Per Musi | Belo Horizonte | v. 26 | Abordagens biográficas na pesquisa em Música | e252610| 2025
6. Considerações finais
Ao longo do texto busquei focalizar as práticas sociomusicais de Mozart Secundino de Oliveira no contexto
em que ele atuou. Servi-me do contato que estabeleci com o músico ainda nos anos 1990 para descrever –
ainda que de modo provisório –, características que marcam seu fazer musical, ressaltando os ambientes em
que se apresentava habitualmente, personagens relevantes em sua trajetória, eventos e homenagens
recebidas ainda em vida. Tanto a fala de Zé Carlos – amigo e parceiro de choro –, quanto à do próprio Mozart
apontam para categorias que possibilitam uma aproximação com as questões e temáticas propostas para
este estudo. O violão emerge, portanto, como instância privilegiada de (e para) análise dos fenômenos
relacionados à vida musical de Mozart. A partir das práticas do músico foi possível observar não apenas a
organologia do instrumento no âmbito dos conjuntos regionais, como a própria origem e consolidação
desses agrupamentos em uma perspectiva histórica e social.
A amplitude do reconhecimento de Mozart no meio social em que circulou parece se relacionar com o
conjunto de concepções, imagens e representações acionadas através de suas performances, seja em rodas
de choro, apresentações em palcos ou gravações. Em outras palavras, do ponto de vista sonoro-musical, os
baixos de obrigação, as gemedeiras e raspadeiras, as baixarias, assim como a própria existência do violão de
seis cordas de acompanhamento em conjuntos regionais, não apenas revelam como asseguram a existência,
no tempo presente, de uma tradição que transporta traços de distinção. É nesse sentido que Mozart e suas
práticas podem ser tomadas como um caso paradigmático, uma vez que se trata de um músico comum, de
atividade cotidiana que, ao mesmo tempo, manifesta em sua arte um conjunto de recursos que, em geral,
são apresentados, descritos e analisados de forma isolada.
Dessa forma, se torna possível deslocarmo-nos em dois ou mais sentidos; por um lado, tomando como base
a vida musical de Mozart e, por outro, tomando como referência os recursos que o artista utiliza para criar
tais práticas: a dedeira, o violão híbrido, as rodas de choro, os conjuntos regionais, seus companheiros, e
assim por diante. Tais deslocamentos, como busco demonstrar, não ficaram restritas ao passado. A música
de Mozart não deixou de soar com seu falecimento. Ela continua a se expandir e continua se expressando,
seja por meio desse texto, ou por meio de músicos que voltaram a se interessar pelo violão de seis cordas
no contexto dos conjuntos regionais.
Assim como diversos choros começam pela corda (repetição), as histórias também podem começar pelo
“meio” ou pelo “fim”. Sabemos que as histórias das polcas são muitas; as histórias das valsas também, das
quadrilhas, das mazurcas e assim por diante. E hoje, mais do que nunca, são muitas as histórias do choro. É
necessário que tais histórias emerjam. Para que Mozart se “encaixe” em uma narrativa dominante, é
necessário transportá-la para um universo mais próximo, como a roda do Salomão e o contexto dos
conjuntos regionais. O choro de Mozart está relacionado à cultura de sua terra, às gafieira de Belo Horizonte,
às serestas do interior de Minas. Parece evidente, portanto, que é preciso alargar as formas de acesso às
histórias do choro, sob pena de deixarmos de lado os próprios personagens que as constituem. É preciso
seguir outras trilhas, outros rastros. É preciso seguir outras partituras, outras pautas, outras indicações,
outros gestos, desvelar outros enigmas. A música de Mozart nos ajuda a reconhecer a conjunção de um
tempo daquilo que ainda não é com aquilo que já se foi.