Per Musi | Belo Horizonte | v. 26 | Abordagens biográficas na pesquisa em Música | e252605 |2025
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
eISSN 2317-6377
Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música
Contemporary relevance of (auto)biographical studies in music research
Susana Cecilia Igayara-Souza1
susanaiga@usp.br
1 Universidade de São Paulo, Departamento de Música, São Paulo, São Paulo, Brasil
ARTIGO CIENTÍFICO
Editor de Seção: Flavio Barbeitas e Ines Loureiro
Editor de Layout: Flavio Barbeitas e Ines Loureiro
Licença: "CC by 4.0"
Data de submissão: 29 set 2024
Data de aprovação: 13 nov 2024
Data de publicação: 24 fev 2025
DOI: https://doi.org/10.35699/2317-6377.2025.54852
RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir a atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música, exemplificada
com a produção brasileira recente do século XXI e das últimas décadas do século XX. Utiliza como referenciais teóricos autores
como Dosse, Lejeune, Levi, Bourdieu, Ginzburg, entre outros, e inclui a produção recente sobre escrita biográfica de Castro e Lira
Neto. Voltado para pesquisadores em música, que são tanto leitores como produtores de textos (auto)biográficos, o artigo discute
exemplos do mercado editorial, teses, dissertações e autopublicações ou pequenas tiragens. Aborda a relação entre biógrafos e
biografados, analisa três características das (auto)biografias e suas implicações éticas e técnicas: tratar de uma pessoa real, utilizar
fontes documentais e testemunhais e ser escrita em forma narrativa. Exemplifica tipos de biografias, discute as particularidades
da autobiografia e seu uso na pesquisa-formação. Nas considerações finais, afirma a atualidade da temática e sua importância na
pesquisa em música.
PALAVRAS-CHAVE: Biografia; Autobiografia; Pesquisa em música; História da biografia; Música brasileira.
ABSTRACT: This article aims to discuss the contemporary relevance of (auto)biographical studies in music research, exemplified
by recent Brazilian production of the 21st century and the last decades of the 20th century. It draws on theoretical frameworks
from authors such as Dosse, Lejeune, Levi, Bourdieu, Ginzburg, among others, and includes recent contributions on biographical
writing by Castro and Lira Neto. Targeted at music researchers, who are both readers and producers of (auto)biographical texts,
the article examines examples from the publishing market, theses, dissertations, and self-publications or limited editions. It
explores the relationship between biographers and their subjects and analyzes three characteristics of (auto)biographies along
with their ethical and technical implications: portraying a real person, using documentary and testimonial sources, and being
written in narrative form. It illustrates different types of biographies, discusses the specificities of autobiography, and its use in
formative research. In the final considerations, the article affirms the relevance of this topic and its importance in music research.
KEYWORDS: Biography; Autobiography; Music research; History of biography; Brazilian music.
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1. Introdução
Este artigo é uma reelaboração da palestra de abertura ministrada no ciclo de conferências Abordagens
biográficas e seus usos na pesquisa em Música, organizado pelo grupo de pesquisa VIOrizontes e o Programa
de Pós-graduação em Música da Universidade Federal de Minas Gerais, ocorrido em setembro de 2023.
A temática, por sua vez, tem sido um dos meus focos de pesquisa a partir da constatação de que, diante da
tradição de estudos históricos musicais com foco no repertório e análise de obras, informações biográficas
estão quase sempre presentes nas dissertações e teses que analisam a produção e atuação de compositores,
intérpretes e educadores musicais, utilizadas como forma de contextualização da produção artística musical.
Autor-obra ou intérprete-repertório são abordagens tradicionais nos estudos musicais, buscando nessas
associações uma tentativa de explicação da obra pela vida ou vice-versa. A história da educação e das
práticas musicais também são campos em que os estudos biográficos são importantes, principalmente
quando os biografados, professores de música ou artistas, por exemplo, constituíram arquivos de suas
atividades que permitem compreender suas trajetórias e conhecer o ambiente em que atuaram.
No entanto, nem sempre a escrita biográfica foi pensada enquanto campo de pesquisa em si e, muitas vezes,
os pesquisadores procuraram reunir informações presentes em outros trabalhos, informações verbais
dispersas ou até mesmo informações discordantes, sem uma problematização sobre os conflitos, limites e
potencialidades da (auto)biografia, o que por vezes gera certa desconfiança com relação à introdução da
discussão de aspectos biográficos na pesquisa em música.
A primeira vez que me deparei com as dificuldades com relação à biografia foi em minha dissertação de
mestrado, voltada para as obras corais de Henrique Oswald (Igayara-Souza 2001). Este compositor mostrava-
se um desafio, uma vez que as informações biográficas sobre ele apresentavam tanto enormes elogios com
relação à qualidade da composição (Martins 1995), como fortes críticas de teor nacionalista questionando
suas opções estéticas, a mais contundente delas vinda de Mário de Andrade (Andrade s/d).
Sem a maturidade necessária para a discussão biográfica nessa época, tendo colocado o foco da pesquisa
nas instigantes questões composicionais das obras corais estudadas a partir dos manuscritos autógrafos,
registrei os diversos pontos de vista sobre a biografia de Oswald, busquei informações no Arquivo Nacional,
consultei publicações que pudessem me ajudar a entender quem era esse compositor e por que compôs
obras sacras corais. Percebi que a escrita da biografia de um compositor está longe de ser apenas um registro
objetivo de fatos ocorridos em sua trajetória.
Ao concluir meu doutorado na Faculdade de Educação da USP, sobre mulheres que escreveram sobre música
(Igayara-Souza 2011), decidi criar uma disciplina no Programa de s-graduação em Música da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, intitulada Biografia e autobiografia na pesquisa em
música. Desde lá, em 2012, até o momento atual, venho aprofundando questões sobre a escrita
(auto)biográfica na atividade didática e na produção bibliográfica.
Meu foco de interesse, incialmente, esteve concentrado no uso das biografias e autobiografias como fontes
de pesquisa, mas o cotidiano de orientações e discussões de projetos demonstrou que, na pesquisa em
música, muitas vezes é no trabalho acadêmico que se realizará pela primeira vez uma biografia dos sujeitos
pesquisados, sem que os autores tenham se preparado para isso.
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No caso de educadores, intérpretes e compositores que têm o objeto de pesquisa ligado à sua própria
atividade, esse pesquisador se defrontará com a desafiadora tarefa de discorrer sobre suas próprias
percepções ou produções, adentrando no campo da escrita autobiográfica, em alguma de suas múltiplas
configurações.
Em termos de pesquisa em sica, dificilmente um pesquisador fará seu trabalho, seja qual for o tema, sem
recorrer a alguma produção biográfica ou autobiográfica; portanto o pesquisador é, desde o início, um leitor
de biografias e autobiografias, o que seria motivo suficiente para se estudar e compreender melhor os
desafios do gênero biográfico.
No desenvolvimento do artigo, abordo características da escrita biográfica, as críticas à biografia,
aproximações com outros campos disciplinares, polêmicas e questões éticas relacionadas à pesquisa
biográfica, tipologias das produções biográficas, particularidades da utilização da autobiografia em pesquisa
e perspectivas a partir do campo musical brasileiro, exemplificando esses temas e indicando, também,
potencialidades e lacunas referentes à pesquisa em torno da (auto)biografia.
O foco escolhido para este artigo é a atualidade do tema, exemplificado com a produção brasileira recente,
remontando às últimas décadas do século XX e à produção do século XXI. Não se trata de uma história da
biografia musical no Brasil, o que ultrapassaria em muito o escopo desta pesquisa; tampouco o texto
pretende ser exaustivo, cobrindo toda a ampla e diversificada produção brasileira em todos os gêneros
musicais. No entanto, um desejo de analisar tanto a produção acadêmica quanto o mercado editorial,
abarcando ainda as publicações com pequena tiragem e as autopublicações.
Com relação à temática, busquei incluir biografias de músicos dos chamados campos erudito e popular, por
acreditar que as músicas do Brasil fazem parte de uma mesma história e que estes campos deveriam ser
estudados em suas inter-relações, aproximações e afastamentos, temas estes que as biografias podem
ajudar a compreender.
A produção acadêmica está presente como objeto, mas principalmente como foco, uma vez que os
pesquisadores da música utilizam biografias e autobiografias como fontes ou são, eles mesmos, responsáveis
por textos voltados à escrita biográfica, seja como objetivo principal ou como um capítulo ao lado de outras
temáticas da pesquisa em música.
Adotou-se a forma “(auto)biografia” como aquela que melhor inclui tanto o campo biográfico como o
autobiográfico e que, ao mesmo tempo, revela a intrínseca relação entre as duas formas de escrita, termo
adotado pelo CIPA - Congressos internacionais de pesquisa (auto)biográfica e pela BIOgraph - Associação
brasileira de pesquisa (auto)biográfica.
2. Relações entre biógrafos e biografados
A presença de produções biográficas na história da música é bastante forte. Seja na função de modelo a ser
seguido, ou como parte do processo de compreensão da música a ser estudada e interpretada, as produções
biográficas têm sido parte da formação de músicos e de público. As relações entre biografia e história e
biografia e literatura são evidentes.
Um bom exemplo para entendermos as raízes históricas dessas articulações disciplinares pode ser visto na
obra de Romain Rolland (1866-1944), professor francês de História da sica na Sorbonne e escritor. Rolland
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contribuiu para a institucionalização da musicologia e atuou como músico, biógrafo, crítico e romancista,
sendo fundador da Revue Musicale. Em finais do século XIX e início do XX, a História da Música começava a
aparecer como campo próprio, a partir de uma particularização da História da Arte. Na França, em 1901,
Romain Rolland organiza o primeiro congresso de História da Música de Paris. Doutor em História da Arte
pela Sorbonne com uma tese sobre as origens do teatro lírico moderno, autor da primeira grande biografia
de Beethoven (publicada originalmente na França em 1903, traduzida e publicada no Brasil no início do
século XX e reeditada novamente em 2023) e de Handel, foi ganhador do prêmio Nobel de Literatura em
1915 por Jean Christophe, obra monumental em 10 volumes que se constitui em uma biografia imaginária
de um compositor. A coleção Cultura Musical, pela qual foram publicadas as biografias de Beethoven (1914)
e Handel (1938), fez parte da formação de gerações de músicos profissionais e amadores no Brasil, com o
objetivo de “fazer com que os homens respirem o sopro dos heróis” (Rolland apud Dosse 2009, 189).
