[Digite texto][Digite texto][Digite texto]
DOI: 10.35699/2317-6377.2022.48275
eISSN 2317-6377
Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis:
análise da relação entre música e imagem
Makis Solomos
https://orcid.org/0000-0003-3804-2620
Universidade Paris 8, MUSIDANSE
Makis.Solomos@univ-paris8.fr
André Villa
https://orcid.org/0000-0001-9146-473X
Universidade Paris 8, MUSIDANSE
andre.villa@univ-paris8.fr
SCIENTIFIC ARTICLE
Submitted date: 09/12/2022
Final approval date: 15/04/2023
Resumo: O filme Oriente-Ocidente, dirigido por Enrico Fulchignoni com música de Iannis Xenakis (ainda
não disponível comercialmente) é, em geral, apenas mencionado através da versão de concerto
homônima da música de Xenakis. Esta indisponibilidade da obra cinematográfica é lamentável, primeiro
porque se trata de um documentário com excelente conteúdo e excelente qualidade visual e, segundo,
porque demonstra a extraordinária capacidade de imaginação sonora de Xenakis. Esta imaginação
expressa-se através de ideias musicais (composicionais), mas também através da forma como Xenakis
ilustra e comenta as imagens do filme. O artigo estuda pela primeira vez o filme enquanto tal e a sua
música através da relação entre música e imagem.
Palavras-chave: Xenakis; Orient-Occident; Música eletroacústica; Trilha sonora.
TITLE: Orient-Occident by Fulchignoni-Xenakis: analysing the relationship between music and
image.
Abstract: The film Orient-Occident, directed by Enrico Fulchignoni with music by Iannis Xenakis (not yet
commercially available) is, in general, only mentioned through the homonymous concert version of
Xenakis's music. This unavailability of the cinematographic work is regrettable, firstly because it is a
documentary with excellent content and excellent visual quality and, secondly, because it demonstrates
Xenakis' extraordinary capacity for sonic imagination. This imagination expresses itself through musical
(compositional) ideas, but also through the way Xenakis illustrates and comments on the film’s images.
The article studies film as such for the first time and its music through the relationship between music and
image.
Keywords: Xenakis; Orient-Occident; Electroacoustic music; Sountrack.
Per Musi, no. 42, Sessão Temática: Iannis Xenakis,e224229, 2022
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
2
Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis:
análise da relação entre música e imagem
Makis Solomos, Universidade de Paris 8, MUSIDANSE, makis.solomos@univ-paris8.fr
André Villa, Universidade de Paris 8, MUSIDANSE, andre.villa@univ-paris8.fr
1. Introdução
Durante o início dos anos 1960 (ou final dos anos 1950), Xenakis teve a oportunidade de lucrar
algum dinheiro compondo, paralelamente às suas obras musicais, trilhas sonoras para rias
mídias. Estas trilhas incluem Formes rouges (Formas vermelhas, retirada de seu catálogo) para o
filme homônimo também referida como Pièce K (Peça K) nos esboços de Xenakis para 8
músicos (um dos quais toca Ondes Martenot, um caso único na música de Xenakis) e Vasarely,
para 4 músicos também para um filme (que também foi retirada, mas agora está disponível em
um disco comercial 1); música para três spotes publicitários: para a pasta de dentes alemã
“Odol”, para a loção pós-barba holandesa “Pitralon”, e também para o creme de barbear
holandês “Pitrell”; e talvez para alguns outros projetos.
A única obra bastante conhecida desta categoria é a sica para o filme Orient-Occident,
devido ao fato de Xenakis, após a composição da trilha sonora, decidir compor uma peça para
concerto com o mesmo título, a partir do mesmo material. Isto é importante porque, de fato, é
através da peça eletroacústica chamada Orient-Occident que o filme Orient-Occident é
conhecido nos dias de hoje (2023), ainda não existe uma versão comercialmente disponível ou
restaurada do filme2.
Este artigo enfoca o filme Orient-Occident. Precedido por um artigo que analisa a relação entre a
música para o filme e a música para a versão de concerto (Solomos 2009) artigo do qual se
extrai alguns elementos –, pela primeira vez, ele estuda o filme como tal e sua música. Vamos
analisar o filme, a música do filme e a relação entre a música e a imagem3.
2. O filme
Comissionado pela Unesco, o filme Orient-Occident, de um pouco mais de 20 minutos de
duração, foi realizado em Cannes por Enrico Fulchignoni em maio de 1960. Trata-se de uma
1Iannis Xenakis, Electronic music 2: Polytope de Cluny, Hibiki Hana Ma, Neg-ale for Vasarely”,
Mode Records, mode 203, 2008. Notas de programa de Makis Solomos.
2Gostaríamos de agradecer ao GRM (Groupe de recherches musicales) e seu ex-diretor, Daniel
Teruggi, que nos forneceu uma cópia. Hoje em dia o filme pode ser consultado na internet:
https://www.youtube.com/watch?v=7siM9_9GSiI.
3Trechos do presente artigo foram extraídos do artigo de Solomos (2009) e traduzidos por Danilo
Rossetti.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
3
exposição de 1958-59 organizada por Vadim Elisséeff, curador do museu parisiense Musée
Cernuschi, durante a qual foram exibidas esculturas e outros objetos da Ásia, Europa e Egito,
destacando as relações entre Leste (Oriente) e Oeste (Ocidente). O subtítulo do filme é Images
d’une exposition (Imagens de uma exposição), provavelmente uma referência a Mussorgsky. No
filme, um texto falado descreve estas relações, um texto que, se confiarmos nos créditos finais
do filme, foi escrito por Pierre Henry. Fulchignoni escreveu um artigo importante sobre sua
colaboração com Xenakis, no qual ele escreve:
O filme era difícil de fazer, pois envolvia a mudança de um lugar para outro,
de uma cultura para outra, de uma época para outra. Uma das seções do
filme, por exemplo, envolveu a transição da estátua imóvel, de perspectiva
frontal, como a dos egípcios, para a escultura dinâmica e tensionada da
Grécia, particularmente a de Alexandre, através de várias etapas. O objetivo
era dar a impressão desta evolução e ao mesmo tempo aquela da
permanência mágica e imutável do corpo humano. Havia todo tipo de casos
deste tipo. Se eles me colocavam problemas difíceis como cineasta, eles
colocavam problemas talvez ainda mais complexos para o músico, porque,
onde a transição visual podia encontrar soluções na montagem, para a
música, estas mesmas operações de montagem implicavam extensões de
uma área para outra, um empreendimento muito mais complexo4. (1981,
256-257, trad. Danilo Rossetti)
Segundo estes relatos de Fulchignoni, a realização do filme durou cerca de oito meses, fato que
de certa forma chama a atenção para a complexidade do projeto. Sobre a produção do projeto,
por exemplo, as dificuldades com as filmagens dos planos, devido ao fato de ser necessário
filmar objetos de tamanhos muito diferentes. A equipe era também constituída por dois cineastas
italianos bem qualificados. O diretor de fotografia, Piero Portalupi, era um cinematógrafo muito
experiente com vários longas-metragens em seu currículo. Piero Portalupi foi auxiliado por
Idelmo Simonelli, um experiente operador de câmera, maquinista e igualmente diretor de
fotografia. A montagem do filme consumiu três meses de trabalho e obrigou Fulchignoni e
Elisséeff a encontrar um fio condutor para desenvolver uma narrativa visual coerente e fluida.
Somam-se a isso os dois meses em que Xenakis, Pierre Henry e alguns colegas do GRM
trabalharam para criar a música, a narração e mixagem da trilha sonora do documentário.
