Sotuyo Blanco, Pablo. Modelos pré-composicionais na música do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria do Porto
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eISSN 2317-6377
Modelos pré-composicionais na música do Mosteiro de
São Bento da Avé-Maria do Porto
Precompositional models in the Avé-Maria Benedictine monastery in Oporto
Pablo Sotuyo Blanco1
psotuyo@ufba.br
1Universidade Federal da Bahia, Departamento de Música, Salvador, Bahia, Brasil
ARTIGO CIENTÍFICO
Editor de Seção: Fernandp Chaib
Editor de Layout: Fernando Chaib
Licença: "CC by 4.0"
Data de submissão: 31 out 2024
Data final de aprovação: 22 dez 2024
Data de publicação: 10 fev 2025
DOI:https://doi.org/10.35699/2317-6377.2025.55599
RESUMO: No âmbito do projeto de pesquisa “AVEMUS: a música em estilo concertante no antigo Real Mosteiro de
São-Bento da Avé-Maria do Porto”, do CESEM-UNL, este artigo apresenta os resultados quanti-qualitativos do estudo
dos modelos pré-composicionais presentes no escopo específico do repertório selecionado pelo referido projeto,
baseados no conceito de modelo pré-composicional e sua metodologia de análise musicológica contextual
desenvolvida por mim ao longo do tempo (cf. Sotuyo Blanco 2003; 2004; 2007).
PALAVRAS-CHAVE: Real Mosteiro de São-Bento da Avé-Maria do Porto; Música portuguesa; Modelos Pré-
Composicionais.
ABSTRACT: Within the boundaries of the research project “AVEMUS: music in concertante style in the former Royal
Monastery of São-Bento da Avé-Maria at Oporto”, by CESEM-UNL, this article presents the quantitative and qualitative
results of the study of pre-compositional models present in the specific scope of the repertoire selected by the
aforementioned project, based on the concept of pre-compositional model and its methodology of contextual
musicological analysis developed by me over time (cf. Sotuyo Blanco 2003; 2004; 2007).
KEYWORDS: Royal Monastery of São-Bento da Avé-Maria at Oporto; Portuguese music; Pre-compositional models.
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1. Introdução1
Fundado em 1518 pelo Rei D. Manuel de Portugal, a construção do Real Mosteiro de São Bento da
Avé-Maria do Porto (ou Mosteiro da Encarnação, como também ficou conhecido) começou no
mesmo ano ao lado da Porta dos Carros, uma das principais vias de acesso da cidade.2Após a
conclusão das obras entre 1527 e 1528, foi somente em 1536 que a vida conventual teve início com
monjas oriundas dos mosteiros de São Cristóvão de Rio Tinto, Salvador de Tuías, Salvador de Vila
Cova das Donas e Santa Maria de Tarouquela.3A primeira Abadessa foi D. Maria de Melo, monja
oriunda de Arouca e Abadessa do Mosteiro de Tarouquela. Na primeira metade do século XVII, o
mosteiro passou pela expansão da Igreja e do Coro, dentre outras obras então empreendidas. No
entanto, em 1783 o Mosteiro foi parcialmente consumido por um incêndio que atingiu a Igreja e a
sacristia, assim como os coros alto e baixo, que precisaram ser reconstruídos. Em junho de 1994,
mesmo com os trabalhos em fase final, a igreja foi reinaugurada. Segundo Pinho (2000, v1, 159-160)
D. Lourenço de mandou, em Junho de 94, benzer a igreja [...]. Desempenhou tais
funções Manuel Lopes Loureiro, Provizor do Bispado. [...] Dois dias antes do S.