A biografia é um gênero textual muito antigo. Voltada à perpetuação da memória de uma pessoa, pode ser
escrita tendo em vista vários objetivos: a exaltação de uma personalidade com valor para um grupo de
pessoas, ou para uma nação como um todo; pode servir de modelo de conduta, por exemplo, tendo a
biografia de um grande compositor ou intérprete como modelo a ser seguido pelos alunos de música; pode
ainda centrar-se em uma vida para poder comentar ou explicar um contexto histórico e social. François
Dosse, em O desafio biográfico: escrever uma vida, comenta essa produção de biografias de músicos e as
variantes diante do objetivo de tratar vida e obra, muitas vezes em partes separadas, o que pode ser feito
com maior ou menor grau de problematização e de análise musical. “A tensão permanece forte entre o
anseio de resgatar a vida de um músico e escrever sobre sua música, o que implica outra linguagem” (Dosse
2009, 190).
Esse modelo descrito por Dosse pode ser observado na produção biográfica sobre compositores eruditos
brasileiros, em que as primeiras biografias foram encomendadas para suprir a falta de informações
biográficas organizadas e, ao mesmo tempo, apresentar um primeiro catálogo de obras e uma avaliação
preliminar do conjunto da produção de um compositor. É o que ocorre com Glauco Velásquez (Carneiro e
Neves 2002). A vida e a obra estão separadas em duas partes distintas, com autores diferentes para cada
uma delas. A parte biográfica esteve a cargo da historiadora e sobrinha-neta do compositor, Maria Cecilia
Ribas Carneiro, e a obra é analisada pelo musicólogo José Maria Neves. Constam ainda do plano do livro uma
carta do compositor, catálogo de obras, índices de obras e documentos em anexo, incluindo
correspondência, trechos selecionados de notícias sobre a morte de Velásquez, fotografias e fac-símiles de
partituras. Portanto, estão incluídos no volume gêneros textuais e autores/organizadores diversos, sob o
título Glauco Velásquez.
O parentesco (seu bisavô Eduardo Medina Ribas era o pai de Velásquez) foi a motivação para a escrita
biográfica, mas a historiadora Maria Cecilia Ribas Carneiro anuncia a dificuldade diante do desconhecimento
dos próprios familiares e da falta de material sobre este compositor, resultando em um texto de apenas 14
páginas. Certamente, a vida de Velásquez desperta curiosidade. “O mistério, que foi para ele próprio, a
origem de sua vida, a força dos preconceitos de sua época, para mim transformaram-no num personagem
de romance” (Carneiro e Neves 2002, 04). A mãe, Adelina Alambary Luz, foi levada à Itália para esconder a
gravidez. Glauco foi registrado com um nome fictício espanhol, criado na Sicília por uma família de
camponeses, sob orientação de um pastor, retornando posteriormente ao Brasil, sempre sem que sua
verdadeira história fosse revelada. Chegou a conviver com a mãe, sem saber desse parentesco até a morte,
com apenas 30 anos, vítima de tuberculose.
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Não sendo eu musicóloga ou musicista, sendo apenas historiadora, não era uma tarefa fácil
de ser executada, dado o pequeno número de informações que poderia obter para
executar minha tarefa. A razão principal da minha escolha era o grau de parentesco que
tenho com o inesquecível compositor. Mas não é o suficiente porque todos os membros
da minha família que estão vivos, desconhecem totalmente quem foi tal personagem”
(Carneiro 2002, 03).
Glauco Velásquez (2002) é o volume 1 da Coleção Academia Brasileira de Música, encomendada por Vasco
Mariz em 1993, quando ocupou a presidência da instituição, com o objetivo de “preencher assim uma
notória lacuna na história da nossa música”, segundo palavras de Edino Krieger, que ocupava a presidência
na época da publicação.
Outras publicações no perfil vida e obra foram realizadas por encomenda, muitas vezes com a motivação
das datas comemorativas. O musicólogo Vasco Mariz, que foi um importante diplomata e representou o
Brasil em diversos organismos internacionais, relata um desses convites, ressaltando também a proximidade
com o biografado, Claudio Santoro.
Em outubro de 1968 [sic]
1
foi-me encomendado por Edino Krieger, então diretor do
Instituto Nacional de Música e depois presidente da FUNARTE, um estudo conciso com
informações básicas sobre Cláudio Santoro, que completaria 70 anos um ano depois, em
novembro de 1989. Edino recordava-se de que fui o primeiro a escrever sobre o compositor
amazonense, em meados dos anos quarenta, e, como velho amigo, acompanhei de perto
a evolução de sua obra, com sucessivos artigos na imprensa e em meus livros (Mariz 1994,
09).
Na continuidade do texto, Mariz comenta a colaboração do próprio compositor no envio de materiais,
entrevistas e depoimentos gravados, sugestões e explicações. As questões econômicas ligadas à publicação
também são reveladas na apresentação, onde se esclarece a colaboração de Ênio Silveira na publicação pela
Editora Civilização Brasileira, uma vez que não foi possível publicar pela FUNARTE. Neste caso, o local de
publicação revela os contornos políticos das relações pessoais e institucionais. O posicionamento político de
Claudio Santoro, que foi membro do Partido Comunista Brasileiro, assim como o editor Ênio Silveira, está
explicitamente mencionado por Vasco Mariz, o que não ocorre em todos os materiais biográficos sobre o
compositor.
A relação de amizade ou proximidade profissional, muitas vezes referida por Vasco Mariz, também é usada
de forma a identificar os elementos de proximidade e de afastamento com o biografado, o que pode ser
percebido quando o biógrafo expõe sua própria atuação ou posicionamentos estéticos e políticos. Vasco
Mariz é autor de diversos trabalhos sobre a história da música brasileira, entre eles a primeira biografia de
Heitor Villa-Lobos, muitas vezes reeditada. Ednardo Monti comenta a colaboração entre Vasco Mariz e Villa-
Lobos na escrita de sua primeira biografia, que na troca de correspondência entre eles era referida como “o
nosso livro (Monti 2013). Nos comentários de Mariz presentes no livro sobre Claudio Santoro, temos um
exemplo que demonstra como a escrita biográfica é também, de certa forma, sempre autobiográfica:
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Trata-se, certamente, de um erro. A data correta, pelo que se depreende do próprio texto, seria 1988.
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Mas não fujamos ao assunto: era indiscutível que Cláudio Santoro estava ganhando o
apreço de muitos com as suas engenhocas dodecafônicas o talento do rapaz resistia às
ginásticas musicais mais áridas e abria caminho para prêmios e louvores da crítica. O
primeiro problema criado por sua cor política (objeto de discussão estéril entre nós) foi o
Prêmio Guggenheim. Tentou partir para os Estados Unidos da América e o visto lhe foi
negado; a Embaixada de França concedeu-lhe, então, uma magra bolsa de estudos e
conseguiu ajuda do Itamarati por mim obtida. Santoro, aliás, demorou a aceitar, devido a
suas crenças partidárias contra o Governo Dutra, mas afinal partiu para Paris em
companhia de sua esposa. Dessa época tenho volumosa correspondência com Santoro,
remetida para Portugal, onde então eu servia, mas não me parece ainda oportuno divulgar
os trechos mais interessantes dessas cartas. Postais de Praga e Varsóvia também me
chegaram às mãos, confirmando as experiências e a classe de contatos que tinha na Europa
Oriental (Mariz 1994, 25).
A análise da produção biográfica sobre compositores eruditos brasileiros, portanto, pode ser vista a partir
da tensão comentada por François Dosse entre as distintas linguagens a serem utilizadas para o resgate da
vida de um músico e a análise de sua obra. As relações de proximidade entre biógrafos e biografados
estabelecem distintos perfis de autores de biografias, com qualificações musicais e literárias particulares, o
que precisa ser analisado em uma biografia musical. Um outro caso a se analisar é o dos “sucessores”, que
partem para a escrita biográfica como uma espécie de “missão” para que a vida e obra do biografado não
caiam no esquecimento.
Este é o caso de duas primeiras biografias de compositores brasileiros escritas por alunas, respectivamente
Francisco Braga, por Iza Queiroz Santos (1951) e Henrique Oswald, por Leosinha de Almeida (1952). Os dois
compositores, que mantinham laços de amizade, foram biografados por alunas que acompanharam tanto a
carreira musical do biografado, como tinham, elas mesmas, opiniões formadas sobre eles a partir da
convivência e da relação mestre-discípula, definindo a posição das autoras que, no entanto, produzem textos
bastantes diferentes entre si, com relação ao estilo de escrita e uso de fontes (Igayara-Souza 2014). O sentido
de “missão” pode ser percebido quando Leosinha de Almeida comenta a decisão de escrever a biografia de
Oswald. Interessante notar que, de acordo com as palavras da autora, essa decisão veio de uma conversa
com Francisco Braga, que também foi biografado por uma aluna.
Quando, em 9 de julho de 1942 fiz pelo dio, no programa do Departamento de Difusão
Cultural, uma pequena palestra sobre Henrique Oswald em dia aniversário de sua morte,
Francisco Braga, que a ouvira, no dia seguinte me disse, emocionado e trêmulo, beijando-
me as mãos: “Você, ontem, assumiu um compromisso com a pátria o de escrever a
biografia de Oswald. Ninguém a fará com maior conhecimento, ternura e elevação.
Promete-me? Sim, respondi-lhe comovida” (Almeida 1952, 105).
Outras relações pessoais são estabelecidas nas publicações sobre músicos populares, com o aceite do
biografado e uso de entrevistas, de forma que se perceba uma espécie de “biografia autorizada”. Regina
Zappa, autora de vários livros sobre Chico Buarque de Hollanda, comenta a conversa inicial para a produção
da primeira biografia, publicada pela Ímã Editorial em 1999.
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Topou a ideia do livro. Chegou a dizer que achava ótimo. Para surpresa geral, porque
temíamos, o editor e eu, que ele pudesse não gostar da ideia. Chico é um ser meio
misterioso que mexe com o imaginário das pessoas aquele artista genial, sensível,
inacessível (Zappa 2016, 06).
A questão da autoria de biografias de músicos populares com grande visibilidade é envolta em algumas
polêmicas, a mais conhecida delas ligada a Roberto Carlos e o biógrafo Paulo César de Araújo, que
abordaremos mais à frente (Araújo 2006). Mas há produções em que biógrafo e biografado assinam o texto
em coautoria. Regina Zappa, a mesma autora das biografias de Chico Buarque, que é jornalista com uma
longa trajetória ligada aos temas da música popular brasileira, participa de um caso específico de relação
biógrafo-biografado, em que ambos são creditados como autores, produzindo um texto que mantém tanto
falas literais do biografado, como a estruturação do livro, redação e pesquisa a cargo do biógrafo. Gilberto
bem perto é um exemplo desse tipo de escrita feita a partir de entrevistas e consulta à documentação
pessoal de Gilberto Gil, podendo ser visto como uma composição entre biografia e autobiografia (Gil e Zappa
2013).