O filme, nas palavras de seu diretor, narra o quadro de contatos entre culturas5 (Fulchignoni
1981, 257). Além disso, o documentário como uma espécie de catálogo de exposição nos
mostra, por meio de sua excepcional composição de imagens, “a extensão do intercâmbio
4“Le film était de réalisation difficile, puisqu’il s’agissait de passer d’un endroit à l’autre, d’une
culture à l’autre, d’une époque à l’autre. L’une des sections du film, par exemple, comportait le
passage d’une statuaire immobile, à perspective frontale, comme celle des Égyptiens, à la
sculpture dynamique, en tension, de la Grèce, celle d’Alexandre en particulier, à travers plusieurs
étapes. Il s’agissait de donner en même temps l’impression de cette évolution et celle de la
permanence magique et immuable du corps humain. Il y avait toutes sortes de cas de ce type.
S’ils me posaient, en tant que cinéaste, des problèmes ardus, ils en posaient peut-être d’encore
plus complexes au musicien, car, la transition visuelle pouvait trouver des solutions dans le
montage, pour la musique, ces mêmes opérations de montage impliquaient des prolongements
d’une zone dans l’autre, entreprise beaucoup plus complexe”.
5“le cadre des contacts entre les cultures”.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
4
artístico no mundo antigo6”. Quanto à construção da narrativa do filme, Fulchignoni descreve que
deviam escolher entre duas opções: seguir um encadeamento cronológico ou um encadeamento
temático. A opção cronológica, segundo o diretor, teria os obrigado a fazer a montagem saltar
muitas vezes de um território a outro, sob pena de fragmentar e dispersar o discurso, tornando-o
assim visualmente confuso (258).
2.1. O desenvolvimento do fio condutor da narração
Fulchignoni e Elisséeff optaram por concentrar a narração do filme essencialmente nos temas
(e.g., movimento corporal, arte animal representada nas imagens, monstros e bestiários
fantásticos, maternidade). Essa escolha permitiu que Orient-Occident expressasse ideias
comuns às esculturas em torno desses elementos. O fato de sublinhar as transformações ou os
elementos que se mantêm constantes nas representações do corpo humano, dos corpos dos
animais ou mesmo de destacar certos detalhes compartilhados na composição de diferentes
esculturas (e.g., a simetria do rosto e/ou do cabelo) tornou a narrativa fluida pela comparação
simples e direta de alguns elementos temas comuns às obras que se sucedem nas imagens.
A narração cinematográfica, independentemente da construção de sua sequência de estátuas
que ziguezagueia entre origens distantes tanto geograficamente quanto cronologicamente, é de
uma coerência bastante simples cuja apresentação, encadeada via os citados temas, facilita não
somente a compreensão como o acesso do conteúdo do documentário ao grande público.
O estilo narrativo de Orient-Occident é, de certa forma, um tanto padrão para documentários
ditos à thèse”, isto é, documentários que visam persuadir o espectador a adotar um certo ponto
de vista sobre o sujeito abordado (Lindenmuth, 2011). Essa construção da narrativa é baseada
em uma narração over, uma voz que narra de forma omnisciente e “autoritária” o conteúdo
do filme e que nos explica, por vezes de forma bastante redundante, tudo o que vemos na
imagem. Essa voz invisível e desencarnada é o que o realizador britânico Paul Rotha chama de
“voz de deus” (apud Chanan 2007, 88) à qual muitos documentaristas na época (início dos anos
60) eram refratários, visto que esta proposta reduz tanto o poder da imagem quanto o
desenvolvimento de uma perspectiva do espectador. Momento em que precisamente começa a
se desenvolver o chamado cinéma-vérité ou cinéma directe (Freire 2011; Gauthier 1995, cap. 5),
potencializado pelas inovações teóricas e terminológicas (Graff 2011, 31-46) mas também
pelos desenvolvimentos tecnológicos dos quais podemos citar a silenciosa e portátil câmera
Éclair-Coutant 16mm e, principalmente, o surgimento do também portátil gravador Nagra III
(1958).
Esses elementos possibilitaram não somente a mobilidade, mas principalmente a gravação
síncrona das imagens com o som direto, captando assim as reações produzidas em situação
pelos sujeitos do filme pris sur le vif”, como em uma observação da “autenticidade do vivido”
nos diria Edgar Morin (apud Gauthier 1995, 74)7, correalizador com Jean Rouch de Chronique
d’un été. Filmado em 1960 e lançado em 1961, este filme é considerado o pivô dessa
transformação nos documentários etnocinematográficos. Uma abordagem em total contraponto
6“l’ampleur des échanges artistiques dans le monde ancien”. Texto da narração de Orient-
Occident (1’00’’).
7Gauthier, Guy. 1995, op. Cit., p. 74. Ibid. para a próxima citação.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
5
com filmes que visam descrever. No entanto, o conteúdo proposto por Orient-Occident a
apresentação sistemática de um assunto artístico e cultural via exemplos que remetem à um
catálogo de exposição (vide o subtítulo do filme: Images d’une exposition) de certa forma
demanda e cauciona esse formato de narração over ou voz de deus. Em complementaridade
com a sica de Xenakis, esta forma de narrativa dota de palavras sujeitos que não podem se
expressar (e.g., documentários sobre animais e, justamente, objetos). Uma relação que sublinha
e torna evidente a porosidade que, ao curso de séculos na antiguidade, se consolida entre
culturas tão distantes geográfica e cronologicamente.
2.2. A composição das imagens
Em termos de cinematografia, podemos elencar 7 elementos básicos que constituem a
composição das imagens (Block 2014).
Cor: sendo o documentário em preto e branco, o elemento cor está obviamente excluído da
composição de suas imagens.
Níveis de cinza (ou seja, a luminosidade do objeto em relação a uma escala de tons ou níveis de
cinza): o nível de cinza dos elementos que compõem as cenas muda em relação à densidade da
intensidade e a incidência de luz (luminância) (Andersson 2015, 337 e segs.). Orient-Occident
utiliza um desenho de luz que coloca em destaque não somente as formas, mas também os
relevos e detalhes das obras. O chamado contraste tonal se desenvolve através da diferença no
brilho dos objetos. A diferenciação por níveis de cinza opera, entre outros, com a percepção da
profundidade do conteúdo da imagem. Com as mesmas proporções, objetos mais claros
geralmente parecem mais próximos ao espectador quando comparados aos mais escuros.
Espaço: a escolha de um espaço predominantemente plano, construído pelo posicionamento
frontal dos objetos face à câmera os chamados planos frontais produz, em teoria, um espaço
“sem profundidade” (e contrasta justamente com o elemento anterior, que acentua a percepção
de profundidade por diferentes níveis de cinza). A principal razão dessa construção de um
espaço plano é que majoritariamente em Orient-Occident uma ausência de pontos de fuga, o
que por momentos torna inoperante a ilusão de profundidade cinematográfica pela perspectiva
(ilusão, visto que a tela é, obviamente, 2D). O espaço é, portanto, bastante neutro” e esse
espaço “real” que está na frente da câmera é assim representado de forma a corresponder com
o que está no quadro cinematográfico (Villain 1984). Isto se pelo simples fato que os planos
frontais reforçam a natureza bidimensional da superfície da tela. Um espaço que agora molda as
escalas as proporções dos objetos na imagem. Sem perspectiva e sem outros referenciais que
não sejam os próprios objetos, o espaço cênico assim construído mantém a sua neutralidade
para chamar a atenção exclusivamente sobre os objetos (e seus detalhes) acentuando as suas
qualidades. Essas qualidades expõem as tridimensionalidades das obras reforçadas por outros
elementos que compõem a imagem (e.g., jogo de sombras e luzes, profundidade de campo,
movimento dos objetos). Em princípio, as obras são todas apresentadas em uma mesma escala,
o que não nos permite perceber suas respectivas dimensões. Como consequência, torna-se
impossível uma comparação entre os volumes físicos das obras. Mesmo quando as estátuas são
apresentadas simultaneamente no quadro (e.g., 11’12’’), a composição da imagem atua para
sublimar as diferentes proporções físicas das mesmas. Em outras palavras, as diferenças nas
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
6
proporções entre as estátuas ocorrem mais nas relações entre o todo e suas partes, entre uma
obra e seus detalhes, entre a textura de suas superfícies e o foco de uma profundidade de
campo por vezes bem pouco profunda. Tais fragmentos de representação do corpo humano
também são colocados em valor pelo recorte do quadro a “aproximação da câmera” pela
mudança de valor de plano e pelo percorrer da câmera na extensão da superfície das obras.