João (22 de Junho), o Santíssimo recolheu à nova casa acompanhado de luzidia
procissão [...]. Houve sermão dito por Frei Bartolomeu Brandão e vésperas cantadas
por seis padres.
no século XIX, a Reforma Eclesiástica Geral de 1834 determinava a extinção de todos os
conventos, mosteiros, colégios e hospícios de todas as ordens, embora os conventos e mosteiros
femininos poderiam permanecer, sem poder aceitar nenhuma noviça4, até a morte da última
1Texto resultante da palestra proferida durante o Simpósio Musica Monialium, realizado no Museu
Nacional Soares dos Reis na cidade de Porto em julho de 2024. Agradeço a Rosana Marreco Orsini
Brescia e Marco Brescia pelo convite para integrar a equipe, aos colegas do projeto AVEMUS pela
cooperação, ao CESEM-NOVA junto à FCT, assim como à Universidade Federal da Bahia, pelos
apoios recebidos.
2A documentação textual do mosteiro de S. Bento da Avé-Maria do Porto encontra-se hoje
repartida entre Torre do Tombo e o Arquivo Distrital da cidade do Porto, incluindo não apenas a
documentação do mosteiro como também a dos cenóbios a ele anexados. Cf. Portal Português de
Arquivos, 2024.
https://portal.arquivos.pt/record?id=oai%3APT%2FTT%3A4380605&s=%270aa4K%27
3O projeto incluía também as monjas de Vairão, mas estas recusaram a transferência. Cf. Arquivo
Distrital do Porto. Fundo Convento de São Bento de Avé-Maria Porto. Código
PT/ADPRT/MON/CVSBAMPRT. 2024.
https://pesquisa.adporto.arquivos.pt/details?id=484226. Ao leitor interessado, sugerimos ler Martins
2001
4A partir do Decreto de 5 de agosto de 1833 era proibido o ingresso de noviças em qualquer ordem
sacra. (cf. Chronica Constitucional de Lisboa 1833, 47).
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religiosa. Em 17 de maio de 1892 morria D. Maria da Gloria Dias Guimarães, última monja do Real
Mosteiro de São Bento da Avé-Maria, na cidade de Porto.5
Com o encerramento definitivo das atividades musicais no mosteiro, o acervo documental
musicográfico foi transferido para, pelo menos, dois destinos. Enquanto a maior parte da música
manuscrita foi para a Biblioteca Nacional de Portugal (em diante, BNP), boa parte dos livros de
cantochão (breviários, graduais, etc.) foram destinados ao Arquivo Histórico do Ministério das
Finanças (localizado na Torre do Tombo). Embora estudos prévios tenham abordado diversos
aspectos do antigo mosteiro e sua música (cf. Vieira s.d. e 1900; Lessa 1998; Pinho 2000; Martins
2001a e 2001b; Conde e Lessa 2015; Ferreira 2015; 2019), não constam estudos dos manuscritos
preservados como conjunto documental musicográfico e, ao mesmo tempo, em seus detalhes
musicais, explorando assim esta valiosa fonte de investigação musical e musicológica ainda
desconhecida tanto pela comunidade científica, quanto pelo público geral. Nesse sentido, o projeto
AVEMUS6propôs o estudo e resgate do corpus de manuscritos musicais entre 1775 e 1829
pertencentes ao referido mosteiro, localizadas na BNP e, nesse contexto, me coube a análise dos
modelos pré-composicionais presentes no repertório identificado.
2. Sobre o repertório
Do total da documentação musical acumulada ao longo do tempo pelo Real Mosteiro de São Bento
da Avé-Maria do Porto, se estima que apenas uma parte chegou até nós (cf Lessa, 1998, 510). No
entanto, esse remanescente do fundo musicográfico pertencente ao antigo mosteiro é muito
significativo. Infelizmente, quando em fins do culo XIX os manuscritos chegaram à Biblioteca
Nacional de Portugal, eles não foram devidamente catalogados num único fundo assim
identificando a sua proveniência. Para agravar a situação, ainda com as obras não catalogadas,
Ernesto Vieira elaborou uma “Lista de obras de compositores portugueses pertencentes ao
Mosteiro da Avé-Maria” sem, no entanto, informar os critérios utilizados para a sua elaboração.
