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eISSN 2317-6377
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do
conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas
Epistemological Contrasts between Conceptions of Knowledge in Art in
the Brazilian National Common Core (BNCC) and art-educative proposals
Cassiano Lima da Silveira Santos1
professorcassianolima@gmail.com
Adriana do Nascimento Araújo Mendes1
1Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil
ARTIGO CIENTÍFICO
Editor de Seção: Fernandp Chaib
Editor de Layout: Fernando Chaib
Licença: "CC by 4.0"
Data de submissão: 08 out 2024
Data final de aprovação: 09 nov 2024
Data de publicação: 02 jan 2025
DOI: https://doi.org/10.35699/2317-6377.2025.55188
RESUMO: O presente artigo, recorte de uma tese de doutorado sobre/de Educação Musical escolar, tem por
objetivo analisar criticamente os contrapontos entre abordagens pedagógico-musicais Triangular, a C(L)A(S)P e o
Orff-Schulwerk e as proposições de um trecho dissertativo da BNCC e do Currículo Paulista para o ensino de
Arte no Ensino Fundamental, denominado "Dimensões do Conhecimento" (criação e expressão; estesia e fruição;
crítica e reflexão). Nesse sentido, realizamos uma revisão bibliográfica das principais publicações sobre as
abordagens arte-educativas mencionadas, a fim de discutir qualitativamente os condicionamentos de currículos
oficiais que negligenciam lutas e embates historicamente debatidos por agentes especializados. Concluímos, assim,
que propostas arte-educativas amplamente difundidas, como as abordadas em nossa revisão, oferecem
concepções que atribuem à Educação Musical escolar características identitárias, (re)significadas e negociadas
coletivamente, perpassando a normativa estadual que propõe um ensino ambíguo, sem abranger discussões
específicas das linguagens artísticas, e que tende a ser meramente voltado a uma educação estética e
individualizada.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Musical; Currículo Paulista; Orff-Schulwerk; Abordagem Triangular; C(L)A(S)P.
ABSTRACT: This article, a segment of a doctoral thesis on Music Education, aims to analyze the counterpoints
between pedagogical-musical approaches Triangular, C(L)A(S)P, and Orff-Schulwerk and the propositions of a
section of São Paulo's Arts Common Core Curriculum for Elementary Education, titled "Dimensions of Knowledge"
(creation and expression; aesthetics and fruition; criticism and reflection). It was conducted a literature review of the
main publications on the aforementioned arts-education approaches in order to qualitatively discuss the constraints
of an official curriculum that neglects struggles and debates historically discussed by specialists. We conclude that
widely disseminated arts-education proposals, such as those covered in our review, offer conceptions that attribute
identity, (re)signified and collectively negotiated characteristics to school Music Education, going beyond the state
normative that proposes an ambiguous education, which does not encompass the specific discussions of artistic
languages and tends to be merely focused on an individualistic aesthetic education.
KEYWORDS: Music Education; São Paulo Curricula; Orff-Schulwerk; Triangular Approach; C(L)A(S)P.
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
1. Introdução e percurso metodológico
O presente artigo se caracteriza como recorte de uma tese de doutorado sobre/de “Educação
Musical escolar” (Santos, 2024), apresentada como requisito parcial para obtenção do título de
Doutor em Música na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Intitulada “Currículos
(re)significados por professores de Música: saberes e reflexões docentes em contraponto às
Dimensões do Conhecimento Artístico da BNCC” (Santos, 2024), a investigação se desenvolveu
junto a professores de Música do Ensino Fundamental Anos Iniciais vinculados à Rede
Municipal de Ensino de Franca-SP considerando que os saberes, concepções, realidades
escolares e histórias docentes constituem (re)significações que perpassam desmerecimentos
prescritivos advindos das proposições de um trecho da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
e Currículo Paulista para “Arte” no Ensino Fundamental nomeado como “Dimensões do
Conhecimento”.
Nesse sentido, como parte relevante do embasamento teórico/conceitual que foi discutido no
trabalho em campo, centralizamos neste artigo um recorte que objetiva analisar os contrapontos
entre abordagens arte-educativas e pedagógico-musicais Triangular, a C(L)A(S)P e o Orff-
Schulwerk e as proposições do referido trecho das "Dimensões do Conhecimento" (criação e
expressão; estesia e fruição; crítica e reflexão) apresentado pela BNCC e Currículo Paulista.
Realizamos uma revisão bibliográfica das principais publicações sobre as abordagens arte-
educativas mencionadas, a fim de discutir qualitativamente os condicionamentos de um currículo
oficial que negligencia lutas e embates historicamente debatidos por agentes especializados.
Publicado em agosto de 2019, o Currículo Paulista (São Paulo, 2019) é uma normativa curricular
estadual que se desenvolve à luz da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2017) e,
conceitualmente, tem como prerrogativa o aglutinamento epistemológico e cultural a partir das
produções de saberes advindas das escolas públicas e privadas do Estado de o Paulo.
Especificamente para o componente curricular “Arte”, a normativa estadual apresenta, de fato,
alguns elementos mais bem desenvolvidos em relação à base nacional, conforme abordaremos
em nosso texto. Entretanto, esta política retoma um trecho dissertativo nomeado como
“Dimensões do Conhecimento” (criação e expressão; estesia e fruição; crítica e reflexão),
referenciado, nas concepções de Del-Ben e Pereira (2019) e Pereira e Loponte (2019), como uma
proposição descontextualizada, sem relação explícita entre suas concepções e os objetos de
conhecimentos e habilidades que “podem” ser materializados nas práticas cotidianas da escola.
Ademais, desconsidera as especificidades de cada linguagem artística ao não abordar possíveis
contextos de uma Educação Musical escolar discutida coletivamente no Brasil. E, por fim,
possui um caráter ligado à individualidade, experiência estética e à sensibilidade,
desconstituindo o caráter social, coletivo e político da Música. Consideramos, assim,
proposições de saberes artísticos que podem apresentar sentidos com maior potencial para a
(re)construção de outras (re)significações curriculares para a “Música” como disciplina escolar no
Ensino Fundamental.
Primeiramente, destacamos alguns diálogos com a Abordagem Triangular relevante proposta
sistematizada pela arte-educadora e pesquisadora brasileira Ana Mae Barbosa diante de uma
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série de inspirações e concepções educacionais que, entrelaçadas com as ideias de John Dewey
e Paulo Freire, caminha contrariamente a um ensino de arte instrumental/utilitarista,
descontextualizado histórica e culturalmente e alienado à leitura crítica e compreensão do
mundo-da-vida dos estudantes. A Abordagem Triangular aparece neste artigo como
fundamentação crítica às “Dimensões do Conhecimento” em “Arte”, ainda que Ana Mae Barbosa
tenha tecido severas críticas à apropriação de suas ideias, de forma não contextualizada e
parcial, e à utilização de sua proposta como organizadora de conteúdos disciplinares
segmentados, e não como base no fazer e na prática artística escolar (Barbosa, 2014; Barbosa,
2015). Para tanto, seguimos uma linha temporal e conceitual compartilhada pela própria
pesquisadora, na qual as proposições desta abordagem apresentam-se pelos livros A imagem
no Ensino da Arte (Barbosa, 2014), originalmente publicado em 1991, Tópicos utópicos (Barbosa,
1998), e, por fim, Abordagem Triangular no ensino das artes e culturas visuais, que apresenta um
conjunto de artigos e pesquisas sobre ela no âmbito da Educação Básica (Barbosa; Cunha,
2010).
Ana Mae Barbosa é uma pesquisadora brasileira e professora aposentada da Escola de
Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), considerada um dos maiores
nomes da Arte-Educação no país e responsável por sistematizar a denominada “Abordagem
Triangular” proposta pedagógica imaginada como um organismo articulado pela
interdependência entre a leitura crítica, a contextualização e a produção artística, realizada a
partir do diálogo entre professores e estudantes. Essa abordagem emerge no contexto do XIV
Festival de Inverno de Campos do Jordão, em 1983 (única edição do evento, dedicada aos
professores de “Educação Artística”) e desenvolve-se, inicialmente, durante a gestão da
educadora e pesquisadora no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
entre os anos de 1987 e 1993, conforme descrito pela própria professora:
Foi no esforço dialogal entre o discurso pós-moderno global e o processo
consciente de diferenciação cultural também s-moderno que no ensino
da arte surgiu no Brasil a abordagem que ficou conhecida como
Metodologia Triangular, uma designação infeliz, mas uma ação
reconstrutora sistematizada no Museu de Arte Contemporânea da USP
(87/93), mas cujo processo se iniciou, cheio de dúvidas e contra as certezas
da época no Festival de Inverno de Campos do Jordão, em 1983 (Barbosa,
2014, 26).
Para suas concepções, a pesquisadora baseia-se nas reflexões suscitadas pelo filósofo norte-
americano John Dewey e, principalmente, no pensamento do patrono da educação brasileira, o
professor e pesquisador Paulo Freire. A partir de Dewey, destaca-se o campo da materialidade e
da experiência prático-artística sem deixar de acrescentar contrariamente à interpretação
da comunidade arte-educacional brasileira a interligação com contextos sociais, culturais e
históricos. Nesse sentido, a prática artística deve vir acompanhada de símbolos herdados
culturalmente, constituindo uma experiência representativa/simbólica ampliada e enriquecida,
integrando o que se observa e o que se cria com aquilo que vai além da experiência comum e
instantânea. Ao campo Freireano, a “Abordagem Triangular” dedica a ideia de contextualização
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histórica como promoção de sentido de pertencimento a uma cultura ou comunidade. Além
disso, destaca a leitura crítica do contexto e da prática artística como caminho para o
desenvolvimento de um olhar ativo sobre o mundo, ao encontro de uma pedagogia
problematizadora que busca, questiona e descobre (Barbosa, 2014; Barbosa, 2015).