Ao analisar a produção de biografias sobre música, percebe-se um predomínio de perfis diferentes nos
campos da música erudita, com predomínio de musicólogos e historiadores e uma produção recente vinda
dos programas de pós-graduação, enquanto a biografia de músicos populares é predominantemente
produzida por jornalistas e escritores, embora a temática da música popular também esteja presente em
diversos programas de pós-graduação. Em artigo que analisa o mercado editorial no século XXI, com respeito
às biografias de maneira geral, o que inclui as biografias ligadas à música, a pesquisadora Lícia Oliveira Souza
conclui:
No entanto, é possível traçar um perfil genérico para esse autor de biografias? São
jornalistas, historiadores e outros profissionais com formação humanista. Até meados do
século XX, geralmente os responsáveis pela grafia da vida de outra pessoa eram
historiadores ou literatos. No entanto, hoje, a carreira que domina esse tipo de publicação
no Brasil é o jornalismo. Aliás, dois dos mais importantes biógrafos brasileiros, começaram
suas carreiras em jornais: Fernando Morais e Ruy Castro (Souza 2014, 11).
Com relação às pessoas biografadas, a maioria das biografias musicais é de compositores e intérpretes, em
projetos que vão desde a busca pelo resgate da memória por familiares e discípulos, até grandes projetos
editoriais, com farta iconografia e patrocínio.
A escolha de personalidades a serem biografadas também pode ter elementos de memória e valorização da
cultura local, quando uma identidade comum entre biógrafo e biografado por terem compartilhado do
mesmo espaço cultural. Este é o caso das biografias de Elis Regina e Lupicínio Rodrigues feitas por Arthur
de Faria Silva, que é doutor em literatura pela UFRGS (o projeto foi justamente a biografia musical de
Lupicínio), com formação e atuação como jornalista, em que o panorama musical gaúcho é parte integrante
e importante da constituição da biografia dos músicos.
A busca por equilibrar o texto entre as exigências da pesquisa acadêmica e um formato final acessível ao
público em geral é comentada na introdução ao trabalho, revelando um “quase eterno desconforto quando
leio biografias de músicos”.
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Como, em quase 100% das vezes (a exceção mais próxima é o querido Zuza Homem de
Mello, que tanto me ajudou), elas não são escritas por músicos, seus enfoques variam. Se
seus autores são jornalistas, vale sempre mais a vida do que a obra. Se são pesquisadores,
ainda assim me ressinto de saber mais sobre a parte estritamente musical. Por outro lado,
trabalhos acadêmicos de músicos nesse formato acabam sendo um tanto quanto
incompreensíveis para quem não é da área (Silva 2022, 10).
A biografia escrita por Arthur de Faria Silva, Lupicínio Rodrigues: uma biografia musical, que é sua tese de
doutorado, foi pensada no formato de livro a ser publicado, portanto o autor adotou o uso de um texto
fluente, com muitas expressões populares, incluindo em notas de rodapé explicações e comentários, mas
adotando diversas citações no corpo do texto. Há capítulos mais centrados na vida de Lupicínio e outros no
contexto social e cultural de Porto Alegre e nas relações entre a cultura gaúcha e o panorama nacional,
pontuando as transformações culturais e políticas. Tanto a estrutura como o estilo do texto, privilegiando a
fluência da leitura, são questões interessantes para a discussão sobre as práticas específicas de redação
acadêmica e uso das referências na pesquisa (auto)biográfica.
3. Características da biografia
A escrita biográfica apresenta características que definem o gênero textual, ao mesmo tempo em que são
utilizadas para questionamentos com relação à validade, cientificidade e credibilidade de seu uso em
pesquisa. Serão abordadas neste artigo três características da escrita biográfica e suas problematizações: 1)
tem por objeto a vida de uma pessoa real; 2) utiliza tanto fontes documentais como testemunhais; 3) é
escrita em forma narrativa.
3.1. Uma pessoa real
Tratar de uma pessoa real envolve questões éticas, como se pode observar nos temas sensíveis relacionados
à vida pessoal de Glauco Velásquez e ao posicionamento político de Claudio Santoro. A escrita da biografia,
ao tratar de pessoas reais, implica não só critérios estabelecidos pelo biógrafo sobre temas ligados à
sobrevivência e imagem pública do biografado, mas também de sua rede de relacionamentos, porque ao
“escrever uma vida”, como indica o subtítulo do livro referencial de François Dosse, inúmeras outras vidas
são implicadas.
No Brasil, a escrita biográfica esteve no centro de importantes decisões judiciais e continua sendo parte do
debate sobre liberdade de expressão e de informação. Este debate surge de um questionamento: é
necessário ter autorização do biografado ou de seus descendentes para escrever uma biografia? A ideia de
“biografias autorizadas” foi defendida por um grupo de músicos populares ligados ao movimento “Procure
saber”, que teve início em 2013, sob coordenação de Paula Lavigne. O movimento, de que foram adeptos
Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, entre outros, baseava-se na premissa de que
a vida privada é inviolável e de que o uso da imagem de uma pessoa poderia merecer indenização caso
atingisse a honra ou fosse destinado a fins comerciais, invocando o Código Civil em seus artigos 20 e 21.
O debate colocou artistas em oposição a historiadores, jornalistas e biógrafos, que alegaram tratar-se de
censura prévia, o que fere a Constituição Federal. Ruy Castro, Genetton Moraes, Laurentino Gomes estão
entre os biógrafos e jornalistas que se manifestaram publicamente contra o movimento, alegando que ele
poderia ter cerceado a escrita da história no Brasil. Vale lembrar que Ruy Castro, por exemplo, afirmou em
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A vida por escrito que inventar, em biografia, é mais que proibido é crime” (Castro 2022, 169), reafirmando
seu compromisso com a veracidade das informações contidas em uma biografia.
Com a discussão sobre ser ou não necessário ter autorização para a escrita de biografias, vieram à luz as
questões comerciais, de direitos autorais e de relacionamento entre autores e editoras, além da muito atual
questão sobre privacidade, em um mundo de mídias digitais em que qualquer cidadão produz conteúdos
que atingem milhões de pessoas em pouco tempo, sem que existam marcos claros de regulamentação e
controle sobre materiais veiculados que podem não seguir o pacto referencial” que se espera da escrita
histórica, jornalística, biográfica e autobiográfica. Para Philippe Lejeune, a biografia e autobiografia
compartilham com o discurso científico e histórico o mesmo estatuto com relação ao real:
Em oposição a todas as formas de ficção, a biografia e a autobiografia são textos
referenciais: exatamente como o discurso científico ou histórico, eles se propõem a
fornecer informações a respeito de uma “realidade” externa ao texto e a se submeter
portanto a uma prova de verificação. Seu objetivo não é a simples verossimilhança, mas a
semelhança com o verdadeiro. Não o “efeito de real”, mas a imagem do real. Todos esses
textos referenciais comportam então o que chamarei de pacto referencial, implícito ou
explícito, no qual se incluem uma definição do campo do real visado e um enunciado das
modalidades e do grau de semelhança aos quais o texto aspira (Lejeune 2014, 43. Grifos
do autor).
Em 2015, foi julgada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815,
apresentada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL). O voto da relatora, ministra Carmen
Lúcia, declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias e foi seguido por unanimidade
por todos os ministros do STF. No resumo do voto, a ministra usou a expressão “Cala boca morreu. É a
Constituição do Brasil que garante”, fala amplamente divulgada na imprensa (Lúcia, 2015a). As conclusões
do processo foram as seguintes:
Pelo exposto, julgo procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade para
dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem
redução de texto, para,
a) Em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua
expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento
de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais,
sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes
(ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas); b) reafirmar o direito à
inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa, nos
termos do inc. X do art. da Constituição da República, cuja transgressão haverá de
se reparar mediante indenização (Lúcia 2015b, 118-119).
O processo julgado no STF colocou fim à discussão iniciada em torno da biografia de Roberto Carlos por
Paulo César Araújo, Roberto Carlos em detalhes (Araújo 2006). O autor, que é professor universitário, sofreu
um processo movido por Roberto Carlos, que fez com que o livro fosse proibido e retirado de circulação. Em
2014, Paulo César Araújo publicou outro livro, desta vez pela Companhia das Letras, O réu e o rei: minha
história com Roberto Carlos, em detalhes (Araújo 2014), em que comenta as tentativas de entrevista com
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Roberto Carlos, o processo judicial enfrentado e o acordo feito entre Roberto Carlos e a Editora Planeta, que
retirou o livro de circulação em 2007.
Das acusações dirigidas a mim no processo judicial, algumas foram explicitadas em
entrevistas pelo próprio Roberto Carlos, como esta: “A minha história é um patrimônio
meu, quem escreveu este livro se apropriou deste meu patrimônio e usou este patrimônio
em seu próprio benefício”. Ou seja, alega que eu seria um usurpador da história alheia,
como se a história de uma figura pública não pertencesse também à coletividade nem fosse
de interesse geral. Neste novo livro, conto a minha história, falo da longa e intensa relação
com o meu objeto de estudo que resultou naquela biografia, que acabou me tornando réu
de dois processos. É a história de um brasileiro, vindo do interior, filho de trabalhadores,
de Roberto Carlos, que contra todas as adversidades, estudou, chegou à faculdade,
pesquisou e escreveu sobre o maior ídolo da nossa música popular. Esta é a minha versão
sobre um polêmico acontecimento que já não pertence apenas a mim ou a Roberto Carlos,
mas sim à história da luta por maiores liberdades públicas no Brasil (Araújo 2014, 10).
Em 2021, o autor retomou o projeto de publicação da biografia de Roberto Carlos, agora amparado pela
decisão favorável da ADI 4815 e apoiado pela ampla divulgação que o caso terminou provocando. No livro
publicado pela Editora Record, a pesquisa foi aproveitada, mas em uma nova estrutura. O primeiro volume,
com 928 páginas, é organizado em capítulos que têm por título 50 canções do artista, um modelo seguido
por diversas biografias de artistas cancionistas (Araújo 2021). Está previsto um segundo volume que, de
acordo com entrevistas dadas pelo autor, está em preparação no momento da escrita deste artigo (Música
2021).
