabalhar têm, como consequência,
o término dos ensaios sem foco e improdutivos. Situações dessa natureza podem ser evitadas; revela-se,
portanto, que o estabelecimento de uma organização do trabalho é indispensável, possibilitando que o
processo dos ensaios transcorra de maneira a obter-se resultados mais objetivos e mais efetivos. Cabe dizer
que mesmo considerando a ocorrência de situações imprevistas, a organização permite que essas variáveis
não anulem as finalidades previamente planejadas.
Reid (2002) e Williamon e Valentine (2000) discorrem sobre a quantidade versus a qualidade da prática
musical, verificando que a organização e planejamento são fundamentais para que as metas sejam
alcançadas. Embora os autores tenham seu foco na prática individual, é possível transferir esse
conhecimento e estratégias adaptáveis a grupos de câmara, no sentido de oferecer meios para que
conjuntos tenham êxitos na construção de uma performance.
Mesmo com o planejamento da preparação idealizado, é importante que metas e objetivos concretos sejam
estabelecidos pelo grupo. Em se tratando de grupos de câmara as metas passam, necessariamente, pela
marcação de compromissos artísticos e performances públicas. Davidson e King (2004) apontam que esta é
a diferença crucial entre músicos amadores e profissionais, ou seja, “o compromisso concreto de uma
performance numa data específica auxilia no foco e na eficácia da preparação”
5
(Davidson e King, 2004, 109).
Esses mesmos argumentos são encontrados em trabalhos anteriores que falam sobre a importância de traçar
metas e objetivos, a citar, Blank e Davidson (2003), Goodman (2000) e Murninghan e Conlon (1991).
2.3 Fatores que interagem na prática da música em grupo
Como visto anteriormente, as estratégias e planejamento da prática são fundamentais para que um grupo
atinja um nível de excelência musical, no entanto, as relações pessoais entre performers no estabelecimento
de uma dinâmica de processos e hábitos na preparação e seus desdobramentos são questões essenciais a
serem tratadas. A seguir são abordados aspectos extramusicais que estão relacionados à comunicação entre
músicos, interações sociais e a liderança em grupo.
A comunicação entre membros de um mesmo grupo instrumental é um fator fundamental que permeia todo
o processo de construção de uma realização musical e é discutida no cômpito deste escrito no contexto de
grupos de câmera. Partindo-se da prática corrente, quando diz respeito a grupos orquestrais e sinfônicos,
existe a presença de um regente ou maestro. Este habitualmente é o líder e responsável pelas tomadas de
decisões. a realidade de grupos instrumentais que não possuem um regente é outra, pois cabe aos
próprios músicos tomarem as resoluções.
Essa comunicação entre integrantes pode ocorrer de diversas formas. Embora o uso da comunicação verbal
seja um recurso utilizado em ensaios e por vezes durante as apresentações musicais, estudos sugerem que
5
Tradução livre de: “The concrete goal of a performance on a specific date aided focus and effectiveness.”
(Davidson e King 2004, 109)
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
a comunicação não verbal (como contato visual e a comunicação aural) é de extrema relevância no processo
de preparação e realização musical (Williamon, 2004; Goodman, 2002; Davidson, 2004). Davidson e King
(2004) indicam que os integrantes de um grupo de câmara precisam ter habilidade de decifrar o que
acontece individualmente e no conjunto durante a execução musical para que haja fluência no discurso. A
utilização dos canais de comunicação visual e aural contribui para que essa fluência musical ocorra. A
integração entre membros de um grupo musical destaca-se como fator primordial neste contexto.
Goodman (2002) salienta que na prática musical em grupo a concentração individual é dividida entre o
monitoramento do som produzido por ele e a atenção do som produzido pelo restante do grupo. Como
resultado disso, ajustes finos são feitos consciente e inconscientemente para o equilíbrio sonoro. A autora
conclui que a “comunicação aural (ser capaz de ouvir um ao outro) é mais importante do que a comunicação
visual (ser capaz de ver um ao outro), pelo simples fato de que nós ouvimos sica nós não a vemos.”
6
(Goodman 2002, 156).
No ato da performance pública os músicos não podem trocar informações verbalmente, a não ser que a obra
executada indique. Dessa forma, é necessário que o grupo, durante os ensaios estabeleça e decida de que
maneira as informações por exemplo, coordenação, expressão, entradas e finalizações de frases sejam
previamente entendidas e treinadas por todos através dos gestos, olhares e todo tipo de comunicação não
verbal. Uma vez determinados os procedimentos e “dicas”, o grupo não corre o risco de que informações
essenciais em momentos pontuais não sejam trocadas e que detalhes interpretativos importantes sejam
preteridos e, na pior hipótese, de que comunicações verbais que não façam parte da performance ocorram
durante a apresentação pública.
Embora a comunicação verbal seja importante na prática musical em grupos, as autoras Davidson e King
(2004) sugerem que embora as instruções verbais sejam necessárias, devem ser evitadas em exagero
durante os ensaios, apenas utilizadas de forma sintéticas e pontuais. Os excessos de informações verbais
trocadas pelos integrantes nessas ocasiões podem ser prejudiciais tirando o foco da prática musical em
questão.