Ademais, utilizamo-nos de embasamentos mais estreitos e relacionados com a área da
Educação Musical, objetivando diálogos com as concepções suscitadas pela Abordagem
Triangular e por Ana Mae Barbosa, uma vez que a autora desenvolveu pesquisas
majoritariamente na área das Artes Visuais. Para determinado fim, adentramos nos trabalhos do
professor e pesquisador inglês Keith Swanwick e em quatro de suas publicações mais
difundidas: A Basis for Music Education (Swanwick, 1979); Música, Mente e Educação (Swanwick,
2014), livro publicado em língua inglesa no ano de 1988 e traduzido para o português em 2014;
Teaching Music Musically (Swanwick, 1999), que conta com uma versão traduzida para língua
portuguesa, mas não consultada por este trabalho1; e A Developing Discourse in Music
Education: the selected works of Keith Swanwick (Swanwick, 2016), que se apresenta como uma
coletânea de artigos do autor, publicados entre 1989 e 1999. Dentre suas teorizações mais
relevantes, uma se destaca a fim de permitir e facilitar o acesso dos estudantes à “experiência
musical” por meio do que se desenvolve em sala de aula. Seria a denominada abordagem
“C(L)A(S)P”2, que apresenta possibilidades que podem ser desdobradas de forma integrada
pelas mais diversas práticas pedagógico-musicais tendo a composição, apreciação e
interpretação como principais focos –, envolvendo-se por elementos importantes, como a
literatura musical e a técnica. Swanwick desenvolveu uma série de teorizações e pesquisas no
campo da Educação Musical na Educação Básica, discutindo-a a partir de fundamentações nos
campos da Filosofia, Sociologia e Psicologia, sendo uma referência nas tratativas
contemporâneas sobre desenvolvimento, valor cognitivo e conhecimento musical (Swanwick,
1979; Costa, 2010).
Ainda neste diálogo com a Educação Musical, elencamos a abordagem Orff-Schulwerk, uma
proposta imaginada pelos compositores e educadores alemães Carl Orff e Gunild Keetman, que
alia as “aprendências” musicais/corporais às experiências e culturas da criança, em uma unidade
artística e, consequentemente, pedagógica, chamada de “Música Elementar” concepção que
considera indissociável a ligação entre música, oralidade/literatura/palavra, dança/movimento e
criação/improvisação. Trata-se de uma propositiva que vincula o fazer musical” com o contexto
histórico/social/cultural da criança, com as possibilidades de negociação de sentidos e
(re)construções em grupo, e com abertura para as tomadas de decisão e o protagonismo dos
estudantes (Hartmann, 2021). Sendo uma proposição calcada na experiência prática, a
abordagem Orff-Schulwerk considera a (re)significação das crianças em suas próprias realidades
e a partir do(s) conhecimento(s) e cultura(s) histórica e socialmente construídos, constituindo,
1“Ensinando Música Musicalmente” nome à tradução para língua portuguesa deste livro de
Keith Swanwick. Publicado inicialmente pela Editora Moderna, em 2003, a partir do trabalho das
professoras Alda Oliveira e Cristina Tourinho.
2C Composição; (L) Literatura musical; A Apreciação; (S) Técnica; e P Interpretação
(Swanwick, 1979, tradução nossa).
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Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
dessa forma, uma Educação Musical contextualizada e crítica. Para tanto, embasamo-nos em
quatro publicações lançadas no espaço temporal dos últimos quinze anos, acessando os livros
Textos sobre Teoría y Práctica del Orff-Schulwerk Textos Básicos de los años 1932-2010
(Haselbach; Machat; Sastre, 2011); Abordagem Orff-Schulwerk: história, filosofia e princípios
pedagógicos (Cunha; Carvalho; Maschat, 2015); Orff-Schulwerk in Diverse Cultures: An Idea that
Went Round the World (Haselbach; Stewart, 2021); e Looking At the Roots: A guide to
Understanding Orff-Schulwerk (Hartmann, 2021).
Assim, as abordagens “Triangular”, Orff-Schulwerk e “C(L)A(S)P” convergem-se à medida que
consideram, de forma descompartimentada e não-metódica, a experiência artístico-musical, a
necessidade de alargamento de domínio da linguagem artística para (re)significações da prática,
a leitura e o protagonismo acerca do mundo-da-vida dos estudantes, a negociação de sentidos
em grupo/coletivo, a contextualização histórica, social e cultural e o acesso e crítica aos mais
diversos saberes artísticos construídos por grupos sociais. Elencamos tais autores nas
fundamentações sobre os conhecimentos musicais escolares por vincularem-se, de forma crítica
e mais aprofundada, ao que propõe as “Dimensões do Conhecimento Artístico”, da BNCC e do
Currículo Paulista, imbuindo, pelo menos neste artigo, elementos mais conectados às
especificidades do conhecimento musical, aos aspectos crítico-sociais e às concepções de
problematização, significação e leitura do mundo-da-vida dos estudantes por meio da Arte. A
dificuldade em vincular abordagens a documentos normativos esbarra em suas naturezas de
desenvolvimento (fora do contexto político-pedagógico da BNCC e do Currículo Paulista) e na
complexidade de compartimentar a experiência e o conhecimento musical em parâmetros
específicos. Entretanto, foi um desafio que julgamos relevante a fim de apresentar diálogos
prático-teóricos na superação de lacunas e problemáticas apresentadas por Del-Ben e Pereira
(2019) e Pereira e Loponte (2019).
2. Breve contexto histórico-político da BNCC e do Currículo Paulista
A política curricular, aspecto da política educativa que estabelece a forma de selecionar, ordenar
e aglutinar experiências e conhecimentos dentro do sistema educacional, no entendimento do
pesquisador José Gimeno Sacristán (2000), pode ser um condicionamento da realidade prática
da escolaridade básica. Com devida importância na compreensão sobre as formas de exercer a
hegemonia cultural do Estado e com papel condicionante na mediação escolar, este
aglutinamento epistemológico e cultural prescrito, enquanto documento de regulação,
estabelece possíveis paradoxos com as (re)significações e vivências advindas do cotidiano
escolar. Afinal, nas concepções de Michael Apple (1996, 59), o conjunto de conhecimentos
incluídos em documentos nunca se apresentam de forma neutra, mas parte de uma tradição
seletiva de grupos que entendem sua legitimidade.
Nesse sentido, ainda que não seja o objetivo central deste artigo, discutimos brevemente neste
tópico a interdependência dos campos político e histórico da BNCC e do Currículo Paulista para
o Ensino Fundamental, considerando que tais informações podem contextualizar discussões de
ordem epistemológica. Neste contexto, aquelas que se debruçam sobre concepções
apresentadas por um trecho dissertativo presente nos documentos para “Arte” no Ensino
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Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
Fundamental, nomeado como Dimensões do Conhecimento”. Pois, fundamentar e analisar
documentos curriculares pode expor tensões entre normatização, organização escolar e
concepções de práticas pedagógicas.
A linha de desenvolvimento da BNCC torna-se mais incisiva no ano de 2013 com a alteração do
artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a partir da Lei n. 12.7963(ainda que
outros termos legais, desde a Constituição Federal de 1988, apresentem esta concepção de
base curricular comum), inserindo uma referência à Base Nacional Comum para currículos da
Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (Brasil, 2013). Foi durante esse
período que se constituiu, sob iniciativa da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, o
Grupo de Trabalho sobre “Direitos à aprendizagem e ao Desenvolvimento”, objetivando
contribuir com o debate da base nacional comum a partir de um amplo diálogo com profissionais
de redes públicas de ensino e com informações curriculares produzidas por esses agentes, tal
como com investigadores de diversas universidades e entidades de pesquisa em Educação.
O grupo de trabalho citado serviu como referência primária para a constituição de uma
Comissão de Especialistas designada a desenvolver a primeira redação da base nacional comum,
que, após o debate com a sociedade, foi encaminhada ao Conselho Nacional de Educação
(CNE), em 2016. A consulta à sociedade cívico-educacional acontece por meio de um endereço
online, nomeado como “Portal da Base”, e resulta na computação de mais de quatorze mil
contribuições advindas das redes de ensino no Brasil (Pereira; Loponte, 2019).
Para tanto, o grupo constituído por especialistas trabalhou no refinamento das sugestões e
discussões em prol de representação e aglutinamento das culturas curriculares de diferentes
áreas de ensino e, sob essa perspectiva, foram apresentadas a primeira e a segunda versão da
base nacional comum que sofreria, durante seu processo, a avaliação e os pareceres críticos
por parte de comissões de assessores, especialistas e associações científicas (a exemplo da
leitura crítica das proposições para a “Música” dentro do componente curricular “Arte” –, que
ficou sob responsabilidade da Profa. Dra. Luciana Del-Ben, vinculada à Universidade Federal do
Rio Grande do Sul; ou da realização, em 2015, do “Fórum sobre o ensino de música na proposta
da Base Nacional Comum Curricular”, que aconteceu sob organização da Associação Brasileira
de Educação Musical, na Universidade de Brasília).
