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eISSN 2317-6377
A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas:
ecletismo ou especialização
The evolution of percussion and the new challenges for percussionists:
eclecticism or specialization
Eduardo Flores Gianesella
Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Departamento de Música, São Paulo, SP, Brasil
eduardo.gianesella@unesp.br
SCIENTIFIC ARTICLE
Section Editor: Ronan Gil de Morais
Layout Editor: Edinaldo Medina
License: CC by 4.0
Submitted date: 26 aug 2023
Final approval date: 18 sep 2023
Publication date: 06 oct 2023
DOI: https://doi.org/10.35699/2317-6377.2023.47851
RESUMO: O presente trabalho apresenta um panorama da evolução e da multiplicidade da percussão, especialmente a partir do
séc. XX. Ele trata, consequentemente, dos desafios que o/a percussionista atual encontra perante esse fenômeno, desde a
criação e aperfeiçoamento de diversos instrumentos, o desenvolvimento de diferentes cnicas e o surgimento de um vasto
repertório para distintos instrumentos e estilos musicais, tanto em contexto mundial como no Brasil. Isto faz com que boa parte
dos/as percussionistas se encontrem em algum momento num paradoxo entre a busca pelo ecletismo perante essa grande
diversidade ou pela maior especialização, focando em apenas um ou alguns dos instrumentos e/ou estilos abordados. Discutir-
se-á também como as instituões de ensino de percussão têm lidado com essas questões específicas.
Palavras-chave: percussão; evolução; repertório; ecletismo; especialização.
ABSTRACT: This work presents an overview of the evolution and the multiplicity of percussion, particularly from the 20th
century onwards. Consequently, it discusses the challenges that the current percussionist faces dealing with this phenomenon,
from the creation and improvement of various instruments, the development of different techniques and the emergence of a
vast repertoire for different instruments and musical styles, in a global context and also a Brazilian one. This means that most
percussionists find themselves at some point in a paradox between the search for eclecticism when facing this huge diversity or
a greater specialization in just one or a few of the instruments and/or styles addressed. It will be also discussed how percussion
teaching institutions have been dealing with this specific issues.
Key words: percussion; evolution; repertoire; eclecticism; specialization.
Per Musi | Belo Horizonte | v.24 | Sessão Temática RePercussões | e232414 | 2023
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
1. Introdução
A evolução da percussão teve um salto gigantesco, principalmente a partir do séc. XX, com a incorporação
e criação de novos instrumentos e de repertórios em gêneros tão diversos como a música popular e a
música de concerto. Com isso, houve crescente demanda pelos/as percussionistas, que cerca de cinco
séculos atrás atuavam basicamente em manifestações de músicas tradicionais ou ainda na música militar,
como será visto mais adiante. No entanto, a multiplicidade de novas oportunidades também trouxe uma
enorme ampliação dos diferentes repertórios, assim como da quantidade e qualidade de instrumentos
utilizados, aliados a uma grande evolução e sofisticação das técnicas usadas nos distintos instrumentos e
estilos musicais, criando um grande paradoxo para o/a percussionista contemporâneo: ecletismo ou
especialização.
Muitos/as percussionistas que têm uma educação formal num conservatório ou escola de música buscam
alcançar o ideal que algumas pessoas chamam de percussionista completo/a (em inglês, normalmente se
utilizam os termos total percussionist ou well rounded percussionist). Embora se refiram a um/a
percussionista que domine uma grande quantidade de instrumentos num nível avançado, na realidade,
pela dimensão que o escopo da percussão engloba, isso está muito longe de ser integralmente possível.
Mesmo entre os/as percussionistas cujo campo de concentração é a música de concerto, isso significa
dominar as técnicas e o repertório dos chamados principais
1
instrumentos da percussão sinfônica, que
seriam os teclados da percussão (barrafones), principalmente a marimba, o vibrafone e o xilofone, assim
como a caixa-clara, a percussão múltipla, os tímpanos, e instrumentos orquestrais como bumbo, pratos,
pandeiro, triângulo, castanholas, glockenspiel, campanas, entre outros, e ainda ter uma razoável
proficiência na bateria e até em instrumentos da percussão popular ou tradicional. Por outro lado,
principalmente a partir da segunda metade do séc. XX, diversos/as percussionistas optaram por se
especializar em apenas alguns desses instrumentos, ou até mesmo focar em somente um instrumento de
percussão e gênero musical, o que levou a uma sofisticação das técnicas e aumento da complexidade do
repertório nas performances dessas obras ou gêneros em questão.
Na marimba, o repertório hoje abrange desde a execução de transcrições de obras de Bach e outros
compositores clássicos
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a solos de obras contemporâneas e concertos com orquestra, além da sica de
câmera e sinfônica, e que pode incluir até mesmo a técnica para seis baquetas. O vibrafone, que passa do
repertório e idiomatismo jazzístico onde se originou ao repertório contemporâneo, incluindo inúmeros
solos e concertos, assim como um grande número de importantes obras para música de câmera. A caixa-
clara está presente desde a música militar em suas diversas variantes, passando pelo repertório orquestral
e camerístico e chegando ao repertório solo contemporâneo. Os tímpanos, cujo significativo repertório
orquestral abrange desde a música barroca até a música atual, incluindo a música de câmera, concertos
para tímpanos desde o séc. XVIII, além do repertório solo contemporâneo. Este foi talvez o primeiro
instrumento de percussão a solicitar um/a especialista: o/a timpanista. Um/a percussionista orquestral
deve dominar uma ampla gama de instrumentos, assim como conhecer intimamente o repertório
sinfônico, podendo também atuar na música de câmera. O/A percussionista especialista na percussão
1
Expressão comumente usada por percussionistas e que exigiria uma maior reflexão, mas cujo escopo de
discussão não é o ponto central neste momento.
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No sentido de música de concerto, que extrapola o período do classicismo.
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múltipla deve tocar desde o repertório camerístico e solista, até obras que interagem com eletnica,
assim como importantes concertos com orquestra. Além disso, existem até mesmo os/as especialistas
no teatro instrumental ou percussão cênica, assim como outros/as que exploram a percussão associada à
tecnologia, seja tocando obras mistas para eletrônica e percussão (com tape ou live eletronics) ou até
mesmo desenvolvendo e executando novos instrumentos e aplicativos que incorporam essas tecnologias à
música.
No abrangente campo da música popular temos como instrumento mais universalizado a bateria, que ao
longo do séc. XX ganhou uma identidade própria, e é hoje utilizada globalmente na grande maioria dos
diferentes ritmos e estilos musicais do gênero popular. Da mesma forma, percussionistas das mais variadas
culturas e procedências trouxeram e adaptaram uma imensa quantidade de ritmos e instrumentos
tradicionais à música popular, e muitos desses/as bateristas e percussionistas também acabam se
especializando em determinados ritmos ou estilos musicais. Não podemos deixar de mencionar que a
partir do séc. XX muitos compositores/as da chamada música de concerto também passaram a utilizar boa
parte do imenso arsenal de percussão originário das mais diversas culturas do planeta.
Portanto, com a grande quantidade de instrumentos e gêneros mencionados acima, onde cada um
certamente demanda muito tempo de prática para um pleno domínio, e apesar de existirem
percussionistas que atuam com excelência em diferentes instrumentos e estilos musicais, as palavras
completo ou total nunca tiveram significado tão longe da realidade, pois ao mesmo tempo que o
surgimento dos/as percussionistas especializados ajudaram a elevar radicalmente o nível técnico e a
ampliar o repertório de cada um dos instrumentos, por outro lado, muitas das obras mais recentes foram
concebidas com um nível de complexidade técnica compatível com a desses/as especialistas, o que pode
acabar gerando uma grande frustração para o/a chamado/a percussionista completo/a, que ao dividir
o seu tempo de estudo entre tantos instrumentos e estilos diferentes, é praticamente impossível atingir o
mesmo vel de intimidade e proficiência que um/a especialista para ou por quem tais obras foram
concebidas, além dos inúmeros ritmos, instrumentos e idiomatismos utilizados na música tradicional e
popular dos diferentes povos.
Para se conhecer o processo de evolução dessa grande diversidade percussiva, serão apresentadas as
diferentes facetas onde a percussão atualmente está inserida, incluindo exemplos de obras,
compositores/as e intérpretes importantes para o surgimento e evolução dos instrumentos e/ou estilos
abordados, tanto em contexto mundial como brasileiro, até mesmo para se perceber certas relações de
troca, confluência, divergência e influência que ocorrem durante essa evolução. Pela dimensão do assunto
e brevidade do espaço, os exemplos foram selecionados pela relevância histórica ou ainda em termos de
inovação e projeção, sem com isso ignorar ou menosprezar a importância de outros exemplos que o
foram mencionados, até mesmo porque nunca haveria um consenso absoluto sobre essa seleção. E
seguramente, seleções feitas por percussionistas de diferentes países também seriam afetadas pelas
diferenças culturais, mesmo que boa parte ainda coincidisse.
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2. Percussão tradicional
A percussão e a voz são consideradas os primeiros instrumentos musicais utilizados pelo ser humano
primitivo
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, seja para fins religiosos, festivos e até mesmo de comunicação. Além da própria percussão
corporal, utilizada em várias manifestações culturais, encontramos uma vasta diversidade de instrumentos
de percussão utilizados por povos tão distantes geograficamente como os esquimós habitantes do círculo
polar ártico, os aborígenes dos desertos australianos, as tribos indígenas das florestas mais remotas do
interior da Amazônia, os inúmeros povos do continente africano, assim como as culturas milenares
asiáticas e povos isolados de ilhas do Pacífico. Assim, a percussão está presente na música tradicional
produzida por praticamente todas as culturas humanas, das mais isoladas às mais globalizadas, em todas
as regiões do planeta.
Sabemos que, de forma geral, a música africana faz intenso uso da percussão devido à importância que o
ritmo representa em sua estrutura, sendo que as culturas influenciadas pela diáspora africana nas três
Américas herdaram muitas das características culturais encontradas naquele continente. A grande
quantidade de ritmos brasileiros, assim como tantos outros ritmos latinos nas Américas e o próprio jazz
nos EUA são exemplos de como a herança cultural e musical africana foram profundamente absorvidas e
transformadas nas Américas. Da mesma forma, encontramos toda a enorme diversidade tímbrica e rítmica
do gamelão indonésio, a rítmica complexa da música indiana, com instrumentos tão peculiares como a
tabla e a mrdanga, a disciplina e precisão da música japonesa para tambores (taikos), e poderíamos
continuar com uma listagem infindável de exemplos onde a percussão es intimamente ligada a
expressões culturais dos diferentes povos.
Cada instrumento e ritmo tradicional geralmente pertence a uma manifestação cultural diferente que
abrange aspectos que vão muito além da própria música: algumas dessas manifestações têm caráter
religioso, outras são festivas, a grande maioria envolve a dança e o canto, e muitas delas, até mesmo,
vestimentas especiais. Isso apenas para falar dos aspectos mais palpáveis de uma manifestação cultural,
sem entrar na história, lendas, comidas, costumes e condições sociais dos povos locais onde elas ocorrem.
Para se conhecer a essência de um ritmo, o ideal é compreender o contexto cultural em que ele está
inserido. Portanto, para cada um dos ritmos tradicionais, existem especialistas, sejam eles originários do
próprio meio onde ocorre a manifestação, ou de pessoas que buscaram o aprendizado junto aos mestres
locais. Como exemplificação, dentro de uma escola de samba, normalmente os integrantes da bateria
conhecem o contexto geral e o idiomatismo desse ritmo, compreendendo as funções de cada um dos
diferentes instrumentos, mas mesmo assim, embora existam vários ritmistas
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que podem tocar diversos
instrumentos, ainda existem os/as especialistas na cuíca, no repinique, no tamborim, e assim por diante.