Outro tipo de meio de comunicação bastante comum e relevante durante a prática em conjunto é o contato
visual entre performers que, por meio de movimentos e gestos, pode auxiliar na coerência e coordenação
do grupo. Williamon e Davidson (2002), através de estudo realizado com um duo de piano, apresentam que
o contato visual durante os ensaios e na performance ajuda na coordenação de tempo e na comunicação de
ideias musicais em locais específicos da música. Através de gestos específicos realizados pelos músicos,
observaram que a intenção expressiva musical pôde ser realizada. Nesse sentido, os autores indicam que o
contato visual é fundamental para o sincronismo em música de câmara, tanto na coordenação de tempo
como na transmissão das intenções musicais. Blank e Davidson (2007), que entrevistaram 27 pianistas
representando 17 duos distintos, revelam-nos que todos os sicos que participaram do estudo
consideraram a comunicação não verbal a mais importante em ensaios e performances, sendo o movimento
corporal, os gestos faciais e o contato visual os tipos de comunicação e interação mais mencionados pelos
entrevistados. Kokotsaki (2007) também corrobora com essa questão, indicando em seu trabalho a
6
Tradução livre de: “Aural communication (being able to hear each other) is more important than visual
communication (Being able to see each other). The simplest way to relate to this point is that we hear music
we don’t see it.” (Goodman 2002, 156)
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
importância desse tipo de comunicação e o resultado positivo para a execução musical. Goodman (2002)
também atribui à comunicação visual um papel relevante na prática de música de câmara. Sobretudo a
coordenação e sonoridade podem ser previamente planejadas através de sinais visuais, pelos quais se pode
determinar quem do grupo “lidera” o início da peça, as entradas, as terminações, as pausas etc. Dessa forma,
são estabelecidos canais de comunicação entre os músicos, gerando cooperação e unidade.
Goodman (2002) aborda a habilidade de antecipação e reação pelos performers e esclarece que, para isso
acontecer, “a antecipação e a reação da produção de cada tempo são virtualmente definidas pela natureza
da interação manifesta entre os performers
7
(Goodman 2002, 154). A partir desta afirmação, nota-se a
importância da comunicação aural (auditiva) entre os integrantes no sentido de se estabelecer coordenação
de tempo para a preparação e execução da peça. Nesse sentido, podemos dizer que, em grupos de câmara,
os integrantes podem antecipar as ações uns dos outros através de uma consciência aural e visual com o
intuito de se formar um canal de comunicação para uma prática musical coordenada e com unidade na
interpretação musical.
2.4 Interação social em grupo de câmara
A prática de música de câmara envolve a interação social e musical entre performers (Goodman, 2002).
Davidson e King (2004) corroboram esta ideia inicial, exprimindo ser vital que cada componente não apenas
explore sua capacidade individual, mas que pense além, buscando a coesão musical e interpessoal do todo.
Essa coesão musical e social são fatores essenciais para o funcionamento da realização musical em grupo,
uma vez que cada membro precisa ter a sensação de “pertencimento” a ele (Davidson e King 2004), ou seja,
a conexão e associação entre os indivíduos e o grupo como um todo.
Young e Colman (1979) realizaram uma investigação com diversos quartetos de cordas e descobriram que o
respeito mútuo entre os performers é uma questão fundamental para a longevidade do grupo. É possível
ocorrer momentos de conflitos e discordâncias entre integrantes de grupos camerísticos, porém, a melhor
maneira de resolver tais situações é por meio do entendimento e da conversa, em vez de uma ordem
ditatorial. Davidson e King (2004) afirmam que toda voz seja ouvida ou, pelo menos, que cada membro sinta
que está contribuindo com o grupo expondo suas ideias musicais. Nesse sentido, é importante que todos
estejam musical e mentalmente engajados durante os ensaios e, dessa forma, evitando qualquer senso de
exclusão entre os componentes do grupo. Dessa maneira, o objetivo principal que é o de se fazer música
deve ser alcançado na medida em que todos os membros do grupo se sintam incluídos ou ouvidos por
ocasião das tomadas de decisão.
Goodman (2002), ao abordar sobre o indivíduo dentro de um grupo de câmara, compara o papel
desenvolvido por um ator àquele desenvolvido por um músico:
O performer em música de câmara tem um papel similar do que o ator no drama. O ator
desenvolve um sentido próprio do caráter, mas quando o caráter entra em contato com
outros, isso muda, não apenas através no ritmo e na deixa de um para o outro. Atores
moldam e ajustam seus caráteres entre si realizando suas partes e dos outros, o mesmo
acontece com músicos em música de câmara. Contudo, atores nunca perdem de vista os
7
Tradução livre de: “The antecipation of each beat and the reaction to the production of each beat are
virtually defined by the nature of interaction manifest between the performers. (Goodman 2002, 154)
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
seus próprios caráteres, então o drama é em princípio definido por cada ator bem como a
combinação dos atores. O mesmo é verdade em música de câmara, cada músico imprimi
sua identidade no conjunto, mas também tenta misturar com o grupo
8
. (Goodman 2002,
159).
A citação anterior mostra a importância de que seja promovido um ambiente de convívio democrático em
que todos possam opinar e discutir sobre as decisões musicais e extramusicais. Na medida em que o
respeito à individualidade e, ao mesmo tempo, o engajamento do indivíduo ao grupo, mantém-se uma
convivência saudável e propícia para o êxito da atividade musical.
2.5 Liderança em música de câmara
Quando se aborda a música de câmara, estamos discutindo a priori as relações existentes entre pessoas de
um mesmo grupo. Esse grupo precisa encontrar fatores em comum para que o resultado sonoro final seja
alcançado. Pesquisas indicam que, para uma atuação eficiente de um grupo de câmara a liderança é
fundamental, para que sejam resolvidas questões relativas ao entrosamento social e, sobretudo, questões
musicais. A pesquisadora Elaine Goodman afirma que “A questão mais importante a considerar é a liderança,
para cada grupo precisa de pelo menos um líder”
9
(Goodman 2002, 163). A pesquisadora ainda complementa
apontando que a pessoa dominante do grupo pode liderar dirigindo o curso dos ensaios e ditando os
aspectos interpretativos da performance (ibidem 2002).