Anterior à terceira e última versão do documento, estava prevista a realização de 27 seminários
nos estados da federação e no Distrito Federal, contando com a presença de assessores e
especialistas para aquela que seria a versão final a ser entregue ao CNE (Pereira; Loponte, 2019).
Entretanto, uma articulação parlamentar bastante contestada acabou por destituir o governo da
então presidente Dilma Rousseff, fato que alterou o curso das ações de trabalho sobre a BNCC e
resultou na formação de um novo grupo do qual nenhum dos profissionais anteriormente
3“Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base
nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade,
da cultura, da economia e dos educandos” (LDB, Brasil, 2013).
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ligados às linguagens constitutivas dos diferentes componentes curriculares da base nacional fez
parte.
A ruptura via impeachment serviu para estremecer as bases da então democracia brasileira, e
caracterizou a quebra no plano de governo da presidente da época, Dilma Rousseff, aos
conformes de uma nota publicada no dia 22 de julho de 2022, na qual a ex-presidente destaca
as evidências de uma articulação tramada por seu vice e companheiro de chapa eleitoral, Michel
Temer (MDB), que passou a adotar políticas públicas não condizentes com o programa de
governo do Partido dos Trabalhadores (PT); evidenciou-se, assim, uma “traição ao voto popular”
(Carta Capital, 20224). Nesse sentido, o que poderia ter sido a constituição mais democrática de
uma base nacional comum educacional a ser referenciada pelas redes de ensino dos entes
federativos transformou-se em um documento obrigatório, com caráter de prescrição do
conhecimento a partir de aprendizagens mínimas essenciais. Muda-se, portanto, de base
nacional comum para Base Nacional Comum Curricular”, com a aprovação do texto para
Educação Infantil e Ensino Fundamental, em dezembro de 2017:
A versão final da BNCC apresenta uma forte ruptura com o trabalho que
vinha sendo realizado até então. Com o impeachment da presidenta Dilma
Rousseff, houve uma substituição da equipe que conduzia os trabalhos da
BNCC, que resultou no encerramento dos diálogos que vinham sendo feitos
com as associações de área e na adoção de uma orientação
completamente diferentes das versões anteriores. A mudança foi assumir a
organização curricular a partir de competências, levando à substituição dos
“objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” por “habilidades (Pereira;
Del-Ben, 2019, 200).
Sob um novo contexto político e com a atuação massiva de organizações não-governamentais,
em 22 de dezembro de 2017 é publicado pelo Conselho Nacional de Educação (órgão integrante
do Ministério da Educação - MEC), a resolução CNE/CP 2, responsável por instituir e orientar
“a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo
das etapas e respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica” (Brasil, 2017). A BNCC,
neste contexto apresentada nas etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental, tem por
característica a proposição obrigatória de um conteúdo mínimo de aprendizagens a ser adotado
nos planos curriculares federal e de secretarias estaduais, municipais e suas respectivas
instituições de ensino. Por conseguinte, configura-se como documento de base curricular
oficial como um composto de significâncias e, consequentemente, controvérsias, uma vez que
representa a tentativa de certa mediação entre as situações reais do contexto escolar e a
proclamada como desejável pelo menos à vista de seus promulgadores e prescritores.
Em sua versão final, a BNCC para “Arte” no Ensino Fundamental retoma desmerecimentos
normativos para a Educação Musical, descontinuando proposições, discussões e lutas travadas
4Trecho de reportagem publicada no jornal online Carta Capital”, em 22 de julho de 2022.
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/dilma-rebate-temer-nao-engana-mais-
ninguem-a-historia-nao-perdoa-a-traicao/>. Acesso em: 8 ago. 2022.
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Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
pelos diversos contextos educacionais e por agentes especializados (Abem, 2016; Iavelberg,
2018; Oliveira; Penna, 2019; Del-Ben; Pereira, 2019; França, 2020; Coutinho; Alves, 2020). Por
exemplo, temos a destituição da Música como disciplina e sua designação como “Unidade
Temática” do componente curricular “Arte”, o número reduzido de habilidades e a não
especificação por anos escolares ou ciclos, e sim por etapas. Entretanto, tal como Pereira e Del-
Ben (2019), cremos que os significados e sentidos da Educação Musical movem-se em um
campo de permanente disputa, e que a BNCC, por meio de seu caráter normativo, representa
uma oportunidade para refletir sobre os modos de desenvolver os espaços garantidos à sica
na Educação Básica, ainda que de forma não consensual nem definitiva.
Ainda em uma perspectiva histórico-política, o Currículo Paulista” é uma normativa curricular
estadual publicada em agosto de 2019. Trata-se de um documento que se desenvolve no
contexto da BNCC e, conceitualmente, deveria considerar as produções de saberes advindas
das escolas públicas e privadas do Estado de São Paulo. O documento passou a ser adotado
em meio à Deliberação CEE/SP 169/2019 como um “Documento de Referência Curricular
Estadual”, tendo sido organizado por meio de um Conselho formado em diálogo com
representações das redes pública e privada dos municípios do Estado. De acordo com Etelvino e
Lemes (2021), a elaboração do currículo se dá em um regime de trabalho entre o MEC, o
Programa de Apoio à Implementação da BNCC (ProBNCC), a Secretaria da Educação do Estado
de São Paulo (SEDUC-SP), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e a
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de o Paulo (UNDIME). Essa rede de
colaboração, portanto, foi responsável por mediar formações e utilizar questionários para coleta
de sugestões advindas de agentes educacionais do Estado que acabaram por corroborar, em
um índice de 90,8%, com o que foi originalmente proposto pelo Grupo de Trabalho de
desenvolvimento do documento (São Paulo, 2019).
Com a redação realizada pelos professores Carlos Eduardo Povinha e Luiz Carlos Tozetto, o
“Currículo Paulista” para a “Arte”, diferentemente da BNCC, considera a “Música” como uma
“linguagem” deste componente curricular, suprimindo a criticada alcunha de “Unidade Temática”
utilizada pelo documento nacional. Ainda assim, esse registro não garante, em âmbito estadual,
a promoção de concursos para professores da disciplina, ficando a cargo das secretarias
municipais terem ou não a “Música” como parte da formação de seus educandos. Ademais, o
“Currículo Paulista” para Arte, em contrapartida à BNCC, apresenta habilidades voltadas para
cada ano escolar do Ensino Fundamental, considerando algumas especificidades culturais do
estado de São Paulo. Por fim, ele transpõe, na sua integralidade, as proposições das
“Dimensões do Conhecimento Artístico”, da BNCC, trecho aqui discutido por nosso artigo,
mantendo o mesmo tratado teórico/conceitual.
3. As Dimensões do Conhecimento Artístico”
Trecho dissertativo da BNCC e do Currículo Paulista, as “Dimensões do Conhecimento Artístico”
aparecem como uma proposição do componente curricular “Arte” desde a primeira versão da
Base Nacional Comum Curricular. Sua gênese fundamenta-se a partir da coleta de materiais
relacionados aos saberes produzidos pelas redes de ensino dos entes federativos, metodologia
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Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
de trabalho característica da primeira etapa de desenvolvimento do registro normativo nacional.
A partir do arcabouço recolhido, a comissão responsável pela redação do componente curricular
“Arte”, da então base nacional comum, propôs as “Dimensões do Conhecimento” como uma
revisitação conceitual dos Parâmetros Curriculares Nacionais da década de 1990, destacando
que: “A Arte se caracteriza por trabalhar com o processo criativo em suas diferentes linguagens,
com o fazer, o fruir e a reflexão sobre o fazer e o fruir” (Apresentação do Componente
Curricular Arte, rascunho, 2015 apud Pereira; Loponte, 2019, 178, grifo nosso).
Com o avanço e amadurecimento dos debates conceituais, a comissão redatora do componente
curricular “Arte” decidiu formular uma proposição que abarcasse um “horizonte comum” entre as
diversas linguagens artísticas, sem deixar de considerar suas respectivas particularidades. Dessa
forma, chegaram à elaboração da síntese das denominadas “Dimensões do Conhecimento em
Arte”, descritas, inicialmente, conforme o trecho abaixo:
DIMENSÕES DO CONHECIMENTO
1. Experimentar maneiras de explorar o espaço, o tempo, o som, o silêncio, o corpo,
o gesto, o movimento, a cor, a luz e os materiais ESTESIA.
2. Explorar modos de criação a partir de distintas formas de usar/refletir/usar o
espaço, o tempo, o som, o silêncio, o corpo, o gesto, o movimento, a cor, a luz e
os materiais EXPRESSÃO.
3. Criar acontecimentos artísticos em artes visuais, dança, música, teatro e em suas
práticas híbridas e transversais CRIAÇÃO.
4. Fruir diferentes produções artísticas e culturais e distintas experiências sensíveis
FRUIÇÃO.
5. Refletir sobre as fruições, experiências e explorações criativas REFLEXÃO.
6. Estabelecer relações críticas entre as experiências e manifestações artísticas e
culturais em diferentes tempos e espaços, proporcionando vivências de
estranhamento ante o mundo CRÍTICA (Pereira; Loponte, 2019, 180-181).