3.2. Fontes documentais e testemunhais
A característica da escrita biográfica, portanto, de se referir a uma pessoa real traz todos esses
questionamentos sobre as questões éticas, sociais e jurídicas. Como segunda característica a ser abordada,
está a utilização de fontes documentais e testemunhais. Na escrita de uma biografia, esta característica
levará o biógrafo a tomar algumas decisões. O que fazer, por exemplo, com as lacunas documentais? Como
ter certeza da veracidade dos testemunhos, principalmente quando se encontram informações e explicações
conflitantes? O que fazer com a documentação encontrada, caso tenha sido excluída pelo biografado, ou se
essa documentação trouxer informações íntimas não reveladas?
O estudo da biografia no Brasil recebeu duas importantes contribuições recentes: os livros de Ruy Castro, A
vida por escrito: ciência e arte da biografia, e de Lira Neto, A arte da biografia: como escrever histórias de
vida, ambos publicados em 2022 pela Companhia das Letras, editora que se destaca no mercado editorial
voltado às biografias. Estes dois livros tornaram-se bibliografia fundamental para a discussão dos diversos
aspectos incluídos na escrita e na publicação de biografias, tendo por autores dois dos maiores biógrafos em
atividade no Brasil, ambos com livros sobre personalidades da sica, além de outros sobre relevantes
figuras políticas e culturais.
Um tema muito importante na escrita da biografia é o uso das fontes. Para Ruy Castro, o texto de uma
biografia é responsabilidade do autor e ele prefere não identificar que fonte trouxe cada informação
(lembrando que, em história, “fontes históricas são tanto documentos escritos, documentos oficiais,
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
iconografia, materiais diversos, testemunhos orais, produções sonoras e audiovisuais e que, em jornalismo,
as próprias pessoas que transmitem informações por entrevistas, orais ou por escrito, gravadas ou não, são
também chamadas de “fontes”). Ruy Castro não concorda com menções ao próprio autor em uma biografia,
o que, como vimos na citação de Vasco Mariz sobre Claudio Santoro, é uma prática comum em muitos
textos biográficos.
O biógrafo deve ser uma parede de vidro entre o leitor e o biografado. Ou seja, invisível.
Ele não faz parte da história, e não se justifica nenhuma referência a si próprio no texto, na
primeira ou na terceira pessoa. Ao transcrever a fala de uma fonte, por exemplo, não tem
cabimento acrescentar: “...como declarou fulano ao autor” ou “...como confidenciou
beltrano a este biógrafo”. Se for uma tentativa de valorizar-se, isso é desnecessário porque
se supõe que tudo no livro se constitui de declarações ao bgrafo. Além disso, para que
expor a fonte? No meu caso, recebo como confidências tudo que ouço de minhas fontes
e, ao transcrevê-las, não apenas nunca as atribuo à dita fonte como faço de jeito a não ser
possível ao leitor identificá-la. A partir do momento em que recebo uma informação,
aproprio-me dela e assumo total responsabilidade por isso (Castro 2022, 171).
Ruy Castro, autor de Carmen: uma biografia (2005), trabalhou como jornalista na imprensa do Rio de Janeiro
e São Paulo, atua como cronista e foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2022. Recentemente
reuniu 99 crônicas relacionadas a Tom Jobim, em O ouvidor do Brasil: 99 vezes Tom Jobim (Castro 2024). É
autor de livros sobre música popular, como Chega de saudade (Castro 1990), sobre a bossa nova, A noite do
meu bem (Castro 2015), sobre o samba-canção, e Metrópole à beira-mar (Castro, 2019), sobre o Rio de
Janeiro dos anos 20, que ele considera livros de reconstituição histórica. Usando tanto documentação
existente como anotando todos os nomes de pessoas relacionadas ao biografado, que poderão ser
procuradas para entrevistas, Ruy Castro esclarece seu método para trabalhar com grande volume de dados,
tendo por base a cronologia.
Sabendo quando começa e termina a história do biografado, crio um arquivo no
computador para cada ano de sua vida Nelson Rodrigues, de 1912 a 1980; Garrincha, de
1933 a 1983; e Carmen Miranda, de 1909 a 1955. Quando trabalho com livros de
reconstituições históricas, faço o mesmo com o período que, pelo que imagino, cobrirá o
arco da investigação: Chega de saudade, de 1945 a 1970; A noite do meu bem, de 1945 a
1965; e Metrópole à beira-mar, de 1918 a 1930. Criados esses arquivos, passo a alimentá-
los com as informações captadas em todas as fontes. Depois de algum tempo de apuração,
descubro que posso precisar de mais alguns anos no passado e tenho de abrir novos
arquivos. Para mim, a cronologia é cláusula pétrea se toda vida tem começo, meio e fim,
a história da pessoa também terá, e nessa ordem (Castro 2022, 107).
Ao escrever sobre a biografia, Lira Neto aborda alguns dos temas presentes em Ruy Castro, mas sua
perspectiva, embora também seja a de um biógrafo vindo da profissão de jornalista, tem conexões com a
história, a literatura de não ficção e a pesquisa acadêmica. Ganhador do Prêmio Jabuti por 4 vezes, sempre
com livros biográficos, é Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo. O livro A arte da
biografia foi produzido enquanto era doutorando na Universidade de Coimbra, em Portugal, na área de
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
Discursos: Cultura, História e Sociedade. Seu livro tem sido a base de diversos cursos ministrados pelo autor
para um público interessado na escrita biográfica.
Lira Neto aborda a biografia como um escritor de não ficção, mas faz também paralelos com a escrita
acadêmica. Sobre a revisão bibliográfica, por exemplo, indica ser um capítulo necessário na escrita de uma
dissertação ou tese, o que não acontecerá da mesma maneira se o projeto for a publicação de uma biografia
comercial. No entanto, ressalta que são diferentes formas de apresentação de um necessário levantamento
sobre tudo o que já foi escrito sobre o tema.
Em seu livro, apresenta ampla bibliografia sobre a escrita biográfica e diversas notas explicativas, além de
apresentar uma “breve ‘biografia’ da biografia”, título do primeiro capítulo. Desta forma, apesar de ser um
título voltado ao público em geral, pode trazer muitos elementos úteis para as biografias acadêmicas ou
capítulos biográficos inseridos em teses e dissertações sobre música, inclusive para um panorama histórico
do gênero, abordando as relações entre biografia e história. Com relação especificamente às fontes, Lira
Neto chama a atenção para a necessidade de compreender as circunstâncias em que foram produzidas,
como no exemplo a seguir:
Quando estava trabalhando na pesquisa para escrever a biografia coletiva Uma história do
samba: as origens, deparei-me com uma dificuldade específica. Pelo fato de a maior parte
dos personagens da primeira parte do livro terem vivido em estado de invisibilidade social
e não deixarem registros escritos muitos eram analfabetos ou semialfabetizados ,
precisei apelar para documentos que, na maioria das vezes, se referiam a eles de forma
negativa e preconceituosa. Caso dos jornais de época, que tinham os sambistas na conta
de delinquentes e arruaceiros. Mas, principalmente, de inquéritos de polícia e processos
judiciais, dada a circunstância de marginalidade própria à origem do gênero (Lira Neto
2002, 102).
A ideia de biografias coletivas é um aspecto particular e de grande interesse para a pesquisa em música,
quando se pensa nos movimentos musicais e grupos estéticos que marcaram tanto a música popular
brasileira como a música erudita um caminho a ser trilhado. Ao comentar como a trajetória de indivíduos
pode iluminar toda uma época, Lira Neto cita o que procurou fazer em Uma história do samba (Lira Neto
2017).
Ali, a ideia consistia em demonstrar que a gênese de um gênero musical, como expressão
cultural comunitária, não deve ser entendida como obra de alguns poucos gênios
iluminados, mas como fruto de aglutinações e contribuições diversas, muitas delas
anônimas (Lira Neto 2022, 65).
O uso de entrevistas e depoimentos é largamente utilizado na pesquisa biográfica, o que leva a uma
discussão sobre a questão da memória e sobre a veracidade do testemunho. Na biografia, principalmente
para os aspectos relacionados à intimidade, às incertezas e aos fracassos, dificilmente o biógrafo terá uma
documentação que não utilize a visão de outras pessoas sobre o biografado, recolhida através de
depoimentos formais, entrevistas e até conversas informais.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
Com relação à entrevista, uma discussão sobre sua utilização na pesquisa qualitativa pode ser encontrada
em Kvale e Brinkmann (2009), que distinguem 7 etapas: tematizar, desenhar (estruturar), entrevistar,
transcrever, analisar, verificar, comunicar resultados. No detalhamento desses aspectos, destaco a
necessidade de verificação das informações, o que pode ser feito com o próprio entrevistado em
esclarecimento dos aspectos necessários, mas também da confrontação com outras fontes. Um aspecto
interessante trazido pelos autores é a necessidade de deixar que os silêncios se estabeleçam. Com certeza,
os silêncios e indecisões, em uma entrevista, têm muito a dizer a um biógrafo.
Com relação ao relato autobiográfico, Joël Candau analisa o trabalho complexo da memória autobiográfica
e a tendência em construir um mundo “relativamente, estável, verossímil e previsível, no qual os desejos e
projetos de vida adquiram sentido” (Candau 2019, 73), elementos que estão justamente no foco da crítica
de Pierre Bourdieu, que será analisada mais à frente. Nos depoimentos e entrevistas, que contam com a
colaboração da memória de pessoas aptas a ajudar a compreender o biografado, o que se tem nunca é uma
reconstituição de fatos, e sim uma reelaboração feita pelos sujeitos.
Muitos relatos autobiográficos são efetivamente permeados por diversos fenômenos
como a trama, os rearranjos mitológicos, a paramnésia, a ocultação, os déficits mnésicos
em razão da idade ou ainda os delírios de memória similares às hipermnesias oníricas. Esses
fenômenos produzem efeitos diferentes, dependendo se a memória restituída for familiar,
profissional, local, nacional. No entanto, seria errôneo querer avaliar essa identidade
narrativa a partir de critérios de verdadeiro ou falso, rejeitando pura e simplesmente as
anamneses que parecem de pouca credibilidade, pois para toda manifestação da memória
há uma verdade do sujeito, diferenças recuperadas entre a narração (memória restituída,
as maneiras de ‘ter por verdadeiro’) e a ‘realidade’ factual: se podemos dizer que a verdade
do homem é o que ele oculta, o fato de ocultar é também sua verdade (Candau 2019, 71-
72).
No caso da pesquisa em música, os tipos de fontes utilizadas poderão incluir, além de documentação textual,
fontes musicográficas, sonoras e audiovisuais, produzidas durante a pesquisa ou anteriormente à pesquisa.
No texto final, é comum que sejam indicadas referências bibliográficas, produção musical (discografia,
filmografia, edições de partituras), bem como uma listagem de pessoas, instituições e arquivos consultados.