Contudo, apesar de a liderança ser um importante fator para o bom funcionamento do grupo, a maneira
como esse líder atua nessa função pode ser determinante para o sucesso ou fracasso. Murnighan e Conlon
(1991) realizaram pesquisa com 20 quartetos de cordas britânicos por meio de entrevistas semiestruturadas
e observações. Nessa pesquisa, encontraram que a liderança se mostra um fator eficaz no quarteto de
cordas, e que os grupos mais bem-sucedidos foram aqueles que tinham o primeiro violinista como líder, e
este tinha uma abordagem direta e democrática quanto às decisões a serem tomadas. Já os quartetos com
menos sucesso tinham como líderes pessoas com atitudes ditatoriais (ibidem 1991). Ford e Davidson (2003)
em pesquisa que compara os processos de ensaio de quinteto de sopros e quarteto de cordas,
complementam a ideia de democracia dentro de um grupo de câmara, demonstrando que a boa dinâmica
interpessoal é necessária para que ele efetivamente funcione.
Corroborando com as ideias anteriores, temos King (2006) que, também por meio de entrevistas e
observação, realizou estudo sobre os papéis de estudantes de música em ensaios de quartetos. Esse estudo
contou com quartetos de sopros, de saxofones e de cordas que ensaiaram num período de quatro semanas.
Os dados mostraram a existência de funções comuns dentro dos grupos que foram: líder, vice-líder,
8
Tradução livre de: “The performer in a music ensemble plays a role similar to that as the actor in a drama.
Na actor develops a sense of character on his or her own, but when the character comes into contact with
others in the play, it changes, not least through the pacing and delivery of lines. Just as actors mold and adjust
their characters too another by playing up to and playing off each other’s parts, so do musicians in ensemble
performance. However, actors never lose sight of their own character, so the drama is at once defined by
each actor as well as the combination of actors. The same is true in ensemble music, for each musician stamps
the ensemble with his or her own identity, but also tries to blend in with the group.” (Goodman 2002, 159).
9
Tradução livre de: “The most important issue to consider is leadership, for every group needs at least one
leader.” (Goodman 2002, 163).
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
colaborador, inquiridor, inquieto, distraído e o quieto. Durante o estudo, a pesquisadora percebeu que
algumas vezes os estudantes tinham mais de dois papéis ou até mesmo trocavam de papéis durante os
ensaios. A análise do resultado chegou a conclusão de que os quartetos que possuíam um líder regular
exibiram comportamento da equipe mais estáveis, consistente e focado na dinâmica de grupo, e uma melhor
evolução em comparação daqueles sem um líder regular (King 2006).
Ao discorrer sobre questões de liderança em música de câmara e, sobretudo, trazendo a experiência e a
vivência musical em quarteto de violões, podemos dizer que essa liderança é fundamental, porém, a
alternância do posto de líder e das demais funções numeradas acima é pertinente e saudável para o grupo,
sem que haja pressão sobre aqueles que estão sendo liderados, nem sobre aquele que os lidera. O
importante é que o indivíduo se sinta à vontade com o papel desempenhado e que o respeito mútuo
aconteça. Cabe ressaltar que nem todos têm predisposição ou se dispõem para tal liderança.
3. Entrevistas com violonistas brasileiros
Para realização desta pesquisa foram consultados, por meio de questionário, 27 violonistas de relevante
destaque no cenário musical brasileiro e com ampla experiência na prática em quarteto de violões
profissionais brasileiros.
Como base teórica para a elaboração do questionário tomamos como referência pesquisas relacionadas à
preparação para a performance musical que tratam de estratégias de estudo individual: (Hallam 1995;
Jørgensen 2004; Chafin et al 2002; Williamon & Valentine 2000; Reid, 2002; Klickstein 2009) e em grupos de
câmara (Goodman 2002; Davidson e King 2004; Kokotsaki 2007, entre outros). A coleta de informações teve
caráter qualitativo e com ela pretendeu-se obter indicativos sobre como e quais procedimentos o
utilizados por quartetos de violões brasileiros profissionais, e como as utilizam na preparação para a
performance. A técnica de questionário semiestruturada foi adotada utilizando perguntas pré-estabelecidas
aplicada aos violonistas participantes dessa pesquisa, de maneira a proporcionar uma maior objetividade à
temática, mas com alguma liberdade nas respostas. O questionário foi composto por 12 perguntas de caráter
qualitativo, organizadas com a finalidade de coletar, com base na compilação dos dados, informações mais
precisas, especificamente sobre o processo de preparação e seus componentes, na prática de programas
para a apresentação pública de quarteto de violões.
3.1 Critérios de elaboração de questionário
Na busca dos objetivos desta pesquisa e com base no referencial teórico apresentado na primeira parte, foi
organizado o seguinte questionário:
1. Em situações normais quantos dias durante a semana são realizados os ensaios?
( )1 dia ( )2 dias ( )3 dias ( )mais de 3 dias quantos?_____
2. Quantas horas são utilizadas por ensaio?
( )1 horas ( )2 horas ( )3 horas ( )4 horas ( )mais de 4 horas Quantas?_____
3. Você costuma fazer intervalos durante os ensaios?
( )Sim se sim, responda 3a e 3b ou ( )Não se não, siga para questão 5
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
3a - Normalmente seus intervalos acontecem
( )Nos primeiros 30 minutos ( )Entre 30 e 60 minutos
( )Entre 60 e 90 minutos ( )Depois de 90 minutos
3b - Há alguma regularidade na duração ou frequência desses intervalos?
( )Sim qual? ____________________ ou ( )Não
4. O que você costuma fazer nos intervalos dos ensaios?
( )Tomar café ( )Fumar ( )Conversar ( )Estudar uma passagem difícil
( )Ler ( )Comer ( )Tomar água ( )Ingerir bebida alcoólica
( )Ficar sozinho ( )Fazer alongamentos ( )Outro: ________________________________
5. Você estuda sua parte individualmente fora do horário de ensaio?
( )Sim ( )Não
5a - Se não, ( ) leio minhas partes durante o ensaio à primeira vista
( ) outro. Como? ______________________________________________________
6. Existe alguma liderança dentro do grupo?
( ) Sempre e o mesmo indivíduo ( ) Sempre com alternância de indivíduos ( ) Algumas vezes
( ) Nunca
( ) Outro: _________________________________________________________
7. As decisões de escolha de repertório e execução musical são compartilhadas e democratizadas pelo
grupo?