Pereira e Loponte (2019) relatam que essas dimensões deveriam servir como eixos de
aprendizagem nas etapas da Educação Básica, podendo ser priorizadas, evidenciadas ou
suprimidas de acordo com a pertinência das práticas cotidianas dos grupos em seus contextos
social e cultural, tendo as experiências constituídas pelas materialidades verbais, não-verbais,
sensíveis, corporais, visuais, plásticas e sonoras. Ademais, as referidas “Dimensões do
Conhecimento” seriam parte do texto de apresentação do componente curricular “Arte”, sendo
responsáveis pela organização e operação dos “Objetivos de Aprendizagem e
Desenvolvimento5 para as distintas linguagens artísticas.
Assim, desde os primórdios de seu desenvolvimento, é possível observar um agrupamento
conceitual paralelo à triangulação apresentada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais6para
5Na etapa de Ensino Fundamental, o termo “Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento” é
substituído por “Habilidades” com a publicação da versão da BNCC para a Educação Infantil e
Ensino Fundamental, em 2017, e com a publicação do Currículo Paulista, em 2019.
6Os Parâmetros Curriculares Nacionais são documentos publicados entre os anos de 1997 e
1999, sem caráter obrigatório, porém referenciais na orientação das práticas pedagógicas e
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
Arte no e ciclo, hoje correspondente ao Ensino Fundamental Anos Iniciais, valendo como
organização do constructo de nosso referencial teórico em prol de diálogos mais aprofundados
com as proposições publicadas da BNCC e do Currículo Paulista. Iavelberg (2018), por exemplo,
compreende que as referidas dimensões do conhecimento (criação, crítica, estesia, expressão,
fruição e reflexão) podem ser paralelamente organizadas aos eixos de aprendizagem propostos
pelos PCN-Arte para e ciclo (fazer, fruir e refletir), uma vez que estas também representam
uma articulação experiencial e epistemológica nas novas proposições curriculares para o ensino
artístico. Para tanto, organizam-se comparativamente da seguinte forma:
Quadro 1 Esquema comparativo entre os eixos de aprendizagem significativa dos PCN e as dimensões do
conhecimento artístico da BNCC
PCN
Eixos de aprendizagem significativa
Fazer
Fruir
Refletir
BNCC
Dimensões do conhecimento
Criação
Expressão
Estesia
Fruição
Crítica
Reflexão
Referência: Iavelberg (2018, 76).
A organização conceitual da qual nos valemos se na “criação e expressão”; estesia e
fruição” e crítica e reflexão”, em consonância com os apontamentos de Iavelberg (2018) e
corroborada pelo rascunho abaixo:
As práticas de “estesia e fruição”, “criação e expressão” e“reflexão e crítica”
constituem as unidades de conhecimento dos componentes Artes Visuais e
Plásticas, Música, Teatro e Dança. Em um sentido amplo e ao longo de todas as
etapas escolares, as unidades de aprendizagem envolvem o trabalho com os
objetivos na profundidade e complexidade necessárias para abordar os
conteúdos e experiências que serão objeto de estudo dos estudantes e para
possibilitar a participação confiante e autoral no campo de atuação em foco [...]
compreende-se que o ensino das Artes deve articular, de forma indissociável e
simultânea, três dimensões do conhecimento em Arte que deveriam permitir, em
sua indissociabilidade e simultaneidade mesma, a singularidade da experiência
estética: “estesia e fruição”, “expressão e criação” e “reflexão e crítica”. Vale
ressaltar que não nenhuma hierarquia entre essas dimensões, tampouco uma
ordem necessária para trabalhar com elas no campo didático (Unidades de
Conhecimento do Componente Arte, Acesso Restrito, 29 de junho de 2015 e 11
de agosto de 2015 apud Pereira; Loponte, 2019, 181-182).
A versão da BNCC, publicada em 2017, assim como o Currículo Paulista, retomam as seis
nomeações das Dimensões do Conhecimento Artístico originalmente propostas pelos grupos
de trabalho das versões anteriores da Base Nacional Comum, porém, realizando, por meio de
formulações de currículos das mais diversas instâncias educacionais ideia normatizada pela
Constituição Federal de 1988 (artigo 210) e reafirmada pela Lei de Diretrizes e Bases, de 1996
(artigo 9º, par. IV).
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
seu texto descritivo, diversas modificações em relação àquelas inicialmente desenvolvidas. Del-
Ben e Pereira (2019) e Pereira e Loponte (2019) são dois dos referenciais que apresentam as
principais problemáticas do texto aprovado, balizando a justificativa de nossas fundamentações
a partir dos contrapontos com as abordagens Triangular, C(L)A(S)P e Orff-Schulwerk. Para os
autores, a versão final das “Dimensões do Conhecimento Artístico”, da BNCC:
(i) Configura-se como um trecho dissertativo descontextualizado dentro do
componente curricular “Arte”. Não qualquer tipo de relação explícita no
documento entre o que propõe as “Dimensões” e os objetos de
conhecimento e habilidades que “devem” ser materializados nas práticas
cotidianas da escola;
(ii) Desconsidera as especificidades de cada linguagem artística ao não abordar
possíveis contextos de uma Educação Musical escolar, já discutida
coletivamente no Brasil;
(iii) Possui um caráter ligado à individualidade, experiência estética e à
sensibilidade, desconstituindo o caráter social, coletivo e político da Música.
Consideramos, assim, proposições de saberes artísticos que podem
apresentar sentidos com maior potencial para a (re)construção de outras
(re)significações curriculares para a Música”.
Na tentativa de perpassar uma proposição voltada à individualidade e experiência estética,
julgamos relevante situar essas perspectivas que não são descartáveis, mas que necessitam de
ampliação e uma interpretação condizente com alguns autores. Para tanto, recorremos a uma
fundamentação dentro do campo da Filosofia para entender, especificamente, aquilo que trata
sobre a “experiência estética”, buscando atrelá-la ao campo epistemológico da Educação
Musical escolar7. Segundo Kraemer (2000), os “Aspectos Filosóficos” sobre a estética da música
são responsáveis por procurar a essência, o motivo, o sentido do ser e a posição do indivíduo no
mundo. Essa busca por sentido ou explicações sobre a relação da pessoa com a música são
esclarecidas, de acordo com o autor, pela “estética”:
As posições pedagógico-musicais são dependentes das opiniões sobre sentido
musical, que são esclarecidas pela estética. A pedagogia da música tem
perguntas sensíveis sobre a percepção e sobre o conhecimento, sobre
julgamento estéticos, sobre o pensamento, sobre a maneira de agir e sentir,
sobre o conhecimento do caráter linguístico e icônico da música, sobre a
experiência corporal e estética, sobre a ética e cultura com vistas a abarcar os
problemas de apropriação e transmissão da música. Entre suas tarefas está a
reflexão sobre os problemas de normas e valores, assim como os respectivos
conceitos musicais utilizados na prática (Kraemer, 2000, 53).
7O campo epistemológico da Educação Musical escolar desdobra-se sobre a explicitude acerca
da constituição de uma disciplina com corpo de conhecimentos compartilhados, valorados e
justificados, partindo das inter-relações entre a Música, a Filosofia, a Estética, a Antropologia, a
História, a Psicologia, a Sociologia, a Pedagogia, dentre outras áreas que ajudam a promover
reflexões consistentes sobre temas essenciais do campo (Aquino, 2021).
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
A “experiência estética” na “Arte” define-se, segundo Dewey (2010), como uma abertura e
atitude que se relaciona com a contemplação ativa da “coisa”, atribuindo juízo ao sentimento
que esse objeto ou acontecimento produz no sujeito. Ela desdobra-se a partir do olhar do criador
e daquele que frui o público –, implicando em perspectivas que consideram o domínio da
linguagem, da técnica, da prática e da ampliação do repertório cultural, culminando, assim, nas
possibilidades de compreensão da própria experiência. Na proposição da BNCC, essas
possibilidades de abertura, atitude, juízo e entendimento das experiências artísticas perpassam
todo o trecho dissertativo das “Dimensões do conhecimento artístico” (criação e expressão;
estesia e fruição; crítica e reflexão). Entretanto, deixa de considerar, em dissonância com Dewey
(2010), as necessidades de ampliação e domínio da linguagem como forma de alargar as
vivências e produções artísticas da sala de aula, conforme veremos a partir das análises de Ana
Mae Barbosa (2014; 2015).
Posto as problemáticas do referido trecho dissertativo, buscamos ampliar os diálogos teóricos a
partir de proposições que consideramos relevantes para a Educação Musical e Artística,
entrelaçando as ideias do pesquisador e professor inglês Keith Swanwick, da professora e
pesquisadora brasileira Ana Mae Barbosa e dos arte-educadores e compositores alemães Carl
Orff e Gunild Keetman. Caminhamos no tópico a seguir para uma interligação entre os termos e
proposições da BNCC e do Currículo Paulista, com o que defendem e atribuem, para o ensino
artístico e musical na escolaridade básica, os pesquisadores Keith Swanwick, Ana Mae Barbosa,
Carl Orff e Gunild Keetman, ainda que a compartimentação de suas ideias seja algo delicado de
ser feito nesse contexto. Conforme citado anteriormente, relacionar documentos curriculares
com autores específicos não é uma tarefa simples a considerar os contextos histórico e político
de desenvolvimento da BNCC e do Currículo Paulista –, mas necessária em prol do
estabelecimento de subsídios teóricos mais relevantes.