Todo esse conjunto de fontes servirão para compor uma cronologia, que pode estar explicitada
(principalmente nos trabalhos em que a produção textual não é muito elaborada) ou apenas servir de guia
para a escrita do texto. Há diferentes situações sobre a maneira de apresentar essas fontes, podendo haver
ou não uso de notas explicativas, índices onomásticos, índices remissivos. O conjunto dessa apresentação
indicará o tipo de material produzido, o projeto editorial ou a metodologia de pesquisa acadêmica seguida.
Apenas como exemplo, Carmem, de Ruy Castro (2005) traz discografia, filmografia, iconografia (distribuída
ao longo do livro), bibliografia e índice onomástico, mas não faz uso de notas explicativas. A menção a
colaboradores é feita por uma extensa lista de agradecimentos, com comentários sobre as situações e
encontros tidos com alguns deles.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
No campo acadêmico, o mestrado de Jane Borges Oliveira Santos caracterizou-se por ser uma biografia
documentada de José Vieira Brandão, destacando sua atuação como pianista, educador, regente coral e
compositor, a partir da perspectiva das histórias de vida, concentrando-se na formação, vida profissional e
construção da identidade (Santos 2003). A autora usa ícones como recurso para identificar cada uma dessas
atuações e facilitar a consulta, sem separá-las ao traçar a cronologia de suas atividades. A documentação,
tratando-se de uma biografia musical, inclui partituras, fotografias e programas de concerto e a pesquisa
também recorreu a entrevistas com pessoas que o conheceram.
3.3. Narrativa
Das 3 características citadas, o fato de que a (auto)biografia é escrita em forma narrativa é o que tem trazido
maiores variações com relação à sua valorização e sua crítica. Escrevendo no final dos anos 90 do século XX,
o historiador Benito Bisso Schmidt chamava a atenção para a ampliação do interesse em torno de biografias,
o que se revelava na lista dos livros mais vendidos no Brasil. Seu texto comenta o retorno à narrativa que
acontecia no campo histórico.
O retorno da biografia é um movimento internacional e perceptível em diversas correntes
recentes, tais como a nova história francesa, o grupo contemporâneo de historiadores
britânicos de inspiração marxista, a micro-história italiana, a psico-história, a nova história
cultural norte-americana, a historiografia alemã recente e também a historiografia
brasileira atual. Apesar das diferenças entre estas tradições historiográficas, é marcante
em todas elas o interesse pelo resgate de trajetórias singulares (Schmidt 1997, 05).
A questão abordada por Schmidt e por outros estudiosos da biografia é que a forma narrativa exige uma
construção que se utiliza de recursos semelhantes aos da escrita literária, o que provoca distintas visões
sobre os limites do “literário” na escrita biográfica ou na escrita histórica de maneira geral. Desde que
Hayden White escreveu Meta-história, trazendo para sua análise a questão do estilo historiográfico e os
diversos modos de elaboração de enredo, argumentação e implicação ideológica, ficou claro que a escrita
da história se conecta, inevitavelmente, com a literatura, justamente por ser uma forma narrativa que exige
a construção de um enredo, a definição de personagens e o relato de acontecimentos (White 2008). O que
se seguiu foi um amplo debate sobre os “limites” que a narrativa histórica deveria adotar, o mesmo valendo
para a biografia que, como vimos na citação de Lejeune, tem um compromisso com o real. Segundo
Giovanni Levi:
A biografia constitui na verdade o canal privilegiado através do qual os questionamentos e
as técnicas peculiares da literatura se transmitem à historiografia. Muito se debateu esse
tema, que concerne sobretudo às técnicas argumentativas utilizadas pelos historiadores.
Livre dos entraves documentais, a literatura comporta uma infinidade de modelos e
esquemas biográficos que influenciaram amplamente os historiadores. Essa influência, em
geral mais indireta do que direta, suscitou problemas, questões e esquemas psicológicos e
comportamentais que puseram o historiador diante de obstáculos documentais muitas
vezes instransponíveis: a propósito, por exemplo, dos atos e dos pensamentos da vida
cotidiana, das dúvidas e das incertezas, do caráter fragmentário e dinâmico da identidade
e dos momentos contraditórios de sua constituição(Levi 1996, 168).
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
A citação de Giovanni Levi é relevante porque traz uma resposta justamente à mais contundente das críticas
à biografia, vinda de Pierre Bourdieu. Segundo o sociólogo francês, a “história de vida” é responsável pela
“ilusão biográfica”, muito visível nos textos que salientam que “desde pequeno” “sempre gostei de música”,
entre outras expressões que demonstrariam a vontade de narrar a vida como um projeto coerente e
ordenado.
Essa vida organizada como uma história transcorre, segundo uma ordem cronológica que
também é uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, no duplo sentido de ponto
de partida, de início, mas também de princípio, de razão de ser, de causa primeira, até seu
término, que também é um objetivo (Bourdieu 1996, 184).
Para Bourdieu, essa vontade de dar coerência à vida faz com que biógrafos aceitem uma criação artificial de
sentido, estabelecendo um relato de vida que tende a “aproximar-se do modelo oficial da apresentação
oficial de si” (Bourdieu 1996, 188). Mais tarde, tendo o autor escrito um Esboço de autoanálise, respondeu
ao fato de ter se voltado para a reflexão sobre a própria vida. A epígrafe do livro, no entanto, anuncia: “isto
não é uma autobiografia” (Bourdieu 2005). Seria uma ironia, um comentário a “isto não é um cachimbo” de
Magritte? Qual o enigma que o autor estaria deixando a seus leitores? No prefácio à edição francesa,
Bourdieu afirma:
O gênero [biográfico] não se tornou interditado a mim porque (d)enunciei a ilusão
biográfica; parece-me profundamente antipático, e a aversão mesclada ao temor que me
levou a desencorajar diversos “biógrafos” se inspira em razões que acredito legítimas
(Bourdieu 2005, 22).
Voltando a Giovanni Levi, que pergunta se é possível escrever a vida de um indivíduo, a dificuldade estaria
em “imaginarmos que os atores históricos obedecem a um modelo de racionalidade anacrônico e limitado”,
o que está ligado a uma tradição biográfica que associa “uma cronologia ordenada, uma personalidade
coerente e estável, ações sem inércia e decisões sem incertezas” (Levi 1996, 169). A crítica de Bourdieu,
portanto, não impediu nem diminuiu a escrita biográfica e as histórias de vida, mas trouxe uma sinalização
importante para os biógrafos interessados em produzir um texto crítico e não em fazer uma espécie de
hagiografia de seus biografados. Na pesquisa sobre biografias de músicos brasileiros, nem sempre feitas com
o rigor historiográfico, o efeito de “ilusão biográfica” foi identificado inúmeras vezes. Como exemplo, na
biografia da cantora lírica Bidu Sayão escrita por Fernando de Bortoli, tem-se a ideia de “destino” percebida
no início da vida, como se fosse um projeto, tal como descrito por Bourdieu:
Certa de que estava destinada para uma grande carreira, Bidú queria aperfeiçoar-se, queria
estudar canto seriamente, embora soubesse que não poderia fazer tudo como queria,
porque até os 21 anos, estava sob a tutela dos pais, como todas as moças (Bortoli 1992,13).
A forma narrativa, compartilhada pela escrita de ficção e não ficção, exige domínio técnico da escrita,
escolhas estilísticas e imagem do leitor. Para Humberto Werneck, biógrafo de Jayme Ovalle e de Chico
Buarque de Hollanda, é difícil imaginar o leitor.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
Eu não penso no leitor. Ou, por outra: eu não consigo imaginar o leitor, nunca consegui. O
leitor é uma entidade muito abstrata. Há milhões de leitores potenciais. Procuro escrever
uma coisa que eu goste de ler. E nunca tive reclamações, sabe? Procuro esticar a minha
corda o máximo possível para melhorar o texto, para chegar mais perto daquilo que quero
dizer. Se eu buscar escrever uma coisa que gostaria de ler, muito provavelmente alguém
mais gostará. Porque também é estranho, o jornalista às vezes se mete numa empreitada
de imaginar um leitor e escreve para uma entidade. Você sempre subestima o leitor. Nos
jornais e revistas, o que tenho visto é isso: uma subestimação do leitor. Eu procuro ser
claro quando jornalista e ser pouco jornalista quando escrevo crônica (Werneck 2020).
O aprimoramento do texto e a imaginação do leitor serão descritas de maneiras distintas pelos vários
biógrafos, e alguns chegam a relatar como constroem a narrativa, como Lira Neto:
Na escrita de uma biografia, esforço-me para alternar ritmos internos trotes e galopes,
como queria [Italo] Calvino na tentativa de evitar monotonias no percurso a ser
transposto pelo leitor. Também me empenho no uso constante dos passeios inferenciais
sugeridos por [Umberto] Eco. No interior dos capítulos, na construção cena a cena,
estabeleço cortes narrativos, variações de perspectiva, como se estivesse trabalhando na
montagem de um filme. Às vezes súbitos e secos, às vezes lentos e suaves, os fade in e fade
outpicos da linguagem cinematográfica transições de uma imagem a outra por meio da
iluminação e do escurecimento da tela podem ser obtidos na escrita por meio de espaços
de duas linhas em branco na página, separando blocos de texto (Lira Neto 2022, 128-129).
A reabilitação da narrativa trouxe uma nova valorização do gênero biográfico. Com Norbert Elias, em Mozart:
sociologia de um gênio, a abordagem sociológica inaugura uma perspectiva mais analítica do que meramente
factual (Elias 1994). Carlo Ginzburg, que em O queijo e os vermes constrói o personagem Menocchio usando
fontes da inquisição, discute as relações entre cultura oral e cultura escrita no Renascimento. É um exemplo
de elaboração literária em um estudo histórico, que tem sido lido tanto por historiadores como pelo público
em geral (Ginzburg 2005). Em entrevista a Maria Lucia Pallares-Burke, Ginzburg, que é filho da romancista
Natalia Ginzburg, se posiciona sobre uso da narrativa em história:
Quanto à narrativa, devo dizer que a noção de narrativa em história tem se moldado nos
romances do século XIX, mas se pensarmos em romances do século XX, como os de Proust
ou Joyce, fica evidente que a distinção entre ficção e não ficção se torna muito pouco clara.
A este respeito uma ideia que me atrai muito é a da relação entre história e ficção como
envolvendo competição e desafios mútuos (Pallares-Burke 2000, 277).