Esse tipo de especialização interna nos diferentes instrumentos utilizados num mesmo ritmo também
pode acontecer em outras manifestações culturais mundo afora.
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No sentido da existência primeira dos povos originários, não fazendo qualquer juízo de valor.
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Termo comumente utilizado pelos/as pprios/as integrantes das baterias de escolas de samba.
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3. Música Popular
Em função da grande globalização em que se vive, com a possibilidade de compartilhamento instantâneo
de música e deo de todos os cantos do planeta, ocorre também um profundo impacto midiático via
influência de produtores e gravadoras que tentam emplacar determinados estilos musicais, muitas vezes
até por razões mais comerciais do que artísticas. Além disso, a música popular feita nos diferentes países
também sofre, em maior ou menor medida, tanto a influência global de gêneros de maior poder de difusão
e penetração, como a influência da cultura musical local em que se insere. Nesse aspecto, a conexão com
as culturas tradicionais sempre é um fator que ajuda na distinção e na criação de um estilo próprio. Dessa
forma, também encontraremos uma ampla demanda para a percussão, seja representada exclusivamente
pela bateria, ou também com o apoio de um/a ou mais percussionistas que ajudam na elaboração rítmica
e no enriquecimento tímbrico de uma grande gama de estilos musicais como o pop, o rock, a MPB, a
música latina, a música indiana, africana, e outras, assim como na música instrumental popular, no jazz em
todas suas vertentes, e nas fusões e misturas desses gêneros, incluindo a chamada world music.
A bateria surgiu nos EUA no final do séc. XIX a partir da junção de diversos instrumentos de percussão de
origem militar (caixa, bumbo, tambores e pratos) para uso nos ragtimes e nas primeiras bandas de jazz.
Aos poucos ela também passou a incorporar instrumentos de outras culturas, como o cowbell, tambores e
blocos chineses, e outros instrumentos, tendo evoluído e sido divulgada em escala global. Atualmente é
utilizada em quase todos os ritmos e estilos musicais ligados ao gênero popular.
Entre os/as bateristas e percussionistas profissionais que atuam nesse gênero existem aqueles que se
dedicam a um leque maior de estilos, enquanto outros focam e se aprofundam em determinados ritmos.
Mas para o/a percussionista popular brasileiro/a que pretende dominar os ritmos de seu país, isso
engloba desde o samba e seus subgêneros como o samba-enredo, o pagode, o samba-rock, entre outros,
assim como o choro, o jongo, a capoeira, o maracatu nação e rural, a congada, o carimbó, os ritmos do
candomblé, o frevo, os diferentes sotaques do boi-bumbá do Maranhão, o caboclinho, apenas para citar
alguns. Portanto, dependendo do grau de profundidade que se pretende, somente a especialização na
percussão brasileira exigiria uma vida inteira de estudos e uma enorme capacidade técnica e de
compreensão, pela grande quantidade e diversidade de manifestações culturais e de instrumentos no
Brasil.
O mesmo pode-se dizer de um/a percussionista que tenha por foco os chamados instrumentos latinos,
com sua grande diversidade de ritmos como o candombe uruguaio, a cumbia, o cerecece, o currulao e
tantos outros ritmos da Colômbia, a grande quantidade de ritmos caribenhos como a salsa, o merengue, o
mambo, a rumba, entre tantos outros ritmos de diversos países onde para cada um deles, da mesma forma
que no samba, existem especialistas no próprio ritmo e/ou nos diferentes instrumentos utilizados. O
mesmo aplicando-se aos inúmeros ritmos africanos, indianos, japoneses, indonésios, árabes e outros.
Portanto, temos diferentes níveis de especialização para cada um deles, e nesse contexto, o termo
genérico percussionista popular também é, na verdade, bastante vago.
Além disso, percussionistas e bateristas que atuam no mercado da música popular também podem
mesclar influências, estilos, ritmos e instrumentos, adaptando-os e transformando-os. Entre alguns dos
percussionistas populares brasileiros que ajudaram a internacionalizar a percussão brasileira, utilizando-a
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em gêneros como o jazz e o pop, podemos citar Airto Moreira (1941), Naná Vasconcelos (1944-2016),
Paulinho da Costa (1948), Armando Marçal (1956) e Marcos Suzano (1963).
4. Música militar
A percussão na cultura musical de herança militar, presente em grande parte dos países, é imprescindível
tanto para manter as cadências das marchas como para elevar o moral das tropas, e foi utilizada até
mesmo para comunicar estratégias de combate durante batalhas. Ao redor do mundo existem grupos
musicais de influência militar em que a percussão demanda uma refinada especialização técnica dos seus
executantes. Normalmente são movimentos musicais que estimulam importantes nichos do mercado de
instrumentos musicais e até mesmo de publicações direcionadas a esse público.
A caixa-clara tem grande parte de sua história ligada à música militar. Assim, tanto pela representação
quanto pelo alto nível técnico alcançado, não podemos deixar de ressaltar os atuais Drum and Bugle Corps
americanos que inspiram movimentos de bandas e fanfarras similares por todo o mundo, inclusive no
Brasil, passando pelas Pipe Bands escocesas, que são as bandas de gaitas de fole e percussão, e pelos
tambores militares suíços, incluindo o Basel Drumming uma tradição iniciada na idade média e que
remete aos Fife and drum corps suíços, com registros que datam de 1332 (Beck 1995, 264). O Basel
drumming consiste num tipo de música para tambores militares típicos da cidade de Basel, onde durante a
celebração do Basler Fasnacht, cerca de três mil percussionistas tocam divididos em diferentes grupos,
muitas vezes associados a um grande número de fifes (um tipo de flautim). Essas três modalidades, cada
uma com suas características próprias, exigem um elevado nível técnico dos/as percussionistas,
principalmente nas caixas ou tambores militares, e muitas vezes ainda requerem coreografias elaboradas.
Além disso, obviamente temos outros inúmeros exemplos da percussão militar, sendo que inclusive a
origem da utilização da percussão na música de concerto está intimamente ligada à tradição militar, como
veremos a seguir.
5. Percussão na música de concerto
A percussão demorou para ser explorada em todo o seu potencial pelos compositores/as na música
erudita ocidental, embora instrumentos de percussão fossem utilizados principalmente como marcação
rítmica na música secular do período medieval e renascentista, e também fossem muito tempo
utilizados na música militar e/ou tradicional de diversos povos. Os tímpanos evoluíram dos antigos
nakkares de origem árabe (Blades 1984, 226), e principalmente a partir do séc. XVI, foram disseminados e
aperfeiçoados pelas bandas militares de trompetistas e timbaleiros mantidas pelas cortes mais
abastadas da Europa, que normalmente tocavam montados em cavalos em grandes celebrações ao ar
livre. Ele foi o primeiro instrumento de percussão a ter partes escritas nas orquestras barrocas, mais
especificamente a partir da ópera Thesée (1675), do francês Jean-Baptiste Lully (16321687).
Pouco a pouco, outros instrumentos de percussão foram sendo introduzidos nas orquestras barrocas e
clássicas, como o bumbo e os pratos, também originários das bandas militares turcas, e o triângulo, que ao
substituir o instrumento turco crescente, formou o trio conhecido por banda turca ou percussão
janízara. Essa associação de instrumentos e sonoridades foi utilizada principalmente em obras do período
clássico para representar caráter militar (marchas), como na Sinfonia No. 100 (Sinfonia Militar), composta
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entre 1793 e 1794 pelo compositor alemão Joseph Haydn (1732-1809) ou ainda no quarto movimento da
Sinfonia No. 9, composta entre 1818 e 1824 pelo também alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827).
Outros instrumentos igualmente incorporados pelas orquestras ao longo dos sécs. XVIII e XIX foram o
tambor militar (que evoluiu do tabor medieval e, como o próprio nome sugere, era usado originalmente
em grupos militares), o pandeiro (que é um instrumento presente em diversas culturas
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), as castanholas
ibéricas, o tam-tam vindo do oriente, e os teclados da percussão, como o glockenspiel e o xilofone.
Apesar de existirem até mesmo alguns concertos para múltiplos tímpanos escritos no séc. XVIII e da grande
importância dada aos tímpanos por compositores como Beethoven, Berlioz, Brahms, Wagner, entre
outros, foi somente a partir do séc. XX que os/as compositores/as passaram a utilizar a percussão em todo
o seu potencial, seja nas orquestras sinfônicas ou em obras onde a percussão é protagonista, tanto solo
como cameristicamente.
É importante mencionar que, principalmente na Alemanha, ao longo do séc. XIX, os tímpanos passaram
por uma grande evolução mecânica que culminou no desenvolvimento de um sistema de pedais que
possibilitam mudanças confiáveis e rápidas de afinação e de um sistema de preparo do couro animal que
permitiu o uso de peles mais finas, e portanto com maior vibração e ressonância. Esses avanços também
foram percebidos e incorporados por diversos compositores como Richard Strauss, Gustav Mahler, Béla
Bartók, e no Brasil, Heitor Villa-Lobos, que passaram a incorporar mudanças pidas de afinação nos
tímpanos.
O russo Igor Stravinsky (1882-1970) faz uso de uma rítmica revolucionária onde os tímpanos e a percussão
têm papel estrutural em sua Sagração da Primavera de 1913, e inspirado na bateria do incipiente jazz
americano, também inaugura o conceito da percussão múltipla na música de concerto em sua A História
do Soldado, de 1918. A partir de então, vemos uma sequência de compositores/as passando a escrever e a
explorar a percussão de forma avassaladora.
O compositor francês Edgar Varèse (1883-1965) utiliza dois timpanistas e ao menos dez percussionistas em
sua obra orquestral Amériques (1921), incluindo uma sirene, da mesma forma que o americano George
Antheil (1900-1959) com o seu inusitado Ballet Méchanique (1923) onde faz intenso uso da percussão,
incluindo até mesmo motores de avião e campainhas. O francês Darius Milhaud (1892-1974) teve um
importante papel no desenvolvimento do repertório da percussão camerística e solo. Desde a sua La
Création du Monde (1923), em que faz uso da percussão múltipla inspirada na bateria do jazz, seu Concerto
pour Batterie et Petit Orchestre (1930), o primeiro concerto para percussão da história, assim como em seu
Concerto pour Marimba et Vibraphone Op. 278 (1947), que é o primeiro concerto para um executante
tocando esses dois instrumentos, ele deu atenção especial aos instrumentos percussivos.
5.1. Tímpanos
Os tímpanos, por serem os primeiros instrumentos de percussão a serem incorporados na orquestra
sinfônica, como mencionado, têm no repertório sinfônico a sua principal utilização, com obras que vão
desde o peodo barroco, incluindo os concertos para ltiplos tímpanos do séc. XVIII, estando presente
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O pandeiro é encontrado em diversas culturas tradicionais, onde é confeccionado em diferentes
tamanhos e materiais, e executado com técnicas distintas.
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
na grande expansão das orquestras do repertório romântico, passando pelas grandes experimentações e
desafios técnicos da música do séc. XX, até a atualidade. Com isso, como qualquer instrumentista
orquestral, o/a candidato/a a timpanista, deve se dedicar tanto ao estudo técnico, quanto ao repertório
solo e camerístico, e principalmente a um profundo estudo do repertório orquestral para esse
instrumento, incluindo o contexto em que os excertos se inserem, com todas as suas especificidades. Para
isso, é fundamental o estudo de obras de compositores sinfônicos como Bach, Mozart, Haydn, Beethoven,
Berlioz, Tchaikovsky, Verdi, Wagner, Sibelius, R. Strauss, Mahler, Stravinsky, Bartók, Villa-Lobos, Prokofiev,
Shostakovitch, entre tantos outros, incluindo boa parte do repertório escrito a partir do séc. XX.
