Enquanto ele dança, ela tenta, com dificuldade, abraçá-lo, já que ele continua em movimento. Logo depois,
vemos num take em slow-motion a Sophie criança sorrindo em close, enquanto dança com o pai na beira da
piscina. Ao fundo, aparecem outras pessoas fora de foco. A sequência se alterna mais uma vez para a Sophie
adulta na pista de dança em 1:30:57. A diferença é que, neste take, não vemos mais as outras pessoas que
estavam aparentemente dançando na sala escura. Agora, a Sophie adulta e o pai estão sozinhos. Até então,
a gravação original de Under Pressure vem acompanhando as imagens desde o início da sequência,
construindo uma ponte entre o presente e o passado e servindo de ambientação musical comum para a
dança dos personagens nas duas situações. Mas em 1:31:02, ou seja, depois de 1m25s de música, os
elementos instrumentais originais desaparecem da canção e ganham destaque os vocais de Freddie Mercury
e David Bowie discretamente acompanhados por uma melodia em longos e melancólicos acordes, executada
por um naipe de cordas, oriunda da trilha sonora original.
Este trecho corresponde exatamente à transição entre a primeira e a segunda parte da canção, às quais nos
referimos anteriormente. Há, neste momento, uma dupla quebra de expectativa, para quem conhece a
canção original, tanto pela supressão da parte instrumental original quanto pela fusão com trilha de Oliver
Coates. O trecho em questão é um momento de destensionamento, com vocais quase sussurrados: “Turned
away from it all like a blind man/ sat on a fence, but it don’t work/ keep coming up with love but it’ so slash
and thorn/”. Em seguida, ouvimos a voz aguda de Freddie Mercury cantando repetidas vezes a palavra “why”
num crescendo que explode com o coro “love, love, love” numa preparação do clímax que antecede o fim
da canção. Neste ínterim, vemos a Sophie adulta abraçada com o pai e, de relance, o rosto dele com uma
expressão de sofrimento intenso, de modo ainda não visto no filme, ao som dos versos:
Can't we give ourselves one more chance?/ Why can't we give love that one more chance?/
Why can't we give love, give love, give love, give love/ Give love, give love, give love, give
love?/ 'Cause love's such an old-fashioned word/ And love dares you to care for/ The
people on the edge of the night/ And love dares you to change our way of/ Caring about
ourselves/ This is our last dance/ This is our last dance/ This is ourselves (...)
A fusão da trilha original de Oliver Coates com os vocais originais retorce a harmonia da canção de modo a
provocar uma vertiginosa espiral de tensão, transformando o brilho original dos versos num desesperado
lamento.
Enquanto a música caminha para o final, os takes da Sophie jovem e da Sophie adulta continuam se
alternando na edição. A Sophie jovem chega a aparecer rapidamente na sala escura, selando a conexão entre
o presente vivido e o passado rememorado. A sequência se encerra com um take do rosto da Sophie adulta
em perfil na sala escura, em sincronia com o verso “This is our last dance”. Logo depois, a música para, no
momento em que a tela escurece. A canção não toca até o fim.
A partir da mensagem dos versos, supomos que aquela foi a última vez em que Sophie dançou com pai. O
filme acaba com uma sequência de ambos se despedindo no aeroporto. Após o embarque de Sophie, vemos
Calum de costas se distanciar, num plano fixo e, ao final de um corredor branco, adentrar uma sala escura,
de onde emana uma luz estroboscópica. Subentende-se, portanto, que após esta despedida, embora não
saibamos exatamente o que teria acontecido em seguida, Calum passa a existir apenas na memória de
Sophie.