Per Musi | Belo Horizonte | v. | Section | exxxxxx | 2023
eISSN 2317-6377
Taiko à brasileira: a construção dos tambores japoneses na oficina
da família Kaito, em Taubaté (SP)
Brazilian Taiko: The construction of Japanese drums in the Kaito family
workshop, in Taubaté (SP)
Flávio Rodrigues
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP, Brasil
f263863@dac.unicamp.br
Suzel Ana Reily
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP, Brasil
SCIENTIFIC ARTICLE
Section Editor: Ronan Gil de Morais; Lus Bittencourt
Layout Editor: Edinaldo Medina
License: "CC by 4.0"
Submitted date: 10 aug 2023
Final approval date: 13 oct 2023
Publication date: 08 dec 2023
DOI: 10.35699/2317-6377.2023.47638
RESUMO: A imigração japonesa em massa ao Brasil, iniciada no séc. XX, trouxe consigo um rico arsenal de costumes e
manifestações culturais, muitos deles passados aos descendentes brasileiros. Assim, inúmeros grupos artísticos de caráter étnico
puderam florescer no país, entre eles os conjuntos de taiko, grupos percussivos de tambores tradicionais que caíram no gosto das
comunidades nipo-brasileiras. Para suprir tal demanda, os tambores passaram a ser construídos no Brasil, buscando adaptar
técnicas japonesas à nova realidade. Esse artigo aborda, a partir da observação in loco e entrevistas, o processo de construção dos
taiko brasileiros na oficina da família Kaito, em Taubaté, no interior do estado de São Paulo. Descrevendo as etapas da construção
de dois diferentes tambores, foi possível entender como o luthier viabilizou e adaptou os taiko às matérias-primas brasileiras,
criando instrumentos a partir de processos e maquinários nacionais, dando a esses taiko brasileiros características e identidade
próprias.
PALAVRAS-CHAVE: Taiko; Música nipo-brasileira; Organologia; Luteria.
ABSTRACT: Mass Japanese immigration to Brazil, which began in the 20th century, brought with it a rich arsenal of customs and
cultural manifestations, many of them passed on to Brazilian descendants. Thus, numerous ethnic artistic groups were able to
flourish in the country, including taiko ensembles, percussive groups of traditional drums that became popular among Japanese-
Brazilian communities. To meet this demand, drums began to be built in Brazil, seeking to adapt Japanese techniques to the new
reality. This article addresses, based on on-site observation and interviews, the process of building Brazilian taiko in the Kaito
family workshop, in Taubaté, a city of the countryside of the state of São Paulo. By describing the stages of construction of two
different drums, we were able to understand how the taiko maker adapted the Japanese tradition to the Brazilian reality, using
local raw materials, as well as national processes and machinery, and giving these taiko drums their own Brazilian characteristics
and identity.
KEYWORDS: Taiko; Japanese-Brazilian Music; Organology; Luthery.
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Rodrigues, Flávio; Reily, Suzel. “Taiko à brasileira: a construção dos tambores japoneses na oficina da famlia Kaito, em Taubaté (SP)”
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1. Introdução
“Essa vibração ressoa no corpo […] eu nunca senti algo assim com outro instrumento” (Kanashiro 2022). As
palavras da tocadora Natália Kanashiro, de Taubaté, sobre os taiko, ilustram como os sons potentes
emanados por esses tambores tradicionais milenares na sociedade nipônica e carregados de histórias e
ideais de uma japonesidade imaginada encantam seus praticantes e, assim, ganham cada vez mais
adeptos/as em terras brasileiras. Presentes nas mais diversas manifestações artísticas, como na música da
corte (gagaku), festivais e nos teatros tradicionais e o kabuki, os taiko passaram a compor grandes e
enérgicos conjuntos percussivos a partir da metade do séc. XX e se espalharam por diversas comunidades
imigrantes pelo mundo, tendo crescido no Brasil principalmente a partir do ano de 2002, com a vinda do
sensei
Yukihisa Oda ao país. Taiko, além de usado popularmente para designar a prática, é um termo
genérico para se referir a uma série de membranofones que chegaram ao arquipélago japonês
provavelmente através da Rota da Seda, que ligava diversos países do Oeste, Ásia Ocidental, Europa e África,
desde o séc. I a.C. (Vogel 2009). Os tambores se caracterizam pelo uso de uma peça de couro animal esticado
sobre um corpo de madeira e percutidos principalmente com baquetas também de madeira, denominadas
bachi, ou com as mãos. Tai” significa “grande”, “grandioso” ou “largo”, enquanto kopode ser traduzido
como “tambor”, “batida” ou “despertar”. O termo, portanto, é traduzido comumente como “grande
tambor”. Já a prática popularizada por esses grupos percussivos ficou conhecida como wadaiko, kumi-daiko
ou, ainda, taiko contemporâneo (Garcia 2022).
A disseminação desses grupos no Brasil, no entanto, só foi possível graças a um fator: o início da fabricação
dos tambores nacionais. Isto porque o preço elevado dos instrumentos, a dificuldade de manuseio e a grande
distância entre Brasil e Japão foram barreiras significativas no início da prática do taiko contemporâneo no
país. Os grupos brasileiros, muitas vezes, dependiam de doações feitas às comunidades por parte de
associações culturais japonesas ou precisavam recorrer a alternativas mais baratas: segundo relatos de
tocadores, era comum no início da prática o uso dos take (pedaços de bambu) ou de pneus como substitutos
dos tambores. O resultado sonoro desse tipo de adaptações era, como esperado, muito aquém do obtido
com os taiko. Era, portanto, fundamental para a disseminação da prática, vista com bons olhos pelas
associações nipo-brasileiras como uma forma de atrair novos membros às suas organizações, que
começassem a surgir os primeiros construtores de taiko brasileiros, utilizando técnicas e matérias-primas
inteiramente nacionais em sua fabricação. Mas, como reproduzir em solo nacional o processo artesanal de
fabricação dos tambores japoneses? Como obter sonoridades parecidas de madeiras totalmente diferentes,
cultivadas em clima tropical? Perguntas como essas representam apenas alguns dos desafios dessa
empreitada.
Este artigo, portanto, tem como objetivo apresentar as soluções e o processo de construção dos taiko
produzidos pela família Kaito, de Taubaté, no interior de São Paulo. A partir de uma abordagem etnográfica
realizada no ano de 2022, observou-se e documentou-se in loco todo o processo de manufatura de
instrumentos na oficina dos Kaito, desde a seleção de matérias-primas, as diferentes etapas de preparação
de madeiras, peles animais e ferragens, o maquinário (muitos deles inventados na própria oficina) até a
finalização. Esta abordagem também incluiu entrevistas realizadas com o construtor e tocador de taiko
Yoohey Kaito, Natália Kanashiro e seus auxiliares. Ela possibilita então descrever o passo a passo da
Termo traduzido comumente como “professor” ou “mestre”.
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construção de dois tambores diferentes, apresentando suas especificidades, as diferenças em relação aos
tambores produzidos no Japão e os desafios de adaptação à realidade brasileira. Assim, procura-se apontar
as soluções propostas na oficina dos Kaito para a fabricação de um taiko nacional.
Esse texto se desenvolve em quatro sessões: a primeira estabelece um sucinto panorama da imigração
japonesa no Brasil e contextualiza a formação dos grupos de taiko nacionais; a segunda estabelece uma
classificação geral dos instrumentos; a terceira descreve brevemente as técnicas básicas empregadas nesta
família de instrumentos; a quarta apresenta a trajetória da família Kaito, contextualizando sua relação com
a prática, e descreve, com o auxílio de diversos registros fotográficos, o processo de construção de dois tipos
de tambores diferentes manufaturados em sua oficina em Taubaté (SP).