4. Tipos de biografia
François Dosse (2009) e Giovanni Levi (1996) estão entre os autores que buscaram identificar diferentes
tipos de biografia. A biografia modal, por exemplo, é um tipo de biografia que busca servir de modelo, em
que o indivíduo concentraria características de um grupo e serviria para compreender normas e regras
estruturais. Foi muito utilizada para descrever a vida dos santos.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
A prosopografia é utilizada para traçar um perfil de grupo, em uma espécie de biografia coletiva, a partir de
elementos biográficos individuais, utilizada tanto para temas antigos em que não se tem muitas fontes
documentais de indivíduos, como em temas atuais, para compreensão de grupos profissionais ou artísticos,
por exemplo. O conceito de prosopografia, trabalhado por Stone (2011), foi utilizado por Carolina Andrade
Oliveira para traçar o perfil do regente-arranjador, concentrando-se não nas biografias individuais, mas nas
características comuns do grupo de profissionais identificados como regentes-arranjadores, tema de sua
dissertação de mestrado (Oliveira 2017).
Na biografia intelectual, o foco está na obra e no pensamento do biografado, podendo inclusive ocultar
dados pessoais e concentrar-se nas fases da vida em que a produção intelectual (ou musical, no nosso caso)
sejam mais relevantes. François Dosse, que foi biógrafo de Paul Ricoeur e de Michel de Certeau, dois grandes
intelectuais franceses, detalhou como procedeu em cada uma dessas biografias. Ele explica que incluiu as
apropriações e as visões de outros pensadores sobre o legado intelectual dos biografados, considerando que
“são parte integrante da evocação biográfica e fazem sentido para o biógrafo na construção de seu objeto”
(Dosse 2009, 388).
Essas biografias acham-se confrontadas com o delicado problema da articulação entre
duas dimensões diferentes, a da vida e a da obra, que não podem, entretanto, ser
consideradas como separadas por uma divisória estanque, nem reduzidas a um único nível
(Dosse 2009, 386).
No caso da música, autores que explicitam a ideia de “biografia musical”, o que pode significar uma
concentração nos fatos da vida musical ou um maior detalhamento das questões estéticas. A proposta do
trabalho determinará o nível de especialização da linguagem a partir do público-alvo do trabalho, ou seja, se
está voltado a leitores músicos ou ao público em geral. Desta forma, a “biografia musical” pode se aproximar
da “biografia intelectual”, caso detalhe o pensamento musical do biografado e não apenas sua trajetória
musical.
Para exemplificar a biografia na pesquisa em música selecionamos, abaixo, três tipos para um maior
detalhamento:
4.1. Biografia em contexto
As biografias que se preocupam com o contexto alternam entre a narrativa da biografia individual e os
aspectos relacionadas à época, meio social e ambiente, inclusive podendo utilizar esses dados contextuais
como forma de explicar ou completar lacunas documentais. São apresentadas normas e convenções sociais
por meio da biografia e o grande desafio é saber equilibrar esses dois objetivos: escrever a vida do biografado
e contextualizar sua biografia.
Nenhum biografado existiu no vácuo, em um vazio histórico, desarticulado de tudo e de
todos. Porém, na narrativa de uma vida, o contexto não pode se sobrepor ao personagem,
sufocando-o, fazendo-o desaparecer em um tsunami de informações circunstanciais.
Também não se trata de encaixilhar o personagem em uma espécie de enquadramento
geral e fixo, no qual o contexto lhe sirva de moldura, meramente ornamental. Muito menos
cair na tentação do “paradoxo do sanduíche”, conforme definia o historiador britânico
Charles Firth, autor de The Life of William Cavendish: ensanduichar o biografado entre
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
camadas de recheio, “um pouco de contexto, um pouco de existência individual e outra
camada de contexto...” (Lira Neto 2022, 69).
Avelino Romero Pereira combinou a biografia com história institucional para analisar Alberto Nepomuceno
e o Instituto Nacional de Música, a partir da constatação de que a musicologia tradicional privilegiou o objeto
biográfico “muitas vezes sem estabelecer correlações entre este e o contexto histórico-cultural em que se
insere” (Pereira 2007, 15).
A opção pela biografia condiciona a própria forma e o tratamento dado ao objeto de
estudo, tomando-se um eixo de natureza cronológica que aproxima Alberto Nepomuceno
e o Instituto Nacional de Música, a escola em que atuou durante anos como educador,
artista e administrador (Pereira 2007, 15).
Música, sociedade e política: Alberto Nepomuceno e a República Musical é um dos casos em que uma tese
de doutorado foi publicada como livro por uma editora universitária (UFRJ); o texto de apresentação permite
entender as transformações e o que foi mantido do texto original da tese.
Uma abordagem de contexto diferente é feita na biografia de Jayme Ovalle, que traz elementos
interessantes, que pouco se sabia sobre o compositor. Embora tenha uma obra pequena, Ovalle é um
personagem constante na historiografia musical brasileira do século XX. Werneck investiu na descrição do
contexto de sociabilidade, em que a figura um tanto excêntrica de Ovalle ilumina todo um círculo de artistas,
músicos e escritores da vida boêmia carioca, como Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino,
Di Cavalcanti. Os encontros entre artistas e intelectuais são retratados por depoimentos diversos, em que
sobram cenas de machismo e racismo. São relatados episódios desses encontros de sociabilidade que
sugerem as camaradagens e os antagonismos.
Com as mulheres, Ovalle é sempre galante, mas de uma galanteria a um tempo bizarra e
antiquada, mais engraçada do que funcional. Numa reunião em casa de Francisco Mignone,
derramou-se para cima da mulher do compositor, a pianista Liddy Chiafarelli “declarou
que gostava tanto dela que gostaria de ter sido pai dela”, contou Mignone a Mário de
Andrade. Nessa noitada, aliás, em que empunhou o violão e “canhotizou a valer”, o autor
de “Azulão” viveu um dos raros episódios de beligerância em sua vida não por iniciativa
sua, seja dito, mas do pianista, compositor e professor Antonio de Pereira, seu amigo.
“O Jayme Ovalle e o nosso pikierte Leverewurst’ brigaram feio mesmo”, disse Mignone a
Mário, sem contudo revelar o motivo do rififi. Por sua carta, fica-se sabendo apenas que o
citado pikierte Leverewurst’ em alemão, algo como “emburradinho” – chegou disposto a
brigar com outros convivas e, por alguma razão, sobrou para Jayme Ovalle. Não houve
pugilato, mas o exaltado Sá Pereira se retirou antes da hora, deixando de assinar uma carta
que o grupo escreveu para Mário de Andrade (Werneck 2008, 222-223).
O contexto social é muito presente em biografias ligadas à música popular e autores que consideram a
canção popular como um equivalente da crônica. Em Ney Matogrosso: a biografia, por Julio Maria, a vida
pessoal do cantor Ney Matogrosso é tratada, inclusive, nas questões sensíveis como a vida sexual e afetiva
ou o contato com drogas. Questões que, obviamente, não dizem respeito apenas à vida do cantor, mas
fazem parte dos temas da época, permitindo compreender, por exemplo, a dor e a dificuldade de
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
enfrentamento da AIDs; a ditadura e a censura; o mercado fonográfico e a estrutura de shows questões
que são a um tempo pessoais e coletivas.
O texto também serve para iluminar questões pouco presentes, como a passagem de Ney Matogrosso pelo
canto coral, onde começou a descobrir a excepcionalidade da sua voz, infelizmente sem identificar quem
seria o regente.
O Coral do Elefante Branco levou Ney a cantar para alguém pela primeira vez. Classificado
como tenor, ele fazia sua parte da melodia para, depois, entrar cantando baixinho nas
linhas femininas dos contraltos, contrabandeando-se para um lugar que, em tese, não era
o seu mas que se tornava o único onde sua voz se sentia à vontade. Certo dia, o regente o
flagrou e interrompeu o grupo durante um ensaio. “Esperem”, disse, aproximando-se de
Ney. “Cante mais uma vez”. Ney cantou e o regente fez sua observação: “Eu sempre pensei
que isso fosse coisa de adulto castrado”. Ney recebeu o comentário como um elogio, mas
nada mudou. Sem planos de ser cantor só estava ali porque, além de começar a se sentir
mais seguro nas rodas de amigos, pensava cada vez mais em ser ator. E, pelo que diziam,
o canto ajudaria (Maria 2021, 37-38).
4.2. Biografia e casos-limite
Essas biografias focam em pessoas à margem do campo social. São biografias atípicas que, por isso mesmo,
explicitam um contexto. O queijo e os vermes, de Carlo Ginzburg (2005), citado, é o exemplo mais
conhecido deste tipo de biografia. Utilizando como fontes as confissões de Menocchio, pelas quais foi
condenado pela inquisição, Ginzburg mergulha na cultura oral que permeia os depoimentos de seu
personagem. Com isso, a pesquisa sobre um indivíduo terminou gerando uma hipótese sobre a cultura
popular na Europa pré-industrial e o livro tem sido discutido como um exemplo de como o caso-limite,
justamente por sua excepcionalidade, é capaz de revelar os mecanismos sociais e questionar os conceitos
tidos como estabelecidos.
O cantor e compositor Belchior, autor de Como nossos pais, gravada por Elis Regina, foi muito famoso na
MPB nos anos 70 e 80. Com 60 anos, largou tudo e literalmente desapareceu da família e do ambiente
artístico. Foi procurado pela justiça e pela imprensa, não contactou a família, não estabeleceu moradia. O
livro Viver é melhor que sonhar analisa essa fase final de sua vida, até a morte do músico, e pergunta: “por
que Belchior agiu assim?” Através deste caso-limite, é inevitável discutir os mecanismos da fama, a
manutenção da carreira artística na música popular, a relação entre a erudição e a profissão, a relação entre
a música e o contexto político, entre outros temas.
Em 2009, o aluguel do flat estava atrasado mais de um ano. Ângela, sua ex-mulher,
entrou na justiça pelo não pagamento da pensão. (...) O proprietário do flat entrou na
justiça para cobrar os aluguéis atrasados. Seu carro foi guinchado do estacionamento e os
pertences encaminhados à doação. O ateliê também foi fechado com uma dívida de R$ 80
mil de aluguéis atrasados. Célio Silva, que deixou de receber os salários, entrou com um
processo trabalhista no qual ganhou direito a uma indenização alta, num julgamento à
revelia, sem a presença do réu. “Ele chegou a ir a uma audiência, depois sumiu”, conta
Célio. O escritório foi lacrado e devido a uma infiltração e ao abandono tudo o que estava
lá dentro se perdeu. Livros, pinturas, os desenhos de Belchior e os três anos de trabalho da
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
tradução da A Divina Comédia, cujos textos estavam armazenados em computador. Célio
diz não saber onde tudo isso foi parar (Fuscaldo e Bortologi 2022, 79-80).