( )Sim ( )Não
8. Como são solucionados os trechos mais difíceis de uma determinada peça?
( ) Tocando a peça do começo ao fim
( ) Isolando determinado trecho e tocando-a lentamente até resolvê-la
( ) Outro Como?_______________________________________________________________
9. É frequente o uso de metrônomo durante os ensaios?
( )Sim em qual situação?__________________________________________________________
( )Não
10. alguma (s) diferença (s) em fazer música de câmara com outro (s) violão e com outros
instrumentos/canto?
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
( )Sim qual ou quais?____________________________________________________________
( )Não
11. Existe um planejamento prévio dos ensaios estabelecido?
( )Sim qual ou quais etapas?______________________________________________________
( )Não
12. Existe alguma preparação diferenciada para repertórios de estilos diferentes?
( ) Sim Qual ou quais? __________________________________________________________
( )Não
3.2 Resultados e discussão
Com base nas análises dos dados coletados, foram levantadas algumas categorias e subcategorias,
representado no diagrama 1 abaixo, seguindo-se uma descrição dos resultados obtidos (Diagrama 1).
A partir dos resultados encontrados estabelecemos quatro categorias principais e, como desdobramentos,
algumas subcategorias. Vale ressaltar que algumas subcategorias fazem parte de duas ou mais categorias
principais, sugerindo uma unidade e interdependência entre os diversos fatores que contribuem para a
preparação e realização musical, e que cada fator interfere diretamente no outro.
Pode-se mensurar o resultado sobre a quantidade de dias de ensaios durante a semana: do total, 52%
ensaiam uma vez por semana, 37%, duas vezes, 7%, três vezes e apenas 4% ensaiam mais de três dias por
semana. Esse resultado sugere que os encontros dos grupos são bem distribuídos durante a semana, o que
corrobora com Reid (2002) e Williamon e Valentine (2000) quando afirmam que não a quantidade da
prática é importante, mas como é a qualidade dessa prática. Esse resultado também nos indica que cada
indivíduo, por terem suas atividades profissionais e pessoais, não possam ensaiar por mais dias, então as
atividades têm que ser reduzidas e otimizadas para atingir os objetivos estabelecidos.
Sobre a duração dos ensaios temos como respostas: nenhum violonista respondeu que ensaia durante uma
hora, 4%, duas horas, 52%, dos entrevistados ensaiam durante três horas, 37%, quatro horas e 7% faz mais
de quatro horas de ensaio. Esse resultado nos remete a conjecturar que a quantidade de horas da prática
em conjunto é concentrada nos dias estabelecidos pelo grupo. Esse fator é apontado por Reid (2002),
Jørgensen (2004), Ericsson e Krampe (1995) e Williamon e Valentine (2000), como fundamental para a
aquisição da excelência musical. Entretanto, essa quantidade depende exclusivamente de como ela é
distribuída e organizada durante os ensaios, além da dedicação de cada performer no estudo de suas partes,
para que assim possam ser trabalhadas questões musicais em conjunto.
Relativamente à questão do hábito de fazer intervalos durante os ensaios, os resultados mostram que a
maioria o faz (96%), e apenas 4% respondeu que não realiza. Foi identificado que, no momento em que o
intervalo ocorre, nenhum dos entrevistados mencionou realizá-los nos primeiros 30 minutos de ensaio. Do
total de entrevistados, 20% relataram realizar entre 30 e 60 minutos, 56% fazem intervalos entre 60 e 90
minutos e 24%, depois de 90 minutos de prática. Esses intervalos entre a prática se mostram fundamentais
para a saúde tanto física como mental para os músicos, evitando a fadiga muscular e desatenção. O
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
reestabelecimento do foco e da concentração nos ensaios é abordado por Klickstein (2009) e Jørgensen
(2004) como fatores que são conseguidos através dessas pausas, beneficiando o resultado musical. A
realização dos intervalos acontece, segundo um pouco mais da metade do total dos entrevistados, entre 60
e 90 minutos do ensaio, o que é percebida diferentemente de Klickstein (2009), que recomenda que a cada
50 minutos de estudo, se descanse 10. Contudo, a realização desses intervalos mostra-se como mecanismos
eficientes para a recuperação e ativação da concentração nas atividades musicais.
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
Diagrama 1 Categorias e subcategorias do resultado do questionário
Fonte: Autor
Sobre a existência de regularidade ou não na duração e frequência dos intervalos: um pouco mais da metade
(56%) respondeu que não há regularidade de duração e frequência desses intervalos e os demais (44%)
dizem que existe essa regularidade. Para Jørgensen (2004), a distribuição da prática é essencial para não
ocorrer fadiga dos músicos, porém essas pausas não podem ser tão longas por ocasionar esquecimento do
que foi praticado. A vivência na prática musical em conjunto nos mostra que pausas muito longas tiram o
foco dos violonistas, principalmente, no aprendizado inicial de novo repertório, o que exige uma
Disponibilidade de tempo
Integração interpessoais
Interpretação musical
Solução de trechos difíceis
Quantidade de dias de ensaios durante
a semana
Liderança do grupo
Preparação diferenciada para estilos de
repertório diferentes
Utilização de metrônomo
Estudo individual das partes
Planejamento prévio dos ensaios
Duração do (s) ensaio (s)
Escolha de repertório e decisões
de interpretação musical
Diferenças em fazer música de câmara
entre violões e outros
instrumentos/canto
Intervalos entre sessões de ensaio
Regularidade na e frequência da
duração dos intervalos
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
concentração maior no trabalho. No entanto, esses intervalos são necessários, como mencionado acima, na
medida certa, ou seja, que não se prolongue demasiadamente para não tirar o foco do objetivo.