2. A imigração japonesa no Brasil e a criação dos grupos de taiko nacionais
Para entendermos a fundo como esses instrumentos milenares atravessaram o oceano e hoje são
produzidos no Brasil, com técnicas e matérias-primas nacionais, é preciso remontar a própria trajetória da
imigração japonesa que ocorreu no início do séc. XX. No ano de 1908 atracou no litoral paulista, no porto de
Santos, o navio japonês Kasato Maru, que trazia consigo a primeira leva de imigrantes japoneses/as ao Brasil.
Seduzidos pelas promessas de uma terra cheia de riquezas e oportunidades, muito diferente da realidade
de pobreza e superpopulação vivida no arquipélago nipônico, diversos/as trabalhadores/as desembarcaram
no país para trabalhar principalmente nas lavouras de café e algodão da região sudeste. Uma característica
marcante da imigração japonesa que a difere de outras está no fato de que, além de jovens do sexo
masculino, famílias inteiras eram trazidas ao Brasil, entre elas mulheres, crianças e idosos, fazendo com que
houvesse um grande equilíbrio demográfico na comunidade presente no país. Assim, cerca de 250 mil
japoneses/as imigraram entre os anos de 1908 e 1970, número que continuou crescendo nas décadas
posteriores (Sakurai 2007, 244). Em levantamento publicado em 2020 pela Sociedade Brasileira de Cultura
Japonesa e de Assistência Social, calculou-se que existiam aproximadamente um milhão e novecentos mil
cidadãos/ãs de origem japonesa ou descendentes no Brasil (Bocchini 2020, s.p.).
Além dos sonhos de conquistas e novas perspectivas de vida, os/as imigrantes que chegavam ao Brasil
traziam em suas bagagens muito de sua cultura, costumes e sua história expressas nas mais diversas
manifestações. A fim de manterem seu ethos japonês e redes de proteção, muitas associações foram criadas
não muito depois da chegada dos primeiros imigrantes, promovendo práticas esportivas e culturais que se
tornavam formas eficazes de afirmação de uma unidade dentro dessas comunidades. A princípio, a
manutenção de uma cultura pouco integrada à sociedade brasileira se deu por diversos motivos: a
preocupação dos/as japoneses/as de manter a identidade japonesa junto aos/às filhos/as que cresceriam
no Brasil para que não fossem vistos/as como estrangeiros/as (gaijin) num possível retorno ao Japão; a
desconfiança de brasileiros/as pela difusão da ideia do perigo amarelo
, intensificada durante a Segunda
O mito do “perigo amarelo” baseia-se, segundo Ueno (2019, 105), na “ideia de que os imigrantes japoneses
eram agentes ameaçadores de degenerescência racial, sendo considerado um duplo perigo. Com a Segunda
Guerra Mundial, esse discurso antinipônico ressurgiu fortemente mesclado a novos argumentos, como por
exemplo, identificavam os nipônicos como súditos do Eixo e que haveria uma possível invasão japonesa na
América Latina”.
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Guerra Mundial e expressa em diversas restrições às práticas relacionadas aos países do Eixo; além das
barreiras lingusticas e o “exotismo” atribudos a japoneses/as (Sakurai 2007, 255).
Com os planos de retorno de muitos/as imigrantes frustrados/as e o fim da Segunda Guerra Mundial e,
consequentemente, o arrefecimento das medidas restritivas às manifestações estrangeiras no Brasil, os/as
japoneses/as e seus descendentes passaram por um processo de maior integração com a sociedade
brasileira, principalmente a partir da década de 1970, quando começou a se difundir no país a ideia da
comunidade japonesa como uma “minoria modelo”, baseado na rápida ascensão econômica japonesa e em
estereótipos disseminados nos anos 1960 nos Estados Unidos e que ressaltavam as qualidades dos/das
imigrantes e descendentes japoneses/as como exemplos de comportamento e conduta, imagens essas
exploradas até mesmo pelo governo ditatorial brasileiro da época (Lesser 2008, 269).
Assim, os/as imigrantes japoneses/as e seus descendentes nascidos no Brasil mantinham um status
diferente de outros/as imigrantes e descendentes na sociedade brasileira, que lhes conferia vantagens
econômicas, mas também a manutenção de uma visão de “eternos estrangeiros” frente à população
brasileira (Lorenz 2007). Essa diferenciação é reforçada pelo fato de que muitas famílias japonesas instaladas
no Brasil mantinham e mantêm, até os dias atuais, características de famílias transmigrantes, ou seja,
famílias que possuem suas identidades públicas atreladas a mais de um Estado-nação, onde seu dia a dia
depende de múltiplas conexões transnacionais. Assim, os vínculos criados por essas famílias, sejam eles
culturais, econômicos, políticos ou sociais, se relacionam tanto com sua nação de origem quanto com a
nação receptora (Machado, Kebbe e Silva 2008). Uma manifestação dessa ideia pode ser encontrada na
própria forma pela qual muitos dos/as descendentes japoneses/as se referem a si mesmo, utilizando o termo
nikkei. Usado para definir um/a descendente de japoneses nascido em outro país, o termo demonstra de
maneira prática como o Japão procura manter uma ideia de pertencimento atrelado ao arquipélago asiático
mesmo naqueles que nunca pisaram em nenhuma de suas ilhas. Esse dispositivo ideológico que coloca o
Japão como a “casa” de todos os descendentes de japoneses/as torna-se, portanto, mais um importante
fator de diferenciação (Kebbe 2014, 76).
Foi a partir desse contexto que puderam florescer no Brasil as mais diversas manifestações culturais de
origem nipônica. Festivais, danças e, é claro, diversas expressões musicais foram integradas e difundidas
principalmente nas associações nipo-brasileiras organizadas a fim de atender a essa necessidade de
pertencimento e até mesmo legitimação de uma identidade brasileiro-japonesa. Dentre as inúmeras
demonstrações da cultura nipônica, os taiko ganham destaque pelo seu apelo junto às comunidades de
imigrantes japoneses em todo mundo principalmente entre os/as mais jovens.
Trazidos oficialmente ao Brasil pela primeira vez em meados dos anos de 1960, principalmente para a prática
do Bon Odori,
o primeiro grupo de taiko contemporâneo brasileiro que se tem notícia é o conjunto de
Tangue Setsuko, fundado em 1978 no bairro da Liberdade, na capital paulista. Setsuko desembarcou no
Brasil no ano de 1964 para algumas apresentações. Discípula do renomado mestre Yutaka Imazumi do grupo
Sukeroku Daiko, de Tóquio, Setsuko se instalou na cidade de São Paulo onde fez certo sucesso em programas
de variedade voltados à comunidade japonesa e fundou a escola Tangue Setsuko Taiko Dojo, também na
Liberdade, que permanece ativa até os dias de hoje, mesmo após sua morte. No entanto, o “boomdo taiko
Definido por Kubota (2008, 13) como “uma festa em homenagem aos antepassados”. Pode-se referir
também à dança circular praticada na festa, ao som de voz, flautas e taiko.
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no Brasil se deu somente a partir do ano de 2002, quando, por meio de uma parceria com a Japan
International Corporation Agency (JICA), o país recebeu o sensei japonês Yukihisa Oda, praticante do estilo
Kawasuji, originário do sul do Japão (Garcia 2022, 152).
Oda teria visitado 66 comunidades japonesas em diversas regiões do Brasil em dois anos de estadia, sendo
responsável pela fundação de diversos grupos no país. Como resultado de sua intervenção, no ano de 2004
foi fundada a Associação Brasileira de Taiko (ABT) em São Paulo, responsável por criar um campeonato
nacional de taiko nos moldes do campeonato japonês promovido pela Nippon Taiko Foundation, a mais
importante fundação de taiko do Japão. Segundo dados da ABT, estão ativos no Brasil atualmente cerca de
115 grupos em todas as regiões do país (Associação Brasileira de Taiko 2023; Uemura 2023).