Essa reconstituição dos últimos passos de Belchior é capaz de situá-lo como um caso-limite. A biografia,
neste caso, ultrapassa a dramática situação do indivíduo para que se reflita sobre os mecanismos do sucesso
e da relação entre artista e sociedade.
4.3. Biografia hermenêutica
A abordagem de Paulo Renato Guérios sobre Villa-Lobos pode ser vista como uma biografia hermenêutica,
na medida em que o ponto central é a interpretação de como foi criada a imagem do compositor. É
importante salientar que, ao escolher biografar Villa-Lobos, havia, segundo o autor, 40 obras escritas sobre
o compositor, muitas delas analisadas em seu trabalho, assim como os depoimentos do próprio Villa-Lobos
que, igualmente, têm sido objeto de diversas análises.
Começa aqui a ficar clara a dimensão integrada do trabalho de Villa-Lobos, que, ao mesmo
tempo em que fazia músicas, agia no sentido de inseri-las em diferentes universos
simbólicos, e de atribuir-lhes sentidos e significados. De fato, são frequentes as vidas
acerca da trajetória do compositor, o que causa imeros problemas para quem se dispõe
a falar a seu respeito. Isso se deve em grande parte às várias histórias (com versões
discordantes entre si) que ele espalhava sobre si mesmo.
Por isso, uma das intenções deste trabalho é mostrar o ator social Heitor Villa-Lobos agindo
e construindo um lugar para si através de suas músicas, de suas falas, de suas ações e dos
relacionamentos sociais que estabeleceu. Ou seja, mostrar Villa-Lobos a partir dos
“bastidores”; não sob as luzes do palco ou sobre o pedestal da glória, mas instalando os
refletores e construindo o monumento, auxiliado por pessoas dos meios mais diversos. Tal
estudo permitirá mostrar como e por que esse discurso integrado de Villa-Lobos alcançou
pleno sucesso em maravilhosas composições e na construção de uma gigantesca imagem,
se comparada à de outros compositores eruditos nacionais (Guérios 2009, 37-38).
A biografia hermenêutica, que pode usar como elementos de interpretação a sociologia, antropologia ou
psicologia, por exemplo, diversificou os enfoques analíticos e transformou o gênero biográfico em um texto
mais reflexivo.
5. Autobiografia
Para que se entenda os limites da autobiografia, é necessário defini-la como um tipo específico de escrita
autorreferenciada que, como se verá a seguir, não se confunde com outros gêneros referenciais e ficcionais
que têm o autor como protagonista. Para Philippe Lejeune, referência internacional para os estudos
autobiográficos, a autobiografia clássica é escrita em primeira pessoa, tendo identidade entre o narrador e
a personagem principal, de acordo com a tabela:
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
Tab. 1 Narrador, personagem principal e pessoa gramatical em biografias e autobiografias, segundo Lejeune, 2014, p.21.
NARRADOR =
PERSONAGEM PRINCIPAL
NARRADOR
PERSONAGEM PRINCIPAL
Autobiografia clássica [autodiegética]
Biografia em primeira pessoa (narrativa
de uma testemunha) [homodiegética]
Autobiografia em segunda pessoa
Biografia endereçada ao modelo
Autobiografia em terceira pessoa
Biografia clássica [heterodiegética]
Uma autobiografia, ainda segundo Lejeune, precisa preencher algumas condições: em relação à forma de
linguagem, ser uma narração em prosa e ter como assunto a vida individual, a história de uma personalidade,
sob uma perspectiva retrospectiva. A situação do autor é de identidade com o narrador, e o nome do autor-
narrador deve remeter a uma pessoa real. De forma resumida: a autobiografia é uma “narrativa em prosa
que uma pessoa real faz de sua própria existência, no momento em que focaliza sua história individual, em
particular a história de sua personalidade (Lejeune 2014,16).
O universo dos gêneros textuais autorreferenciados, no entanto, é bem mais vasto: memórias, testemunhos,
recordações, confissões, diários íntimos, diários de campo, cadernos de anotações ou recortes, currículo,
álbum de fotografias, livros de contas, livros de família. Se formos analisá-los, veremos que não preenchem
todas as condições da autobiografia clássica definida por Lejeune. Nas memórias, por exemplo, o assunto
não é a vida individual; em um romance pessoal não há identidade entre autor e narrador; em uma biografia
o narrador não é o personagem principal; em um diário não há a perspectiva retrospectiva. Dessa forma,
Quase tudo..., de Magda Tagliaferrro (1979), enquadra-se em “memórias”, como diz o subtítulo; Causos de
músico, de Lindembergue Cardoso (1994), pode ser visto como testemunho e/ou memórias.
Outros gêneros que não são enquadrados como autobiografias são os gêneros ficcionais, ainda que tenham
muitos aspectos coincidentes com a vida real do autor. O recém-lançado livro de Chico Buarque (2024),
Bambino a Roma, traz na capa uma foto do autor quando criança em uma bicicleta, fazendo-nos pensar no
possível conteúdo autobiográfico do livro. No entanto, logo abaixo do título, temos outra chave: “ficção”.
No campo erudito, Gilberto Mendes também escreveu ficção a partir de memórias. Danielle em surdina,
langsam (Mendes 2013) é ambientado em Dresden, Alemanha, e em Santos, cidade natal do autor. O
romance tem personagens ficcionais e traz referências a locais, obras e pessoas reais, mas é claramente uma
ficção, provocando nos leitores, tanto no caso de Gilberto Mendes como no de Chico Buarque, especulações
sobre esse jogo entre referentes reais e criação de situações ficcionais, em que não explicitar os limites é
parte da relação de interesse estabelecida com o leitor.
Portanto, para falar de autobiografia e separá-la de gêneros ficcionais, é necessário analisar se os textos
assumem o pacto referencial citado por Lejeune. E as autobiografias, como parte do conhecimento do
campo musical, têm tido um papel bastante importante, sobretudo quando os músicos comentam suas
obras, seu percurso de formação e sua trajetória artística e profissional. Isso porque o campo musical valoriza
a autoridade do compositor (e do intérprete) ao falar de sua obra.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
Para a pesquisa em música, a autobiografia continua sendo um tipo privilegiado de fonte, porque se parte
do princípio de que o autor-narrador estabeleceu um pacto de verdade com seus leitores e é a pessoa que
tem mais elementos contextuais para a análise e interpretação de sua produção. No entanto, é preciso
interpretar a construção da narrativa sobre si mesmo, considerando, por exemplo, os interditos, os silêncios,
as ausências, as supervalorizações e, até, as possíveis invenções, como vimos nos comentários de Guérios
aos depoimentos conflitantes de Villa-Lobos.
Trata-se de um nero sensível, na medida em que a narrativa retrospectiva de sua vida necessariamente
irá citar diversas personalidades com quem o autor teve contato e sobre as quais têm ou teve proximidade
ou distância, amizade ou antagonismo. Ao utilizar autobiografias em pesquisa, portanto, convém estudar a
situação de enunciação dos discursos autobiográficos e os possíveis “efeitos de ilusão” de que fala Bourdieu.
Outro aspecto importante é investigar as tomadas de posição posteriores ao discurso autobiográfico
estudado, uma vez que a escrita autobiográfica foi produzida por um autor que continuou em movimento,
ou seja, que pode ter produzido outras declarações posteriores que contradigam, complementem ou
reinterpretem o que já havia sido dito.
Um outro campo de aproveitamento da autobiografia é o uso de histórias de vida na pesquisa-formação, um
amplo campo explorado em diversos contextos, mas sobretudo em educação. Marie-Christine Josso destaca
o aspecto de transformação de si a partir da narração de histórias de vida:
Assim, quanto mais o paradigma do singular plural se tornava evidente, através de uma
leitura de meu próprio itinerário, confrontada aos saberes construídos a partir das
narrações escritas de formação, mais a invenção de si, individual e coletiva, se impôs como
um dos benefícios potenciais de um trabalho hermenêutico criativo, ou seja, de uma práxis
biográfica formadora e, por isso mesmo, transformadora (Josso 2007, 24).
Neste caso, autobiografias, histórias de vida, narrativas de formação, trajetórias profissionais e outros
gêneros semelhantes, são pensados não como produtos finais, mas praticamente como “métodospara
processos de pesquisa sobre formação, profissionalização e discussão da construção da identidade
profissional. Como estratégias, podem ser utilizadas entrevistas narrativas, memoriais autobiográficos,
grupos focais. Maria da Conceição Passeggi, ao discorrer sobre o uso de narrativas da experiência na
pesquisa-formação, salienta que “as conclusões planteiam uma epistemologia do sujeito biográfico que
enlaça nas narrativas da experiência razão e emoção, o público e o privado, o padecer e o empoderamento
(Passeggi 2016, 67).
Este tipo de utilização do amplo espectro autorreferenciado, nesta configuração da pesquisa-formação,
coloca o protagonismo nos sujeitos que refletem sobre suas próprias identidades. É um tipo de narrativa
capaz de esclarecer sobre aspectos ausentes em outros tipos de fonte, justamente ao permitir a discussão
sobre os estados emocionais e as percepções individuais de fatos relatados. Isso não se confunde com outras
metodologias de pesquisa utilizadas no campo musical, como a autoetnografia, que em geral está mais
voltada a descrever processos de criação ou interpretação, embora todas essas perspectivas estejam
voltadas à escrita de si. Os possíveis entrelaçamentos entre essas abordagens revelam sua grande atualidade
no campo da pesquisa qualitativa, que não se pretende objetiva e neutra, mas, ao contrário, busca inserir as
perspectivas individuais e coletivas com imenso potencial para a pesquisa em música, sobretudo a pesquisa
artística e a pesquisa-formação.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
6. Considerações finais: atualidade dos estudos (auto)biográficos
Do ponto de vista do mercado editorial, voltado principalmente para músicos populares, a biografia mostra-
se plenamente atual e vem cumprindo com o papel de ser mais do que a discussão sobre celebridades, na
medida em que muitas dessas biografias aprofundam-se em questões contextuais como os movimentos
artísticos, a relação entre cultura e poder, o balanço da história recente, em especial sobre os tempos da
ditadura, e sobre as questões comportamentais, ligadas à importância da música para a juventude, os
relacionamentos afetivos, as tomadas de posição social, política e cultural, entre outros.