As atividades que os músicos realizam por ocasião das pausas durante os ensaios os entrevistados afirmaram
que eles: conversam (85,1%), tomam água (77,7%), tomam café (62,9%), fazem alongamentos (37%), comem
alguma coisa nos intervalos (25,9%), realizam outras atividades (14,8%), estudam passagens difíceis de
determinada peça (11,1%), fumam (7,4%), leem e ficam sozinhos (3,7%); e ninguém (0%) respondeu que
ingere bebidas alcoólicas durante o intervalo. Aqueles que responderam “outras atividades” apontaram que:
ouvem música nos intervalos, definem rumos logísticos de produção do grupo e ficam em pé.
Essas atividades durante as pausas são diversas e são essenciais para definirem a eficácia desse descanso.
As mais citadas pelos entrevistados foram conversar, tomar água e tomar café. Os resultados sugerem que
as atividades que mais são realizadas pelos violonistas são as que Klicksein (2009) aponta como divertising
breaks, que são atividades onde os músicos saíam do ambiente onde acontece o ensaio e que sua mente
desligue do que estava fazendo. Esse tipo de pausas é eficaz quando as sessões de prática são muito extensas
e exaustivas, servindo como recompensa da tarefa finalizada. O autor chama a atenção para que essas
pausas não sejam muito longas, como apontado anteriormente, e para que, durante o descanso, o músico
não esforce os músculos com outras atividades, como instrumentistas que usam as mãos, por exemplo,
evitarem digitar em celulares ou outras atividades que possa fadigar ou estressar a musculatura utilizada. As
atividades descritas como active breaks, que são aquelas em que o músico continua engajado na música,
foram mencionadas em menor número pelos participantes, o que sugere que atividades que exijam esforço
mental são menos realizadas, haja vista que a duração dos ensaios é longa, e que a preferência dos
violonistas está na restauração e reestabelecimento da energia, concentração e foco da prática. O último
tipo descrito pelo autor restorative breaks são mencionados em certa parte dos entrevistados, como
fazer alongamentos. Esse tipo se refere tanto para descanso como para realizar movimentos. Ainda, segundo
o autor, são ideais para centrar a mente, revitalizar o corpo e para contrabalancear os efeitos das posições
assimétricas dos músicos.
Quanto à realização de estudo individual das partes fora dos horários de ensaio a maioria dos violonistas
(89%) responderam positivamente a respeito de estudar as partes individualmente; apenas 2 sujeitos (7%)
não estudam, e descreveram ler à primeira vista durante os ensaios do grupo. Apenas 1 sujeito (4%)
assinalou a alternativa outros, e como resposta descreveu: “Selecionar trechos difíceis de ler à primeira vista,
decidir e anotar as digitações e o restante é durante o ensaio à primeira vista”. Outro entrevistado,
descreveu que estuda somente as passagens difíceis individualmente. A maioria dos entrevistados
corroboram com Ginsborg (2009), que descreve que o grupo que teve maior sucesso foi aquele em que os
indivíduos estudaram por mais tempo suas partes individualmente. Podemos prognosticar que o estudo
individual economiza tempo nos ensaios dos quartetos, visto que a maioria deles ensaiam durante apenas
um dia na semana. Portanto, a resolução dos problemas técnicos individuais é tratada fora dos ensaios, para
que, assim, apenas questões musicais interpretativas sejam tratadas durante a prática em conjunto,
evitando que se desperdice tempo em problemas que podem ser resolvidos fora da prática em conjunto.
Dos violonistas entrevistados, 23% responderam que a liderança dentro do grupo sempre é feita pelo mesmo
indivíduo; 27% apontaram para o fato de que a liderança sempre acontece com alternância de indivíduos;
34% relataram acontecer alternância de líder algumas vezes; 8% responderam que nunca há liderança e 8%
assinalaram “outros”. Daqueles que responderam outros, obtivemos as seguintes respostas: “Não digo
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A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
liderança, mas havia cobrança daquele que, ocasionalmente, se mostrava mais entusiasmado com alguma
obra (geralmente era o próprio arranjador da obra...)” e outro violonista respondeu “De quem é a
transcrição, arranjo ou sugestão de repertório”. Nesse sentido, o resultado entra em contradição com a
pesquisadora Elaine Goodman (2002), que mostra a necessidade da liderança em grupos de câmara.
Entretanto, uma parte considerável das respostas apontou a existência de liderança com alternância de
indivíduos e outra parte respondeu que sempre liderança e esta é feita por parte do mesmo indivíduo.
Esses dados mostram que, de alguma forma, a liderança nos grupos aparece, porém ocorre de maneiras
diferentes entre os quartetos. Sendo assim, a presença de um líder se mostra fundamental fato que está em
concordância com o que King (2006) postula sobre os grupos. Esse autor diz: aqueles que possuem liderança
regular exibem comportamento de equipe mais estáveis, consistente e focada na dinâmica de grupo e uma
melhor evolução do que aqueles sem um líder normal (King 2006).
Quanto à tomada de decisões de escolha de repertório e de execução musicais nos quartetos de violões as
respostas nos revelam que a maioria dos violonistas (93%) assinalaram que as decisões tomadas são
democratizadas e compartilhadas pelo grupo, e apenas 2 entrevistados (7%) responderam que não são. Esse
resultado se enquadra na tese de Davidson e King (2004) que discorrem sobre a importância que cada
indivíduo do grupo seja ouvido. Ford e Davidson (2003) também apontam que a ideia de democracia dentro
de um grupo de câmara é responsável pela boa dinâmica interpessoal, e que isso é necessário para que
grupos de câmara efetivamente funcionem. Na prática, essa democratização é um dos fatores fundamentais
para o convívio dos músicos durante anos e, também, para um estabelecimento de respeito mútuo. Esse
entendimento entre performers gera resultados musicais positivos, que vai desde a escolha do repertório
até a fluência musical do grupo, pois pautados por essa democratização mesmo que algum membro não
concorde com algum detalhe todos se engajam em prol de um objetivo comum. Dessa forma, as pesquisas
acima corroboram a ideia da presença de democracia nos grupos de câmara e, particularmente, em
quartetos de violões, demonstrando que as relações pessoais e o respeito das individualidades são efetivas
para que o funcionamento do grupo aconteça. A partir dessa premissa, as diferenças de opiniões e ideias
são discutidas e negociadas pelos membros do grupo, respeitando as individualidades e chegando a decisões
comuns entre o conjunto.