Como foi dito, em planos frontais as esculturas surgem sem uma relação de perspectiva que
possa se construir entre o espaço e a obra ali localizada. De alguma forma, o fundo em relação
às obras nos propicia essa profundidade neutra que faz emergir as figuras em primeiro plano,
como em uma relação figura/fundo nos termos da Gestalt (Guillaume 1979). A cinematografia a
captação do movimento por momentos “imita” a fotografia still a captura do instante e se
apresenta como em um catálogo de exposição. Mas isso dura apenas instantes que se
encontram dispersos em diversos planos do documentário. Nesses momentos, as técnicas
cinematográficas viabilizam a construção de uma perspectiva para além das próprias obras visto
que uma ausência de contextualização das esculturas em relação ao espaço onde se inserem.
Se desenvolve assim a impossibilidade de se determinar uma escala com base no tamanho dos
objetos. Uma tal comparação de grandezas poderia sugerir uma escala de valores de
julgamento estético relativa à dificuldade de execução das obras. Frente a estátuas muito
grandes, pensamos no empenho em sua execução em relação à superfície a ser trabalhada, a
complexidade para se respeitar suas proporções, a dificuldade de acesso para poder se esculpir
a matéria-prima, o tempo de trabalho dedicado a esculpi-la. Para objetos muito pequenos, dos
quais os broches e colares que foram usados no documentário (Fulchignoni 1981, 259), tais
esculturas podem evocar a necessidade de se aplicar gestos precisos e absolutamente
delicados, técnicas complexas e de uma dificuldade de execução exacerbada pela então
ausência de ferramentas e tecnologias.
No entanto, em certos momentos do filme, o espaço é construído por sutis ângulos de planos de
filmagem (e.g., plongée econtra plongée sem grandes inclinações). Essa perspectivação visa
construir um equilíbrio que vem destacar os detalhes nas texturas das superfícies das obras,
qualidade que é ainda amplificada por recorte dos planos em aproximação dos objetos (assim
como pela incidência e a intensidade da iluminação). O fato de podermos perceber detalhes e
texturas das obras com estes planos próximos também cria a ilusão de profundidade em
contraponto aos supracitados planos frontais e o espaço plano. A ilusão de perspectiva também
surge de tempos em tempos, motivada em grande parte pelas mudanças das formas das obras
graças aos movimentos que estas realizam girando sobre si mesmas.
Finalmente, em certos momentos do filme, principalmente quando uma aproximação das
obras, a profundidade de campo vem igualmente quebrar esse espaço plano.
Linhas: o elemento linha, diferente dos demais que compõem uma imagem, surge quando
existe contraste. Existem diversas maneiras de se criar linhas como atributos de uma imagem
(e.g., borda, contorno, eixo, intersecção de planos) (Block 2014, cap. 4). A borda determina a
silhueta, o perfil de um objeto em 2D. O contorno faz o mesmo, mas em objetos em 3D. Em
Orient-Occident, a imagem reforça justamente os contornos das obras usando a diversidade de
técnicas de composição de imagem que aqui elencamos.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
7
Formas: as sequências de imagens o compostas de maneira a operar sobre nossa percepção
da tridimensionalidade das obras que emergem sobre um espaço plano.
Ritmo: as obras audiovisuais possuem dois tipos de ritmo: a) o ritmo da trilha sonora, aqui
composta pela narração de Chambon e a música de Xenakis; e b) o ritmo visual, proporcionado
principalmente pela montagem e pelos movimentos dos objetos no quadro. Podemos também
construir o ritmo visual pelos movimentos de câmera e, em alguns casos, pelos movimentos e
mudanças de luz. No entanto, o ritmo visual de Orient-Occident se desenvolve lentamente ao
longo do documentário. Em última análise, ele se constitui principalmente como séries de
movimentos que não definem ritmos. Esta “lentidão de certa forma nos permite contemplar as
obras por tempo suficiente para nos assegurarmos pela imagem dos detalhes das esculturas
para as quais a narração nos chama a atenção. Este pode ter sido um dos fatores que permitiu
ou sugeriu a Xenakis o uso, em certas passagens, de sons longos. Sons que se desenvolvem
lentamente sem sugerir articulações sonoras que venham se contrapor ou reforçar as
articulações de um ritmo visual pouco articulado. Em contraponto, em certos momentos o uso
de elementos rítmicos e articulados na trilha musical remetem não a elementos presentes na
cena, mas a uma forma de “ilustração” de sonoridades dessas culturas antigas. Ilustrações que
emergem e se constituem no nosso imaginário, visto que registros sonoros dessas culturas da
antiguidade são, evidentemente, totalmente inexistentes.
Movimento: os movimentos que compõem as imagens se constroem de maneira plural, com
movimentos de câmera, movimentos de objetos, movimentos de luz e a combinação entre todos
esses elementos. Aspectos que propomos analisar de forma mais detalhada.
2.3. Movimentos de câmera e objetos
O filme de Fulchignoni usa movimentos de câmera que preservam a natureza 2D do espaço
cênico simplesmente por não criar movimentos relativos: a) os pans horizontais, os pans verticais
e as aproximações pelas mudanças de valor do plano são amplamente trabalhados pelo
posicionamento da câmera em eixos frontais aos objetos; b) os movimentos que partem de um
certo ponto no espaço e se dirigem ao encontro dos objetos funcionam como uma espécie de
entrada de cena de personagens. Neste efeito bastante teatral, as personagens, as estátuas, ora
surgem pelos lados do quadro, ora emergem por baixo, como se saíssem de alçapões, ou,
ocasionalmente, descem ao palco como que carregadas por um mêkhanê, um mecanismo ou
maquinaria do teatro grego antigo.
Quanto ao movimento de objetos, a rotação das obras em seus eixos longitudinais cria uma
ilusão de movimento circular da câmera em torno destas. Este movimento é um dos elementos
que, tal como em um museu onde podemos circular no entorno das esculturas, vêm chamar a
nossa atenção não somente quanto à tridimensionalidade dos objetos. Essa rotação coloca
também em evidência o movimento intrínseco às obras (e.g., pernas à frente, braços levantados,
o calçar de uma sandália), movimento que algumas esculturas apresentam três milênios antes
da nossa era (estátua egípcia, 16’22’’).
Finalmente, Orient-Occident é composto por uma diversidade de movimentos que se combinam
a partir dos diversos exemplos acima referidos, conjugando pans verticais com rotação das
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
8
estátuas em seus eixos, movimentos diagonais ou mesmo rotações das estátuas em seus
respectivos eixos longitudinais. Tudo isso somado a uma iluminação que, pelo movimento dos
refletores de luz, clareia os objetos fazendo-os em certos momentos simplesmente emergir
sobre o fundo sombrio (1’29’’).