Sem querer dar conta de todos os lançamentos recentes, pois são muitos, podemos registrar que na
última década temos biografias de Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Gilberto, Ney Matogrosso, Elis Regina,
Tom Jobim, Belchior, Nara Leão, Lupicínio Rodrigues, Jacob do Bandolim, Milton Nascimento, para ficar
entre os músicos muito conhecidos. Entre as autobiografias, duas de Rita Lee e a recente autobiografia de
Preta Gil. Embora não se configure estritamente como uma autobiografia, Verdade Tropical, de Caetano
Veloso (2024), recebeu uma nova edição, que contém uma avaliação atual sobre a trajetória do artista e
sobre a própria publicação original, de 1997.
Do ponto de vista da pesquisa acadêmica e dos programas de pós-graduação, a biografia continua a ser
estudada junto à obra de compositores, intérpretes, arranjadores e educadores, ou de combinações desses
perfis, em qualquer ordem, com os quais os músicos sejam identificados. Mas além de capítulos
introdutórios para melhor compreensão das obras, a ideia de que a biografia e a trajetória profissional de
um músico pode ser um caminho para a avaliação de movimentos estéticos e da vida cultural como um todo
parece estar bem estabelecida. O acesso à documentação pessoal de um músico é capaz de iluminar relações
pessoais e profissionais, temas em destaque em seu período de vida, situações em que, como artista e
cidadão, esse músico foi chamado a se pronunciar. A biografia de músicos tem sido estudada em diversos
programas de pós-graduação: em música, história, literatura, antropologia, para citar os mais frequentes.
Alguns projetos de digitalização de acervos pessoais contribuíram e ainda têm muito a contribuir com a
escrita da história da música no Brasil e, de maneira particular, com a escrita biográfica de seus atores
2
. Um
dos primeiros projetos de digitalização de acervo é o site sobre José Maurício Nunes Garcia, inaugurado em
1999 por Antonio Campos Monteiro Neto, que traz informações sobre o Rio de Janeiro em sua época e
partituras.
O enorme e diversificado Acervo Cleofe Person de Mattos fez parte do momento em que a Petrobrás
patrocinou relevantes projetos de memória nacional, através do Programa Petrobrás Cultural. Cleofe, que
foi responsável pela primeira organização e publicação de obras de José Maurício Nunes Garcia, foi também
aluna da primeira turma do curso de Canto Orfeônico de Villa-Lobos, tendo se tornado professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, regente coral e musicóloga com presença internacional. O projeto
de digitalização e disponibilização de seu acervo é, sem dúvida, uma das maiores contribuições recentes à
história da música brasileira e todo esse material poderia ser explorado em diversas biografias sobre ela, o
que ainda não ocorreu.
Outro site muito bem elaborado é dedicado ao compositor e regente Oscar Lorenzo Fernândez, inaugurado
em 2020, por iniciativa da família e idealização de sua filha, Marina Lorenzo Fernândez. Ainda por iniciativas
2
Os links para as páginas dos projetos citados estão nas referências, ao final do artigo.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
familiares, podemos citar os sites sobre Henrique Oswald e sobre a família Levy, este último reunindo
documentação de Henri-Louis Levy e seus filhos Alexandre Levy e Luiz Levy. Estas iniciativas, para além da
reunião de informações biográficas, contribuem pela farta documentação iconográfica, cronologias, fac-
símiles de correspondência, partituras manuscritas, inclusive rascunhos. Alguns sites incorporam arquivos
sobre pesquisas realizadas sobre os músicos e gravações de suas obras. Os exemplos pretendem salientar a
importância da preservação dos arquivos pessoais, tanto para a escrita biográfica, como para a escrita da
história de modo geral, ou para modalidades a serem exploradas como as biografias conectadas e as
biografias coletivas.
Chiquinha Gonzaga tem sido uma espécie de símbolo da presença feminina na música. O site dedicado a ela
destaca: Mulher e negra, enfrentou todos os preconceitos da sociedade patriarcal e escravista para se
firmar como pianista, compositora, regente e, por fim, líder de classe em defesa dos direitos autorais”
(chiquinhagonzaga.com. Grifos do site).
No campo da música popular, citarei apenas o Instituto Tom Jobim, que além de reunir a sua documentação,
é depositário também dos acervos de Dorival Caymmi, Milton Nascimento, Paulo Moura, Chico Buarque,
Gilberto Gil, entre outros, tornando-se uma fonte de referências muito importante para a temática da
música popular no Brasil.
Há inúmeras lacunas a serem preenchidas com relação à escrita biográfica e à discussão de sua atualidade e
importância. Apesar do esforço empreendido na pesquisa acadêmica em música, ainda muito
desconhecimento sobre artistas e educadores musicais fundamentais na história da música brasileira. Em
artigo sobre a recente doação de partituras de Damiano Cozzella à UNICAMP, Tadeu Taffarello e Fernando
Magre comentam, em rodapé, a produção (auto)biográfica existente com relação ao grupo Música Nova,
salientando que Cozzela, “diferentemente de seus companheiros, não foi objeto de pesquisas acadêmicas
ou biografias em vida”:
Willy Corrêa de Oliveira publicou dois livros de memórias (Oliveira, 2008; 2019), além de
ter sido objeto de algumas pesquisas acadêmicas. Rogério Duprat, ainda que pouco
interessado pela ideia de posteridade, teve sua trajetória registrada em livro por Regiane
Gaúna (2001) e em documentário por Pedro Vieira (Rogério, 2000). Gilberto Mendes, por
sua vez, escreveu dois livros autobiográficos (Mendes, 1994; 2008), além de ter sido objeto
de diversas pesquisas acadêmicas, documentários e outros livros. Damiano Cozzella,
entretanto, possui, até o momento, apenas um livro com alguns de seus arranjos corais
organizados por Alberto Cunha (Cozzella 2017, 87)
3
(Taffarello e Magre 2021, 87).
O registro e a valorização de trajetórias também fazem parte de movimentos de reparação por parte de
alguns pesquisadores, que incluem seus trabalhos em uma perspectiva mais ampla de busca de
3
As obras citadas são: OLIVEIRA, Willy Corrêa. 2008. Passagens. São Paulo: Luzes no Asfalto. OLIVEIRA, Willy
Corrêa. 2019. Cadernos. São Paulo: Edusp. MENDES, Gilberto.1994. Uma Odisséia Musical: dos Mares do Sul
à elegância pop/art déco. São Paulo: Edusp, Giordano. MENDES, Gilberto. 2008. Viver sua Música: com
Stravinsky em meus ouvidos, rumo à Avenida Nevskiy. Santos: Realejo Edições. São Paulo: Edusp. GAÚNA,
Regiane. 2001. Rogério Duprat: sonoridades ltiplas. Editora Unesp. Rogério Duprat, vida de músico. 2000.
[Filme] Dir. Pedro Vieira. Brasil: TV Cultura. 54 min. COZZELLA, Damiano. 2017. Arranjos Corais de Damiano
Cozzella. Organização de Alberto Cunha. São Paulo: Edusp.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
reconhecimento de sujeitos invisibilizados na historiografia, como é o caso de mulheres e da população
negra. Em No rastro da história das mulheres: a biografia em discussão, as autoras Marília Garcia Boldorini
e Roberta Barros Meira consideram o texto biográfico “uma das melhores formas de representação da
memória social”, apto, portanto, para o debate sobre questões de gênero, o que certamente pode colaborar
com nossa questão sobre a atualidade dos estudos (auto)biográficos relacionados ao ambiente musical, que
não era o foco das autoras.
Ao analisar o apagamento que marca as histórias particulares das mulheres, podemos
introduzir novos elementos para a compreensão de um conjunto mais vasto de sujeitos
históricos que podem trazer algo muito valioso para repensar as posições que ainda
marcam uma realidade atual de exclusão e violência (Boldorini e Meira 2019, 15-16).
Em pesquisa de mestrado recente, Maria Rúbia de Moraes Andreta identificou que, da produção
bibliográfica sobre mulheres e música em periódicos acadêmicos brasileiros, entre 2012 e 2021, 43 artigos
tinham alguma abordagem biográfica, diretamente ou indiretamente (Andreta 2023). A biografia foi vista
como uma maneira de obter informações sobre mulheres ligadas à música e reposicioná-las na análise
histórica.
Com relação à autobiografia como método de pesquisa em educação, principalmente sobre os processos de
formação e profissionalização, uma ampla bibliografia brasileira e internacional estabelecida, com
crescente presença dos temas musicais.
Portanto, as considerações finais deste artigo vão na direção do que motivou sua escrita: a percepção de um
campo fértil, com muitas possibilidades atuais de exploração, que permite elaborações com distintos
objetivos, mas com elementos em comum, por se tratar de um gênero textual tradicional, mas sempre
renovado. Procurei mostrar algumas características dessa produção que é, ao mesmo tempo, fascinante e
assustadora, objetiva (quando se pensa na realidade referencial e na consulta a documentos) e
extremamente subjetiva em sua realização (fazendo com que o biógrafo seja obrigado, o tempo todo, a
decidir o que salientar e o que descartar, o que evidenciar e o que calar, que testemunhos reproduzir e quais
ignorar).
A (auto)biografia tem uma história de constantes valorizações e desvalorizações, e os biógrafos de temas
musicais vão desde admiradores com algum grau de familiaridade com o biografado, a historiadores e
musicólogos especializados em temáticas musicais, muitas vezes trabalhando em equipes, passando por
uma grande diversidade de perfis: jornalistas, escritores, historiadores, musicólogos, familiares, alunos,
colegas de profissão, com as mais variadas formações tanto nos campos disciplinares, como na prática da
escrita.
A pesquisa acadêmica, portanto, precisa se relacionar com esse diversificado material analisando as
situações de produção de cada discurso, as fontes a que o autor teve acesso, os impedimentos éticos,
políticos, religiosos e de ordem pessoal de cada um desses autores, a rede de relacionamentos afetivos e
profissionais a que estiveram ligados, e a motivação que os levou à dedicação de seu tempo a uma
personalidade musical escolhida. A biografia, desta forma, é a escrita da vida de uma pessoa por outra, seus
pontos de contato e de afastamento, seu enraizamento na história familiar, local, nacional e musical - no
nosso caso de estudo - em relações múltiplas.
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Igayara-Souza, Susana Cecilia. “Atualidade dos estudos (auto)biográficos na pesquisa em música"
A pesquisa em música encampa tanto a leitura de fontes (auto)biográficas como a produção de biografias e
autobiografias de pessoas ligadas ao campo musical, com as temáticas, as leituras, o uso de fontes e a
produção textual do momento e do campo de estudos em que são produzidas portanto, a partir de
decisões individuais e coletivas, o que faz com que as (auto)biografias sejam fontes privilegiadas para o
estudo da cultura.
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Oscar Lorenzo Fernândez. http://www.lorenzofernandez.org
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