Além de sua crescente importância no contexto sinfônico, deve-se destacar também os três concertos para
múltiplos tímpanos (de cinco a oito tímpanos) e orquestra escritos ainda no séc. XVIII pelos alemães
Graupner, Molter e Fischer, assim como três dos concertos escritos na última década do séc. XVIII pelo
austríaco Georg Druschetzky (1745-1819), que utilizam entre seis e oito tímpanos. No séc. XIX, embora
tanto a construção, quanto a técnica e a escrita sinfônica para os tímpanos tenham evoluído
enormemente, paradoxalmente, no repertório solista destaca-se somente a Marcha e Polonesa para seis
Tímpanos e Orquestra, escrita em 1878 pelo alemão Julius Taush (1827-1895).
Finalmente, o alemão Ottmar Gester (1897-1969) escreve em 1932 o seu Capricietto for Four Timpani and
Orchestra, que embora seja um concerto tecnicamente simples e sem mudanças de afinação, reinaugura a
volta dos tímpanos como instrumento solista frente à orquestra no séc. XX. O também alemão Werner
Tharichen (1921-2008), que foi timpanista da Orquestra Filarmônica de Berlim, escreve o Concerto for
Timpani and Orchestra em 1954, que segundo Hashimoto (2020, 40), pode ser considerado o primeiro
grande concerto de tímpanos do séc. XX. A obra utiliza cinco tímpanos com várias mudanças de afinação e
grande demanda técnica na execução de alguns trechos, incluindo o uso de quatro baquetas e a utilização
de baquetas de caixa-clara.
Em 1955 o americano Robert Parris (1924-1999) escreve o Concerto for Five Kettledrums and Orchestra.
sobre as primeiras obras do repertório camerístico, deve-se mencionar a Sonata para Dois Pianos e
Percussão (1937), do húngaro Béla Bartók (1881-1945), obra de grande envergadura, que requer apurado
controle técnico e musical dos quatro intérpretes, e onde o/a timpanista, que também deve tocar outros
instrumentos de percussão, realiza uma grande quantidade de mudanças de afinação, incluindo até
mesmo glissandos. a Sonatina for Two or Three Timpani and Piano, composta em 1940 pelo russo
Alexander Tcherepnin (1899-1977), é uma obra tecnicamente bem mais simples e solicita apenas algumas
mudanças de afinação.
Sobre o repertório solo, as Eight Pieces for Four Timpani do compositor americano Elliot Carter (1908-
2012), escritas entre 1950 e 1966, se mantêm entre as principais obras solo para tímpanos na atualidade.
Esse conjunto de peças explora os tímpanos ao seu extremo, e embora somente duas das peças utilizem
mudanças de afinação, todas passam por explorações tímbricas usando diferentes regiões das membranas,
tipos de toque, baquetas e abafamentos, além de uma alta complexidade técnica que, aliados a um
refinado processo composicional que inclui a característica exploração das modulões rítmicas de Carter,
tornaram essas peças reconhecidas mundialmente.
Outros concertos que se destacam são o Concerto Fantasy for Two Timpanists & Orchestra, escrito em
2000 pelo americano Phillip Glass (1937), assim como o Concerto No. 2 for Timpani and Orchestra: The
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
Grand Encounter, do americano William Kraft (1923), escrito em 2003, e que utiliza nada menos do que
seis tímpanos a pedal mais nove tímpanos de afinação fixa que devem ser suspensos num suporte circular
ao redor dos mpanos a pedal. O primeiro brasileiro a compor um concerto para tímpanos foi José
Siqueira (1907-1985) com o seu Concertino para Tímpanos e Orquestra de Cordas, de 1976.
Obviamente existe uma grande quantidade de estudos, assim como composições solo e concertos
escritos por inúmeros/as timpanistas e/ou compositores/as ao redor do mundo, e existem cursos de
especialização e até mesmo mestrado em tímpanos, que focam principalmente no repertório sinfônico,
como na ZHDK Zürcher Hochschule der Künst (Universidade de Artes de Zurique), na Suíça.
5.2. Caixa-clara
Como já mencionado, o tambor militar evoluiu do tabor medieval, que tem registros já no séc. XIII. A caixa-
clara é uma evolução e variação dos tambores militares (Beck 2007, 361). Assim, boa parte de sua técnica
provém dos rudimentos aplicados naquele contexto. Além disso, a técnica de caixa é a técnica primária
do/a percussionista clássico/a, de onde todas as outras técnicas derivam, e ao mesmo tempo, onde todas
se encontram. Assim, um/a exímio/a baterista necessariamente terá que ter uma boa técnica de caixa, da
mesma forma que um/a especialista em percussão múltipla ou um/a percussionista orquestral. Muitos dos
rudimentos e princípios técnicos da caixa podem ser úteis em instrumentos tão distintos como os
tímpanos e o xilofone, onde se usam baquetas muito diferentes das de caixa, e até mesmo em
instrumentos tocados com as mãos, como as congas, por exemplo.
Apesar de sua origem ligada à música militar, a atual técnica de caixa aplicada aos contextos orquestral e
camerístico se distingue muito da usada na música militar, a começar pelo nível de dinâmica. A própria
notação é bastante diferente, que a música militar prima pelos rudimentos (que exploram as inúmeras
combinações de toques repetidos e alternados entre as mãos), enquanto a orquestral pode ter uma maior
complexidade rítmica e necessita de grande controle de dinâmicas.
Uma das primeiras obras a incluir um tipo de tambor militar, o tambourin, foi a ópera Alcione (1706), do
francês Marin Marais (1656-1728), onde o compositor usou vários tambourins para imitar uma
tempestade. Mas de forma geral, até meados do séc. XIX o tambor militar e a caixa eram usados em
obras como representação do caráter militar. Entre essas, podemos citar Iphigénie en Tauride (1779), do
compositor alemão Christoph Willibald Gluck (1714-1787), em que usa um tambour e um tambourin, a
ópera Egmont (1810), as três Marchas Militares (1809-10) e A Vitória de Wellington (1813) do alemão L.
Beethoven (1770-1827), La Gazza Ladra (1817) do italiano Gioachino Rossini (1792-1868) em que utiliza
dois tamburos, Masaniello, ou La muette de Portici (1828) e Fra Diavolo (1830) do francês Daniel Auber
(1782-1871), Grande Messe des Morts (1837) do francês Hector Berlioz (1803-1869), em que usa diversas
caixas em uníssono, LArlesienne (1872) do francês Georges Bizet (1838-1875), entre outras (Gauthreaux II
1989, 74).
Outros estilos orquestrais aos poucos passaram a utilizar a caixa, e entre as peças mais representativas
temos Pique Dame (1864) do croata Franz Von Suppé (1819-1895), Capricho Espanhol (1886) e
Scheherazade (1887) do russo Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908), as valsas, como a Valsa do Imperador
(1889) do austríaco Johann Strauss II (1825-1899), Háry János Suite (1926) do húngaro Zoltán Kodály (1882-
1967), o Concerto para Clarineta, Op. 57 (1928) do dinamarquês Carl Nielsen (1865-1931), Bolero (1928) do
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
francês Maurice Ravel (1875-1937), Tenente Kijé (1933) do russo Sergey Prokofiev, Concerto para
Orquestra (1944) do húngaro la Bartók, diversas sinfonias do russo Dimitri Shostakovich (1906-1975),
entre elas a Sinfonia No. 10 (1953), e tantas outras obras.
Alguns dos primeiros exemplos de obras onde a caixa-clara tem grande relevância no contexto camerístico
são Façade (1923) do inglês William Walton (1902-1983), o Quarteto H-139 para Clarineta, Trompa,
Violoncelo e Caixa-Clara (1924) do compositor checo Bohuslav Martinů (1890-1959), Ionisation (1931) de
Edgar Varèse, a Sonata para Dois Pianos e Percussão (1937) de Béla Bartók, em que duas caixas são
utilizadas (uma com esteira e a outra sem) junto a diversos outros instrumentos de percussão. Mas
atualmente, a lista de obras orquestrais ou de câmera com partes significativas para caixa é realmente
muito extensa.
Segundo Gauthreaux II (1989, 112), em 1989 existiam apenas dois concertos para caixa e orquestra: Geigy
Festival Concerto, Fur Basler Trommel und grosses Orchester (1959), do compositor suíço Rolf Lieberman
(1910-1999) e The Concert Piece for Snare Drum and Orchestra (1982) do compositor/percussionista
islandês Áskell Másson (1953). Em 2009 também foi escrito o Prometheus Rapture (Seven Legends for
Snare Drum and Orchestra), do compositor americano Sean Beeson (1985). Isso não exclui a existência de
eventuais outros concertos que não foram localizados por este autor, mas demonstra que ainda são
poucos os concertos escritos para a caixa-clara.
Numa audição orquestral, os excertos de caixa-clara têm grande relevância, assim como estudos ou solos
de confronto para esse instrumento normalmente também são solicitados. Além de inúmeros todos e
coletâneas de estudos dentro do estilo orquestral escritos por percussionistas como os alemães Heinrich
Knauer (1889-1947) e Franz Krüger (1880-1940), o francês Jacques Delécluse (1933-2015), e os americanos
Vic Firth (1930-2015) e Mitchell Peters (1935-2017), entre tantos outros, temos diversas coletâneas de
peças e estudos escritos por percussionistas com tradição na música militar, como os americanos Charley
Wilcoxon (1894-1978) e John Pratt (1931-2020). Mas principalmente no repertório mais contemporâneo,
seja solo, camerístico ou orquestral, já existem obras experimentais que utilizam a caixa-clara de maneiras
bastante inusitadas.
No final dos anos 1980, o percussionista e compositor americano Stuart Saunders Smith (1948)
encomendou obras para caixa solo a um grande número de compositores/as e percussionistas dos mais
variados estilos. O resultado foi um conjunto de quatro volumes com mais de trinta obras de compositores
como John Cage (1912-1992), Milton Babbitt (1916-2011), Ben Johnston (1926-2019), William Ortiz (1947),
o próprio Stuart Smith, entre tantos outros, que foram publicados entre 1988 e 1990. Em 2014 foi lançada
uma nova versão da coleção completa em que foram acrescentadas mais dez composições e retiradas oito
das originais (Armbruster 2019). Além disso, obviamente encontramos obras escritas para caixa por
percussionistas e/ou compositores/as de praticamente todo o mundo.
Apesar de ainda não ser editada comercialmente, uma das obras brasileiras para caixa mais populares é
Canção Simples de Tambor (1990), do percussionista e compositor Carlos Stasi (1963), em que explora até
mesmo o uso de uma bola de tênis de mesa e uma vara de pescar, além de um temple bell.
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5.3. Percussão Orquestral
Além dos tímpanos mencionados anteriormente, outro campo de extrema importância para a formação
do/a percussionista erudito/a é o estudo da percussão orquestral, que inclui a técnica dos instrumentos
orquestrais mais utilizados e seus repertórios sinfônicos. Boa parte dos/as alunos/as de percussão clássica
almeja ingressar em um conjunto sinfônico, podendo ser uma orquestra ou uma banda (no Brasil,
atualmente as bandas profissionais são quase todas ligadas a instituições militares), seja pela admiração
pela música sinfônica, e/ou também porque esse é um dos poucos trabalhos de performance musical que
oferece uma relativa estabilidade financeira aos instrumentistas sinfônicos.
