O corpo de observações apresentadas representa resultados originais provenientes de dados primários,
coletados dentro do universo descrito e dentro das limitações do estudo. Neste contexto, os resultados
indicam que a relação entre groove e performance não parece estar mediada por um ambiente livre de
interpretação, mas por uma coleção limitada de recursos. Além do recurso padrão do pizzicato, ghost notes,
muted notes, stacatto e pull-off orbitam a ideia de linhas de baixo caracterizadas pelo groove. As estratégias
de disponibilização de recursos, na tessitura da performance, são muito diversas e constituem um campo de
variação e criação provavelmente relacionada com as capacidades artísticas, imaginativas ou estilísticas que
cada músico coloca em prática em sua improvisação. Essa variação de estratégias pode sugerir que a ideia
de groove é independente do modo de destinação de recursos no decorrer da performance. No entanto, a
recorrência da sequência entre pizzicato-ghost note e ghost note-pizzicato pode refletir um jogo criativo
entre melódico/harmônico e percussivo, representado pela altura declarada das notas em pizzicato e a
ausência de altura e caráter percussivo das ghost notes. A utilização de elementos de pausa com efeito
percussivo explora características relevantes da performatividade da herança afro-brasileira, que tem no
silêncio musical um espaço para o movimento corporal, fator importante da rede de elementos do groove
(Sodré 1979; Naveda et al. 2011).
Os resultados também indicam uma relação entre a variabilidade do andamento e a variabilidade de
recursos, o que sugere que os recursos têm um impacto no fluxo métrico. Essa variabilidade pode ser uma
contribuição original à caracterização do groove, embora não seja claro se a variabilidade de recurso ou de
andamento são a causa do efeito em si. Há uma tendência que recursos rítmicos estejam localizados em
posições rítmicas contramétricas. Esses resultados apoiam a ideia de intercalação percussiva com elementos
contramétricos e melódicos, com base na recorrência de pizzicatos em posições contramétricas. Nesse caso,
o contrabaixo atuaria como um instrumento de função múltipla, reforçando elementos melódicos,
harmônicos e mesmo percussivos, no sentido de simular componentes percussivos como tamborins e caixas.
Por fim, as tendências de desvio microtemporais assinalam características interessantes. Por um lado, as
muted notes tendem a ser adiantadas, reforçando um acento métrico negativo, potencialidade pela
expectativa cortada pelo silêncio. Por outro lado, as ghost notes atrasadas podem sugerir um outro tipo de
quebra de expectativa, ao deixar as cabeças de ataque de nota vazias, seguidas de acentos percussivos de
altura indefinida, atrasadas em relação à régua métrica. Em uma estrutura que se assemelha a um fractal, a
ambiguidade funcional do contrabaixo no campo das decisões macroestruturais de instrumentação ou
estruturação musicais são replicadas em um nível microestrutural, onde por vezes o contrabaixista lança
elementos voltados à função melódica, outras vezes, reforça a sua natureza rítmica.
Sob uma ótica conceitual, o groove e sua teia de significados apresentam discussões que demandam mais
aprofundamento para a sua compreensão. O termo parece admitir atribuições que perpassam o campo da
etnomusicologia, dialogando com as questões intrínsecas aos processos da performance. Contudo, além de
definições pragmáticas, o termo é compreendido em uma instância de vitalidade dos fenômenos nos quais
está inserido. Esse caráter orgânico e vital pode ser observado no âmbito de convergência entre questões
musicais e culturais. O groove, quando associado ao funk estadunidense da década de 1970, retrata esse
aspecto orgânico e vital na comunicação entre o som e o indivíduo, que é mediada por uma estética rítmica
característica de seu contexto e de sua individualidade. Neste sentido, essa individualidade explora o caráter
de fluidez e movimento a partir da utilização de elementos, recursos e aspectos responsáveis por atribuir
elasticidade, tensão e relaxamento ao fenômeno sonoro.