3. A criação dos grupos contemporâneos e classificação dos tambores
Os taiko foram empregados no cotidiano do povo japonês de diferentes maneiras durante a história. Os
relatos mais concretos são encontrados a partir do período Sengoku, entre os anos 1467 e 1563 do
calendário gregoriano, e apontam para o uso dos tambores em cerimônias religiosas, para demarcar os
limites de um vilarejo, para encorajar combatentes em batalhas, para comunicação e até mesmo para marcar
as horas do dia (Garcia 2022; Bender 2012; Yoon 2001). A criação dos ensembles contemporâneos, foco
desse estudo, no entanto, é bem mais recente, e data da metade do séc. XX. O japonês Daihachi Oguchi,
baterista de música popular, é apontado como responsável pela criação do primeiro grupo de taiko
contemporâneo, o Osuwa Daiko, em 1951, na prefeitura de Nagano. Oguchi usou seu conhecimento da
bateria ocidental para reimaginar o uso dos taiko, colocando-os como o centro da performance e montando
grupos com diversos taiko diferentes e vários tocadores, com ritmos muito mais complexos que os
praticados anteriormente em outras manifestações e adicionando movimentos coreografados às
performances. A partir dessa inovação proposta por Oguchi, logo outros grupos de tambores surgiram em
outras regiões do Japão, como o Sukeroku Daiko de quio, o Ondekoza da ilha de Sado e que
posteriormente deu origem também ao grupo Kodo, entre outros que levaram os grupos de taiko a outros
espaços, como bares, festivais e aos grandes palcos (Bender 2012; Pachter 2013). O ano de 1964 é apontado
como um marco importante para a difusão midiática da prática; neste ano, durante a abertura dos Jogos
Olímpicos de Verão realizado em Tóquio, o grupo Osuwa Daiko teve sua performance transmitida para todo
o Japão e o mundo como um símbolo de reentrada do país no mundo moderno após as feridas deixadas pela
derrota na Segunda Guerra Mundial. Logo, os grupos de taiko passaram então a serem exportados para as
comunidades japonesas em todo o mundo, dado o seu grande apelo tanto com o público ocidental quanto
com os imigrantes em diáspora e seus descendentes (Garcia 2022, 149).
As possibilidades sonoras dos taiko e seus conjuntos podem variar de acordo com o tipo de apoio utilizado,
a quantidade de membranas, o couro animal empregado, seu formato, a maneira usada para extração do
som, seu posicionamento, a variedade de taiko dentro do ensemble, a forma utilizada para prender o couro
ao corpo do instrumento e o seu tamanho. Além disso, escolhas do/a luthier no momento da construção,
como a madeira utilizada, sua espessura, a tensão exercida na pele, entre outros tantos fatores também
podem ser decisivos em sua sonoridade. Levando em conta diferentes abordagens, propõe-se na Tab. 1 as
possibilidades de classificação destes tambores, baseado nos estudos de Satomi (2008) e em algumas
adaptações observadas em campo.
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Tabela 1 Classificação dos taiko
Quanto à (o): Tipos Subcategorias
1. Apoio
1.1. No chão (sueokigata)
1.2. Suspenso
1.2.1. Seguro pelas mãos (hôchigata)
1.2.2. Nos ombros (shôsangata)
2. Quantidade de membranas
2.1. Simples
2.2. Dupla
3. Origem do couro
3.1. Vaca ou boi
3.2. Cavalo ou potro
4. Formato do corpo
4.1. Cilíndrico
4.2. Barril
4.3. Ampulheta
4.4. Sem corpo
5. Forma de extração do som
5.1. Mãos ou dedos
5.2. Baquetas
6. Posicionamento
6.1. Horizontal
6.2. Vertical
6.3. Inclinado
7. Tipo de conjunto
7.1. Individual (solo)
7.2. Coletivo
7.2.1. Simples (taiko homogêneos)
7.2.2. Múltiplo (variedade de taiko)
8. Forma de prender o couro
8.1. Pregado com tachas (byo-uchi-daiko)
8.2. Apertados (shime-daiko)
8.2.1. Com cordas
8.2.2. Com parafusos e porcas com aro metálico
8.2.3. Com parafusos e porcas sem aro metálico
8.3. Costurado sobre a moldura de
madeira ou ferro (uchiwa-daiko)
9. Tamanho do corpo
9.1. Comprido
9.2. Curto
Em meio a tantas possibilidades, para se aprofundar nas minúcias de construção e tipos, se faz necessário
eleger uma classificação mais específica para conduzir essa investigação. Uma vez que não uma
categorização predominante nos estudos dessa tradição (e autores/as poderão divergir enormemente em
suas abordagens), será utilizada para esse artigo a classificação que diz respeito à forma pela qual os
tambores são construídos e, mais especificamente, a maneira utilizada para prender a pele animal ao corpo
do tambor. Dessa forma, pode-se encontrar três tipos diferentes de taiko: os byo-uchi-daiko, os shime-daiko
e os uchiwa-daiko (consultar igualmente Pachter 2013).
3.1. Byo-uchi-daiko
Os byo-uchi-daiko podem ser traduzidos livremente como “tambores de cabeças pregadas”. Esses tambores
têm sua pele presa ao corpo por meio de tachas, e os mais comuns encontrados nos grupos de taiko
contemporâneo são os nagado-daiko, os O-daiko (Fig. 1) e os hirado-daiko (ou hira-daiko). O termo nagado
pode ser traduzido como “corpo longo” e são tambores geralmente em formato de barril. Seu tamanho pode
variar entre 30 a 75 cm de diâmetro e eram construídos no Japão com uma única peça de madeira em um
longo processo que podia levar até quatro anos, entre o corte da Zelkova serrata (árvore típica do país e a
preferida para este tipo de construção), a retirada do miolo para formar o corpo do instrumento, o preparo
da pele animal e outros processos. Estes instrumentos exercem, comumente, a função de conduzir os
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motivos rítmicos das peças nos grupos contemporâneos. Devido à sua versatilidade, podem ser posicionados
e usados de diferentes maneiras. As mais comuns são o estilo “simples”, com a pele voltada para cima, e o
estilo naname, com os tambores sobre bases com ângulo de 45o. Outras formas de uso menos comum são
o estilo miyake, com os tambores totalmente deitados na horizontal, e o onbayashi, popularizados pelo
grupo Kodo na peça “Yatai-bayashi”, com os tambores deitados entre as pernas do/a tocador/a (Pachter
2013, 376; Gould 1998, 12).
a) b)
Figura 1 Dois tipos de byo-uchi-daiko: a) nagado-daiko, b) O-daiko
Fonte: Arquivo pessoal do autor
O termo O-daiko pode ser traduzido como “grande tambor” e inclui instrumentos que possuem diâmetro
entre 90 e 120 cm, embora possam chegar até 180 cm nos O-daiko destinados a cerimônias religiosas. Estes
instrumentos são geralmente tocados horizontalmente, suspensos por suportes. Seu som grave e potente
pode ser usado tanto para acompanhamento como para solos. Quando em acompanhamento, geralmente
são responsáveis pelos acentos rítmicos. A forma de construção é bastante semelhante com a do nagado.
Na verdade, em alguns casos, não haverá uma clara distinção entre os nagado-daiko e os O-daiko, uma vez
que, em tese, a denominação de “O” é um honorfico para o tambor de maior tamanho no ensemble, seja
qual for sua forma de construção. Nessa perspectiva, portanto, um O-daiko poderia ter seu couro preso ao
corpo por tachas ou por cordas, pois sua nomenclatura não deriva de sua forma de construção, e sim do seu
tamanho. No entanto, a escolha de apresentar os O-daiko como um taiko à parte se deu pela preferência de
se manter a terminologia êmica dos grupos, que assim denominam seus grandes tambores, e a predileção
de categorizá-lo como um byo-uchi-daiko se pelo fato dos O-daiko de cordas terem outras nomenclaturas,
como veremos mais adiante (consultar igualmente Pachter 2013, 377; Gould 1998, 12).