Ainda, a lista deixada por Vieira não contém a descrição exaustiva das informações constantes nos
manuscritos. Faltam nomes de compositores, ano de composição ou dedicatórias a monjas
específicas do antigo cenóbio portuense. Por outro lado, alguns dos manuscritos conservados na
BNP trazem um carimbo azul escrito “Avé-Maria Porto”, o qual, a partir de estudo mais aprofundado,
parece ter sido acrescentado aos mesmos após a sua chegada à BNP sem um critério definido e
uniforme, desfortunadamente (talvez por indução da lista de Vieira). Isto se constata em obras que
apresentam características instrumentais e estilísticas mais próximas da prática musical do
5Segundo Lessa (1998, 510) “A extinção das Ordens monásticas em Portugal, no ano de 1834.
contribuiu para a quase total destruição dos bens patrimoniais. incluindo as riquíssimas bibliotecas
e os fundos musicais dos mosteiros. Restam-nos hoje [...] ínfima parte do que existia, de acordo
com o que se conhece da vida das comunidades conventuais.” Se perderam também os votos de
profissão, repertório que Fernandes (1997/98) chamou à atenção em outros mosteiros beneditinos
femininos portugueses.
6Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto 2022.01889.PTDC. DOI 10.54499/2022.01889.PTDC
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Convento de Santa Clara do Porto, onde se chegou a cantar com acompanhamento de três órgãos,
o que não ocorreu em São Bento da Avé-Maria, que chegou a contar com apenas dois. (Brescia
2021)
No âmbito do presente projeto, com o intuito de identificar de maneira confiável e certeira o corpus
documental outrora executado no antigo Real Mosteiro de São Bento da Avé-Maria do Porto e face
às vicissitudes acima referidas no tratamento do espólio em causa tanto por Vieira quanto pela BNP,
se decidiu considerar apenas as obras que apresentassem referências nominais a monja beneditina
específica, à “Mestra de Capela de São Bento”, às Beneditinas Portuenses” ou “Para São Bento”;
além de obras dedicadas à Santa Escolástica, que, embora não apresente dedicatória explícita, não
poderia provir de outro cenóbio feminino pertencente a outra ordem religiosa. Cientes do facto de
que algumas obras sem dedicatória provavelmente provêm do antigo mosteiro da Avé-Maria do
Porto, não resta dúvida de que o considerável corpus de 74 partituras estudadas7permite-nos ter
uma ideia bastante precisa do alto nível técnico e artístico alcançado pelas reclusas da Avé-Maria
na transição dos séculos XVIII e XIX, segundo exigido pelo repertório produzido por diversos
autores.
3. O que são Modelos Pré-Composicionais?
Modelos Pré-Composicionais (ou MPCs) se definem como um conjunto de princípios e/ou fatores
que existem a priori dentro do mundo criativo do compositor - conscientemente ou não - que
condiciona sua obra musical e pode se refletir de alguma forma (e ser, então, reconhecido) no
produto compositivo. Esse conjunto de princípios e/ou fatores pode vir tanto da tradição oral como
da tradição escrita (ou das duas), podendo tanto se manter ou se modificar, isto é, interagindo entre
si no criador (seja ele consciente ou não do processo), para se refletir, de alguma forma, no produto
composicional. Na repetição frequente desse processo se acrescentam as manipulações do próprio
“ser criativo em devir” (o criador, seja um indivíduo ou um coletivo), que podem, ou não, se integrar
posteriormente às tradições envolvidas. Em outros termos, ele inclui tudo aquilo que o compositor
sabe e/ou conhece, ou mesmo que apela (voluntária ou involuntariamente) das diversas tradições,
que possa ter relação com a criação para um repertório determinado, e que poderá fazer parte dos
MPCs de outros compositores ou dele próprio, no futuro.