Levando em consideração o modelo adotado nas principais audições para percussão realizadas no Brasil
nos últimos 25 anos, que passaram a seguir o padrão adotado na maioria dos países, para o sucesso em
uma audição orquestral, é essencial um preparo adequado que passa obrigatoriamente pelo estudo dos
excertos orquestrais.
Embora numa audição para percussão orquestral também possam ser solicitados um ou dois solos de caixa
e/ou marimba, assim como um ou dois solos de tímpanos também podem ser solicitados no caso de uma
vaga de timpanista, são muitos os instrumentos da percussão sinfônica a serem avaliados numa típica
audição orquestral de percussão. Assim, normalmente diversos excertos são solicitados para cada um dos
seguintes instrumentos: caixa-clara, xilofone, glockenspiel, pratos, bumbo, triângulo, pandeiro,
castanholas, vibrafone, e eventualmente, até tímpanos, mesmo para uma vaga de percussão. Dessa forma,
a proporção do peso dos excertos, principalmente nas provas para uma vaga de percussionista, muitas
vezes acaba sendo de mais de noventa por cento.
Todos os instrumentos da orquestra também são solicitados a tocar excertos nas audições, mas por
tocarem apenas um instrumento (ou no ximo dois, nos casos específicos para as vagas de
clarone/clarineta, requinta/clarineta, flautim/flauta, corne inglês/oboé e contrafagote/fagote), a seleção
de excertos solicitados para os outros instrumentistas normalmente é muito menor do que para
percussionistas, que geralmente os primeiros também são solicitados a tocar um movimento de um
concerto clássico e/ou romântico, por exemplo. Além de uma boa técnica ser essencial para todos os/as
instrumentistas orquestrais (incluindo percussionistas), também é necessário um profundo conhecimento
dos excertos, incluindo o contexto orquestral em que está inserido cada trecho selecionado.
Curiosamente, alguns dos instrumentos como pratos, bumbo, pandeiro, triângulo, castanholas, entre
outros, muitas vezes são chamados acessórios pelos/as próprios/as percussionistas, talvez até mesmo
numa inconsciente e equivocada desvalorização da importância dos mesmos. Sinal disso é a pequena
quantidade de métodos e livros que abordam a técnica desses instrumentos específicos, se comparado aos
métodos para caixa, tímpanos e instrumentos barrafônicos. E a grande maioria dos métodos para
percussão complementar
6
acaba sendo mais uma compilação de excertos orquestrais, e apenas alguns
chegam a incluir estudos específicos para esses instrumentos. Mais raros ainda são os que discutem as
técnicas empregadas nesses instrumentos, como é o caso do livro Cymbalisms, de Epstein (2007), que
aborda a técnica de pratos, incluindo fotos e desenhos dos movimentos para cada tipo de som, além de
6
O termo percussão complementar (ou complementary percussion) é utilizado internacionalmente para
designar os instrumentos sinfônicos como bumbo, pratos, pandeiro, triângulo e castanholas.
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
um CD com exemplos sonoros, e Complementary Percussion, de Aleo (2011), em que escreve estudos
técnicos para pandeiro, triângulo, pratos e bumbo, deixando ao percussionista a decisão das técnicas a
serem empregadas nos estudos. Em 2020 foi lançado Le Percussioni in Orchestra, dos italianos Cimmino e
Caiazza (2020), em que abordam a técnica para esses mesmos instrumentos, incluindo também as
castanholas, e com vídeos disponibilizados com acesso pela internet onde demonstram as técnicas
específicas empregadas nos respectivos estudos musicais. De certa forma, isso demonstra uma certa
contradição, pois ao mesmo tempo em que o desempenho nesses instrumentos específicos é de extrema
importância para o sucesso em uma audição orquestral, ainda pouco material de estudo disponível, e
consequentemente, muitos/as percussionistas dedicam relativamente pouco tempo a esses instrumentos.
5.4. Música para Grupo de Percussão
Na década de 1920 acontecem na Rússia as primeiras experiências da escrita exclusivamente para
percussão, no segundo movimento da Sinfonia No. 1 (1927) de Alexander Tcherepnin, e no Interlúdio da
ópera O Nariz (1928) de D. Shostakovich (1906-1975). As Rítmicas No. 5 e No. 6, escritas entre 1929 e 1930
pelo compositor franco-cubano Amadeo Roldán (1900-1939), são as primeiras obras independentes para
conjunto de percussão, onde o compositor mescla alguns instrumentos sinfônicos a instrumentos e ritmos
típicos cubanos, que são transformados numa linguagem mais contemporânea.
Em 1931 Edgar Varèse completa sua revolucionária Ionisation, tendo sua estreia no Carnegie Hall de Nova
York em 1933, dirigida por Nicolas Slonimsky (1894-1995), sendo que entre os intérpretes estavam vários
compositores, entre eles Henry Cowell (1897-1965), Carlos Salzedo (1885-1961), Paul Creston (1906-1985),
William Schumann (1910-1992) e outros. Nesse mesmo ano, eles tocaram novamente na Califórnia e em
Havana, influenciando com isso uma grande quantidade de compositores/as americanos/as e latino-
americanos/as que também passaram a compor para a percussão, como os americanos John Cage,
Johanna Beyer (1888-1944), Lou Harrison (1917-2003), o mexicano Carlos Chaves (1899-1978), e tantos/as
outros/as, além é claro, dos próprios compositores que tocaram na estreia: Cowell, Salzedo e Creston
entre eles.
John Cage, um dos mais influentes compositores do séc. XX, foi também de extrema importância para o
desenvolvimento do repertório para percussão. Sua primeira obra para percussão é o Quartet, de 1935, e a
partir de então, nunca deixou de compor para a percussão, seja para solo, grupo ou com outros
instrumentos, em obras essenciais como as suas três Construções (escritas entre 1939 a 1941), Living Room
Music (1940), entre tantas outras.
Na evolução do repertório específico para grupos de percussão não se pode também deixar de mencionar
a importância dos intérpretes, ou seja, dos grupos de percussão, responsáveis pela encomenda e estreia
de muitas obras. Nesse aspecto, o grupo Les Percussions de Strasbourg, criado em 1962 e mantido até hoje
pelo governo francês, é responsável pela encomenda e consagração do repertório para sexteto de
percussão, tendo comissionado e estreado obras de compositores como Iannis Xenakis, Luigi Dallapicola,
Franco Donatoni, Gérard Grisey, Sofia Gubaidulina, Philippe Hurel, Philippe Manoury, Bruno Mantovani,
entre tantos outros. O grupo Nexus, baseado em Toronto, no Canadá, e em atividade desde 1971, tem
extrema importância para a percussão canadense e norte-americana. Outros importantes grupos no
contexto internacional são o sueco Kroumata, que esteve ativo entre 1978 e 2015, o americano Percussion
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
Group Cincinnati, fundado em 1979, o Tambuco, fundado no México em 1993, entre tantos outros. A tese
de doutorado escrita por Tullio (2014) aborda justamente essa questão através de um importante
levantamento historiográfico dos diversos grupos de percussão do Brasil, em especial do Grupo de
Percussão do Conservatório Musical Brooklin Paulista, dirigido por Cláudio Stephan (1944-2016), e que
esteve em atividade entre 1973 e 1979. Apesar da curta duração, mas pela importância tanto em relação
ao incremento do repertório brasileiro quanto à projeção que deram à percussão, também é necessário
mencionar o Grupo Percussão Agora, que atuou de 1978 até 1982, assim como o Grupo PIAP, ligado ao
Instituto de Artes da Unesp e em atividade ininterrupta desde sua criação em 1978 por John Boudler
(1954). O grupo de percussão mais antigo ainda em atividade do país é o Grupo de Percussão do
Conservatório de Tatuí, criado em 1975 por Javier Calviño (1954). O repertório para grupo de percussão
atualmente é vastíssimo, abrangendo desde obras tonais para teclados de percussão, passando por peças
que exploram rítmicas e instrumentos de diferentes tradições, obras cênicas e outras de caráter
totalmente experimental.
No Brasil, a primeira obra para grupo de percussão foi composta em 1953 por Camargo Guarnieri (1907-
1993): Estudo para Instrumentos a Percussão. Entre os primeiros compositores brasileiros a escrever para
percussão temos Marlos Nobre (1939), com sua Variações Rítmicas para piano e percussão (1966) e
Rhythmetron (1968), Osvaldo Lacerda (1927-2011), com Três Estudos para Percussão (1966), Três
Miniaturas Brasileiras (1968), e com percussão e voz ele também compôs Hiroshima, Meu Amor (1968),
Ponto de Iemanjá (1968) e Losango Caqui (1970). entre os compositores brasileiros com maior número
de obras para grupo de percussão podemos citar Ney Rosauro (1952), Roberto Victório (1959), Arthur
Rinaldi (1980) e Carlos dos Santos (1990).
5.5. Xilofone
Segundo Beck (2007, 408), musicólogos têm diferentes opiniões se o xilofone é originário da África ou
Ásia, mas existem registros na China de instrumentos de placas de madeira de 2000 A.C. Segundo a teoria
dominante, de , teriam sido levados inclusive para a África, dando origem aos chamados balafons e
outros instrumentos africanos similares. Na Europa, xilofones rudimentares já existiam há pelos menos 500
anos, mas foi principalmente no leste europeu que ele se desenvolveu, sendo usado principalmente na
música folclórica, até chegar ao modelo com quatro fileiras de teclas no séc. XIX, chamado strothfiedel
(straw fiddle).
O primeiro uso do xilofone na orquestra foi na obra Sei Varizioni (c. 1810) do austríaco Ferdinand Kauer
(1751-1831), mas foi com o compositor francês Camille Saint-Säens (1835-1921) que ele realmente ganhou
destaque, em sua Dança Macabra, de 1875, onde o som do xilofone representa o esqueleto (Beck 2007,
409). Em 1886, Saint-Säens volta a usar o xilofone com o mesmo tema melódico, mas ao invés do ritmo
ternário original, usa um tempo binário no movimento Fósseis de seu Carnaval dos Animais.
Em 1886 o francês Albert Roth publica um método de xilofone em que apresenta tanto o sistema de
quatro fileiras quanto propõe o arranjo cromático em duas fileiras, como o piano. Foi somente a partir de
1903 que a empresa americana Deagan passou a produzir comercialmente o modelo cromático com
disposição em duas fileiras e tubos de ressonância (Beck 2007, 410). Com isso o xilofone vai aos poucos
conquistando seu espaço, sendo hoje um dos principais instrumentos do naipe de percussão na orquestra
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
e na música de câmera, com obras importantes e que requerem grande destreza técnica dos/as
percussionistas.
Entre as primeiras obras de grande destaque para o xilofone podemos citar Kammermusik No. 1 (1922) do
alemão Paul Hindemith (1895-1963), a cantata Les Noces (1923) do russo Igor Stravinsky, o Ballet
Mécanique (1923) do americano George Antheil, a ópera Porgy and Bess (1935) do americano George
Gershwin (1898-1937), a Sonata para dois Pianos e Percussão (1937) do húngaro Béla Bartók, Le Marteau
sans Maître (1954) do francês Pierre Boulez (1925-2016), assim como Oiseaux Exotiques (1956), Couleurs
de la Cité Céleste (1963) e Des Canyons aux Étoiles (1974), todas do francês Olivier Messiaen (1908-1992).
