Polifonia, contrapontos, variedade timbrística (com destaque para o abundante uso dos harmônicos):
Barbosa-Lima não abriu mão desses pilares nem sob o risco de comprometer a fluência rítmica (como em
“Desafinado”) ou mesmo alterar a levada de um clássico como “Corcovado”, aqui em versão distanciada da
bossa-nova. “Caminho de pedra” e “Amparo” (onde Barbosa-Lima vê traços de Chopin e Debussy), assim
com “Estrada branca”, permitiram a livre expressão de sua imaginação contrapontística; e, apesar de
complexidade técnica, todas elas soam com naturalidade e extremo lirismo. O comentário de Jobim sobre
as quatro vozes independentes, cada qual com sua peculiaridade, encontra nessas faixas uma perfeita
ilustração.
Porém, o arranjo mais desafiador foi aquele que também mais teria agradado a Jobim: “Quebra-pedra”,
onde o intérprete identifica influências como Stravinsky e Bartok (Barbosa-Lima 1993, 5). Nas palavras de
Barbosa-Lima:
No caso de uma peça escrita para orquestra como a Stone Flower (Quebra-pedra) do Tom
Jobim, eu busquei partir do próprio ambiente orquestral e o Tom Jobim me disse que nunca
imaginou ouvir aquilo no violão, mas acabou sendo a sua peça favorita, que ele sempre me
pedia pra tocar. É uma peça complexa, com muita polifonia, mas ficou tudo na mão, só é
preciso a pessoa desenvolver uma técnica polifônica pra isso, onde as vozes são escutadas
com clareza, mas o espírito da obra continua ali (Barbosa-Lima 2009, 24).
A admiração do Maestro por este arranjo transparece no especial da TV Manchete (1984), que
comentaremos adiante. Nos diálogos gravados para o episódio, Tom diz que gosta muito dessa composição
inspirada em motivos nordestinos e que Carlos conseguiu transpor para o violão a versão original, concebida
com Eumir Deodato e orquestra. “O Carlos tem tudo isso no violão, num arranjo muito criativo, muito
pessoal, uma coisa danada, vocês vão ouvir”. Barbosa-Lima executa a peça – ritmicamente a mais intrincada
do disco – sob o olhar atento de Tom, que comenta: “É uma coisa incrível, esse arranjo seu é uma coisa
maravilhosa com essa polifonia, com essas vozes, os harmônicos, tudo, todos os recursos, né?”. Barbosa-
Lima acrescenta que essa peça especialmente foi considerada pela crítica americana como uma grande
contribuição para o repertório violonístico: “Não há nada parecido. É uma síntese. O violão às vezes pode
ser uma síntese da ideia orquestral (...)”. Neste caso, o arranjo sintetiza também alguns dos ingredientes
característicos da obra, que seriam, ainda nas palavras de Carlos, o dramatismo da cultura nordestina, o
lirismo, a polifonia e os ritmos simultâneos.
Ainda a propósito deste arranjo de “Quebra-pedra”, Jobim conclui a conversa no programa de TV
incrementando um elogio já expresso anteriormente: “Realmente, o violão, como já disseram, é uma
pequena orquestra. Que no seu caso [de Carlos] não é uma pequena orquestra, é uma grande orquestra,
né?”
A boa repercussão do álbum levou, oito anos mais tarde, à sua reedição. Para esta nova versão de CBL Plays
ACJ & GG (1990), foram acrescentados três arranjos inéditos: “Samba de uma nota só”, “Modinha” e “Canta
Mais”. Vê-se novamente a estratégia de juntar um emblema da bossa nova com, desta feita, duas das
composições mais “villalobianas” de Jobim. E, uma vez mais, nota-se que as canções de câmara acolhem
melhor a exuberância polifônica de Barbosa-Lima. Estas faixas foram gravadas na Califórnia em julho de
1989; sabe-se por uma carta do violonista para Jobim (à qual nos referiremos adiante) que eles se
encontraram em janeiro de 1989, de modo que é possível que tenham acertado os últimos retoques dos
arranjos nesta ocasião.