4. Criação e expressão
O desenvolvimento da “criatividade” foi tido, segundo relatos de Ana Mae Barbosa (2014), como
o objetivo principal do ensino artístico de mais 2.500 professores da rede pública de São Paulo
(em um levantamento realizado durante o ano de 1983). De acordo com a autora, o conceito de
“criatividade” compartilhado à época era enfatizado a partir de práticas de “autoliberação”,
“originalidade” e organização de pensamentos”, destituído de qualquer ligação que aquela
produção poderia ter com o contexto social e arcabouço cultural na qual estivesse inserida.
Logo, é a partir de tais concepções que se inicia a inquietação da pesquisadora para o
convencimento de um preceito completamente relevante para o ensino artístico/criativo no Brasil:
os artistas-educandos devem se utilizar de produções de outros artistas, concomitantemente à
compreensão de sua própria realidade, a fim de simbólica/artisticamente representar traços
espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam os seus ou determinados
grupos sociais, modos de vida, sistemas de valores, tradições e crenças, ampliando, assim, a
livre-expressão suscitada pelo pensamento arte-educativo da época.
A compreensão da Arte na escola como o “reino do vale-tudo”, em nome da liberdade da
emoção, caracteriza-se pela lacuna de um processo arte-educativo emancipatório que leve a
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
comunidade escolar a produções mais elaboradas, considerando a apreensão e compreensão
do mundo real também por meio das dimensões estética e artística. Ainda nesse sentido, o
pensamento de Ana Mae Barbosa ressalta que a utilização de produções contextualizadas
caminha junto a uma perspectiva na qual o “fazer” e o “criar” perpassam a mera releitura de
obras “eruditas” e imbuem-se de empoderamento e indagações acerca das próprias realidades e
como são interpretadas mundo afora. Dessa forma, criaria-se uma educação que fortalece a
diversidade cultural naquilo que difere identidades, e não naquilo que as unem a partir de
concepções historicamente arraigadas pelo olhar do “colonizador”. Assim, tal como a proposta
“triangular” destaca, os atos de criar e se expressar dependem da leitura crítica do mundo e da
contextualização histórico-cultural na qual ela está inserida para, então, haver um sentido.
No campo epistêmico-musical, Keith Swanwick (1979) apresenta em seu livro A Basis for Music
Education8, concepções sobre “criatividade” atreladas à proposição “C(L)A(S)P” e destacadas
pela letra “C” (de composition). Ao delinear sua abordagem, o autor salienta que a composição”
a que ele se refere não está relacionada somente àquela passível de registro e notação, mas a
qualquer forma de invenção musical, tal como a improvisação (que se caracteriza como
produções mais fluidas com a linguagem musical/cultural, que faz parte da bagagem de quem
cria). Nesse sentido, Swanwick (1979) compreende, inicialmente, que criação musical por meio
da composição seria, basicamente, o ato de produzir musicalmente a partir da organização
expressiva e consciente de materiais sonoros.
Além disso, o autor considera que o criar musicalmente tende a ser um processo divergente,
sem previsibilidade, e que caminha para novas maneiras de se ver aquilo que é conhecido,
transformando aquele material musical em algo diferente do que fora experimentado. A ação
criativa estaria ligada a uma série de requerimentos de fluência, flexibilidade, originalidade,
sensibilidade aos problemas, redefinição desses e elaboração. Fluência”, nesse sentido, define-
se como a articulação dos altos fluxos de ideias e possibilidades musicais de forma organizada e
monitorada, enquanto a “flexibilidade” estaria relacionada com as formas como o indivíduo
encara a produção sonora diante da necessidade de divergência ou ruptura de ideias. o termo
“originalidade” levanta mais discussões, uma vez que práticas criativas não necessariamente
apresentam ideias absolutamente novas, sendo mais aceitável considerar que, o que realmente
importa nos momentos criativos em Música, é o salto dado para se atingir novos produtos
significativos para o indivíduo e para o grupo em que se tal prática. Por fim, a “elaboração”
atrela-se à habilidade de sustentar o desenvolvimento de uma ideia musical diante das
necessidades enfrentadas ou requeridas (Swanwick, 1979).
Nesse sentido, práticas criativas carregam a imagem de novas experiências musicais ante
performances ou apreciações passivas, perpassando tais requerimentos que podem ser
relevantes em um primeiro momento –, mas que se esgotam frente à ideia de um ensino musical
crítico e participativo. Ademais, para o autor, as possibilidades de criação de conexões entre o
que fora produzido historicamente com as práticas musicais negociadas em grupo exaltariam a
coletividade e partilha, tão relevantes para o ensino musical escolar. Assim, com a criação,
8“Uma base (fundamento) para Educação Musical” (tradução nossa).
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
aqueles que praticam ou apreciam música têm a oportunidade de criar mundos alternativos de
experiência. Para uma educação musical criativa, de se considerar as disposições
particulares dos indivíduos envolvidos, suas ideias musicais específicas, os recursos para
operacionalização e as habilidades e influências sociais (Swanwick, 1979).
no contexto da abordagem Orff-Schulwerk, reside a centralidade de proposições criativas
atreladas à unidade artística da música, linguagem e movimento, enfatizados nos diálogos e
negociações em grupo, e nas dimensões coletivas da sala de aula por brincadeiras, jogos,
práticas e movimentações. Para Cunha, Carvalho e Maschat (2015), criar, improvisar e tomar
decisões são elementos essenciais à abordagem, que dão às crianças possibilidades de
apropriação, protagonismo e (re)leitura de suas próprias produções artísticas, assim como
daquelas de outros. Portanto, a aula de música no contexto orffiano9considera as (re)criações
rítmicas, literárias, harmônicas, melódicas e corporais de forma descompartimentada, com
amplo espaço para (re)significação daquilo que é existente, promovendo diálogos e leituras de
produções artísticas social e culturalmente contextualizadas e seus novos sentidos na dimensão
grupal da sala de aula. Tal como destaca Hartmann (2021), ensinar, pela Orff-Schulwerk, é
ensinar pela criatividade.
Para as materialidades da sala de aula, as proposições pela Orff-Schulwerk podem abarcar as
mais simples tomadas de decisão da criança por exemplo, ao se relacionar com um texto, uma
pequena melodia, um pulso compartilhado ou criações com as devidas elaborações, a partir do
repertório cultural e de experiências carregadas pelos grupos. Nesse desenrolar, acontecem as
contextualizações e leituras das produções ali vivenciadas, vinculando o que foi compartilhado
com o que veio e virá pelas negociações e diálogos em sala de aula. Assim, destitui-se um
caráter de mera reprodução e abre-se espaço para a compreensão das tomadas de decisão via
experiências e vivências grupais/individuais, resultando na elaboração de novos materiais
musicais/corporais/literários/orais em um processo artístico e pedagógico contextualizado e
discutido coletivamente (Hartmann, 2021).
Por conseguinte, não deixamos de considerar, segundo os escritos de Mosca, Pucci e Silva
(2021), que a dimensão orffiana no Brasil tem buscado dar centralidade às potencialidades
criativas de uma música tradicional e popular diversa e contextualizada em culturas e regiões. É
pela improvisação e (re)leitura dos nossos textos e histórias, via oralidade e literatura, no entoar
de nossas canções e brincadeiras, nas diversas danças, movimentações e interações infantis, no
uso e produção criativa de instrumentos musicais, que os saberes musicais são (re)significados
pelos atores da sala de aula:
Professores orffianos no Brasil se consideram mediadores de práticas
pedagógico-musicais, e não condutores de uma atividade. sempre espaço
para o diálogo, olho no olho [...]. Nesse contexto de uma absoluta riqueza e
diversidade musical, a Orff-Schulwerk no Brasil une a concepção necessária de
contextualização e apreciação das produções artísticas locais para o desenrolar
da práxis musical. Diálogos interculturais com o uso do canto, movimento e
9Aquilo que diz respeito às ideias da Abordagem Orff-Schulwerk.
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
improvisação corroboram por uma Educação Musical ativa que respeita e
valoriza a diversidade e as capacidades criativas (Mosca; Pucci; Silva, 2021, 7310).
O texto sobre Criação11”, da BNCC e do Currículo Paulista (São Paulo, 2019, 155), deixa de
mencionar, por exemplo, a leitura crítica necessária para aquilo que diz respeito à materialidade
de ideias, desejos e representações artísticas por meio das práticas criativas. Assim,
compreender a própria realidade e tratar da contextualização histórica daquilo que está sendo
colocado em jogo de forma crítica são essenciais para uma prática que vai além de uma livre-
expressão criativa e emocional, imbuindo-se de elementos da linguagem musical culturalmente
posicionados e analisados.
a “Dimensão do Conhecimento Artístico” atrelada à “expressividade” carrega consigo
elementos mais delicados, com o risco de uma compreensão equivocada do que pode ser a
Educação Musical dentro desse sentido. Swanwick (1979), por exemplo, discorre sobre a
dificuldade de compreender a prática musical como mera “expressão” por entender que isso
pode desencadear uma dificuldade em avaliar e desenvolver as experiências musicais. Se
considerarmos o aspecto prático-musical, ainda que a criança selecione, relacione e coloque
intenções culturalmente contextualizadas à sua criação ou performance sonora “expressando”
algo –, não podemos afirmar que seus pares (no contexto coletivo) tenham compreendido a
mensagem imbuída naquela produção. Dessa forma, reduzir o “fazer musical” como “expressão
individualizada” pode acarretar uma lacuna de possibilidades de negociação de significados
mediados pela música e pela coletividade.