Durante as décadas de 1920 e 1930 também houve o período conhecido como A era de ouro do xilofone
nos EUA, com grandes intérpretes virtuosos como os irmãos Joe Hamilton Green (1892-1939) e George
Hamilton Green (1893-1970), que gravaram e venderam uma grande quantidade de discos, tendo o
xilofone como protagonista. Outros xilofonistas famosos da época foram Teddy Brown seu nome
verdadeiro era Abraham Himmelbrand (1900-1946), Harry Breuer (1901-1989) e Red Norvo (1908-1999). O
repertório tocado por esses xilofonistas geralmente era de ragtimes e vaudevilles. Em boa parte graças ao
trabalho de resgate realizado pelo grupo de percussão Nexus, tendo Bob Becker (1947) como xilofonista
solista, a partir dos anos 70 esse repertório foi redescoberto e acabou popularizado, principalmente junto
aos grupos de percussão das universidades americanas.
Na década de 60 foram escritos os primeiros concertos para xilofone e orquestra: em 1961 o húngaro Lang
Istvan (1933) compôs o seu Xylophone Concertino, e em 1965 o americano Alan Hovhaness (19112000)
escreve Fantasy on Japanese Woodprints e o japonês Toshiro Mayuzumi (19291997) compõe o
Concertino for Xylophone and Orchestra. Osvaldo Lacerda compõe em 1974 a Suíte para Xilofone e Piano, a
primeira obra brasileira de destaque para esse instrumento, e em 1998 ele também compõe o Concertino
para Xilofone e Orquestra.
5.6. Vibrafone
Outro instrumento da família dos teclados da percussão que foi criado apenas um século e que faz
parte do arsenal atual do/a percussionista contemporâneo é o vibrafone. O primeiro modelo foi lançado
em 1921 pela fabricante americana Leedy, utilizava teclas de aço e contava com um sistema de motor
elétrico e paletas giratórias sobre os tubos de ressonância para produzir o vibrato. Em 1927, a empresa
Deagan fez algumas importantes melhorias no instrumento, como a utilização do alumínio para a
fabricação das teclas e a colocação do pedal de abafamento. A partir dos anos 30, paulatinamente o
instrumento passou a ser explorado por importantes músicos de jazz como Lionel Hampton (1909-2002),
Red Norvo (1908-1999), Milt Jackson (1923-1999), Mike Mainieri (1938), Gary Burton (1943), David
Friedman (1944), Ted Piltzecker (1950), Stefon Harris (1973), entre tantos outros, que desenvolveram
tanto a técnica quanto a linguagem deste instrumento no gênero jazzístico.
Apesar das primeiras obras eruditas que incluíram o vibrafone serem da década de 1930, foi
principalmente a partir do final dos anos 1940, a partir do Concerto pour Marimba et Vibraphone Op. 278,
de Darius Milhaud, que compositores passaram a escrever de forma mais sistemática para esse
instrumento, seja na música de câmera ou solos. Hoje existe um amplo repertório para o vibrafone, que
vai desde solos escritos por vibrafonistas jazzistas como Bill Mollenhof (1954), David Friedman e Gary
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
Burton até obras contemporâneas de compositores como Pierre Boulez (1925-2016) Le Marteau sans
Maître (1954) e Dérive I (1984), Gitta Steiner (1932-1990) Four Bagatelles for Vibraphone (1970), Sonata
for Solo vibraphone (1984) e outras, Luciano Berio (1925-2003) com sua Linea (1973), Stuart Smith (1948)
com sua série Links, com onze peças para vibrafone escritas entre 1974 e 1994, Karlheinz Stockhausen
(1928-2007) com Vibra-Elufa (2003), Toru Takemitsu (1930-1996) com Rain Tree (1981), Martin Matalon
(1958) com Short Stories (2005), entre outros. Há possibilidade de aplicação neste instrumento inclusive de
inúmeras técnicas estendidas
7
como o uso de arcos, bending notes (glissandos sobre a mesma tecla
obtidos ao percutir a tecla com uma baqueta e ao mesmo tempo pressionar e deslizar uma baqueta dura
sobre essa mesma tecla), uso de baquetas diferentes, toque com o cabo das baquetas, abafamentos,
toques abafados (dead strokes), teclas cobertas com materiais como plástico ou papel, entre outras
possibilidades.
O primeiro solo para vibrafone escrito no Brasil é Seis Reflexões para vibrafone (1973), escrita pelo
compositor e violonista Pedro Cameron (1948). O vibrafonista André Juarez (1964) foi um dos responsáveis
pela ampliação do repertório brasileiro para esse instrumento nos anos 90, através do seu projeto
Vibrafone Brasileiro, que encomendou, estreou e gravou obras de compositores das mais diversas
tendências (Morais 2012, 109). Além dessas obras, Ney Rosauro, Roberto Victorio e Carlos dos Santos são
outros compositores com diversas obras escritas para o vibrafone. Esse instrumento também é utilizado na
música popular brasileira desde a década de 30, e na atual cena instrumental brasileira podemos citar
vibrafonistas como Roberto (Beto) Caldas (1955), André Juarez, Ricardo Valverde (1977), Antonio Loureiro
(1986), Alisson Amador (1988), entre tantos outros.
5.7. Marimba
A marimba evoluiu dos balafons africanos para as marimbas cromáticas no final do séc. XIX, sendo usadas
na música tradicional da América Central, em especial na Guatemala e na região de Chiapas, no sul do
México, onde geralmente era tocada simultaneamente por vários executantes, cada um com uma função
(baixo, melodia, harmonia). Mas foi nos EUA que ela foi inserida no contexto da música de concerto, e foi
no Japão que o seu repertório de vanguarda foi primeiramente desenvolvido.
Após uma turnê de três anos pelos Estados Unidos do grupo guatemalteco Hurtado Brothers Royal
Marimba Band, que teve início em 1908, seguida por diversas gravações desse mesmo grupo, a marimba
passou a ser mais conhecida pelos norte-americanos (Kastner 1989, 11). Clair Omar Musser (1901-1998),
que tocava o xilofone, também se tornou um exímio marimbista, tendo escrito diversos solos e estudos
para o instrumento. A partir de 1930 também passou a desenhar marimbas, que a princípio foram
construídas pela empresa Deagan, e posteriormente por sua própria marca denominada Musser, ainda
hoje utilizada como a divisão dos teclados de percussão da empresa Ludwig (Berkowitz 2011, 14). Clair
Omar Musser também ajudou a promover orquestras de marimbas, muitas delas formadas principalmente
ou exclusivamente por mulheres, que se popularizaram nos EUA entre os anos 30 e 50, tocando
especialmente arranjos de música ligeira para esses grupos.
7
Técnicas estendidas são técnicas não usuais: maneira de tocar ou cantar que explora as possibilidades
instrumentais, gestuais e sonoras pouco utilizadas em determinado contexto histórico, estético e cultural
(Padovani e Ferraz 2011, 11).
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
Em 1940, o compositor americano Paul Creston escreve o primeiro concerto para marimba e orquestra da
história. Em 1947 temos o mencionado Concerto pour Marimba et Vibraphone Op. 278, de Darius
Milhaud, que também foi encomendado e estreado por um marimbista norte-americano, Jack Conner
(1913-2001), junto à St. Louis Symphony Orchestra, em 1949. Em 1950 o compositor americano Alfred
Fissinger (1925-1999) compôs sua Suite for Marimba. Na década de 1950 mais dois concertos para
marimba e orquestra foram escritos por compositores norte-americanos: James Basta (1934) em 1955 e
Robert Kurka (1921-1957) em 1956.
Mas foi no Japão que o repertório solo para marimba tomou um grande impulso, através de encomendas
feitas a compositores/as japoneses/as contemporâneos/as por marimbistas, liderados pela virtuose Keiko
Abe (1937) a partir dos anos 1960. Entre os anos 1964 e 1986, 32 compositores escreveram 54
composições para ela (Kastner 1989, 46) e segundo a listagem disponibilizada no website de Keiko Abe
8
,
ela encomendou e estreou ao longo de sua carreira 103 obras de compositores japoneses como Toshimitsu
Tanaka, Minoru Miki, Akira Miyoshi, Akira Yuyama, Maki Ishii, entre tantos outros. Além disso, também
estreou onze obras de compositores/as estrangeiros, e principalmente a partir dos anos 80, também
desenvolveu uma reconhecida carreira como compositora, tendo escrito 99 obras para marimba, entre
solos, duos, trios, concertos e grupos de marimba, sendo que tocou na estreia de 66 dessas obras, além de
ter outras nove composições em coautoria. Boa parte de suas composições são bastante populares entre
marimbistas de todo o mundo. Keiko Abe também participou ativamente do desenvolvimento das
marimbas da empresa japonesa Yamaha, e foi uma das responsáveis pelo aumento da extensão da
marimba das quatro oitavas e uma terça (A2 C7) para as atuais cinco oitavas (C2 C7)
9
. No Japão, a
técnica mais utilizada na marimba é a técnica de baquetas cruzadas chamada tradicional, que é a
forma utilizada pelos marimbistas que tocam o repertório tradicional para marimba da América Central.
Segundo Johansson (2012) foi durante os anos 1920 que Clair Omar Musser desenvolveu uma técnica onde
as duas baquetas da mesma mão não são cruzadas, e sim seguras de forma independente, mas esse grip
(pegada) tinha entrado em desuso. Nos EUA, durante os anos 70, o marimbista Lee Howard Stevens (1953)
aperfeiçoou a técnica de Musser. O seu livro Method of Movement for Marimba (Stevens 1979)
revolucionou a técnica e o ensino para a marimba, que até então, a grande maioria dos marimbistas
utilizava a técnica tradicional, e além disso, Stevens desenvolveu novas baquetas de cabo rígido e maior
comprimento, e dessa forma ampliou muito as possibilidades musicais da marimba, com o aumento de
abertura das baquetas, rulos independentes, entre tantas outras possibilidades. Ele também escreveu
diversos estudos, encomendou e estreou obras de vários compositores/as, e até mesmo desenhou novas
marimbas. Por conta disso, atualmente essa técnica é normalmente chamada Stevens.
A técnica desenvolvida por Gary Burton para segurar as baquetas do vibrafone na verdade também é
derivada da técnica tradicional, mas com a inversão das baquetas cruzadas, e também passou a ser
adaptada por vários marimbistas para o uso com baquetas mais compridas e até mesmo de cabo gido
(antes se utilizava o mesmo rattan flexível do cabo das baquetas de vibrafone), de forma a aumentar a
extensão alcançada entre as baquetas da mesma mão, e hoje também é muito utilizada por um grande
número de marimbistas, com diferentes adaptações.
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https://www.keiko-abe.jp/en/world-premiere-en/
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Considerando-se o A 440 Hz como A4.
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
Atualmente encontramos até mesmo marimbistas especializados em técnicas de seis baquetas, e as
técnicas e o repertório para esse instrumento evoluíram a tal ponto, com tamanha sofisticação que, a
exemplo do Japão, hoje existe até mesmo um curso de bacharelado em marimba na Berklee College of
Music de Boston, onde leciona a marimbista Nancy Zeltsman, e são cada vez mais comuns os cursos e
seminários específicos sobre a marimba, assim como cursos de pós-graduação com especialização nesse
instrumento em todo o mundo. Além disso, muitos professores/as de percussão de renomadas
universidades americanas e europeias têm na marimba o seu principal instrumento de percussão, e entre
eles podemos citar Gordon Stout (1952) que ensinou na School of Music of Ithaca College até sua
aposentadoria em 2019, Robert Van Sice na Yale School of Music, William Moersh na University of Illinois
Urbana-Champaign, Michael Burrit (1962) na Eastman School of Music, o brasileiro Eduardo Leandro
(1971) na Stony Brook University de Nova York, apenas para citar alguns. Na França, Emmanuel Séjourné
(1961), professor de percussão no Conservatório de Estrasburgo, além de renomado compositor, também
é um exímio tecladista da percussão, tendo escrito várias obras, inclusive concertos para marimba e para
vibrafone.