2.4. A iluminação
Ao que nos parece, a iluminação de Orient-Occident é produzida principalmente por dois pontos
de luz: a luz principal ou de ataque (key light) e uma luz lateral (a luz de preenchimento ou fill
light). Mas em diversos momentos, podemos perceber a existência de um provável terceiro
ponto típico, a contraluz (backlight), que tem por função recortar a silhueta dos personagens mis
en scène (Andersson 2015, cap. 12). A questão aqui é que a luz principal é por vezes colocada
em posições laterais em ângulos bem abertos (acima de 45°), o que tem por característica
salientar o relevo das obras por meio de um acentuado jogo de sombras e luzes. As luzes são,
obviamente, ajustadas com grande precisão pois as áreas iluminadas são, em determinados
momentos, bem pequenas em comparação à superfície global das estátuas. Quanto aos
movimentos da iluminação, estes se apresentam como um aspecto muito peculiar do filme.
Ainda que a luz não seja trabalhada com um ângulo zenital (north-light), posição que tende a
iluminar com uma forte conotação “celestial ou divina” (Revault d’Allonnes 1991, 61) certos
desenhos de luz apresentados no filme se aproximam da chamada “iluminação Rembrandt”.
Essa iluminação, dita claro-escuro, produz um significativo sombreado principalmente na face
do personagem e nos permite destacar nas obras uma intensa estrutura dramática. Ao mesmo
tempo, essa proposta nos mostra e reforça a tridimensionalidade das esculturas.
2.5. A profundidade de campo
No cinema, a profundidade de campo constitui uma indispensável ferramenta de construção da
narrativa visual. Fulchignoni a usa para reforçar nossa atenção sobre os detalhes das obras.
Desde a primeira estátua apresentada pelo documentário, a aproximação feita pelo recorte (crop)
da imagem via mudança no valor de plano é enfatizada por uma profundidade de campo
extremamente curta. Isso destaca a face da obra e alguns dedos de sua mão direita, desfocando
os ombros e outras partes da escultura presentes no quadro. Outro exemplo é a representação
de uma mãe carregando seu filho no braço em uma imagem encontrada em Chipre e datada do
milênio A.C. (14’37’’). A representação da criança, em foco, é também destacada pela
incidência e a densidade luminosa enquanto a barriga da mãe que a segura permanece nas
sombras e desfocada. Esses elementos são obviamente usados para guiar e situar com muita
precisão o nosso olhar.
2.6. A estrutura visual e a estrutura narrativa
Podemos adicionar aos elementos básicos que constituem a composição das imagens alguns
componentes mais complexos e igualmente essenciais que compõem a estrutura visual e a
estrutura narrativa.
A estrutura visual se constrói a partir da relação entre os 7 elementos de base supracitados e é
amparada principalmente por uma relação entre contraste e harmonia (Block 2014, 7 passim).
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
9
Relação que, por sua vez, define uma certa intensidade visual, isto é,o contraste, que conota
bastante intensidade, e a harmonia, que sugere o inverso. As sequências do filme se sucedem
sem muito contraste (exceções feitas em alguns momentos bem pontuais pela iluminação
supracitada). Ou seja, com essa apresentação harmoniosa, não aumento da intensidade
visual. Uma intensidade que também nos poderia invocar uma espécie de escala de valor em
termos de julgamento estético das obras. Por exemplo, ao privilegiar aquelas que se
apresentariam num momento culminante da narrativa e/ou tensão visual do filme.
a estrutura narrativa desenvolve uma relação de tensão narrativa distribuída na duração de
um filme. Em geral, esse desenvolvimento se segundo “regras básicas” de roteirização
cinematográfica, em sua maioria oriundas da literatura e do teatro, ainda que em filmes de
documentário possam existir diferenças em relação às estruturas narrativas que, em geral, regem
um filme de ficção. No entanto, em Orient-Occident, mesmo a narrativa não evolui propriamente
para um clímax. Talvez o fato de terem privilegiado o fio temático tenha evitado uma narrativa
que tende a um clímax, alimentando justamente o equívoco de uma simples evolução estética
em termos cronológicos (e.g., uma última obra do filme que venha adquirir um aspecto de ser o
summum de todas as evoluções estéticas precedentes). Mas justamente, quando surge a última
obra do filme, ela é justamente a mais antiga de todo o documentário (5 mil anos). Ao invés de
propor uma espécie de “resolução” da narrativa, Orient-Occident nos sugere um novo ponto de
partida, um convite para apreciarmos “uma nova viagem8 na diversidade e uma fértil porosidade
entre as culturas que, como o filme ilustra de forma magistral, ocorre desde a antiguidade. Em
todo caso, todos esses elementos preconizam que “se trata aqui de dar a impressão ao mesmo
tempo dessa evolução e da permanência mágica e imutável do corpo humano9 (Fulchignoni
1981, 258).
2.7. As Sequências do Filme
O filme dura 20’10’’ e 82 planos de filmagem de cerca de 50 objetos, em três rolos. A Figura 1
apresenta uma descrição linear do filme, com nomes e numeração dos objetos tal como encontrados nos
Arquivos Xenakis, com a tradução em português.
(1)
(2)
(3)
(4)
-
00’00’’
-
0
00’03’’
(fondu enchaîné) générique but
(fade in) créditos iniciais
1
00’16’’
(fondu enchaîné) “Vénus tournante
(fade in) “Vênus em rotação”
77
2
00’39’’
même statue, gros plan sur visage-
main
Mesma estátua, grande plano do rosto e
da mão
3
00’48’’
“femme au collier” : panoramique des
pieds à la tête
“mulher com um colar”: panorâmica da
cabeça aos pés
78
4
01’11’’
(fondu enchaîné) “bas relief” avec
musiciens, plan néral
(fade in) “baixo relevo” com músicos,
plano geral
182
5
01’27’’
même statue, plan rapproché
Mesma estátua, em plano fechado
6
01’46’’
“premier bouddha”, tournant
“primeiro Buda”, girando
184
8“un autre voyage”. Últimas palavras do texto da narração de Orient-Occident (19’00’’).
9“Il s'agissait de donner en même temps l'impression de cette évolution et celle de la
permanence magique et immuable du corps humain”.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
10
7
02’02’’
même statue, panoramique des pieds
à la tête
Mesma estátua, panorâmica dos pés à
cabeça
8
02’29’’
“bouddha jambes croisées”, tournant
“Buda de pernas cruzadas”, girando
179
9
02’37’’
même statue, panoramique des pieds
à la tête
Mesma estátua, panorâmica dos pés à
cabeça
10
02’54’’
“personnages drapés”, “groupe de
deux statuettes”, bouddhas, plan
général
“personagens vestidas”, “grupo de duas
estatuetas”, Budas, plano geral
187
11
03’12’’
même statue, gros plan
Mesma estátua, em plano geral
12
03’29’’
“statuette orientale tournante
“estatueta oriental girando”
13
03’41’’
même statue, panoramique de bas
en haut
Mesma estátua, panorâmica de baixo
para cima
14
04’00’’
“autre bouddha tournant” (Japon ?)
“outro Buda girando” (Japão?)