Para saber como são solucionados trechos difíceis de determinada peça, tivemos as seguintes respostas: Do
total dos violonistas entrevistados, nenhum (0%) respondeu que os trechos difíceis são resolvidos tocando
a música do começo ao fim; 89% responderam que é isolado determinado trecho da peça e, então, é tocada
lentamente até que seja resolvida; e 11% responderam que é realizada de outra forma. Aqueles que
mencionaram realizar a solução de trechos difíceis de outra forma especificaram 1) isolar os trechos e
estudar separadamente, porém quase nunca realizar lento; 2) nos ensaios a peça tem que estar resolvida
tecnicamente para apenas trabalhar musicalmente, e se houver algum problema individual o ensaio da peça
é interrompido para que, assim, no próximo ensaio, esteja resolvida; e 3) discutir a dificuldade com o grupo
e trabalhar em conjunto, com diferentes metodologias, determinar a natureza do problema e buscar a forma
mais eficiente de resolver. O resultado encontrado pela maioria dos entrevistados também é abordado e
compartilhado por Klickstein (2009) que sugere o que chama de Problem-Solving Process, sendo dividido em
três partes: 1) reconhecimento da existência do problema, 2) isolamento e definição do problema e 3)
aplicação de táticas para solucionar os problemas. Jørgensen (2004) também corrobora com essa ideia ao
discorrer sobre estratégias para partes difíceis e desafiadoras, em que sugere usar exercícios com a
finalidade de simplificar o problema e, gradualmente, trazer uma solução que seja aplicável para a peça
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Salgado, Rafael; Póvoas, Maria Bernardete Castelan.
A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
específica. Nota-se que quase a totalidade dos quartetos utilizam desse procedimento para soluções de
trechos difíceis, reconhecendo e isolando os problemas e buscando estratégias de resolvê-los. A prática lenta
de trecho, partes ou seções em quartetos de violões é importante porque possibilita que cada músico ouça
atentamente sua parte e a dos demais, o que gera uma maior consciência do resultado sonoro. Outra razão
positiva para o estudo lento é a equalização de planos sonoros e o ajuste timbrístico dos performers.
Do total dos entrevistados, 52% afirmam que o uso do metrônomo não é frequente contra 48%, que
apontam seu uso. Os violonistas que responderam afirmativamente tal uso elencaram as seguintes situações
para a utilização do metrônomo: 1) em passagens de precisão rítmica e que exigem sincronismo entre os
integrantes, 2) quando trechos são ritmicamente complexos e difíceis, 3) em músicas novas, 4) quando o
andamento da obra é rápido, 5) quando os integrantes do grupo estão compreendendo o tempo de maneira
distinta entre si com diferentes andamentos “na cabeça”, necessitando de conscientização do pulso, e 6)
quando há tendência a acelerar e o difícil controle. Observa-se que tal uso nos ensaios dos quartetos é feito
quando principalmente problemas de ritmos e sincronia do grupo. Sendo assim, os resultados mostram
concordância com Barros (2008) quando o autor diz que a utilização do metrônomo é um método adequado
para seções menores; a defesa é confirmada pelas respostas dos violonistas que expuseram tal uso apenas
em trechos específicos. O autor ainda menciona que a constância da utilização desse método pode gerar
automatização de interpretação (Barros 2008), e que então podemos aferir o porquê de os violonistas
entrevistados não usarem constantemente esse recurso. Esse resultado ainda sugere que o tempo e a
pulsação de cada indivíduo precisam ser internalizados e compartilhados com o restante do grupo, para,
então, esse tempo global funcionar como um relógio do grupo (Goodman 2002). Assim, o uso do metrônomo
aparece mais como uma ferramenta para soluções de problemas específicos, em vez de um aparato de uso
frequente.
O resultado sobre a existência ou não de diferença em fazer música de câmara com outros violões e com
outros instrumentos/canto está a seguir: 93% responderam que existe diferença e apenas 7% responderam
que não há. Ao descrever a realização musical em quarteto de violões, os entrevistados apontaram como
dificuldades sincronia, timbragem e escolha de digitação. na realização de música de câmara do violão
com outros instrumentos, questões como equilíbrio de sonoridade, dinâmicas, e articulações foram
apontadas como diferenças importantes. A pouca projeção sonora do violão em relação aos outros
instrumentos e a pouca sustentação do som, por ser instrumento de cordas dedilhado, são outros fatores
descritos pelos violonistas. A realização musical do violão com outros instrumentos nos sugestiona o que
Jørgensen (2004) descreve como complementaridade. Assim, a realização musical com instrumentos
diferentes precisa ser trabalhada de maneira que exista uma complementaridade dos timbres dos
instrumentos, e que possa gerar uma coesão do conjunto. o fazer musical entre violões que são
instrumentos semelhantes é tido, segundo o autor, como um grupo que possui similaridade, o que é um
fator de coesão por se tratar de um grupo de câmara com características técnicas e musicais iguais. Nesse
sentido, os resultados corroboram com a defesa de Goodman (2002), quando este aponta a necessidade de
os músicos controlarem a percepção das notas de cada instrumento e cada músico, a fim de que haja uma
ilusão de sincronia. Essa ilusão se aplica tanto para o caso de grupos com instrumentos semelhantes como
para o de grupos com formações instrumentais diferentes.