Outra interpretação delicada, elencada pelo autor, diz respeito à ideia de equiparar a “expressão
musical” a um descarregamento, uma catarse sentimental, ou a um momento de reequilíbrio
emocional. Essas categorias são reações possíveis ao “fazer/ouvir música”, mas que são
desprovidas de desenvolvimento, com finalidades que suprimem a coletividade imbuída na
Educação Musical escolar, voltando-se para aspectos intimamente individuais. Em Música, esse
“exibicionismo sentimental” de quem faz música em conformidade com os termos de
Swanwick (1979) é dificilmente reconhecido, de forma assertiva, por quem a escuta/aprecia (e
vice-versa), a exemplo de um gesto, das feições ou das palavras sendo a prática musical um
momento possível de “autoexpressão”, mas passível de descontinuidade interpretativa pelo
10 “Orff-Schulwerk teachers in Brazil consider themselves mediators of music-pedagogical actions,
and not as conductors of musical activity. There is always the dialogue, the eye to eye […]. In this
context of absolute musical richness and diversity, the Orff Schulwerk approach in Brazil connects
its base in the appreciation of traditional sources for the development of musical praxis.
Intercultural dialogue, the use of singing, dancing, movement, and improvisation, confirms the
importance of an active music education that respects and values this diversity and creative
capacity” (Mosca; Pucci; Silva, 2021, 73).
11Criação: refere-se ao fazer artístico, quando os sujeitos criam, produzem e constroem. Trata-
se de uma atitude intencional e investigativa que confere materialidade estética a sentimentos,
ideias, desejos e representações em processos, acontecimentos e produções artísticas
individuais ou coletivas. Essa dimensão trata do apreender o que está em jogo durante o fazer
artístico, processo permeado por tomadas de decisão, entraves, desafios, conflitos, negociações
e inquietações (São Paulo, 2019, 155).
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
“receptor” da mensagem, necessitando de outros elementos para uma negociação de sentidos.
Dessa forma, Barbosa (2014) defende sua concepção sobre epistemologia da Arte como algo
que entrelaça a “expressão” e a “experimentação” com aspectos do conhecimento histórico e
da decodificação do que se faz e aprecia. Para a autora, a “autoexpressão” deve estar atrelada a
uma ideia de “busca de semelhança/diferença” e não de “cópia” –, proporcionando uma
Educação Artística que fornece informação e possibilidade de leitura/discussão crítica, uma vez
que o conhecimento histórico e contextual.
Na abordagem Orff-Schulwerk, destaca-se um movimento que une as capacidades individuais
da criança às centralidades da dimensão grupal. É no compartilhamento e na vivência do cantar,
dançar, tocar, ouvir e criar em grupo que os significados da prática e expressão vão sendo
negociados e contextualizados. Assim, a individualidade e a autoexpressão” têm elevada
importância dentro de produções e práticas criativas negociadas entre pares, (re)criando novas
culturas artísticas na sala de aula. Para além dos aspectos pedagógicos, produzir música em
grupo, no contexto orffiano, vai ao encontro de uma característica comum em diversas culturas e
sociedades que vivenciam arte em sua coletividade, como interação e comunicação (Regner,
2011).
A partir das visões compartilhadas, podemos traçar um paralelo com o trecho dissertativo
proposto pela BNCC e Currículo Paulista para a “Expressão12”. Essa “Dimensão” é descrita
como uma possibilidade de exteriorização e manifestações de criações subjetivas a partir dos
elementos constitutivos da linguagem artística, indo, contrariamente, à ideia da necessidade de
contextualização para que os significados dessa manifestação sejam negociados,
compreendidos e valorados na coletividade da sala de aula. Marcos Villela Pereira (2011)
pesquisador contemporâneo de John Dewey no Brasil destaca que a “criação” e a “expressão”,
objetos de natureza prática, implicam sob as condições de domínio da linguagem, da técnica e
de uma matéria elementos que se constituem a partir de contextos históricos, sociais e
culturais e que, justamente, não aparecerem incisivamente nas proposições normativas da
BNCC e do Currículo Paulista. Além disso, outro ponto a ser discutido a partir do texto dos
documentos é: se as exteriorizações e manifestações criativas são de âmbito coletivo, logo,
negociadas, como tais podem, então, ser subjetivas? uma incongruência nessa parte do
texto que até traz um apontamento às concepções de Barbosa, Swanwick e da Orff-Schulwerk
mas que o é destrinchada, tampouco explicitada, entregando superficialidade a um termo
que, conforme anteriormente tratado, carrega interpretações difusas e delicadas.
5. Estesia e fruição
As “Dimensões do Conhecimento” abordadas neste tópico seriam, conforme suas descrições na
BNCC e no Currículo Paulista, aquelas com caráter individual mais acentuado considerando
12Expressão: refere-se às possibilidades de exteriorizar e manifestar as criações subjetivas por
meio de procedimentos artísticos, tanto em âmbito individual quanto coletivo. Essa dimensão
emerge da experiência artística com os elementos constitutivos de cada linguagem, dos seus
vocabulários específicos e das suas materialidades (São Paulo, 2019, 155).
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
que “Estesia13 e “Fruição14 são conceitos intimamente ligados à sensibilidade e à experiência
direta. Nesse sentido, iniciamos as discussões recorrendo aos conceitos tratados por Barbosa
(2015) em uma leitura a partir das concepções de John Dewey sobre a “experiência estética”.
A má-compreensão do trabalho Deweyano15 é, segundo Barbosa (2015), uma das principais
razões às críticas atribuídas ao filósofo norte-americano, destituindo importantes contribuições
que suas concepções podem proporcionar ao ensino da Arte e à Educação, de maneira geral.
Dewey remontou ao ambiente escolar discussões sobre a aproximação entre o que se
ensina/aprende com os traços desejáveis de formas de vida social que realmente existem,
“[servindo-se] destes para criticar os aspectos indesejáveis e propor modificações” (Barbosa,
2015, 69). Entretanto, seu enfoque na “vida prática”, em nenhum momento, deixou de considerar
fatos, ideias e signos cultural e historicamente constituídos. Estes são, nas palavras de Barbosa
(2015), essenciais para ampliação do significado da experiência imediata.
As controvérsias sobre os textos de “Estesia” e “Fruição” da BNCC e do Currículo Paulista se
dão, justamente, pelo caráter destituído de ampliação e de transformação da experiência. Pelo
contrário, o que aparenta é que o simples “vivenciar arte” basta em um ambiente escolar básico,
que deve considerar nove anos de escolaridade na etapa do Ensino Fundamental (ainda que a
operacionalização desse ensino seja prejudicada pela histórica abordagem polivalente em Arte
no Brasil). Dessa forma, vivenciar a arte é algo que não faz parte unicamente da sala de aula,
mas que, nesse contexto, pode ser ampliado para o aumento da capacidade da criança em
orientar sua percepção e compreensão entre as infinitas possibilidades experienciais.
Swanwick (2016) entende que a “experiência estética” origina-se, essencialmente, da percepção
intuitiva que temos em determinado cenário, ou seja, da percepção de uma determinada
situação, vivência ou ideia, essencial para a construção daquilo que o autor chama de
“conhecimento lógico”. Esse primeiro plano, para ele, não deve ser desprezado, pois é a base do
conhecimento experiencial e, portanto, essencial para ir além daquilo que o conhecimento
sistematizado e o ensino factual e histórico nos trazem. Essa ideia de “primeiro plano também é
abarcada por Dewey (2010) em “Arte como Experiência”, ao descrever as relações que temos
com as experiências cotidianas:
Temos de chegar à teoria da arte por meio de um desvio. É que a teoria diz
respeito à compreensão, ao discernimento, não sem exclamações de admiração
13Estesia: refere-se à experiência sensível dos sujeitos em relação ao espaço, ao tempo, ao som,
à ação, às imagens, ao próprio corpo e aos diferentes materiais. Essa dimensão articula a
sensibilidade e a percepção, tomadas como forma de conhecer a si mesmo, o outro e o mundo.
Nela, o corpo em sua totalidade (emoção, percepção, intuição, sensibilidade e intelecto) é o
protagonista da experiência (Brasil, 2017, 194; São Paulo, 2019, 155).
14Fruição: refere-se ao deleite, ao prazer, ao estranhamento e à abertura para se sensibilizar
durante a participação em práticas artísticas e culturais. Essa dimensão implica disponibilidade
dos sujeitos para a relação continuada com produções artísticas e culturais oriundas das mais
diversas épocas, lugares e grupos sociais (Brasil, 2017, 195; São Paulo, 2019, 155).
15Aquilo que diz respeito às concepções educacionais do filósofo e professor norte-americano
John Dewey.
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
e sem o estímulo da explosão afetiva comumente chamada de apreciação. É
perfeitamente possível nos comprazermos com as flores, em sua forma colorida
e sua fragrância delicada, sem nenhum conhecimento teórico das plantas. Mas
quando alguém se propõe a compreender o florescimento das plantas, tem o
compromisso de descobrir algo sobre as interações do solo, do ar, da água e do
sol que condicionam o seu crescimento. Para compreender o estético em suas
formas supremas e aprovadas, é preciso começar por ele em sua forma
bruta; nos acontecimentos e cenas que prendem o olhar e ouvido atentos
do homem, despertando seu interesse e lhe proporcionando prazer ao olhar
e ouvir (Dewey, 2010, 62, grifo nosso).