185
15
04’19’’
même statue, gros plan visage-bras
Mesma estátua, plano geral do rosto e
dos braços
194
16
04’28’’
même statue, très gros plan visage-
bras
Mesma estátua, plano amplo do rosto e
dos braços
17
04’37’’
“bouddha coréen”
“Buda coreano”
193
18
04’44’’
“génie plastique de l’Inde’”
“gênio do plástico da Índia”
19
05’00’’
“statuette orientale”, “bras cassé”,
tournant
“estatueta oriental”, “braço partido”,
girando
196
20
05’14’’
(fondu enchaîné) même statue,
panoramique de bas en haut,
tournant
(fade in) mesma estátua, panorâmica de
baixo para cima, girando
21
05’32’’
(fondu enchaîné) même statue, gros
plan visage
(fade in) mesma estátua, plano geral do
rosto
22
05’53’’
(fondu enchaîné) “bouddha aux
bras”, panoramique de bas en haut
(fade in) “Buda com os braços”,
panorâmica de baixo para cima
197
23
“bouddha khmer”
“Buda quemer”
199
24
06’26’’
“petit lion”
Leão pequeno
163
25
06’37’’
“lions”, “plat”
“leões”, “pratos”
126
26
06’50’’
“gorgone”
“górgona”
176
27
07’00’’
même statue, gros plan animaux du
bas, tournant
Mesma estátua, plano geral de animais
de baixo, girando
28
07’11’’
“deux bêtes”
“duas bestas
129 A B
29
07’18’’
“masque”
“máscara”
168
30
07’28’’
même statue, gros plan
Mesma estátua, plano geral
31
07’37’’
“objet”, “deux chevaux”,
panoramique de bas en haut
“objeto”, “dois cavalos”, panorâmica de
baixo para cima
173
32
07’46’’
“éventail
“espantalho”
171
33
07’53’’
“garniture étrusque”, faisant partie du
char étrusque, gros plan
“guarnição etrusca”, parte da carruagem
etrusca, plano geral
34
08’02’’
même statue, plan général
Mesma estátua, plano geral
35
08’15’’
même statue, gros plan panoramique
gauche droite et bas haut
Mesma estátua, plano geral panorâmico
da esquerda para a direita e de baixo
para cima
36
08’49’’
(fondu enchaîné) “archer sarde”,
tournant
(fade in), arqueiro da Sardenha, girando
158
37
08’55’’
(fondu enchaîné) même statue, gros
(fade in) mesma estátua, plano geral da
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
11
plan sur tête, tournant
cabeça, girando
38
09’06’’
“la gitane”
“a cigana”
39
09’14’’
même statue, gros plan sur tête
Mesma estátua, plano geral da cabeça
40
09’26’’
(fondu enchaîné) “étrusque tournant”
(fade in) etrusco girando
41
09’52’’
même, gros plan sur tête
Mesmo, plano geral sobre a cabeça
42
10’01’’
même statue, gros plan profil
Mesma estátua, plano geral perfil
43
10’16’’
“romain romaine”
“romano romana”
44
10’27’’
“romaine”, gros plan buste, tournant
“romana”, busto em plano geral, girando
45
10’39’’
(fondu enchaîné) “Aphrodite”
fade in”, Afrodite
110
46
10’46’’
même statue, plan rapproché,
tournant
Mesma estátua, plano fechado, girando
47
10’55’’
(fondu enchaîné) “trois grâces”
(“fade in”) “três graças”
111
48
11’19’’
(fondu enchaîné) “dame touie”, gros
plan pieds, tournant, puis
panoramique des pieds au visage
(fade in) senhora Touy, plano geral dos
pés, girando, depois panorâmica dos
pés ao rosto
157
49
11’45’’
même statue, gros plan mains
Mesma estátua, plano geral das mãos
50
11’55’’
même statue, gros plan tête
Mesma estátua, plano geral da cabeça
51
12’04’’
(fondu enchaîné) “statue de Rhodes”,
panoramique haut bas
(fade in) “estátua de Rodes”, panorâmica
do alto para baixo
52
12’26’’
“deux drapés
Duas estátuas vestidas
113
53
12’43’’
“corps féminin”, tournant,
panoramique bas-haut
“corpo feminino”, girando, panorâmica
de baixo para cima
114
54
12’59’’
“maternité”
“maternidade”
81
55
13’14’’
“Isis égyptienne” (maternité)
“Ísis egípcia” (maternidade)
80
56
13’21’’
“maternité” (autre), tournant,
panoramique bas-haut
“maternidade” (outra), girando,
panorâmica de baixo para cima
57
13’36’’
“une fécondité
“uma fertilidade”
58
13’48’’
“deuxième fécondité”
“segunda fertilidade”
59
13’55’’
“troisième fécondité”
“terceira fertilidade
60
14’02’’
“quatrième fécondité”
“quarta fertilidade”
61
14’11’’
même statue, gros plan tête
Mesma estátua, plano geral da cabeça
62
14’19’’
même statue, gros plan bras avec
bébé
Mesma estátua, plano geral dos braços
com um bebê
63
14’27’’
“symbole” (deux statuettes)
“símbolo” (duas estatuetas)
64
14’40’’
même statue, gros plan sur l’une des
deux statuettes
Mesma estátua, plano geral sobre uma
das duas estatuetas
65
14’47’’
(fondu enchaîné) “deux santons
(fade in) “dois santos”
66
14’57’’
“grosse dame”
“senhora gorda”
67
15’07’’
“?” (femme se tenant la poitrine)
“?” (senhora segurando seus peitos)
68
15’22’’
(écran noir, le plan démarre à 15’33)
“homme”
(tela preta, o plano começa em 15’33)
“homem”
100
69
15’45’’
même statue, gros plan,
panoramique bras-tête
Mesma estátua, plano geral, panorâmica
braço-cabeça
70
16’04’’
(fondu enchaîné) “jambe en avant”,
tournant
(fade in) “perna para frente”, girando
103
71
16’16’’
“deux personnages”
“dois personagens
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
12
72
16’30’’
“garçon à la toque”
“menino com chapéu”
73
16’42’’
(fondu enchaîné) “corps tournant”
(fade in) “corpo girando”
74
16’56’’
(fondu enchaîné) “déesse” [Diane ou
Aphrodite avec pomme ?], tournant
(fade in) “deusa” [Diana ou Afrodite com
uma maçã?], girando
75
17’26’’
même statue, gros plan visage
Mesma estátua, plano geral do rosto
76
17’33’’
même statue, premier plan moyen,
poitrine
Mesma estátua, primeiro plano médio,
peito
77
17’42’’
même statue, second plan moyen,
poitrine
Mesma estátua, segundo plano médio,
peito
78
17’55’’
même statue, gros plan pied
Mesma estátua, plano geral do
79
18’04’’
même statue, gros plan main tenant
un fruit [?]
Mesma estátua, plano geral da mão
segurando uma fruta [?]
80
18’13’’
même statue, “déesse penchée”
Mesma estátua, “deusa inclinada”
81
18’27’’
(fondu enchaîné) statue Cyclades,
tournant
(fade in) estátua Cíclades, girando
82
18’52’’
même statue, gros plan,
panoramique poitrine-tête
Mesma estátua, plano aberto,
panorâmica peito-cabeça
19’16’’
générique de la fin
Geral do fim
20’02’’
écran noir
Tela preta
20’10’’
fin musique
Fim música
3. A música do filme
Para a música do filme, Fulchignoni entrou em contato com Pierre Schaeffer, que havia
contribuído para seus filmes (Fulchignoni 1981, 257). Schaeffer entregou a encomenda a Xenakis.
Como podemos ver em uma carta de Schaeffer a Fulchignoni, Xenakis teve muito pouco tempo
para compor a música, apenas um mês:
“Aos cuidados do Senhor Fulchignoni [endereço: Unesco]
Senhores,
Na sequência de uma visita dos meus colaboradores Pedrizet e Brissot,
confirmamos os termos do nosso acordo em relação à sonorização do filme
Orient-Occident.
Resumimos abaixo as várias operações envolvidas neste trabalho:
1 - criação de uma trilha sonora em música concreta.