Por fim, temos nessa categoria os hirado-daiko, ou “tambores de corpo plano”, que possuem de 35 a 75 cm
de diâmetro, mas que apresentam corpos bem mais achatados que os nagado-daiko. Menos comuns nos
ensembles contemporâneos, podem ser usados para substituir os nagado-daiko ou os O-daiko, usados tanto
verticalmente quanto horizontalmente, fornecendo novas possibilidades tímbricas ao grupo (Pachter 2013,
278; Gould 1998, 13). Outras variações de byo-uchi-daiko podem ser encontradas, como os chamados sumo-
daiko, tambores típicos de cerimoniais que passaram a fazer parte dos grupos de taiko contemporâneo na
década de 1980 (Pachter 2013, 379). Porém, estes taiko não são tão populares nos grupos brasileiros.
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3.2. Shime-daiko
Os shime-daiko têm suas peles presas ao corpo do instrumento por meio de cordas ou parafusos. Em uma
tradução livre, podemos nos referir a estes taiko como “tambores apertados”. A grande diferença em relação
aos byo-uchi-daiko é que estes tambores podem ser afinados com mais facilidade através da mudança na
tensão da corda ou dos parafusos, além de usarem tipos diferentes de madeira. No Japão, as espécies mais
comuns para sua construção são o cipreste ou o cedro. O termo shime-daiko, além de dar nome à família, é
usado também para se referir aos tambores menores desse grupo, de corpo achatado e abaulado e
geralmente tocado sobre suportes de madeira em “X”, com o tocador de pé, ou de metal junto ao chão, com
o tocador sentado sobre os joelhos (Fig. 2a). Possuem de 35 a 39 cm de diâmetro e de 15 a 24 cm de altura.
Estes taiko podem ser comparados com a caixa de uma bateria ocidental, pelo seu som seco e agudo, embora
as cordas deem a eles certa versatilidade. É muitas vezes usado como o instrumento de marcação do ritmo
da peça, fornecendo ostinatos que servirão a esse fim. Pode ser chamado também de tsukeshime-daiko
(Pachter 2013, 60).
Os tambores maiores desta família, que possuem um formato cilíndrico e corpos mais longos, são chamados
de okedo-daiko (Fig. 2b). A construção destes taiko se assemelha a de um balde de madeira (oke), com suas
tábuas finas coladas a fim de construírem um tambor em formato de tubo. Originalmente, os okedo foram
construídos para exercerem papel semelhante ao do O-daiko, com diâmetro que poderia variar entre 63 a
90 cm e altura de 90 a 150 cm. Ainda hoje, é comum encontrar nos grupos estes grandes okedo, que são
chamados de ojime ou mesmo de O-daiko.
a) b)
Figura 2 Dois tipos de shime-daiko: a) shime-daiko, b) okedo-daiko
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Com a popularização dos conjuntos de taiko, o músico Eitetsu Hayashi criou uma versão média deste
instrumento, que acabou por se adaptar muito bem aos grupos contemporâneos e servir como um tambor
intermediário entre os nagado e os shime. Estes instrumentos ganharam o nome de okedo-daiko-eitetsu,
em homenagem ao seu criador, mas hoje são popularmente chamados apenas de okedo-daiko. Por serem
bem mais leves que os nagado, os okedo permitiram a criação de uma nova forma de uso, que consiste em
carregar os tambores suspensos junto ao corpo por meio de correias. Assim, é possível que um único tocador
possa desferir golpes nas duas faces do instrumento, além de novas possibilidades de performance. A estes
tambores se o nome de katsugi okedo-daiko. Katsugi pode ser traduzido livremente como “carregado”
(Pachter 2013, 184).
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Ainda na família dos tambores apertados, existem os tsuzumi, em formato de ampulheta. o eles o
kotsuzumi, o san-no-tsuzumi e o O-tsuzumi. Encontrados mais comumente em outras manifestações
japonesas como o teatro e kabuki, esses taiko passaram a integrar também o ensemble de alguns grupos
contemporâneos (Gould 1998, 14).
3.3. Uchiwa-daiko
Por fim, existem os uchiwa-daiko (Fig. 3), ou, numa tradução livre, os “tambores de leque”. São tambores
sem corpo, que possuem de 30 a 36 cm de diâmetro e apresentam um formato semelhante ao de um leque
ou uma raquete. Diferentemente dos outros tambores, estes possuem apenas uma membrana e não duas
como nos demais modelos. São tocados geralmente com uma baqueta de madeira (Pachter 2013, 382; Gould
1998, 17).
Figura 3 Uchiwa-daiko, instrumento com uma só pele e sem corpo
Fonte: Arquivo pessoal do autor
3.4. Narimono
Além dos diferentes tipos de tambores, um ensemble de taiko contemporâneo pode possuir outros
instrumentos auxiliares em sua formação. Esses elementos periféricos são chamados de narimono. Além de
novas possibilidades de timbre, como no caso dos instrumentos feitos de metal ou madeira, alguns narimono
permitem aos conjuntos a adição de alturas, como o caso das flautas de bambu, que podem executar linhas
melódicas, enriquecendo as peças executadas. Cada grupo pode apresentar diferentes combinações, mas,
em geral, os mais comuns são os fue ou shinobue, flautas de bambu tocadas de maneira transversal com
bocal arredondado que podem apresentar 6 ou 7 furos; os chappa ou jyangara, pequenos pratos de metal
percutidos entre si e de aproximadamente 15 cm de diâmetro; os chanchiki ou atarigane ou kane, peças de
metal tocadas com um pequeno martelo chamado de shumoku que podem variar entre 10,5 e 13,5 cm de
diâmetro; e os hyoshigui, que consistem em duas peças de madeira retangulares de até 15 cm que emitem
som ao serem percutidas entre si e onde seu som varia de acordo com a madeira utilizada, podendo gerar
um timbre estalado e suave ou mais agudo (Garcia 2022, 101).
4. Técnicas de percussão do instrumento
A forma mais convencional de tocar o taiko é utilizando baquetas de madeira e atingindo o centro da pele
do instrumento num ângulo de aproximadamente 45o, percutindo-o com a ponta do bachi, num movimento
descendente, retirando a baqueta do contato com a pele logo em seguida (Fig. 4). O resultado é um som
forte e profundo, com a vibração completa da membrana sendo ressoada pelo corpo do instrumento e pela
pele situada no lado oposto, que vibra através do recuo exercido pela pressão do ar exercida.