Os MPC se agrupam ao redor de alguns aspectos macroestruturais sobre os quais eles influem:
texto, orquestração, prática/estilo, etc., propondo possíveis relações entre MPC dogmáticos (MPCd)
ou pragmáticos (MPCp) entre eles e as decisões criativas finais do compositor (Sotuyo Blanco 2003,
7-9; 169-170). Ainda, tanto no âmbito dos MPCd quanto dos MPCp foram detectados MPC
relativos a três níveis de organização musical: macro-organizacionais, organizacionais e micro-
7A lista completa das obras, assim como outros detalhes do projeto, contexto histórico e gravações
modernas, pode ser conferida em https://www.avemus.org
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organizacionais. Cada uma das classes de MPCs incluídas no nível macro-organizacional origina
desdobramentos em tipos e sub-tipos nos outros níveis de organização. (Figura 1).8
Figura 1 Esquema taxonômico relacional dos MPCs.
Fonte: Sotuyo Blanco 2007, 98.
4. Identificando MPCs no repertório
O repertório em estudo, segundo informado acima, consta de 74 obras compostas
fundamentalmente por compositores portugueses no período entre segunda metade do culo XVIII
e início do século XIX, sendo a grande maioria das peças analisadas de autoria dos compositores
portuenses Antonio da Silva Leite e Francisco de São Boaventura. Consta ainda um percentual
significativo de obras sem autor indicado nos manuscritos e até agora não identificados, embora
coevos com o restante do repertório. (Quadro 1)
Quadro 1 Distribuição do repertório entre os compositores identificados
AUTORES
QUANT
%
Francisco de São Boaventura (1742-1802)
7
9,6
António da Silva Leite (1759-1833)
51
68,9
Nicola Petruzzi (fl. 1780-1800)
3
4,1
José Monteiro Pereira (fl. 1780-1800?)
2
2,7
Antonio Gallassi (fl. 1780-1792)
1
1,4
António Leal Moreira (1758-1819)
1
1,4
Agostinho José de Souza Azevedo (fl. 1780-1800)
1
1,4
Gaspare Gabellone (1727-1796)
1
1,4
AUTOR(ES) NÃO INDICADO(S) (ANI)
7
9,6
8Ao leitor interessado em MPCs e suas aplicações e implicações, sugerimos cf. Sotuyo Blanco
2003; 2004; 2007.
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Como foi informado acima, temos 74 obras de, pelo menos, oito compositores homens.
Considerando o volume de sete obras sem autoria indicada, caberia fazer duas perguntas: Será que
toda a música utilizada no Mosteiro foi composta apenas por compositores homens? Ou será que
as monjas beneditinas também criavam, mas não assinavam suas composições?
Em virtude do numeroso repertório analisado e as limitações às quais artigos acadêmicos se
submetem, não seria possível apresentar uma análise detalhada de MPCs em cada obra. Assim,
optamos por apresentar os resultados de distribuição das obras em torno de MPCs nos níveis
organizacionais macro e médio, com apenas alguns apontamentos relativos ao nível micro-
organizacional.
4.1. MPCs no repertório: propósito, usos/funções, demandas e recursos
No âmbito do projeto AVEMUS, a observação preliminar do repertório permite facilmente identificar
MPCs do nível macro-organizacional, sobretudo os relativos a:
Propósitos para o Real Convento de São Bento do Avé Maria de Porto
Usos e funções litúrgicos, para-litúrgicos, seculares, variáveis
Literários idiomas e fontes dos textos usados
Sonoros demandas vocais/instrumentais musicais e espaços acústicos
Recursos humanos compositores e intérpretes disponíveis
Relativo aos Propósitos, além do fato das obras terem a proveniência confirmada, todas tem
finalidade religiosa sem exceção,9a qual, no que diz respeito às suas funções e usos nos diversos
tempos do ano, se distribuem majoritariamente entre litúrgicas e para-lítúrgicas, com apenas uma
obra (Recitativo e Ária “Non est cor”), de autoria de José Monteiro Pereira10 cujo uso e função não
conseguimos identificar que o texto em latim não consta nas tradicionais fontes relativas à liturgia
ou para-liturgia. Por sua vez, todo o repertório utiliza textos em latim, com exceção de apenas uma
obra em português (Quadro 2). Se trata do “Acto de Contrição meu senhor Jesus Christo” de
Antonio da Silva Leite, datado em 1795.