2 - mixagem e sincronização da trilha.
3 - tradução da versão francesa do comentário para inglês e espanhol.
4 - gravação de narradores fornecidos pelos senhores das versões francesa,
inglesa e espanhola dos comentários.
5 - Mixagem da trilha sonora e diálogo nas três versões.
6 - trabalhos de laboratório: gravação de uma cópia de trabalho em redução 16
m/m
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
13
- Regravação ótica das três trilhas sonoras finais correspondentes a cada
versão.
- Gravação de três cópias standard de 35 m/m para cada versão.
[…]
O prazo de realização será de:
Quatro semanas para o ponto 1
Quatro outras semanas para o pontos 2.3.4.5.
Para o ponto 6, os prazos normais dos laboratórios.
[...]10”.
Isto é confirmado por dois documentos GRM, assinados por Luc Ferrari, mostrando que Xenakis
trabalhou no estúdio GRM durante dezembro de 1959 (incluindo 2 de janeiro de 1960). A
Figura 2 mostra o primeiro documento, que é o cronograma projetado (o segundo documento
introduz as correções necessárias das datas), e que é interessante pois mostra a “divisão do
trabalho” no GRM naquela época (“prise son [gravação], manipulation [manipulação], etc.). É
também importante notar que, neste documento, Bernard Parmegiani é citado como “assistente”.
Um dos autores deste artigo perguntou-lhe (em junho de 2006) se ele trabalhou em Orient-
Occident, mas ele não conseguia se lembrar.
De acordo com Fulchignoni, Xenakis compôs a música em dois meses: “A composição musical
em si foi muito rápida: se não me engano, ela durou cerca de dois meses11”. Se confiamos nos
esboços de Xenakis, ele também trabalhou na peça depois:
“terminé 1ère bobine 6/2/59 (“terminado rolo…” e, claro, é 1960, e não 1959);
10 Carta de Pierre Schaeffer para Enrico Fulchignoni, 2 de dezembro de 1959, Arquivos Xenakis,
Família Xenakis, dossier Œuvres musicales 2/4-2. “A l’attention de Monsieur Fulchignoni
[adresse : Unesco]
Messieurs,
Faisant suite à la visite de mes collaborateurs Messieurs Pedrizet et Brissot, nous vous
confirmons les conditions de notre accord concernant la sonorisation du film Orient-Occident.
Nous vous résumons ci-dessous les diverses opérations relatives à ce travail :
1 réalisation d’une bande sonore en musique concrète.
2 mixage et synchronisation de cette bande.
3 traduction de la version française du commentaire en Anglais et en Espagnol.
4 enregistrement par speakers agréés par vous, des versions Française, Anglaise et Espagnole
de ce commentaire.
5 mixage des bandes musique et parole dans les trois versions.
6 travaux de laboratoire : tirage d’une copie de travail en réduction 16 m/m.
réenregistrement sur optique des trois bandes sonores définitives correspondantes à chaque
version.
tirage de trois copies standard 35 m/m relatives à chacune de ces versions.
[…]
Les délais de réalisation seront :
De quatre semaines pour le point 1.
Puis de quatre nouvelles semaines pour les points 2.3.4.5.
Pour le point 6 les délais normaux des laboratoires. […]”
11 Enrico Fulchignoni, op. cit., p. 259. “La composition musicale elle-même a été très rapide: si je
ne me trompe, elle a duré deux mois environ.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
14
“fini 23-2-60” (“terminada em…”): provavelmente significando o término do segundo rolo (ver
Figura 4);
“3e bobine Fulgh. 24-2-60” and “terminé 2-3-60”: provavelmente significando o terceiro rolo12.
Natureza dos meios
técnicos
Número
de seções
previstas
Número de seções realizadas nas
datas seguintes:
1. Gravação do som
4
12/12
19/12
26/12
2/1
3
1
2. Manipulação
10
6
2
3. Montagem síncronizada
6
6
3
4. Montagem simples
4
4
5. Escuta
6. Cópia
7. Divers
A questão do período total necessário para compor o Orient-Occident não é anedótica. Mesmo
se chegarmos à conclusão de que Xenakis compôs a peça em três meses e contarmos o tempo
gasto no estúdio, não é muito tempo. Esta é provavelmente a razão pela qual a maioria dos sons
do Orient-Occident não foram produzidos para esta peça.
De fato, alguns dos sons do Orient-Occident vêm do Concret PH eDiamorphoses. Mas a maioria
deles vem de outras composições realizadas no GRM (obras de outros compositores). Esta é
uma situação excepcional para Xenakis. Ele frequentemente transferia seus materiais de uma
peça para outra (tanto na música instrumental quanto na música eletroacústica), mas Orient-
Occident representava uma situação única, na qual ele usou material de outros compositores,
provavelmente porque ele não teve tempo de produzir o seu próprio material.
Mas talvez haja outra explicação para esta situação. Talvez Schaeffer tenha pedido a Xenakis
que usasse sons da biblioteca de sons do GRM. Como é sabido, a produção desta biblioteca era
um dos objetivos de Schaeffer com seus estudos da música concreta. Até a redação do Traité
des objets musicaux, Schaeffer trabalhou mais como cientista do que como compositor, e
também pediu aos outros compositores do GRM que o fizessem; essa foi a razão do choque
entre ele e Pierre Henry (Chion 2003, cap. 2). E é certo que esta biblioteca serviu para projetos
“funcionais” como o filme do Orient-Occident13.
Nos Arquivos Xenakis documentos que mostram que Xenakis trabalhou com a biblioteca de
sons do GRM, buscando sons para utilizar em Orient-Occident. A Figura 3 apresenta um
documento de 18 de novembro de 1959, no qual o compositor comenta ao ouvir alguns desses
sons. Nós lemos: écoute de sons (“escuta de sons”). também números (“5Fb15”,
“5Fb153”..., “5Fe21”, etc.) que devem corresponder à numeração dos sons da biblioteca.
12 Xenakis Archives, Famille Xenakis, Dossier Œuvres musicales 9/4.
13 A biblioteca de sons GRM é um dos mistérios da história da música concreta. Não muitos
estudos sobre ela. De acordo com Daniel Teruggi (e-mail de setembro de 2006 endereçado a um
dos autores deste artigo), havia três bibliotecas. A primeira foi criada por Pierre Henry a pedido
de Schaeffer; e quando Henry deixou o GRM, levou estes sons com ele. A segunda foi a que
serviu para o Solfejo do objeto sonoro. A terceira foi produzida nos anos 1970.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
15
Também encontramos indicações específicas a respeito de: origens dos sons (“tube en carton”:
“tubo em cartão”), descrições (“effet de gong bouddhique”: “efeito do gongo budista”), e
possíveis usos dos sons para a música do filme (para “5fe21”, que é o tube en carton”: “sopas”:
“suspiros”: veja abaixo).
Figura 3. Comentários de Xenakis enquanto escutava a biblioteca de sons do GRM. Arquivos de Xenakis, Família Xenakis,
Carnet 19, 103.
Muitos dos sons do Orient-Occident podem ser encontrados em composições de outros
compositores do GRM daquele período, seja porque eles eram os produtores desses sons (que
eles “doaram” para a biblioteca de sons GRM), ou porque eles mesmos os tiraram da biblioteca.
Por exemplo, no início (0’00’’ 0’31’’) do quarto estudo (“Objets liés”) do Études des objets de
Schaeffer (1959, revisado em 1971), temos três sons que encontramos em Orient-Occident: de
acordo com o release da versão de concerto da EMF/GRM em 7’11’’ 7’41’’, 1’16’’ 1’20’’, e
4’03’’ 4’09’’. Outros exemplos são as obras Spatiodynamique (1954), que usa sons percussivos
das esculturas de Nicolas Schöffer, e Coexistence (1958), ambas de Henry.