Essa predileção especial de alguns percussionistas pela marimba acontece em vários países, inclusive na
América Latina e no Brasil. Na Argentina, podemos citar Angel Frette, que além de ter atuado como
percussionista da Orquestra Filarmônica do Teatro Colón (cargo de executante de barrafones) por mais de
30 anos, é professor do Instituto Cultural Patagônico, tendo encomendado e estreado uma parcela
importante das obras argentinas para marimba. No Brasil, Gilmar Goulart, professor da UFSM, também
tem na marimba o seu instrumento principal, tendo feito seu doutorado com foco nesse instrumento na
University of Colorado Boulder, nos EUA, e tocado boa parte do repertório das composições de Ney
Rosauro, que foi seu professor e antecessor na UFSM. Rosauro, por sua vez, também tem um enfoque
especial nos teclados da percussão, em especial, na marimba e no vibrafone. Ele é um percussionista,
compositor e educador de renome internacional, com vários métodos e estudos publicados para os
diversos instrumentos da percussão, e uma vasta produção de concertos, obras solo e para grupo de
percussão, sendo um dos compositores para percussão mais conhecidos no mundo. Seu Concerto No. 1
para Marimba e Orquestra de Cordas (1986) é (ou ao menos foi) o concerto de marimba mais executado
no planeta (Moore 2006, 10).
O primeiro concerto brasileiro para a marimba é o Divertimento para Marimba e Orquestra de Cordas
(1973), de Radamés Gnatalli (1906-1988), dedicado a Luiz DAnunciação (1926-2020), que estreou a obra.
Entre outros/as compositores/as brasileiros com diversos solos para marimba, podemos citar Carlos dos
Santos, que também é percussionista, e Roberto Victorio.
5.8. Percussão Múltipla
Como visto, o conceito da percussão múltipla vinha sendo usado na música de câmera desde 1918,
com A História do Soldado, de Stravinsky, seguida por diversas obras camerísticas de vários compositores,
entre eles, Milhaud, que também escreveu em 1930 o primeiro concerto para percussão e orquestra. Foi
somente após 28 anos, em 1958, que o também francês André Jolivet (1905-1974) escreve o seu Concerto
pour Percussion er Orchestre, que vem a ser o segundo do gênero para percussão múltipla.
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
a primeira obra para solo de percussão ltipla foi composta somente em 1956 por John Cage,
2710.554, onde ele incorpora o fator da aleatoriedade na música. E o repertório solo para percussão
múltipla segue uma trajetória de grande complexidade, incluindo a icônica Zyklus Nr. 9 do alemão
Karlheinz Stockhausen, de 1959. Outras importantes obras desse período são King of Denmark, escrita em
1964 pelo americano Morton Feldman (1926-1987), Janissary Music, escrita em 1966 pelo americano
Charles Wuorinen (1938), Intérieur I, do alemão Helmut Lachenmann (1935), escrita em 1966, entre
outras. Mais à frente, no subitem Percussão e tecnologia também serão mencionadas outras obras para
percussão múltipla e tape desse período.
Uma característica das obras da fase inicial de solos para percussão múltipla é a utilização conjunta de uma
vasta gama de instrumentos, como gongos, tímpanos, triângulos, vibrafone, marimba, diversos tambores,
wood blocks, cowbells, pratos, entre outros. Assim, ocorreu uma enorme exploração tímbrica de materiais
diversos, mas que por outro lado demandava grandes montagens e muitas questões técnicas a serem
resolvidas, como trocas de baquetas, a instalação da própria montagem para viabilizar o alcance dos
instrumentos, equilíbrio de volume entre instrumentos distintos e outras questões. Mais tarde surgiram
obras que, se por um lado, eram mais econômicas em termos de instrumental, ganharam em
complexidade, seja no processo composicional, na demanda técnica ou mesmo na escrita.
O grego Iannis Xenakis (1922-2001) escreve Psappha em 1975, onde a escolha dos instrumentos é livre,
embora indique as famílias de timbres (madeiras, metais e peles), e utiliza uma grafia bastante inusitada e
desafiadora para o intérprete. Mas uma característica começa a se tornar evidente, onde os conjuntos
de instrumentos passam a ser mais compactos, ao menos comparativamente às primeiras obras escritas
no final da década de 50 e durante a década de 60. Mas obviamente isso não é uma regra, e exemplo disso
é o compositor dinamarquês Per Nørgård (1932), que escreveu em 1982 o solo I Ching em quatro
movimentos com montagens e instrumentos distintos, em que também usa uma grande diversidade de
instrumentos, incluindo 19 gongos afinados. Outra obra relevante é Thirteen Drums (1985) do compositor
japonês Maki Ishii (1936-2003), que utiliza apenas os timbres de tambores. Entre 1987 e 1989 Xenakis
compôs Rebonds usando apenas sete tambores e um jogo de cinco peças de madeira, sendo que em pouco
tempo essa obra se tornou um clássico do repertório percussivo. Outro exemplo de obra com uma
montagem relativamente pequena, mas com alto grau de dificuldade rítmica é Bone Alphabet (1991) do
americano Brian Ferneyhough (1943), que utiliza sua técnica composicional da chamada New Complexity.
Segundo Bologna (2018, 32), no Brasil, entre as primeiras obras para percussão múltipla está Diagramas
Cíclicos, para percussão e piano, escrita em 1966 por Claudio Santoro (1919-1989). O primeiro concerto
para percussão é Variations on Two Rows for Percussion and Strings, escrito em 1968 por Eleazar de
Carvalho (19121996). a primeira peça brasileira para percussão múltipla solo foi escrita em 1973 pelo
percussionista Luiz DAnunciação: Estudo No. 4, uma obra de caráter didático para dois tom-tons e dois
pratos suspensos.
O percussionista e compositor Carlos Stasi, que também é professor da Unesp desde 1987, tem um grande
número de solos para percussão múltipla, embora nenhum seja publicado comercialmente, pois ele
sempre compôs as obras primariamente para sua própria interpretação. Outros compositores brasileiros
que contribuíram significativamente para esse repertório, seja solo, em duos ou com outros instrumentos
são Marlos Nobre, com três concertos para percussão, além de diversas outras obras camerísticas que
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
usam a percussão múltipla, Luis Carlos Csekö (1945), com mais de 50 obras para ou com percussão, sejam
solos, duos, trios, grupos de percussão ou música de câmera, Roberto Victório, com onze obras para
percussão múltipla, entre solos, duos ou com outros instrumentos, Flo Menezes, com cinco obras para
um/a ou dois/duas percussionistas que incluem tape ou live eletronics e podem ainda incluir outro
instrumento, Eduardo Guimarães Álvares (1959-2013) com cinco obras entre solos e duos, Ney Rosauro,
com dois concertos e diversos solos, e o jovem percussionista e prolífico compositor Carlos dos Santos,
com ao menos onze solos ou duos com outros instrumentos, além de dois concertos para percussão e
orquestra (um para dois/duas percussionistas e outro para três). Isso sem mencionar as obras para grupo
de percussão desses e de outros/as compositores/as, onde normalmente a percussão múltipla também
está inserida.
Atualmente os princípios da percussão múltipla são amplamente utilizados, seja em obras solos, em
concertos, na música de câmera e sinfônica. Eles podem requisitar os mais variados instrumentos e
montagens, com diferentes técnicas composicionais e grafias, algumas obras solicitando diferentes idiomas
de improvisação e diversas habilidades que exigem do/a percussionista até mesmo a construção de
instrumentos inovadores ou suportes especiais para viabilizar a performance.
5.9. O teatro instrumental e a percussão cênica
A união da música com outras formas de arte não é uma coisa nova. A música era utilizada no teatro
grego assim como nas apresentações teatrais renascentistas, e dessa comunhão também surgiram as
primeiras óperas no início do séc. XVII. Da mesma forma, a dança também sempre esteve associada à
música, e a partir disso também vieram os balés. Mesmo na época do cinema mudo, se contratavam
músicos para animar as sessões, e assim que o som foi incorporado aos filmes, a sonoplastia (plástica
sonora) e a música passaram a ser parte fundamental de uma produção cinematográfica. Portanto, não é
nenhuma surpresa que diversos compositores/as contemporâneos/as mantenham o interesse pela união
da música à expressão cênica, seja ela verbal e/ou corporal.
A percussão, por sua proximidade com a plasticidade, seja através da coreografia dos movimentos amplos
necessários para a performance da maioria dos instrumentos, ou até mesmo ao cenário que ela remete (já
que o resultado visual de uma montagem de percussão muitas vezes se aproxima de uma obra de arte com
diferentes formas e cores), certamente instigou diversos/as compositores/as que buscavam a soma da
plasticidade visual, assim como dos sons e (re)significados das palavras em suas obras musicais. Dessa
forma, surgiu um grande número de peças para o teatro instrumental, e mais especificamente, para a
percussão cênica, o que também exige do/a performer um aprendizado inteiramente novo, que
normalmente não está relacionado ao ensino tradicional da música e da percussão.
O quarteto Living Room Music, composto em 1940 por John Cage, pode ser considerado um precursor
desse movimento. Além dos/das intérpretes tocarem objetos de livre escolha típicos de uma sala de estar,
a obra utiliza apenas as vozes no segundo movimento Story, construído sobre um poema da americana
Gertrude Stein (1874-1946) e que exige dos intérpretes uma pesquisa de entonação e emissão vocal. Além
disso, Cage influenciou fortemente o argentino Mauricio Kagel (1931-2008) na fundação do movimento do
Teatro Instrumental, em Colônia, pois em 1957, Kagel chega a Darmstadt, que naquele momento era a
capital do serialismo musical europeu, mas também o centro de atividade de Fluxus e de Cage e seus
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
seguidores na Europa (Serale 2011, 15). Assim, seguem algumas das obras mais significativas para
percussão cênica, em ordem cronológica:
Vinko Globokar (França 1934) compôs em 1973 Toucher, com texto de Bertold Brecht, em francês.
Mauricio Kagel (Argentina 1931-2008) compôs em 1977 Dressur para trio de percussão de madeira,
onde, além das anotações musicais, contém instruções precisas de posicionamento e movimentos no
palco.
Georges Aperghis (Grécia 1945) escreve em 1978 Le corps à corps, para voz e zarb, assim como Les
Guetteurs de Sons, para trio de percussão em 1981.
Stuart Saunders Smith (EUA 1948) escreve Songs I IX em 1982.
Frederic Rzewski (EUA 1938) escreve o solo To the Earth para percussão e voz, em 1985.
Globokar também compõe ?Corporel em 1985, obra que exige grande expressão corporal e facial.
Thierry de Mey (Bélgica 1956), compositor e cineasta, compôs um verdadeiro bailado para mãos em
sua Musique de Table para 3 performers, de 1998, incluindo uma escrita minuciosa para a exata
realização das coreografias. Em 2002 ele compôs Silence Must Be para um performer solo que realiza
gestos de regência enquanto a música para percussão, que pode ser tocada ao vivo ou pré-gravada,
acontece em sincronia com os gestos estipulados. Em 2010 ele cria Light Music para um performer
com sensores e projetores.