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a) b)
Figura 4 Toque no centro do taiko em detalhe: a) visão frontal, b) visão lateral
Fonte: Arquivo pessoal do autor
No entanto, é comum o uso de outras técnicas atingindo outras partes da pele, a fim de criar novos efeitos
dramáticos na execução. Desta forma, o tocador pode atingir o centro da pele com toques contínuos e, aos
poucos, afastar-se gradativamente para as extremidades, para criar uma sensação de leve alteração na altura
ou mesmo fazer o movimento contrário, atingindo primeiro as partes mais periféricas da membrana e,
paulatinamente, chegar ao centro. Outra forma bastante popular de tocar o taiko é atingindo as bordas do
instrumento, a parte onde a pele se encontra com o corpo (Fig. 5). O bater nas bordas gera um som seco e
agudo, muitas vezes utilizado para marcar o início de uma nova parte ou para criar uma variação, que,
mesmo em instrumentos de som grave, o toque na borda consegue gerar um bom contraste.
a) b)
Figura 5 Toque na borda do taiko em detalhe: a) visão lateral, b) visão frontal
Fonte: Arquivo pessoal do autor
A posição do taiko também deve ser levada em consideração ao analisarmos as possibilidades de timbre. O
taiko na posição vertical, ou seja, com a pele voltada para cima, poderá ser percutido, normalmente,
somente com batidas de cima para baixo. No entanto, um taiko inclinado permitirá um toque diagonal
(nanamedai) e, ainda, um na posição horizontal, poderá receber batidas de baixo para cima, de cima para
baixo e horizontais. Portanto, embora o efeito prático seja muito mais visual do que sonoro e a maior
distinção se dá em relação à intensidade alcançada com cada toque, é possível dizer que cada ângulo usado
para percutir a pele do taiko resultará em uma sonoridade distinta e terá, muitas vezes, nomenclaturas
específicas. Por fim, os tambores posicionados de maneira horizontal também podem ser percutidos em
suas duas peles ao mesmo tempo, por dois tocadores distintos ou pelo mesmo tocador, no caso dos
tambores carregados por correias.
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O Manual de Taiko de Daihachi Oguchi (s.d.) descreve ainda outras técnicas que podem ser utilizadas. São
elas o hazumi-uchi
(que é descrito como a técnica de eliminar a força do punho ao tocar, fazendo a baqueta
saltar numa espécie de “rebote”), o osae-uchi (tocar comprimindo a baqueta sobre o couro, ou seja,
percutindo e segurando o bachi sobre a pele no mesmo movimento, reduzindo o som residual), o nagashi-
uchi (tocar deixando a baqueta correr sobre a pele), o toremoro (toque das duas baquetas com a mesma
força e velocidade) e o korogashi (técnica de segurar as baquetas de maneira suave e, aproveitando a
elasticidade e tensão do couro, tocar rapidamente como se estivesse “tremendo”, puxando levemente a
baqueta na direção do tocador). Embora as técnicas estejam listadas no manual como ferramentas para o
toque dos tambores pequenos (kodaiko), como os shime-daiko, elas podem ser aplicadas a outros tambores
do conjunto.
O manual (Oguchi s.d.) ainda lista técnicas específicas para os tambores grandes (O-daiko), mas essas apenas
divergem, em linhas gerais, no ângulo usado para atingir a pele do instrumento e na posição do mesmo,
podendo ser um toque frontal, lateral (em ângulo reto em relação à pele do taiko), de baixo para cima ou de
cima para baixo. Outra possibilidade descrita é a de atingir o taiko com o bachi deitado, que é denominado
de tocar “em linha” (Fig. 6).
Figura 6 Detalhe do toque em linha no taiko
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Nessa técnica de tocar “em linha”, em vez de atingir a pele com a ponta do bachi num ângulo de 45o, a
baqueta se encontra com o instrumento num ângulo de aproximadamente 90o em relação à pele, atingindo-
a de lado. Esse toque, no entanto, é mais indicado para ser usado com baquetas longas e feitas com materiais
mais flexíveis.
5. Os Kaito e os taiko brasileiros
5.1. A história da família Kaito
Natural da cidade de Yamagata, no norte do Japão, Tsukasa Kaito trabalhava no país asiático em uma
empresa especializada em laminação de madeiras. Aos 25 anos, teve a oportunidade de se mudar para o
No original, o sufixo -uchi” é grafado como -uti”, aproximando o termo da sonoridade pronunciada. No
entanto, preferimos aqui o uso da grafia -uchi”, mais adequada ao padrão Hepburn utilizado em outras
partes do artigo.
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Brasil para trabalhar na filial brasileira da companhia, na cidade de Taubaté, no interior de São Paulo, onde
seguiu atuando até os 41 anos de idade. Após pedir demissão, o japonês decidiu permanecer no Brasil e unir
sua paixão por música à experiência no manejo de madeira para aprender a arte da construção de violões.
Para isso, teve como mentor Shigemitsu Sugiyama, bastante conceituado na área de luteria. Após um ano
de observação, Tsukasa começou a vender seus próprios violões, obtendo clientes renomados da Música
Popular Brasileira, como os instrumentistas João Bosco e Toquinho. No entanto, o despertar para os
instrumentos japoneses e a música folclórica do país asiático surgiu somente aos 44 anos, ao assistir uma
apresentação de shamisen que ocorreu na cidade de Taubaté. Isso, segundo o próprio Tsukasa, o despertou
para suas raízes japonesas, e ele então começou a estudar o instrumento com o professor Katsumi
Yonemoto. Esse encontro com o shamisen foi tão importante que, após o episódio, passou a ensinar também
seus filhos e sobrinhos e, usando do seu conhecimento em luteria, começou também a fabricar não os
instrumentos de corda, mas também os shakuhachi e os taiko, que fazem parte das formações tradicionais
do minyô, música folclórica japonesa. Foi assim que surgiu, em 1994, o grupo de música folclórica japonesa
Kaito Shamidaiko, que passou a se apresentar em festivais de música japonesa no Brasil e demais eventos
da colônia (Arima 2007).
Yoohey Kaito, filho de Tsukasa, era um dos integrantes do grupo familiar e, a partir dessa vivência, decidiu
seguir a paixão do pai e se tornar um músico profissional especializado em tocar e construir os instrumentos
tradicionais japoneses. A imersão na cultura e na música nipônica teve seu auge num intercâmbio de um
ano no renomado grupo de taiko Kodo, na ilha de Sado, entre os anos de 2010 e 2011, integrando o Kodo
Apprentice Center. Essa experiência, segundo o pprio, proporcionou que pudesse vivenciar o taiko vinte e
quatro horas por dia: “Lá a gente respirava taiko” (Kaito 2022). Atualmente, Yoohey mantém, na cidade de
Taubaté, uma escola de taiko, shinobue, shakuhachi, shamisen e canto, além de sua própria oficina de
construção, que completou vinte anos em 2022.
No Brasil, existem, ao todo, cinco construtores de taiko, todos localizados em cidades do interior de São
Paulo: dois em Embu-Guaçu, um em Osasco, um em Presidente Prudente e os Kaito de Taubaté. Apesar de
Yoohey afirmar que um enorme respeito entre todos os construtores, ele também revela não haver um
grande intercâmbio de informações entre eles. Dessa forma, o processo de construção do taiko brasileiro
promovido pela família Kaito foi, de maneira geral, bastante baseado em pesquisas próprias e tentativa e
erro. Uma das preocupações em sua investigação para a construção dos instrumentos era de adaptar todo
processo à realidade brasileira. Para isso, conduziu e ainda conduz diversas pesquisas com matérias-primas
nacionais, para tornar o instrumento acessível sem perder sua qualidade. Segundo ele, a parte mais difícil é
encontrar madeiras adequadas ao uso nos tambores que sejam mais ou menos atraentes em função de
diversos fatores, como peso, cor, textura, facilidade de manuseio e incidência na região. Além disso, os
couros também podem apresentar algumas dificuldades, uma vez que, dependendo da idade do animal, as
características são bastante distintas e influenciam na construção e som do instrumento. Soma-se isto à
dificuldade de barganhar com empresas fornecedoras da matéria-prima animal, acostumadas a negociar
grandes quantidades no mercado nacional ou internacional, os desafios são muitos, mas, mesmo assim, a
qualidade dos tambores produzidos por Yoohey e sua equipe foram elogiados por diversos tocadores
profissionais brasileiros e japoneses.