Alguns dos sons em Orient-Occident também podem ser encontrados no Solfège de l'objet
sonore, publicado em 1967, para ilustrar o Traité des objets musicaux. Por exemplo, compare
“Sexto ponto: timbre instrumental no contexto da causalidade”: “62. Partes iniciais de 61 (folha
metálica [...])14 com o primeiro som de Orient-Occident.
É devido a este fenômeno que Orient-Occident soa como uma típica produção da música
concreta! É por isso que em Orient-Occident, ao contrário de qualquer outra composição
Xenakis desse período, encontramos muitos sons diferentes (mais de 50). Finalmente, é por isso
que temos aqui, pela primeira e última vez na música de Xenakis, uma aparência de “objetos
sonoros” no sentido schaefferiano da palavra.
14 Solfège de l’objet sonore. Pierre Schaeffer. Trois microsillons d’exemples sonores de Guy
Reibel assisté de Beatriz Ferreyra illustrant le Traité des objets musicaux et présentés par l’auteur,
Paris INA-GRM, 1967, Nova edição: 1998, p. 51 e CD 2: 62.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
16
Finalmente, é pela mesma razão que em Orient-Occident Xenakis provavelmente não fez uso da
formalização e, de maneira mais geral, de cálculos15.
4. Música e imagem
Xenakis aparentemente refletiu sobre a relação da música com a imagem não de uma forma
abstrata, mas de uma forma muito prática na composição da música enquanto trabalhava os
detalhes concretos de cada sequência. Fulchignoni disse que lhe mostrou o filme em sua
última montagem e que deixou a ele total liberdade. É certo que o filme abriu a imaginação de
Xenakis, e é uma pena que o Orient-Occident seja sua única (reconhecida) música
cinematográfica! Pertencendo à estética do modernismo, Xenakis rejeita em seu discurso a ideia
de “sonorizar” as imagens. Falando de suas composições musicais para a tragédia antiga, ele
diz que elas não são um “acompanhamento”, e acrescenta: “Não gosto de fazer música para
filmes, que são coisas figurativas e realistas, ou seja, sonorizar, finalmente, um filme ou uma
peça de teatro”16 (Delalande 1997, 133). Mas quando o lembramos que ele compôs Orient-
Occident, ele exclama: “Mas era um filme baseado em objetos antigos, arqueológicos. Havia a
Sardenha, havia a Grécia, havia o Egito, havia o Extremo Oriente, havia a Pérsia, era magnífico.
Era uma coleção extraordinária. E foi isso que me motivou a fazer esta música, foi um
comentário sonoro sobre estas peças17”. De fato, a música da versão em filme é um “comentário
sonoro”.
Nos esboços de Xenakis, várias anotações sobre a relação da música com a imagem. Por
exemplo, a Figura 4, que diz respeito ao segundo rolo, contém a numeração das filmagens
(shots), os desenhos das esculturas feitos por Xenakis, o cronograma e os pensamentos sobre a
música a ser usada, como por exemplo: guerre (“guerra”: filmagem? 35), silence total
quelques sons cloche 1 et les soupirs (“silêncio total, alguns sons de sinos e suspiros”: para as
filmagens 47-50), ressort Parmeg. (“primavera” e “Parmeg.” provavelmente para Parmegiani:
filmagem 63), “ici Φιλιπς - 12dB” (“aqui Philips”, para Concret PH: depois da filmagem 66), etc.
15 Apesar do que ele diz em Formalized Music, capítulo II: “A primeira tese é que a estocástica é
valiosa não somente na sica instrumental, mas também na música eletromagnética. Nós
demonstramos isso em rias obras: Diamorphoses […], Concret PH […], e Orient-Occident […]”
(Xenakis 1992, 43). “The first thesis is that stochastics is valuable not only in instrumental music,
but also in electromagnetic music. We have demonstrated this with several works: Diamorphoses
[…], Concret PH […], and Orient-Occident […]”. Mas talvez ele estivesse se referindo aos sons
que Orient-Occident tomou emprestado de Concret PH.
16 “Je n’aime pas faire des musiques de films, qui sont des choses figuratives et réalistes, c’est-à-
dire sonoriser, finalement, un film ou une pièce de théâtre”.
17 “Mais c’était un film à partir d’objets anciens, archéologiques. Il y avait la Sardaigne, il y avait la
Grèce, il y avait l’Égypte, il y avait l’Extrême-Orient, il y avait la Perse, c’était magnifique. C’était
extraordinaire comme collection, d’ailleurs. Et c’est cela qui me motivait pour faire cette musique ;
c’était un commentaire sonore de ces pièces-là”.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
17
Os esboços mais avançados dos Arquivos Xenakis fornecem apenas algumas ideias sobre os
sons a serem usados; talvez outros esboços tenham sido perdidos, ou talvez Xenakis também
improvisou no estúdio. Em alguns esboços preliminares temos o texto que é falado no filme e
alguns dos comentários de Xenakis, por exemplo: “Muito antes de ser uma fornecedora, a arte
grega foi uma mensageira do Oriente para o Ocidente” (“Bien avant d’avoir été le fournisseur, l’art
grec a été en Occident le messager de l'Orient”) é o texto para a sequência 13, e “césure du
climat musical sur le lion” (“quebra do clima musical sobre o leão”) é o comentário de Xenakis.
também algumas reflexões gerais, como as apresentadas na Figura 5. Parece aqui que
Xenakis calcula a duração das sequências dedicadas às civilizações: “Grécia”, “extremo oriente
Japão Coréia (+Quemeres)”, etc. (“Grèce”, “extrême orient Japon Corée (+ Khmer)”, etc.), ou a
temas específicos: “animais”, guerra”, etc. (“animaux”, “guerre”, etc.) e que ele fornece algumas
indicações sobre os sons.
Grèce [Grécia]
1’30’’+40’’+60’’+60’’+1’30’’+60’’
= 6’40’’ 7’
Maderna+cloche suisse
[Maderna+sino suíço]
Inde [Índia] 2’20’’+2’
= 4’20’’
[mot illisible] + voix grave [palavra
ilegível + voz grave]
extr. orient Japon Corée (+Kmer) [extr. orient
Japão Coreia (+Quemer)]
= 60’’
Japon [Japão]
animaux [animais]
= 1’30’’
= 60’’ 4’
= = 1’30’’
Ferrari+Indes [mot illisible]
[Ferrari+Índias palavra ilegível]
animaux+guerre [animais+guerra]
guerre [guerra]
Beauté Touie Egypte [Beleza Touy Egíto]
= 1’
Mâche soupirs [Mâche suspiros]
Maternité [Maternidade]
= 1’30’’→ 2’
Inde [Índia]
Mouvement+Bab+Egypte+Grèce gliss.
[Movimento+Bab+Egito+Grécia gliss.]
1’30’’
gliss. Pith+Metast
Figura 4. Esboços de Xenakis para Orient-Occident. Arquivos Xenakis, Família Xenakis, Dossier Œuvres 9/4, p. 26.