O próximo resultado trata do planejamento prévio dos ensaios dos quartetos de violões e, dentre os
entrevistados, 78% responderam que existe esse planejamento, e 22% disseram que não há. Aqueles que
responderam positivamente em relação à existência de planejamento destacaram as seguintes etapas: 1)
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A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
estabelecimento do repertório; 2) seleção de trechos a serem estudados (passagens e trechos com
dificuldades técnicas e musicais); 3) organização de repertório e qual programa a ser preparado; 4) definição
do papel de cada integrante dentro do grupo; 5) dificuldades individuais são resolvidas fora dos ensaios em
grupo para não prejudicar a dinâmica e fluência da prática em conjunto; 6) leitura de novo repertório; 7)
realizar análise formal da peça em questão; 8) escolher digitação; 9) estabelecer articulações, dinâmicas e
timbres; 10) trabalhar interpretação musical do repertório como agógica, fraseados e intenções musicais;
11) mostrar informalmente o repertório a alguém antes da apresentação pública ou fazer gravações dos
ensaios para avaliação; 12) utilizar as peças mais simples no início do ensaio como aquecimento do grupo; e
13) memorização das peças. A partir dos resultados apresentados pode-se presumir que o estabelecimento
de um planejamento prévio dos ensaios mostra-se eficiente por determinar quais estratégias adotar em
determinada sessão de prática e como certos aspectos podem ou devem ser trabalhados. Dessa forma, é
possível a economia de tempo para alcançar os objetivos e metas almejados nos ensaios dos quartetos. De
acordo com as respostas dos violonistas, é importante que esse planejamento esteja aliado ao estudo
individual fora dos horários da prática em conjunto, o que sugere que esse estudo individual está inserido
no planejamento do grupo.
Quanto à existência ou não de uma preparação diferenciada para repertório de estilos diferentes, 41% dos
violonistas entrevistados responderam que não há diferença na preparação e 59% responderam que há. Das
respostas afirmativas, obtivemos os seguintes detalhamentos: 1) realizar pesquisa com cuidado estilístico
sobre cada peça estudada; 2) estudo de técnicas aplicáveis especificamente para cada estilo; 3) audição do
repertório em questão com uso de gravações de referência; e 4) estudo da sonoridade própria de cada estilo.
Algumas respostas chamam a nossa atenção, como, por exemplo, a audição de determinado estilo de
repertório de gravações de referência para a compreensão musical, e a partir dessa referência trabalhar a
sonoridade, articulações, dinâmicas e técnicas específicas para a aproximação ao estilo. Essa forma de se
formular parâmetros referenciais a determinado estilo é compartilhado por Reid (2002). Este autor diz que
essa escuta de outros performers colabora para que o músico desenvolva suas habilidades interpretativas.
Sloboda (2008) concorda com essa forma de formular referenciais através da escuta, pois para ele as técnicas
expressivas são passadas de um músico para outro através da demonstração. Por sua vez, a pesquisadora
Susan Hallam complementa essa ideia apontando que os músicos podem utilizar a escuta para entrarem em
contato e familiarizarem-se com um estilo musical (Hallam 1995). Não se trata aqui de realização de cópias
de interpretação sem uma reflexão crítica, mas a audição de referências como construção de um arcabouço
de escuta de repertório para então construir uma interpretação.
O que se pode somar a essa escuta de outros intérpretes são leituras de literatura que abordam questões
estilísticas, por exemplo, autores que tratam da sica historicamente orientada, que podem trazer à luz
aspectos relacionados ao andamento, ornamentação, agógica entre outros. Neste sentido, a pesquisa de
elementos contribui de forma decisiva para a formulação de uma interpretação coerente com o estilo e
sonoridade de quartetos de violões. As diversas formas de se estabelecerem parâmetros para a preparação
de estilos diferentes são fundamentais para a aproximação ao estilo e estética dos membros do grupo para
alcançar uma unidade e direção musical em música de câmara. Segundo Ray (2005), o conhecimento estético
musical é fundamental para a formulação e execução contextualizada das obras, demonstrando que a busca
de elementos e estratégias que colaborem para uma interpretação musical coerente é indispensável.
Outra resposta descrita pelos entrevistados, referente à qual seria este preparo diferenciado para estilos
diferentes, é o uso da experiência dos integrantes do grupo. Essa forma de estratégia para o preparo de
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A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
músicas de estilos diferentes é corroborada pelo pesquisador John Rink (2002), o qual sugere que performers
experientes têm anos de vivência em tocar e ouvir uma grande variedade de músicas, o que resulta no
desenvolvimento da habilidade intuitiva. Assim, a experiência mostra-se um eficaz caminho para a busca de
uma interpretação. No entanto, a experiência equivocada do performer não contribui de maneira eficaz para
o conjunto, ou seja, se o músico possui referências duvidosas durante anos, sua realização musical também
será duvidosa. Assim, o que aferimos aqui é a procura por materiais seja texto, áudio ou partituras que
tenham confiabilidade em seu conteúdo, a fim de que o músico elabore uma interpretação coerente.
Tomando as respostas dos violonistas, deduzimos algumas maneiras de formar critérios de preparação de
estilos diversos em quartetos de violões. Para repertório barraco, o estabelecimento de andamentos e
ornamentações é necessário, haja vista a falta de notações específicas nas partituras originais, e ainda os
diferentes estilos de barroco (os principais, italiano e francês). Aqui entra um tópico discutido anteriormente,
a saber, uma pesquisa calcada principalmente na musicologia histórica ou na música historicamente
orientada pode fornecer o conhecimento necessário para encontrar tais critérios. Outro fator importante na
preparação de música barroca adaptada para quarteto de violões é a sonoridade do conjunto. Geralmente,
as obras desse estilo adaptadas para quarteto de violões são originalmente de orquestras de cordas ou então
de orquestras de câmara. Quando transcritas para violões, o preenchimento com notas da harmonia pode
ser feito sem que o estilo seja deturpado. Essa prática pode ser realizada porque os instrumentos que
compõem as orquestras são melódicos, e como o violão é um instrumento harmônico e com pouca projeção
sonora, esse preenchimento se mostra um eficiente artifício, que pode também funcionar como um baixo
contínuo ou obligato, prática essa comum nesse estilo. Outro fator na preparação do estilo barroco é o
equilíbrio timbrístico dos violões que é fundamental na coesão do grupo. Construir um mesmo timbre no
grupo gera uma sonoridade única, que se pode comparar às orquestras de cordas.