Em relação às ideias da Abordagem Triangular”, Barbosa (2014) reitera que elementos
meramente envolvidos com os sentidos, a sensorialidade e as emoções imbuem à arte-
educação um desprezo pelo interesse no “social”. Essa tradição esteve presente durante muitos
anos no ensino artístico brasileiro, que necessitava de uma ampliação via “leitura” concepção
que perpassa a ideia de “apreciação” ou “abertura”. Para a pesquisadora, “ler arte” se por
meio de uma linguagem e a partir de um campo de sentido decodificável, ainda que, muitas
vezes, individualista. Por isso, o “arrepio”, ou “suspiro romântico”, no contato com a arte nos
termos da autora necessita de uma contextualização para além da apresentação do histórico
da obra e do artista, visando situá-la em um contexto que produza sentido na vida daqueles
que a observam, [permitindo] que cada um encontre, a partir da obra apresentada, seu devir
artista” (Barbosa, 2014, 34).
Pela abordagem Orff-Schulwerk, observarmos a ênfase em um ensino/aprendizagem musical e
da dança por meio de aspectos práticos, ou seja, no qual as artes são vivenciadas e produzidas
de forma ativa e participativa. Assim, as experiências particulares e coletivas o são passivas
ou apreciadas à distância, de forma contemplativa, mas sim (re)significadas por meio das
diversas possibilidades produtivas que a unidade artística da abordagem proporciona. De fato, a
Orff-Schulwerk sempre destacou um ensino musical atrelado ao aspecto emocional e sensível
como elementos conaturais às artes. Entretanto, ao encontro das discussões acima, proposições
orffianas majoritariamente consideram o caminhar conjunto aos aspectos intelectuais e sociais,
caracterizando uma Educação Musical contextualizada e permeada de saberes culturalmente
(re)construídos, tal como destacado por Cunha, Carvalho, Maschat (2015, 46): “À
experimentação estão ligadas ações como propor, descobrir, criar, refletir, às quais, por sua vez,
está inerente a noção de que sentir, pensar, agir e comunicar implicam aspetos físicos,
sensoriais, intelectuais e sociais”.
Por fim, no paralelo traçado por Swanwick, Barbosa e a Orff-Schulwerk, “fruição” e “estesia”
seriam “primeiro plano”, “intrínsecas” e “conaturais” ao conhecimento artístico, tal como em
outras áreas do conhecimento considerando que se trata de uma relação individualizada e
intuitiva no contato e experiência com qualquer objeto, não somente com a música, ainda que
consideremos perspectivas pedagógico-musicais cujas possibilidades práticas contribuem para
o acesso e comunicação a um plano experiencial, emocional e sensível. Entretanto, destacá-los
como dimensões de saberes pode até fazer bastante sentido no contexto da BNCC (documento
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
que tem por característica a ênfase em competências socioemocionais), mas que pode acarretar,
novamente, em má-interpretações nos contextos prático e político, colocando a simples
“vivência em arte” como suficiente para o cumprimento daquilo que é proposto no Currículo
Oficial desembocando em aprendizagens superficiais ou simplificadas dentro de contextos
formativos ou estruturais insuficientes –, ou caracterizando um ensino artístico
desintelectualizado e desinteressado nas produções e leituras histórica, social e culturalmente
contextualizadas.
6. Crítica e reflexão
As “Dimensões” da “Crítica16 e da “Reflexão17 ressaltam o estabelecimento de valores acerca
daquilo que é produzido ou vivenciado artisticamente pelos indivíduos nos mais diversos
espaços em que vivem. Dentre eles, podemos elencar a “sala de aula”, referenciando a
concepção de Swanwick (2014) ao tratar a educação formal como inevitavelmente formadora da
“crítica musical”. Para o autor, a escolaridade, a partir dos encontros musicais mediados pelo
docente, podem auxiliar no desenvolvimento de habilidades de reflexão sobre o que se faz ou o
que se ouve. Dewey (2010, 525) amplia essa concepção ao tratar a “crítica” como “uma busca
de propriedades do objeto que possam justificar a reação direta [...]”, com seu juízo dependente
da experiência da matéria objetiva e por propósito o aprofundamento dessa experiência tanto
por quem faz, quanto para quem vivencia a arte. A função da crítica, nesse sentido, seria de
reeducar a percepção primária das obras de arte. Dewey (2010) e Swanwick (2014), então,
revelam a necessidade de ampliação do repertório de experiências como essencial para o
desenvolvimento de uma crítica mais consciente:
Pelo conhecimento de uma variedade de condições, o crítico se
conscientiza da imensa variedade de materiais utilizáveis (já que foram
utilizados) na arte. É poupado do juízo apressado de que tal ou qual obra é
esteticamente errada, por ter um material com que ele não está
acostumado, e, ao deparar com um trabalho cuja matéria não tenha
precedentes que possam descobrir, ele toma o cuidado de não emitir uma
condenação precipitada (Dewey, 2010, 528-529).
Ainda que tais autores abordem a ampliação da experiência objetiva como essencial para a
formação crítica, esses deixam de elencar uma perspectiva advinda de Ana Mae Barbosa
(Barbosa, 1984 apud Barbosa; Cunha, 2010) e a Abordagem Triangular. Logo, a falta de reflexão
16Crítica: refere-se às impressões que impulsionam os sujeitos em direção a novas
compreensões do espaço em que vivem, com base no estabelecimento de relações, por meio do
estudo e da pesquisa, entre as diversas experiências e manifestações artísticas e culturais
vividas e conhecidas. Essa dimensão articula ação e pensamento propositivos, envolvendo
aspectos estéticos, políticos, históricos, filosóficos, sociais, econômicos e culturais (São Paulo,
2019, 155).
17Reflexão: refere-se ao processo de construir argumentos e ponderações sobre as fruições, as
experiências e os processos criativos, artísticos e culturais. É a atitude de perceber, analisar e
interpretar as manifestações artísticas e culturais, seja como criador, seja como leitor (São Paulo,
2019, 155).
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
histórica e cultural sobre os significados do próprio trabalho artístico pode levar o criador ao
isolamento e à incapacidade de confrontar suas produções com as dos outros e, assim, deixar
de desenvolver a possibilidade de fornecer informações para sua própria leitura e para quem a
aprecia. A Abordagem Triangular guarda em si a ideia de “pedagogia problematizadora” em uma
“leitura” aliada à contextualização histórica/social/cultural do que é “lido”, buscando
questionamentos e descobertas: “Esse seria o caminho para o exercício e desenvolvimento de
um ‘olhar ativo’ (medir, definir, caracterizar, interpretar, em suma, pensar) sobre o mundo e para
as imagens que o constituem” (Bredariolli, 2010, 34). Machado (2010, 65-66), assim, destaca
dois dos eixos do triângulo propostos por Ana Mae Barbosa que teriam impacto direto no
alargamento das concepções dessas “Dimensões”:
O eixo da LEITURA refere-se aos encontros com obras de arte e outras tantas
construções simbólicas das culturas envolvendo, por exemplo, desde espaços
urbanos, meios de comunicação até objetos utilitários. Esse eixo nomeia, então,
a aprendizagem da experiência estética, que envolve também nosso contato
com formas da natureza. O exercício da percepção está presente também no
processo de produção de formas artísticas, assim como na reflexão sobre arte,
visto que sua característica fundamental tem a vivacidade do instante, da
observação de qualidades, da curiosidade, do movimento, que o diversos
aspectos daquilo que John Dewey denomina de qualidade estética da
experiência verdadeiramente humana. O eixo da CONTEXTUALIZAÇÃO, que eu
chamo de contextualizações, abarca as ações que focalizam, por meio da
reflexão, os diferentes contextos da arte: a história, a cultura, circunstâncias,
histórias de vida, estilos e movimentos artísticos. Trata-se da aprendizagem de
formulações sobre o fenômeno artístico em diferentes planos de realidade e de
acordo com diferentes níveis de compreensão. Esse eixo contém, assim, uma
ampla gama de discursos, fruto da pesquisa teórica, da leitura de formas e da
pesquisa durante o processo do fazer artístico (Machado, 2010, 65-66, grifo
nosso).
Contudo, não podemos deixar de considerar alguns apontamentos relevantes de Barbosa nas
proposições da Abordagem Triangular. Como leitura “crítica”, há a necessidade de ressaltar a
relevância das ideologias dominantes e seus papéis na reprodução cultural e social na educação,
visando a construção de um processo contraideológico e decolonizador. Além disso, considera-
se a ênfase nas constituições das identidades e diferenças (de gênero, etnia, orientação sexual),
apontando para o conhecimento de questões multiculturais por meio da arte (Azevedo, 2010).
Sobre o termo “reflexão”, Barbosa (2014) havia tecido um juízo em sua adoção pelos PCN ao
discorrer que a evidenciação dessa “Dimensão” aparenta que o “fazer arte” é destituído de
processos cognitivos, estando simplesmente atrelado a impulsos e suspiros naturais.
A “contextualização histórica” também não deve ser confundida com a “verbalização” ou com o
compartilhamento de informações históricas lineares e absolutas, com pouco espaço para
significação da produção artística da criança. Nesse sentido, Swanwick (1979) considera em sua
abordagem C(L)A(S)P que a “literatura musical (entre parênteses, representada pela letra “L”)
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
deve se referir aos estudos teóricos sobre música, a incluir a história, a crítica, estilos e técnicas,
e que sua abordagem faz sentido se aliada à experiência musical, permitindo que novos
conhecimentos ajudem a compreender melhor as produções e apreciações, sejam dos
intérpretes, dos compositores ou dos ouvintes.