Figura 5. Música e imagem. Arquivos Xenakis, Família Xenakis, extraídos do Dossier Œuvres musicales 9/4.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
18
Se tentarmos estabelecer alguns princípios gerais a respeito da relação entre música e imagem
em Orient-Occident, podemos propor a seguinte tipologia:
a) Uso de música étnica. Ainda não foi mencionado que na partitura de Orient-Occident
música da Ásia Oriental, especialmente no primeiro rolo; ela “ilustra” os Budas.
b) Relações abstratas. Por exemplo, o início do filme.
c) Momentos em que a música imita a imagem. (Apesar do que Xenakis diz sobre a ideia de
“sonorizar” imagens, ele nunca recusou a noção de imitação, mesmo em suas composições
musicais para tragédias18). Por exemplo, em 1’13” (versão do filme), vemos uma escultura com
músicos, um dos quais está tocando pandeiro; a música tem sons percussivos.
d) Ambiente sonoro. Esta é provavelmente a categoria mais importante. A correspondência entre
música e imagem é feita através de um clima geral. A título de ilustração, apresentamos dois
extratos:
A parte do filme e da música mais comovente é a que evoca a textura dos sons
pré-históricos, sons que rodeavam os nossos antepassados muito distantes.
Esta matéria sonora pode parecer natural, mas é de uma natureza misteriosa,
cuja fonte desconhecemos quando faltam dados históricos, a atmosfera é
muito propícia ao enfeitiçamento. A certa altura, ouve-se algo como o galope de
um auroque: é precisamente a sequência da caça pré-histórica e o início da
figuração. Por outro lado, quando a música, sobretudo no final, prossegue numa
espécie de fluxo, trata-se de civilizações reveladas em si mesmas, e nas quais
aparece uma certa complacência, para não dizer um certo narcisismo. Daí a
fluidez do som em Alexandria, uma civilização da volúpia19. (Fulchignoni 1981,
259-260)
e) Figuração (no sentido usado para a música barroca, por exemplo). Naturalmente, aqui
precisaríamos das palavras de Xenakis sobre suas intenções, e estas palavras não existem.
Somente um estudo detalhado dos comentários nos esboços poderia mostrar todas as
instâncias de figuração. Um exemplo foi dado por Xenakis em uma entrevista, e talvez seja o
exemplo mais fascinante de figuração em Orient-Occident. No filme, “havia uma estatueta
egípcia de madeira fantasticamente bela, que traduzi em Orient-Occident como suspiros; era
uma caixa de cartão que fazia respirações e parecia suspiros, gemidos. Gemidos perante a
Beleza, de admiração”20 (Delalande 1997, 133). A Figura 6 mostra esta deusa egípcia, como
18 Ver também Polla ta dhina, sua música para os versos 332-367 de Antígona de Sófocles.
19 La partie du film et de la musique la plus émouvante selon moi est celle qui évoque la texture
de bruits comme préhistoriques, de sons qui entouraient nos très lointains ancêtres. Cette matière
sonore pourrait paraître naturelle, mais d’une nature mystérieuse, dont on ignorerait la source
lorsque des données historiques font défaut, on est dans une atmosphère très propice à
l’envoûtement. À un moment, on entend comme un galop d’aurochs : c’est précisément la
séquence de la chasse préhistorique, et du commencement de la figuration. Au contraire, lorsque
la musique, vers la fin surtout, procède par sortes de coulées, il s’agit de civilisations déjà révélées
en elles-mêmes, et dans lesquelles apparaît une certaine complaisance, pour ne pas dire un
certain narcissisme. D’où cet aspect fluide du son pour celle d’Alexandrie, civilisation de la
volupté”.
20 “il y avait une statuette égyptienne en bois qui était d’une beauté fantastique, et que j’ai traduite
dans Orient-Occident par des soupirs ; c’était une boîte en carton qui faisait des souffles et cela
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
19
mostrado no filme em 11’38”. O tubo de papelão que produz estes “suspiros” eróticos é
provavelmente o tube en carton mencionado na Figura 3.
Figura 6. Estátua egípcia. Imagem do filme em 11’38’’.
5. Conclusão
É difícil concluir nossa análise. Digamos que o que é impressionante é a inventividade utilizada
por Xenakis para compor a música para o filme Orient-Occident, uma dupla inventividade. Por
um lado, ele não poupou nenhum esforço musical, apesar do tempo limitado à sua disposição e
dos materiais emprestados. Isto é evidenciado pela música da versão do concerto, para a qual
Xenakis simplesmente cortou passagens musicais da trilha sonora contendo música étnica ou
efeitos sonoros simples, deixando o resto intocado e simplesmente editando-o (Solomos 2009).
Por outro lado, sua imaginação sonora para ilustrar e comentar o filme é extraordinária: é
realmente uma pena que ele não tenha feito mais música de filme!
6. Referências
Andersson, Barry. 2015. The DSLR Filmmaker’s Handbook, Indianapolis, Indiana: John Wiley &
Sons, Inc.
Block, Bruce. 2014. Composer ses images pour le cinéma. Paris: Eyrolles.
Chanan, Michael. 2007. “Rouch, Music, Trance.” In Building Bridges: The Cinema of Jean Rouch,
editado por Joram ten Brink. 87-95. Londres: Wallflower.
Chion, Michel. 2003. Pierre Henry. Paris: Fayard.
Delalande, François. 1997. “Il faut être constamment un immigré”. Entretiens avec Xenakis. Paris:
Buchet-Chastel/INA-GRM.
ressemblait à des soupirs, à des gémissements. Des gémissements devant la Beauté,
d’admiration”.
Solomos, Makis; e Villa, André. 2022. Orient-Occident de Fulchignoni-Xenakis: Análise da relação entre música e imagem”
Per Musi no. 42, Iannis Xenakis: 1-19. e224229. DOI 10.35699/2317-6377.2022.48275
20
Freire, Marcius. 2011. Documentário: ética, estética e formas de representação. São Paulo:
Annablume.
Fulchignoni, Enrico. 1981. “Sur Orient-Occident”. In Regards sur Iannis Xenakis, 257-262. Paris:
Stock.
Gauthier, Guy. 1995. Le documentaire, um autre cinéma. Paris: Nathan.
Graff, Séverine. 2011. ‘Cinéma-vérité’ ou ‘cinéma direct’: hasard terminologique ou paradigme
théorique ?”, Décadrages 18: 31-46. doi: https://doi.org/10.4000/decadrages.215
Guillaume, Paul. 1979. Psychologie de la forme. Paris: Flammarion.
Harley, James. 2002. “The Electroacoustic Music of Iannis Xenakis”. Computer Music Journal 6
(1): 33-57.
Jay, Emmanuelle. 2020. Le montage - Technique et esthétique: fiction, documentaire, série,
nouvelles écritures. Malakoff: Armand Colin.
Lindenmuth, Kevin J. 2011. Réaliser son premier documentaire. Paris: Eyrolles.
Revault d’Allonnes, Fabrice. 1991. La Lumière au Cinéma. Paris: Éditions Cahiers du Cinéma.
Schaeffer, Pierre; Reibel, Guy; Ferreyra, Beatriz. 1967 (1998). Solfège de l’objet sonore. Trois
microsillons d’exemples sonores illustrant le Traité des objets musicaux et présentés par
l’auteur. Paris: INA-GRM, 1967.
Solomos, Makis. 2009. Orient-Occident. From the film version to the concert version”. In Iannis
Xenakis: Das elektroakustische Werk, editado por Ralph Paland, Christoph von Blumröder,
118-134. Viena: Verlag Der Apfel, Signale aus Köln 14.
Villain, Dominique. 1984. L’œil à la caméra. Paris: Éditions de l’Etoile.
Xenakis, Iannis. 1992. Formalized Music. Stuyvesant: Pendragon Press.
_____________. 1997. Electronic Music. EMF/INA-GRM, EMF CD 003.
_____________. 2008. Electronic music 2: Polytope de Cluny, Hibiki Hana Ma, Neg-ale for
“Vasarely”. Mode Records, mode 203.