Para um repertório clássico e romântico, vale o mesmo aspecto citado anteriormente, a pesquisa de
elementos históricos inerentes ao estilo. Porém as notações nas partituras originais são mais precisas, o que
torna a escolha de interpretação mais clara. O reconhecimento das formas musicais é essencial para a
preparação desses estilos, principalmente, porque nesse período se estabelecem as grandes formas e o
sistema tonal. Aqui a separação de planos sonoros distintos e a variação de timbres entre os violões são
importantes nas decisões interpretativas.
Já no repertório moderno e contemporâneo - por exemplo, de Stravinsky, Bartók e Leo Brouwer - o trabalho
rítmico para o sincronismo e de timbres diferentes é relevante. Para essa preparação, o uso do metrônomo
por vezes é necessário, pois ritmos de difícil execução usualmente são encontrados nesse tipo de repertório.
Alguns entrevistados relatam sobre a preparação de música brasileira seja popular ou erudita. Para eles o
swingbrasileiro foi apontado como fator determinante para uma interpretação coerente ao estilo. Cabe
ressaltar que a preparação de sicas populares de qualquer país ou região, ou até mesmo de sica
erudita que utilizam elementos da música popular, requerem o reconhecimento das características musicais.
Isso é necessário para uma preparação criteriosa.
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A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
4. Considerações finais
Encontramos, a partir dos anos 1960, uma participação colaborativa entre instrumentistas, construtores de
violões e compositores para a ampliação das possibilidades instrumentais, tais como: utilização de violões
de sete e oito cordas, criação de novos arranjos/transcrições e composições originais para a formação,
principalmente pela estabilização da formação como grupo de câmara, cujos principais responsáveis foram
os integrantes do quarteto espanhol Los Romeros.
No Brasil, a formação ganha força em meados dos anos 1980 e tem crescido, tanto com o surgimento de
grupos profissionais, como também para fins educacionais, haja vista que o ensino do violão
tradicionalmente tem foco no repertório solista.
Para responder às questões levantadas inicialmente neste trabalho acerca da preparação para performance
musical observamos que tanto a prática individual, quanto em música de câmara nos revelam fatores
fundamentais para um preparo efetivo. A prática deliberada do estudo mostra-se importante no sentido de
organizar o pensamento e, consequentemente, alcançar o objetivo desejado de maneira consciente e
controlada, evitando assim, o desperdício de tempo e a realização da atividade de forma equivocada. O
estudo mental (Jørgensen 2004) torna-se uma ferramenta importante para o performer, uma vez que
possibilita reflexões e avaliações sobre a prática musical. Assim, o músico consegue visualizar um
planejamento a ser seguido.
Em música de câmara, fatores como comunicação entre performers, comunicação aural e visual, fatores
sociais, além do delineamento de metas e objetivos corroboram para que a preparação para o momento da
performance seja eficiente e eficaz. O comprometimento mútuo em grupos de câmara é apontado como
crucial para seu bom funcionamento (Davidson e King 2004; Kokotsaki 2007), o que os autores demonstram
como diferenças chaves entre músicos amadores e profissionais. No entanto, essas estratégias no processo
de preparação cabem em qualquer formação camerística.
Contudo, encontramos aqui algumas características fundamentais em quartetos de violões que precisam ser
observadas e entendidas para que procedimentos específicos de estratégias possam ser tomados. Duas
particularidades principais na formação quarteto de violões que merecem nossa atenção são: a sincronia
entre os instrumentos e a busca de uma sonoridade única e equilibrada entre os violões.
Na primeira observamos, através dos dados coletados nas entrevistas, e principalmente na vivência musical,
que pelo violão ser um instrumento de cordas pulsadas seu ataque sonoro é incisivo, porém sua sonoridade
não é contínua, como nos instrumentos de cordas friccionadas e de sopros. Assim, quando combinamos
quatro instrumentos com essas mesmas características, a sincronia torna-se um desafio ao conjunto. O
intenso trabalho em conjunto para que o quarteto obtenha o que Goodman (2002) chamou de “ilusão de
sincronismo” é necessário, uma vez que se deseje uma execução coesa.
A segunda característica de quartetos de violão unidade e equilíbrio sonoro apresenta-se como um
desafio de percepção para os performers. As possibilidades de timbres no violão é uma das particularidades
mais discorridas entre violonistas, o que se nota pelas diferentes construções do instrumento, e pela
particularidade individual da produção sonora de cada violonista por suas peculiaridades de formação
anatômica, ângulos de ataques dos dedos em relação às cordas, posicionamento do instrumento no corpo
entre outras possibilidades. No entanto, mais uma vez, quando tratamos de um quarteto de violões, a
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A preparação para performance musical de quarteto de violões sob o ponto de vista de violonistas profissionais
equalização sonora do conjunto mostra-se um fator particular na formação, sobre a qual os performers
precisam instituir parâmetros e negociar as questões de uma sonoridade única e coesa do grupo. Assim,
além do trabalho técnico, a percepção do som produzido individualmente precisa encaixar-se com a
produção sonora do conjunto.
Diante desta coleta foi possível identificar procedimentos e estratégias que implicam processos que
antecedem a realização musical de quartetos violonísticos, levando em consideração as especificidades da
formação instrumental. As questões e reflexões que emergem deste contexto podem operar como
facilitadores na formação e desenvolvimento de quartetos de violões.
Como perspectivas futuras e uma continuidade desta pesquisa apontamos para uma investigação mais
aprofundada com relação às questões do planejamento, interações e comunicação entre performers e,
sobretudo, às questões das especificidades da formação de quarteto de violões.
5. Referências
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Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | General Topics | e232425 | 2023
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