Mark Applebaum (EUA 1967) utiliza mais de uma centena de gestos em sua Aphasia (2010), para
gestos de um performer sobre tape. Em Gone, Dog. Gone! (2012), o duo de percussionistas precisa
memorizar tanto as partes instrumentais como os gestos correspondentes, e revezam momentos em
que tocam ou que realizam as dezenas de gestos pré-estabelecidos na partitura.
No Brasil, diversos compositores trabalharam com o teatro instrumental e a percussão cênica, desde Cenas
Sugestivas (1985) de Carlos Kater (1948), onde o/a percussionista deve tocar e interagir com gestos e
recitar um texto, Ernest Wiedmer (1927-1990), com Mamãe Máquina (1989), para três percussionistas e
soprano, assim como Tim Rescala (1961), que utiliza com frequência materiais cênicos e textuais de caráter
cômico em suas obras, como em Bravo! (1989), para plateia de concerto, em A Base (1989), para bateria e
contrabaixo elétrico, e em A Dois (1992), um duo de percussionistas que interpretam uma discussão
cômica entre um casal ao mesmo tempo em que tocam. Gilberto Mendes (1922-2016) utiliza a voz e
aspectos cênicos que incluem até mesmo um metrônomo em seu Concerto para Tímpanos, Caixa e
Percussão (1991), enquanto Jorge Antunes (1942) compôs Le cru et le cuit (1994) para percussão e tape,
onde também determina inúmeras ações cênicas na partitura. Luis Carlos Csekö tem um grande número
de obras com percussão em que utiliza material cênico e/ou iluminação específica, entre elas, Canção dos
Dias Vãos (1992), para percussão solo e light design. Eduardo Guimarães Álvares também utilizava diversos
elementos cênicos em suas obras, especialmente no duo de percussão Pocema (1990), assim como
Pratilheiros Catapimbásticos (1994) para septeto de percussão. Tato Taborda (1960) explora a percussão
cênica em O Samba do Crioulo Doido (1990) para dois/duas percussionistas e em Homem Banda (2000),
para um/a ator/atriz percussionista.
Um dos percussionistas brasileiros pioneiros no campo da percussão cênica, e certamente o mais atuante
nessa área, é João Carlos Dalgalarrondo (1957), pois além de ter executado obras do gênero de diversos/as
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
compositores/as, vem criando desde 1983 peças solo e até mesmo espetáculos inteiros utilizando a
percussão cênica, seja solo, ou com a participação de outros músicos ou até mesmo dança.
Outro trabalho referencial que também explora elementos cênicos é o do Grupo Barbatuques, criado em
1995 por Fernando Barbosa (1971-2021), que utiliza a percussão corporal associada à voz e à coreografia
para montar o repertório de seus espetáculos. Este grupo alcançou tal projeção que foi convidado até
mesmo a representar o Brasil na Copa do Mundo na África do Sul em 2010 e no encerramento dos Jogos
Olímpicos Rio 2016, além de diversas outras atuações internacionais, e uma de suas músicas faz parte da
trilha sonora do desenho animado Rio 2, produzido pelos estúdios da 20th Century Fox Animation e Blue
Sky Studios.
5.10. Percussão e Tecnologia
Segundo Crab (2008, apud Campos 2008, 11), os primórdios do uso da tecnologia associada à música nos
remetem ainda a meados do séc. XVIII, com o clavecine elétrico (ou clavessin électrique) de 1759, criado na
França, ou ainda ao piano eletromecânico, desenvolvido em 1867, na Sça. O americano Elisha Gray
(1835-1901) cria o seu telégrafo musical em 1874, e o também americano Thaddeus Cahill (1867-1934),
utilizando receptores telefônicos, desenvolve em 1897 um instrumento eletromecânico, o Telharmonium.
Um instrumento do princípio do séc. XX ainda utilizado é o Theremin, criado em 1919 pelo russo Leon
Theremin (1896-1993), mas sem dúvida o instrumento eletrônico de maior sucesso desse período inicial foi
o Ondes Martenot, criado em 1928 pelo francês Maurice Martenot (1898-1980), e utilizado
magistralmente por Messiaen em sua Sinfonia Turangalila, escrita entre 1946 e 1948, além de outros
compositores franceses importantes como Milhaud, Varèse, Boulez, entre outros.
John Cage é um dos precursores a juntar efeitos eletrônicos aos sons acústicos da percussão, com a sua
Imaginary Landscape No. 1, de 1939, para flauta, prato suspenso e dois toca-discos, um com frequência
fixa e outra com frequência alterada. Em outras obras, Cage também utiliza rádios, osciladores de
frequência, e diversos outros artefatos elétricos.
A origem da música eletroacústica teve seu marco inicial com os primeiros experimentos de Pierre
Schaeffer (1910-1995) realizados a partir de 1948 nos estúdios da Rádio Francesa de Paris, dando início ao
movimento da Musique Concrète. Em 1949, em Colônia, na Alemanha, surge a Elektronische Musik, com
compositores como Herbert Eimert (1897-1972), Robert Beyer (1901-1989) e o linguista Werner Meyer-
Epler (1913-1960), e mais tarde, Karlheinz Stockhausen e Henri Pousseur (1929-2009), entre outros. A
partir de então, inúmeros estudios são fundados junto às radios e universidades de diversos países, onde
podemos destacar os Estúdios das Universidades de Colúmbia e Princeton em Nova York, de onde surgiu a
chamada Tape Music, vertente americana dos primórdios da música eletroacústica, e o Studio de
Fonologia Musicale de Milão, fundado por Luciano Berio (1925-2003) e Bruno Maderna (1920-1973) em
1954 (Menezes 1999, 7). Outro importante marco para a música eletroacústica é a criação, em 1976, do
IRCAM de Paris, dirigido por Pierre Boulez, e no Brasil, podemos citar o Studio PANaroma na Unesp, criado
em 1994 por Flo Menezes.
Stockhausen escreve entre 1958 e 1960 uma das primeiras e mais importantes obras para percussão e
meios eletrônicos, no caso, Kontakte Nr. 12 ½ para tape, percussão e piano. Outra obra importante desse
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período inicial é Machine Music para piano, percussão e tape, escrita em 1964 pelo norte-americano
Lejaren Hiller (1924-1994), um compositor que desenvolveu profunda pesquisa em computação aplicada à
composição. Após esses trabalhos pioneiros, encontramos uma grande quantidade de obras com a
associação de tape escritas para todos os instrumentos, incluindo a percussão.
Ainda em 1964, Stockhausen compôs Mikrophonie I, para um grande tam-tam cujo som é produzido por
quatro performers utilizando uma série de implementos e é modificado ao vivo por microfones que
captam e são manipulados por filtros e pela mesa de mixagem, e reproduzido através de um sistema de
alto-falantes quadrifônico, que se mistura com o som acústico original, num processo precursor da música
eletrônica em tempo real (live eletronics). A música eletrônica em tempo real se torna mais comum
somente a partir do final dos anos 80, com o avanço e a maior acessibilidade da tecnologia.
Em 1963, o americano Robert Moog (1934-2005) desenvolveu o primeiro sintetizador modular analógico,
cuja utilização, além da música experimental, foi também intensamente explorada na música popular,
principalmente a partir de final dos anos 60. Da mesma forma, os primeiros experimentos com a bateria
eletrônica tiveram início na década de 60, com os primeiros modelos comerciais sendo lançados a partir de
meados da década seguinte, e popularizados na música comercial nos anos 80. Teclados eletrônicos de
percussão também foram desenvolvidos juntando as tecnologias dos sintetizadores à dos pads (sensores)
utilizados nas baterias eletrônicas, distribuídos no formato do teclado de percussão.
Na música de concerto, a enorme evolução tecnológica digital por que passamos também revolucionou
tanto os processos composicionais como a interação entre a eletrônica e o performer, com o
desenvolvimento de novos aparatos que tornaram mais acessíveis a chamada eletrônica em tempo real
(live eletronics). Esta pode gerar tanto sons eletrônicos como também pode captar e transformar em
tempo real os sons acústicos produzidos pelossicos através de programas de computador, podendo ser
também associado a sons pré-gravados. A utilização e o desenvolvimento de novas interfaces, programas,
patches e instrumentos por compositores/as e compositores/as-intérpretes requer um profundo
conhecimento dessa tecnologia. Entre os compositores brasileiros que utilizam a percussão associada à live
eletronics podemos citar Paulo Chagas (1953), Flo Menezes e natas Manzolli (1961) assim como
compositores-percussionistas como Fernando Rocha (1970), Cleber Campos (1978), César Traldi (1983),
entre outros.
5.11. Crossover
O termo crossover denota a mistura de elementos, e da mesma forma, na música, geralmente significa a
fusão de elementos de gêneros distintos, principalmente da música de concerto com a música popular.
Como foi mencionado, a percussão sempre teve uma grande conexão com a música tradicional e popular,
pois diversos instrumentos se originaram naquele contexto e foram posteriormente utilizados na música
de concerto (xilofone, marimba, vibrafone, bateria/percussão ltipla, além de tantos instrumentos da
percussão tradicional de inúmeros povos). Assim, muitos/as percussionistas clássicos/as iniciam suas
atividades musicais tocando bateria ou percussão popular, e/ou dividem os estudos entre os dois gêneros,
portanto, uma parte dos/as percussionistas transita com fluência entre esses dois idiomas, o que, como
visto, faz parte da multiplicidade que reflete o ideal de percussionista completo/a. Existe uma parte da
música de concerto que tem forte influência da música tradicional e/ou popular e utiliza seus elementos
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
e/ou instrumentos. Encontramos alguns grupos de percussão com trabalhos autorais que reúnem essas
experiências, combinando instrumentos, técnicas, processos composicionais e estilos improvisatórios de
ambas as correntes. Nessa categoria podemos citar o trio americano Hands OnSemble, criado em 1997 por
John Bergamo (1940-2013), e no Brasil, temos desde o Grupo Uakti, que esteve ativo entre 1978 e 2015 e
que além de compor e tocar, criavam e construíam os seus próprios instrumentos. Pode-se mencionar
também o Duo Ello, que iniciou as atividades em 1999, e o Duo Desvio, cujo trabalho começou em 2010.
6. Ecletismo x Especialização
A enorme diversidade de instrumentos e gêneros musicais que envolve a percussão, sem dúvida, pode
gerar angústias e questionamentos por parte de estudantes, frente a tantas possibilidades e demandas.
Por um lado, uma formação básica mais abrangente é importante, uma vez que a grande maioria dos/das
percussionistas ainda é solicitada a tocar uma variedade de estilos e instrumentos, e nesse aspecto, um
certo grau de ecletismo é necessário. Como exemplo, um/a percussionista orquestral brasileiro/a muito
provavelmente será confrontado/a em vários momentos com obras que exigem um conhecimento prévio
de ritmos e instrumentos brasileiros, por mais que não necessite ser um/a especialista nessa área, e para
isso, uma formação mais abrangente que também passe por essas experiências, é necessária. Da mesma
forma, diversas provas para professores/as universitários/as de percussão clássica também exigem o
conhecimento de um amplo leque de instrumentos e estilos: além de tocar um recital com obras solo
incluindo teclados, tímpanos, percussão múltipla e/ou caixa-clara, pode ser exigida também a
demonstração de habilidades em instrumentos e ritmos nacionais, e até mesmo a execução de uma lista
de excertos orquestrais. Isso porque, na busca por um/a professor/a que formará percussionistas que
poderão atuar em diferentes áreas, geralmente procura-se alguém que preencha esses vários requisitos.