As adaptações, porém, não se limitam às matérias-primas: todo o processo artesanal conduzido na oficina,
que conta atualmente com dois trabalhadores (Mário Nakamura, gerente de produção e Moisés Barbosa de
Paula, auxiliar de produção), além do próprio Yoohey e sua esposa e sócia Natália Kanashiro, que é
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responsável pela parte educacional e projetos, precisou também inventar e adaptar as ferramentas
necessárias para a preparação das peles, madeiras, ferragens e demais materiais. A partir dessas
experiências, é possível dizer, sem dúvidas, que o taiko brasileiro e sua construção ganharam características
próprias e uma identidade nacional. Para entender melhor estes aspectos, vamos acompanhar o passo a
passo da construção de dois instrumentos nacionais: um nagado-daiko, da família dos byo-uchi-daiko, e um
okedo-daiko, da família dos shime-daiko.
5.2. Nagado-daiko
Os nagado-daiko construídos no Brasil na oficina dos Kaito possuem tamanho que pode variar entre 48 cm
de diâmetro por 54 cm de altura e 55 cm de diâmetro por 60 cm de altura. As madeiras utilizadas na
construção variam entre o Pinus silvestre, o Angelim, a Muiracatiara e o Cedrinho. O couro utilizado é bovino
e, além das madeiras, é usado o ferro para a confecção da alça para manuseio do instrumento e do anel de
reforço. As tachas, usadas para prender o couro ao corpo do instrumento, são terceirizadas e compradas
prontas, feitas especialmente para isso. O preço variou, em 2022, entre R$5.200 (cinco mil e duzentos reais)
e R$6.700 (seis mil e setecentos reais), de acordo com a madeira utilizada e tamanho.
O processo de construção do nagado começa com a seleção das peças de madeira a serem utilizadas. É
importante ressaltar que essa matéria-prima, tão importante para a sonoridade do instrumento, é um dos
maiores desafios para um/a construtor/a de taiko, uma vez que depende da disponibilidade dos
fornecedores de espécies específicas e do estágio de secagem da madeira. Isso quer dizer que, em muitos
casos, não é possível trabalhar de imediato com a matéria-prima recebida. Yoohey conta que são necessários
até 3 anos para que madeiras que não atingiram a secagem ideal possam ser utilizadas na fabricação do
instrumento, o que acarreta num percalço importante da construção pela demora e pelos desafios de
armazenamento desse material, que chega na oficina em partes inteiras e que pode ter até 6 metros de
comprimento. As peças que precisam ainda passar por um longo período de secagem também não podem
ser expostas ao sol, já que podem sofrer rachaduras e outros contratempos. Na visita à oficina dos Kaito, o
último carregamento que haviam recebido, da espécie Angelim, era de madeiras em um estágio de
secagem ideal, prontas para a utilização. Elas então passaram pelo primeiro processo que consiste em cortá-
las em pranchas retangulares na altura do nagado-daiko (Fig. 7).
a) b)
Figura 7 Processo de corte das pranchas: a) corte na máquina, b) pranchas cortadas
Fonte: Arquivo pessoal do autor
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Questionado se havia cogitado a ideia de construir um nagado-daiko utilizando um corte do tronco da
árvore e cavando seu interior, como algumas fábricas mais tradicionais japonesas faziam e ainda fazem,
Yoohey relatou que a ideia se torna inviável financeiramente, pois demanda um alto investimento em novas
ferramentas por parte do luthier e o preço de venda seria também bastante impactado. Voltando às
pranchas, elas então são riscadas e cortadas em “gomos”, como são chamadas as partes que vão se juntar
para a fabricação do corpo do instrumento, por uma serra-fita. Esses “gomos” passam então por um novo
corte, para que seja criado o ângulo ideal para que as peças possam se fechar em um formato semelhante a
um barril (Fig. 8). A máquina utilizada para este corte foi desenvolvida na própria oficina. Muito desse
maquinário foi construído a partir da necessidade e com a experiência do pai de Yoohey, Tsukasa Kaito, e
Mário Nakamura, gerente de produção da oficina e que traz na bagagem a experiência de anos no setor de
serralheria.
a) b)
Figura 8 Processo de corte das pranchas: a) pranchas cortadas em “gomos”, b) corte do ângulo
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Já com os ângulos cortados, os “gomos” são então colados e colocados juntos em uma forma, já no formato
do nagado-daiko (Fig. 9). A colagem se com cola branca (EVA) e as partes são prensadas até que fiquem
firmes. Esse processo leva, em média, 2 dias. Depois desse processo, o instrumento passa por uma máquina,
também desenvolvida na oficina, para ser torneada e ganhar o formato final do instrumento, eliminando
“quinas” e outras imperfeições (Fig. 10). Antigamente, esse processo era feito com plainas. No fim, o corpo
do instrumento recebe uma última lixada e uma primeira camada de verniz externamente para acabamento.
Figura 9 Forma utilizada para prensar os “gomos” no processo de colagem
Fonte: Arquivo pessoal do autor
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a) b)
Figura 10 Processo de torno para acabamento da peça: a) máquina utilizada para o torno, b) detalhe da máquina de torno
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Com o corpo quase finalizado, são adicionados anéis de ferro em suas bordas (Fig. 11), a fim de dar ao
instrumento uma maior resistência a impactos, principalmente daqueles sofridos por batidas na borda, tão
comuns. Estes aros de ferro chegam à oficina como barras de ferro, e são transformadas em anéis e soldadas
também ali, para depois serem encaixadas no corpo de madeira. Nesse momento, o corpo ainda não recebe
seu tingimento, polimento e acabamento finais com verniz. Isso ocorre pois o processo de inclusão de couro
no instrumento pode “machucar” e marcar o corpo do tambor. Dessa forma, evita-se que o produto final
tenha riscos ou outras marcas indesejadas.
Figura 11 Detalhe do aro metálico que envolve o corpo do instrumento
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Por conta desse cuidado com o acabamento, é logo após esta etapa que o corpo do nagado-daiko já recebe
o couro animal. O couro usado na oficina de Yoohey é o bovino, que chega à oficina em partes inteiras. O
luthier relata algumas dificuldades em conseguir bons materiais, que é necessário que o couro não possua
marcas de faca e não pertençam a certas partes do boi, como o cupim. O couro então passa por uma seleção
e é cortado em grandes círculos, de acordo com o tamanho do instrumento (Fig. 12). A pele animal é deixada
então na água, para ganhar elasticidade e flexibilidade para ser trabalhada. Esse processo pode variar de 3
dias a até semanas. O trabalho é todo feito então com o couro molhado.
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a) b)
Figura 12 Peles animais usadas na fabricação dos taiko: a) couros bovinos brutos armazenados, b) couro bovino já cortado
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Com a pele animal preparada, são feitos furos nas extremidades onde serão encaixados bastões de ferro.
Estes bastões serão importantes para tensionar o couro sobre o corpo do instrumento, em mais um
maquinário desenvolvido na própria oficina (Fig. 13). O couro é posicionado e, através de um sistema de
cordas e alavancas, o couro é esticado até a tensão desejada pelo luthier. É nesse momento que ocorre a
afinação do instrumento, uma vez que os byo-uchi-daiko, por serem presos por tachas, não podem ter sua
afinação alterada com facilidade depois de prontos. O tempo que o instrumento fica nesse maquinário pode
depender de vários fatores: clima, maciez do couro, espessura, timbre desejado, entre outros. Porém, de
maneira aproximada, pode-se estimar que esse processo demore, no mínimo, cerca de duas semanas para
cada lado do tambor. A afinação é feita sem o uso de equipamentos. Yoohey usa os ouvidos e, negociando
o timbre desejado com o cliente, chega ao resultado final.
Figura 13 Couro sendo esticado na máquina
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Quando o couro está assentado e atinge o timbre ideal, são colocadas as tachas com o tambor ainda na
máquina. Elas são postas uma a uma num processo manual, e são feitas sob medida para o uso nos taiko.