Pela abordagem Orff-Schulwerk, temos um trabalho calcado na experiência prática e atrelada ao
diálogo e à contextualização. Ora, se os pressupostos da abordagem residem na coletividade e
negociação de significados, conforme apontamos anteriormente, é fato que um amplo espaço
para a problematização, reflexão e crítica sobre o que se produz e vivencia. Portanto,
(re)significar saberes e práticas artísticas (aliando música, dança, oralidade, literatura,
improvisação, criação e contexto) é uma das grandes características da Orff-Schulwerk, o que
oportunizaria momentos de criticidade e acesso às diversas histórias, circunstâncias e
movimentos que fazem sentido aos processos e produtos da sala de aula: “sem estar
enquadrada na cultura de uma região/país, a abordagem OS [Orff-Schulwerk] pode não fazer
sentido, dada a importância contextual que esta atribui à valorização do saber popular enquanto
cultura gerada e desenvolvida ao longo dos séculos, em estreita relação com o ciclo de vida das
gentes” (Cunha, 2004 apud Cunha; Carvalho; Maschat, 2015, 49).
Por fim, em análise aos textos do Currículo Paulista para as duas “Dimensões”, entendemos que
o trecho referente à “Reflexão” poderia estar a partir das concepções que elencamos neste
tópico dentro do texto dedicado à “Crítica”. Para os Currículos Oficiais, reflexão” diz respeito
à construção de argumentos a partir das experiências artísticas que se com a articulação
envolvendo aspectos estéticos, políticos, históricos, dentre níveis de compreensão
(apontamentos presentes no texto para “Crítica”). Ademais, de se ressaltar uma lacuna nos
trechos sobre “crítica” e “reflexão” quando referidos às óticas decolonial e identitária na
construção de possíveis “leituras críticas” sobre a arte desde os anos iniciais do Ensino
Fundamental.
7. Considerações finais
Destacamos neste artigo os referencias da BNCC e do Currículo Paulista para “Música” nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental, suscitando, brevemente, os contextos político e histórico
pelos quais o desenvolvimento e a promulgação desse documento normativo se deram. Para
tanto, caminhamos das mediações políticas para as bases conceituais do registro com foco em
um trecho dissertativo e propositivo do componente curricular “Arte”, denominado “Dimensões
do Conhecimento Artístico”, e formulamos generalizações a partir das discussões e
fundamentações advindas das abordagens “Triangular”, “C(L)A(S)P” e Orff-Schulwerk. Dessa
forma, diante do arcabouço teórico apresentado neste artigo, sintetizamos as seguintes
concepções.
Para “Criação”, demanda-se a utilização e o compartilhamento de outras produções artísticas
como forma de compreender e contextualizar a realidade de quem faz e vivencia a música em
sala de aula, tendo representações de traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que
caracterizam modos de vida, tradições e crenças ampliando, dessa forma, uma autoexpressão.
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
Essas produções caminham no campo decolonial, no qual o fazer” e o “criar” perpassam a
releitura de obras ditas “eruditas” e imbuem-se de empoderamento e indagações acerca das
próprias realidades e como são interpretadas pelas diversas sociedades. Criatividade, portanto,
seria o ato de produzir musicalmente a partir da organização expressiva e consciente de
materiais sonoros. Este é um processo de tende a ser divergente, sem previsibilidade, e que
caminha para novas maneiras de ver aquilo que é conhecido, transformando os materiais
musicais em algo diferente do que fora experimentado. Logo, as proposições criativas abarcam
a unidade artística da música, a linguagem e o movimento, enfatizadas por diálogos coletivos,
negociados em grupo, nas dimensões da sala de aula, em brincadeiras, jogos, práticas e
movimentações. Além disso, residem nas tomadas de decisão da criança ao se relacionar com
um texto, uma pequena melodia, ou um pulso compartilhado, considerando, para além das
próprias experiências e vivências, uma centralidade e potencialidade da música local, tradicional,
popular e diversa.
a “Expressão” não pode ser confundida com um descarregamento ou uma catarse
sentimental, ainda que essas reações sejam possíveis no fazer musical. Ela se na produção e
experimentação musical da criança, entrelaçadas ao conhecimento histórico e da decodificação
do que se faz e/ou aprecia. Expressividade, então, é um movimento que une as capacidades
individuais da criança às centralidades da dimensão grupal, no compartilhamento e na vivência
de cantar, dançar, tocar, ouvir e criar em grupo, com negociações de sentido que transformam
as “autoexpressões” em culturas musicais e artísticas da sala de aula, de forma conjunta. Em
continuidade, “Fruição” e “Estesia” são, de fato, primeiros planos e conaturais ao fazer artístico,
tratando-se de relações individualizadas e intuitivas no contato e na experiência musical.
Entretanto, essa experiência sensível é uma forma bruta essencial e que demanda alargamentos
com ênfase no interesse pelos aspectos sociais. Para tanto, a música caminha sob a noção de
linguagem, com campo de sentido decodificável e negociável e, sob essa perspectiva, os
arrepios e suspiros românticos no contato com arte devem ser expandidos, de maneira que
produzam sentidos artísticos e humanísticos na vida dos estudantes. Reduzir o conhecimento
artístico aos aspectos sensíveis pode desembocar em aprendizagens superficiais ou
simplificadas, caracterizando um ensino desintelectualizado e desinteressado nas produções e
leituras histórica, social e culturalmente contextualizadas.
Em relação à “Crítica” e “Reflexão”, elas ressaltam o estabelecimento de valores acerca daquilo
que é produzido ou vivenciado musicalmente pelos indivíduos e grupos nos espaços em que
vivem. A educação formal pode ser formadora de uma “crítica musical”, tendo, a partir da
qualidade dos encontros musicais mediados, o desenvolvimento de aptidões reflexivas sobre o
que se faz ou se ouve. A crítica é uma busca às propriedades artísticas que justificam reações ou
produções; por essa razão, suscitar óticas decoloniais enfatizam, por exemplo, leituras críticas
acerca da relevância de ideologias dominantes e seus papéis na reprodução social e cultural.
Entendemos que os termos da “Crítica” e “Reflexão se confundem com muitas tratativas da
dimensão reflexiva imbuídas no campo crítico visto que a construção de argumentos, a partir
das experiências artísticas, podem ocorrer na articulação com aspectos estéticos, políticos,
históricos e identitários.
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Santos, Cassiano Lima da Silveira; Mendes, Adriana do Nascimento Araújo.
Contrapontos epistemológicos entre as concepções do conhecimento de arte na BNCC e propostas arte-educativas”
Novamente, reiteramos as dificuldades na articulação entre as proposições das abordagens
Triangular, C(L)A(S)P e Orff-Schulwerk e as “Dimensões do Conhecimento Artístico”, da BNCC e
do Currículo Paulista, por não terem sido desenvolvidas em meio à promulgação do documento
e por não apresentarem prescrição e compartimentação do conhecimento artístico/musical
usualmente propostas em normativas curriculares. Ana Mae Barbosa, especificamente, teceu
críticas à utilização descaracterizada e descontextualizada de suas ideias nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, da década de 1990. Dessa forma, destacamos que não gostaríamos de
desrespeitar o parecer da pesquisadora nesse sentido, sendo que intencionamos analisar
criticamente a política curricular para a Educação Musical, buscando sentidos mais conectados
às discussões apresentadas por relevantes abordagens.
Os saberes pedagógico-musicais são amplos, diversos, disputados e suas (re)significações se
dão por meio das vivências da sala de aula, nas interações entre os atores escolares. Assim,
defendemos que, na adoção de um documento curricular a fim de promover um acesso
democrático a uma educação musical de qualidade, tal como a BNCC e o Currículo Paulista se
propuseram inicialmente, é essencial assegurar a formação continuada e reflexiva a partir dos
saberes também constituídos pelos cotidianos escolares, valendo-se em suas realidades.
A BNCC e o Currículo Paulista configuram-se, neste momento, como uma força motriz de
mudança educacional a partir da visão de grupos influentes restritos e específicos, que
concentraram, sob suas batutas, a missão de estabelecer bases curriculares prescritas que
apresentam lacunas diante do que foi produzido por agentes especializados (pesquisadores,
universidades, associações e fóruns), por concepções arte-educativas, e pelas instituições
escolares no Brasil (visto o processo de desenvolvimento do documento, que sofreu uma ruptura
conceitual e metodológica).
Em consonância com Ivor Goodson (2013), temos que o desenvolvimento da BNCC não cumpriu
com a combinação de métodos históricos e etnográficos relevantes para o desenvolvimento de
um documento teórico de mudança, que consideraria uma equilibração entre relações externas
(discussões do campo econômico e social) e relações internas (circunstâncias históricas e
distintas da educação escolar). Afinal, ainda que essa transformação oficial e prescrita tenha sido
estabelecida de forma legal e sistemática, o poder de desenvolvimento do que é proposto passa
a residir nas escolas e em seus atores que, apesar da homogeneização de documentos
curriculares nacionais, criam (re)significações dentro de suas crenças, disputas, interações,
vivências e contextos sociais e individuais.
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