Por outro lado, também existem as escolhas pessoais, seja por gênero(s) musical(is) ou mesmo por
instrumento(s). Essas escolhas podem ser por afinidades estéticas, facilidades técnicas, de possibilidade de
acesso ao instrumento, ou até mesmo pelas exigências ou oportunidades profissionais. Via de regra, na
vida profissional, as melhores oportunidades acabam surgindo nas áreas em que o/a percussionista tem
melhor desempenho, e na medida em que elas surgem, ele/ela também é levado/a a um aprofundamento
cada vez maior nessas áreas, numa via de mão dupla que conduz a um aprimoramento cada vez maior nos
campos em que atua. Mas para isso chegar a acontecer, é importante que o/a percussionista em formação
que pretende sobreviver de sua arte também observe realisticamente quais são as exigências do mercado
nos meios em que deseja atuar. Por exemplo, é notório que o nível das audições orquestrais brasileiras
para percussão tem subido muito, e embora tardiamente, se comparado aos EUA e Europa, há pelo menos
25 anos que a solicitação dos excertos orquestrais virou a regra nas audições brasileiras. Então, se essa é
uma das opções de trabalho almejadas, deve-se preparar adequadamente e antecipadamente para esse
tipo de audição, incluindo-se os excertos orquestrais e as técnicas desses diferentes instrumentos na rotina
de estudos. Da mesma forma, se o/a percussionista se identifica e pretende atuar principalmente com a
música popular (brasileira ou outra), é importante estudar profundamente inúmeros ritmos e
instrumentos desse gênero, assim como os contextos em que se inserem e seus idiomatismos. Se o
instrumento escolhido na área da música popular for ou incluir o vibrafone, além da técnica desse
instrumento, deverá obrigatoriamente estudar também harmonia, arranjo, estilos de acompanhamento,
improvisação e demais aspectos necessários. Essa mesma gica se repete às tantas outras possibilidades
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
de atuação.
A maior dificuldade para o/a aluno/a de percussão, diante de tantas demandas e opções, é saber escolher
e dosar em quais áreas ou instrumentos investir o precioso e cada vez mais escasso tempo de estudo. E
para auxiliar na administração do tempo, é sempre importante uma autoavaliação constante com questões
como:
1 Qual o tempo disponível para estudar?
2 Com que instrumentos e estilos musicais o/a aluno/a se identifica?
3 Quais são os seus pontos fracos e fortes?
4 Quais são os objetivos de curto, médio e longo prazo?
5 Baseado nisso, como dividir o tempo entre os diversos instrumentos e temas, principalmente naqueles
que pretende se aprofundar?
A organização da rotina de estudos é essencial para se atingir os objetivos propostos. E a partir de um
certo estágio dos estudos, o/a aluno/a pode começar a delimitar melhor o foco e dedicar um maior
tempo às áreas e instrumentos com os quais se identifica e almeja atuar profissionalmente, mas sem
abandonar os estudos necessários e básicos a todo/a percussionista. E independentemente do(s) campo(s)
escolhido(s), é sempre recomendável manter a mente aberta para aceitar desafios, se não como
performer, ao menos como ouvinte.
6.1. Diversificação das especialidades nas escolas de música
Como visto, com tamanha diversificação tanto em termos de instrumentos quanto de gêneros musicais,
não é nenhuma surpresa que ao longo da formação e mesmo da carreira profissional, cada percussionista
tenha uma receita própria da combinação desses diferentes elementos, com graus variados de
aprofundamento nos diferentes instrumentos e estilos mencionados.
Embora, de forma geral, os primeiros conservatórios e faculdades de música mundo afora se dedicassem
exclusivamente ao ensino da música de concerto, aos poucos o ensino do gênero popular e da
etnomusicologia foram sendo incorporados em diferentes instituições do exterior. O primeiro curso de
História do Jazz foi ministrado na Willian Paterson University em 1941, e em 1946, a Texas State
University (agora University of North Texas), iniciou o primeiro programa de graduação do país em arranjos
de bandas de dança e fundou a agora famosa One OClock Lab Band (Rodriguez 2012). A década de 60 foi
muito importante para o crescimento dos programas de jazz nos EUA, que em 1960 havia 30 grupos de
jazz nas universidades e aproximadamente cinco mil bandas no nível do ensino médio, e em dez anos
passou para 450 grupos nas universidades e quinze mil no ensino médio (Rodriguez 2013). Dessa forma,
constatamos que nos EUA um bom tempo que as escolas de música universitárias também contam
com programas e departamentos de jazz. Em boa parte dessas escolas, além do/a(s) professor/a(es) de
percussão clássica, normalmente também existe ao menos um/a professor/a de bateria, e nas maiores
escolas até mesmo outros/as professores/as especializados/as no vibrafone do jazz e/ou ainda mais
especialidades. Além disso, para contornar a questão da inviabilidade dos mesmos professores/as serem
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
especialistas em tantos campos diferentes, as universidades geralmente também contam com um circuito
de clínicas e masterclasses ministrados por percussionistas especialistas em diferentes áreas, que se
encarregam dessa troca de saberes.
Por conta dessa enorme diversidade, vários conservatórios europeus também contratam diversos
professores/as de percussão, cada um com uma ou mais especialidades, seja nos tímpanos, na percussão
orquestral, na marimba, na improvisação ao vibrafone, no repertório solo para percussão múltipla, na
bateria e na percussão popular, sendo que este último campo também pode contar com diversos/as
especialistas como percussão africana, percussão latina, percussão indiana, gamelão e outros. Um dos
melhores exemplos nesse sentido é o Conservatório de Música de Roterdã, agora renomeado CODARTS
University of the Arts, na Holanda, que tem em seu quadro 23 professores de percussão e bateria divididos
em diversos departamentos
10
. São oito professores no departamento de Música Clássica, e embora todos
tenham tido uma formação geral clássica, cada um deles atua principalmente nas seguintes distintas
especialidades: 1. Percussão orquestral, música contemporânea e grupo de percussão; 2. Percussão
orquestral e solo; 3. Vibrafone de jazz; 4. Marimba; 5. Música africana e latina; 6. Percussão cênica; 7.
Bateria e instrumentos de o (djembê, bongôs, cajon); 8. Música contemporânea. Além desses, o
departamento de Pop tem dois professores de bateria, o departamento de Jazz tem mais três professores
de bateria, e são oito professores de percussão no departamento de Música do Mundo (World Music),
divididos entre as especialidades de Flamenco, Música Indiana (tabla) e Percussão Latina, esta última com
seis professores. Finalmente, o departamento de Educação Musical tem mais dois professores de
percussão.
No Brasil, da mesma forma que no exterior, a maioria dos cursos de música nos conservatórios e
universidades públicas iniciou suas atividades com o foco exclusivo na música de concerto. Enquanto isso,
normalmente se aprendia a música popular de forma empírica, ou na estrada, no jargão popular. Mas
isso obviamente trazia muitas desvantagens aos músicos populares, que sem uma sistematização do
ensino e muitas vezes sem acesso adequado à informação, a formação podia conter muitas lacunas. Mas
como a música popular sempre foi muito presente na cultura brasileira, aos poucos, alguns conservatórios
e faculdades particulares foram percebendo que a procura para esse gênero era grande e passaram a abrir
cursos voltados para esse público. Uma das primeiras escolas blicas de música do Brasil, se não a
primeira, a incluir a música popular no seu programa foi a Escola de Música da Fundação das Artes de São
Caetano do Sul, no início dos anos 70, tendo o músico Amilson Godoy como coordenador da área. E foi
somente a partir de 1989 que a Unicamp criou seu programa de música popular, seguida pelo
Conservatório de Tatuí e pela então recém criada Universidade Livre de Música Tom Jobim (atual Escola
de Música do Estado de São Paulo EMESP), ambas em 1990. Além disso, o Projeto Guri, criado em 1995,
e que hoje tem quase 400 polos espalhados por todo o Estado de São Paulo, atendendo cerca de 51 mil
crianças e jovens, além de outros 46 polos espalhados pela grande o Paulo que atendem outros 13 mil
alunos/as, também ensinam a música popular. De forma geral, nas universidades públicas brasileiras ainda
são relativamente poucos os programas oficiais de música popular, mas pela relevância desse gênero na
cultura brasileira, existe uma tendência de inclusão.
10
Informações obtidas no site da CODARTS: https://www.codarts.nl/en/
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
Um exemplo de sucesso na implantação da área da música popular na universidade pública é a UFBA, que
tem um dos cursos universitários de música mais antigos do país, criado a partir dos Seminários em Música
administrados pelo professor, compositor e musicólogo alemão Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005)
iniciados em 1954. Desses seminários surgiu a Escola de Música entre 1958/59, e os cursos em formato de
graduação vieram com a reforma universitária de 1967. O primeiro grupo de percussão contemporânea
brasileiro também surgiu justamente na UFBA: o Conjunto de Percussão da UFBA, que existiu entre 1964 e
1968, mesmo antes da escola ter o curso oficial de percussão e, portanto, era formado em sua maioria por
alunos/as de composição (Tullio e Sulpicio 2016, 7).
O bacharelado em música popular da UFBA foi implantado em 2009, tendo como opções a execução
musical ou composição e arranjo. O professor de bateria foi contratado em 2010, e em 2017 foi contratado
o professor de percussão popular, sendo talvez o primeiro concurso para essa especialidade realizado em
universidade blica no Brasil. E finalmente, em 2020 foi contratado um segundo professor de percussão
clássica
11
. Dessa forma, atualmente, na UFBA um professor de bateria, um de percussão popular, e dois
de percussão clássica, corroborando a tendência de especializações em percussão também no ensino
brasileiro. Atualmente, diversos cursos de percussão espalhados pelo Brasil, tanto nos conservatórios
como nas universidades, também já contam com vários professores/as de percussão, tanto para atender a
crescente demanda de alunos/as, quanto para oferecer diferentes especialidades, dentro do campo da
música de concerto ou da música popular. No Estado de o Paulo duas escolas técnicas estaduais
paulistas são exemplos disso: a EMESP (que atualmente tem em seus quadros um total de oito
professores/as da área de percussão, sendo dois de bateria, dois de percussão popular, três de percussão
erudita e um de percussão corporal) e o Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos de
Tatuí (com oito professores/as, sendo dois de bateria, dois de percussão popular e quatro de percussão
erudita).
Espera-se que este texto, embora bastante sucinto perante a extensão do tema, ajude na compreensão do
processo contínuo pelo qual a percussão passou, mais acentuadamente nos últimos cem anos, o que
acarretou numa grande sofisticação e ampliação do instrumental utilizado, assim como de suas cnicas e
repertórios, levando ao surgimento e desenvolvimento de novas possibilidades de atuação e de
especialização. Por outro lado, ao mesmo tempo em que o leque de opções se amplia, surge um dilema
diante da grande demanda com a qual o/a percussionista, principalmente aquele/a em processo de
formação, é confrontado/a: ecletismo x especialização. Para auxiliar nessas escolhas, foram apresentadas
algumas sugestões, mostrando inclusive como o ensino da percussão tem se adaptado a essas
transformações no Brasil e no mundo.
7. Referências
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Armbruster, Curt Joseph. 2019. The Noble Snare: a collection of works exposing and progressing the
performance capabilities of the unaccompanied snare drum. Tese (Doutorado em Música). Maryland:
University of Maryland.
11
Informação pessoal dos professores da UFBA Prof. Dr. Aquim Sacramento, Prof. Iuri Passos, Prof. Uirá
Nogueira e Prof. Dr. José Maurício Brandão.
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
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Gianesella, Eduardo Flores. 2023. “A evolução da percussão e os novos desafios para percussionistas: ecletismo ou especialização”
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