Curioso ressaltar que, mesmo depois de tachados, os taiko ainda permanecem por alguns dias tensionados
pelas cordas até que se “acostumem” com as tachas. Após isso, o nagado-daiko recebe sua pintura e
acabamento finais em verniz e suas alças de ferro, essas também produzidas na oficina. A parte do couro
para baixo das tachas, chamadas popularmente de “orelhas”, também recebem um acabamento em costura
ou, em alguns casos, podem ser retiradas se assim desejar o cliente. Além disso, os instrumentos recebem
também uma placa de identificação da oficina. Está finalizado então o nagado-daiko (Fig. 14).
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a) b)
c)
Figura 14 Finalização do nagado-daiko: a) detalhe das tachas, b) detalhe do acabamento das “orelhas”, c) nagado-daiko finalizado
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Todo o processo de construção, num cenário ideal, supondo a chegada de uma madeira pronta para uso,
bom assentamento do couro e outras condições favoráveis, leva, no mínimo, 2 meses de trabalho. No
entanto, Yoohey ressalta que são muitos os fatores oscilantes e, por isso, é difícil cravar um tempo médio
exato de produção.
5.3. Okedo-daiko
Os okedo-daiko
fabricados por Yoohey e sua equipe possuem tamanho de 51 cm de diâmetro por 54 cm de
altura. O corpo é feito a partir de um compensado de Sumaúma de 4 milímetros de espessura. O couro
utilizado também é de origem bovina e a pele é presa ao instrumento a partir de cordas feitas de
polipropileno. Os okedo-daiko foram vendidos, em 2022, ao preço de R$1.100 (mil e cem reais). O processo
de construção desse instrumento pode ser dividido em duas partes que acontecem paralelamente: o
preparo da madeira e o preparo do couro.
Começando pela madeira, os compensados chegam à oficina também em grandes pranchas (Fig. 15a), que
são cortadas no tamanho do instrumento com uma serra do tipo tico-tico. Ao contrário dos nagado-daiko,
os okedo-daiko não possuem o problema da secagem da madeira, uma vez que os compensados, que são
três finas camadas de madeira coladas com seus veios em sentidos intercalados para dar mais resistência e
flexibilidade à peça, chegam sempre prontos para a utilização. O compensado depois de cortado é então
envergado à mão no formato circular, de forma a produzir um cilindro. Todo o processo é feito com a
madeira em temperatura ambiente. Yoohey e Mário Nakamura contam que, nessa parte do processo, é
Os okedo-daiko aqui citados se tratam da versão média do instrumento, chamada também de okedo-daiko-
eitetsu. A preferência de usar apenas a nomenclatura okedo-daiko pra se referir a esses instrumentos se dá
na tentativa de manutenção de uma linguagem êmica.
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comum que algumas peças se quebrem, mas que a experiência no manuseio faz com que esse problema seja
minimizado. A madeira recebe então alguns anéis para que assimile o formato do taiko (Fig. 15b).
a) b)
Figura 15 Tratamentos iniciais da madeira: a) compensados em sua forma bruta, b) compensado envergado no formato cilíndrico
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Depois deste processo, uma ripa de madeira é colada sobre a emenda do cilindro, a fim de fechá-lo
definitivamente. São feitas também adições nas bocas, com duas fitas de madeira para reforçá-las, tornando-
as mais resistentes à pressão que será exercida. Após isso, é feito um lixamento manual nessas
extremidades. Já praticamente finalizado, o cilindro recebe uma massa para madeira. São necessárias até 3
demãos para atingir o resultado desejado. O cilindro é depois lixado externamente, e fica pronto para
receber a pintura e o verniz. A tinta usada para pintar o okedo-daiko é o esmalte sintético, geralmente nas
cores preto ou vermelho. A pintura é feita a partir de uma pistola de tinta e pode demandar também várias
demãos. Por fim, a madeira recebe o verniz e está finalizada (Fig. 16).
Terminada a parte da madeira, é feito o preparo do couro, que pode ocorrer paralelamente. Este processo
se inicia com o manejo do ferro. Comprado em grandes barras, que podem atingir até 6 metros de
comprimento, ele chega à oficina já na espessura necessária para o manuseio. As barras são então cortadas
no tamanho ideal para a formação do aro do instrumento e envergadas num maquinário desenvolvido pelo
luthier para que ganhem o formato de anel e terem suas pontas então soldadas. O aro de ferro passa depois
por um processo de aplicação de zarcão, o tetróxido de chumbo (Fig. 17). Isso ocorre para dar mais
resistência ao material e evitar ou retardar o processo de corrosão, além de não causar manchas ao couro.
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a) b)
c)
Figura 16 Acabamento do cilindro: a) detalhe da emenda e da boca, b) cilindro com a massa para madeira, c) cilindros finalizados
Fonte: Arquivo pessoal do autor
a) b)
Figura 17 Preparo das ferragens: a) detalhe do molde para dar forma à barra de ferro, b) aro com zarcão
Fonte: Arquivo pessoal do autor
O aro de ferro finalizado recebe ainda uma fita adesiva, como uma última proteção para evitar o contato
direto do material com o couro. No Japão, os/as construtores/as mais tradicionais usavam palhas de milho
ou materiais similares nesse processo. Depois disso, o couro é colocado sobre este aro. Assim como no
nagado-daiko, o couro aqui também fica de molho na água por alguns dias para ganhar flexibilidade e
maleabilidade para o trabalho. cortado no formato correto, ele então passa pelo processo de costura
sobre o anel. A extremidade da pele é toda furada, e são inseridos pequenos ganchos de metal. Num
processo todo manual, diversas linhas são passadas pelos ganchos para dar a tensão necessária ao couro
sobre o aro metálico (Fig. 18).
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Figura 18 Couro sendo tensionado sobre o aro de ferro
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Nessa parte da construção é necessário ter bastante cuidado. Isso porque é preciso entender qual parte do
couro precisa receber uma maior tensão para que a peça fique uniforme, além da necessidade de manter a
pele sempre úmida, a fim de resguardar sua flexibilidade para o trabalho. Após esse estágio, é hora de fazer
a costura final. Para isso, é colocado um primeiro gabarito sobre o couro, onde estão marcados os lugares
que devem ser furados para receber as cordas que ligarão a pele ao corpo do instrumento, e um segundo
gabarito marcando o local das costuras. São feitas duas costuras nas extremidades, que utilizam uma linha
encerada de algodão e poliéster e uma agulha própria. As sobras do couro são então retiradas e a pele é
deixada para secar, finalizando o processo (Fig. 19).
a) b)
c)
Figura 19 Processo de costura da pele: a) gabarito para a costura da pele, b) agulha usada para costura do couro, c) detalhe da costura
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Por fim, chega a hora então de juntar o corpo do instrumento à pele. Para isso, são utilizadas as cordas de
polipropileno, que são adquiridas prontas, com a espessura de 8 milímetros. Todo esse processo é feito
de maneira manual nas duas extremidades do instrumento e o okedo-daiko está então finalizado e pronto
para uso (Fig. 20).
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a) b)
Figura 20 Finalização do okedo-daiko: a) okedo-daiko finalizado, b) detalhe da corda de polipropileno
Fonte: Arquivo pessoal do autor
O processo de construção de um okedo-daiko é bem mais rápido que o do nagado-daiko, ainda mais se
levando em conta a possibilidade do processo do couro e da madeira serem feitos em paralelo. Dessa forma,
em condições ideias de trabalho, é possível ter um okedo finalizado em, aproximadamente, cinco dias.
5.4. Demais tambores
Além dos nagado e okedo, outros tambores comuns dos grupos de taiko são produzidos em solo brasileiro.
Grosso modo, no entanto, o processo desses outros instrumentos segue o padrão descrito pelo nagado-
daiko ou okedo-daiko, apenas com tamanhos diferentes ou combinações híbridas. A Tab. 2 mostra a relação
dos instrumentos disponíveis na loja dos Kaito com medidas, materiais utilizados e valor em 2022.
Tabela 2 Relação dos demais tambores produzidos na oficina Kaito
Taiko
Medidas: diâmetro
x altura (cm)
Madeira do corpo
Pele
Ferragens/cordas
Preço (R$)
O-daiko6
110x75
4 camadas de compensado
Sumaúma 4mm
Couro bovino
Poliéster/Algodão/Polipropileno
5.985
Katsugi-okedo-daiko
49x48
Compensado Sumaúma
4mm
Couro bovino
Poliéster/Algodão/Polipropileno
1.150
Shime-daiko
36x20 38x29
Angelim, Pinus silvestre,
Muiracatiara ou Cedrinho
Couro bovino
Poliéster/Sisal/Ferro
1.800 2.800
Shime-katsugi-daiko7
37x47
Angelim, Pinus silvestre,
Muiracatiara, Cedrinho ou
Caxeta
Couro bovino
Poliéster/Algodão/Sisal
1.850
Hirado-daiko corda8
51x20
Compensado Sumaúma
4mm
Couro bovino
Poliéster/Algodão/Polipropileno
1.000
Hirado-daiko tacha
54x23
Angelim, Pinus silvestre,
Muiracatiara, Cedrinho
Couro bovino
Gancho/alça em ferro e tachas
para pregar o couro
5.600
A oficina produz também alguns modelos de taiko utilizados em manifestações típicas da ilha de Okinawa,
além de fornecer narimono, capas, suportes, bachi, correias, entre outros acessórios. Com exceção dos bachi
e dos suportes, os demais itens são todos terceirizados e alguns importados. Vale lembrar também que os
uchiwa-daiko não são produzidos por uma questão de demanda. Um produto que vale destaque, no entanto,
O-daiko de corda. Também chamado de ojime.
Variação de shime-daiko que pode ser carregada.
Variação dos hirado-daiko tradicionais, que têm sua pele presa por tachas.
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inventado por Yoohey e que ganhou notoriedade durante a pandemia de COVID-19, principalmente entre
2020 e 2021, foram os taiko-pad (Fig. 21).
Figura 21 Taiko-pad
Fonte: Arquivo pessoal do autor
Nascido de provocações de amigos e colegas que tinham dificuldade de tocar seus instrumentos durante o
período de isolamento, seja pela falta de instrumento em casa ou pelo barulho produzido por eles,
principalmente em apartamentos, e motivado também pela queda de venda dos instrumentos tradicionais,
o luthier se inspirou nos pads utilizados por bateristas para treino para inventar o seu taiko-pad, uma solução
que parece simples, mas demandou grande tempo de pesquisa. Isso porque Yoohey tinha uma grande
preocupação em simular, da maneira mais adequada possível, a sensação de se tocar em um okedo-daiko.
Dessa forma, não bastava somente criar uma superfície resistente, mas que também proporcionasse uma
sensação de toque adequada.
Para se chegar ao produto final, foram feitos diversos testes com diferentes espessuras de madeira e demais
elementos, até que se chegasse ao formato final, que é construído com madeira, carpete, etileno acetato de
vinila (EVA) e couro. O resultado foi bastante satisfatório e muitas unidades foram vendidas durante todo o
período da pandemia. Além disso, por ser uma alternativa mais barata em relação aos tambores tradicionais,
o instrumento foi utilizado também como alternativa pedagógica. A Prefeitura de Atibaia, por meio de
parcerias com o terceiro setor, implementou a oficina de taiko em uma unidade escolar do município em
2022 e, para isso, utilizou os taiko-pad como alternativa para o uso em sala de aula, pelo valor adequado ao
orçamento e possibilidade de manuseio e armazenamento facilitados, além do volume de som. O valor do
produto em 2022 foi de R$320 (trezentos e vinte reais).
5. Considerações finais
A partir da observação do trabalho realizado na oficina dos Kaito, foi possível assimilar como as adaptações
propostas pelo luthier na construção dos instrumentos possibilitaram sua apropriação à realidade brasileira.
O exercício constante de pesquisa das matérias-primas, a invenção e adaptação de máquinas para tratar
madeiras, peles e ferragens, a busca pela sonoridade adequada e aproveitamento das condições brasileiras
tornaram-se peças-chave na construção desse musicar. A partir dessa apropriação, é possível advogar a favor
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de uma identidade própria dos taiko brasileiros, influenciados pelos instrumentos japoneses, mas que
construíram suas próprias soluções locais e sua identidade. Como Reily (2021, 6) afirma:
[…] uma localidade adquire sua identidade particular a partir da relação que ela tem com
outras localidades. Ao longo de sua história, cada localidade torna-se única pela
especificidade de encontros que vai forjando nos rearranjos de seus “elementos móveis”
por meio das práticas de seus habitantes. A música se apresenta como uma esfera de
práticas particularmente propícia para investigar como a confluência de sonoridades numa
determinada localidade se rearticula para marcar o seu perfil identitário.
Assim, a trajetória dos tambores e sua adaptação à realidade brasileira se tornam alegorias da própria
história da imigração japonesa, que também sofreu inúmeras adaptações e ressignificações. A numerosa
comunidade imigrante e descendente que vive hoje no Brasil permitiu que muitas manifestações culturais e
artísticas do arquipélago asiático pudessem florescer no país e fossem incorporadas ao dia a dia desses
indivíduos e também de entusiastas da cultura nipônica, que constroem laços de admiração e reverência a
partir do contato com práticas como a do taiko. Assim, os taiko se tornam objetos de afirmação de orgulho
desses “japoneses brasileiros” e são usados com objetivos especficos em suas comunidades, como a própria
trajetória da família Kaito ilustra ao utilizarem a música e os instrumentos tradicionais como um redescobrir
simbólico de suas origens.
Dessa forma, valores e musicares ligados aos tambores japoneses criam significados e trajetórias localizadas,
estabelecendo novas relações. Os instrumentos, portanto, constroem sua própria história em terras
brasileiras como “seres vivos”:
[…] instrumentos musicais não são meros objetos passveis de transferência de um lugar
ou de uma cultura a outra, mas que, como os “seres vivos” que constituem os materiais de
sua produção em contextos tradicionais, o constantemente adaptados a diferentes
contextos e por diferentes pessoas e coletivos, sendo muitas vezes substituídos por outros
difundidos internacionalmente e ressignificados a partir da prática musical que os
emprega. (Graeff 2023, 3)
E ainda:
Cada instrumento, sobretudo artesanal, é de fato diferente, que construído em um
determinado momento, por um determinado construtor, para um determinado tocador e
prática musical, com os materiais disponíveis e adequados a cada contexto. Após sua
construção, um instrumento ainda passa por adaptações para atender às necessidades das
práticas musicais em que se insere, interagindo “dialeticamente com as realidades culturais
e fsicas de seu entorno”. (Graeff 2023, 23)
Por fim, ressalta-se a adoção de soluções totalmente inéditas dentro da prática do taiko, como os taiko-pad
inventados por Yoohey Kaito. Embora não se configurem como instrumentos destinados à performance, e
sim como uma solução para os treinos, sua criação demonstra uma capacidade e abertura para inovações
dentro da prática tradicional dos grupos de taiko. A partir dessa predisposição e com a difusão desses
instrumentos produzidos em solo brasileiro, que com o desenvolvimento de novas tecnologias e o
surgimento de novos/as luthiers tende a baratear seus custos e aumentar a sua acessibilidade, é possível
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imaginar que, num futuro próximo, os tambores japoneses possam se integrar cada vez mais a outros
contextos musicais e comunidades, permitindo que novos grupos possam sentir a vibração marcante dos
taiko.
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