Quadro 2 Distribuição do repertório por funções, por idioma e seus usos temporais
FUNÇÃO
QUANT.
QUANT.
TEMPO
QUANT.
Litúrgica
67
73
Natal
11
Para- litúrgica
6
1
Páscoa
16
Ignorada
1
Comum
12
Variável
35
Com relação aos recursos vocais e instrumentais exigidos nos manuscritos, pode-se afirmar que o
9Isto não significa que a música secular não tenha sido também realizada no referido convento.
Como veremos o mesmo se aplica à música instrumental, seja religiosa ou secular.
10 Este compositor atuou como mestre de capela na cidade do Porto no início do século XIX, sem
identificação da instituição. Se ignoram também as datas de nascimento e morte. No entanto,
outras informações constam em Vieira 1900, v2, 160-161 e Mello 1906, 202.
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repertório inclui vozes Tiples, Altos, Tenores e Baixos, em diversas combinações, de vozes solistas
até 3 coros. Dentre os recursos instrumentais, consta a necessidade de até 2 órgãos, violinos,
violoncelos, rabecão, trompas e harpa (Quadro 3). As indicações de vozes masculinas (tenores e
baixos), embora não pareçam condizentes com um cenóbio feminino, no que diz respeito aos
tenores, alguns manuscritos indicam “Tenor em Tiple”, apontando para a execução dessas partes
pelas Tiples. Por sua vez, a demanda de registro vocal de Baixo aponta para a existência de
mulheres possuidoras dessa capacidade funcional laríngea, segundo veremos.
Não obstante a maior parte do repertório demandar as combinações vocais e instrumentais mais
numerosas do Quadro 3, chama à atenção tanto as indicações de 2 e 3 coros (com até 10 vozes),
quanto o uso de trompas. Observando a distribuição do repertório datado ao longo do tempo pode-
se perceber que tais demandas são um reflexo das vicissitudes pelas quais o mosteiro passou ao
longo do tempo correlato. (Gráfico 1)
Por sua vez, no que diz respeito aos espaços acústicos, enquanto aspecto que pode condicionar a
criação e realização musical das obras, é mister esclarecer novamente11 que estamos adaptando a
ampliação do conceito de “tipo sonoro” segundo definido por Bernardo Illari (2004, 11), incluindo
assim a consideração dos espaços sonoros que, de uma ou outra forma, condicionaram a criação
musical e a sua eventual realização. Nesse sentido, a observação das práticas musicais próprias do
mundo católico nos limites do mosteiro que nos ocupa, nos permite inferir os espaços sonoros
certamente utilizados pelas monjas beneditinas incluiriam, a totalidade do espaço da igreja (capela
mor, corpo da igreja e coros), assim como o refeitório.12 Tais espaços parecem ser confirmados pela
presença de facistóis13 tanto nos coros quanto no refeitório, segundo discutidos e representados
por Pinho (2000). (Figuras 2 a 5) Embora tudo indica que a maior parte do repertório teria sido
executado em algum dos espaços da igreja (majoritariamente no coro alto, sobretudo se precisar do
órgão), algumas peças camerísticas poderiam ter sido executadas no refeitório, no claustro ou até
nos dormitórios durante o estudo ou os ensaios, por exemplo.
11 Este esclarecimento tinha sido feito por nós anteriormente (cf. Sotuyo Blanco 2007, 97). No
entanto, consideramos necessário reiterá-lo.
12 Os dormitórios e o claustro seriam espaços ainda possíveis, sobretudo para peças a solo com o
sem acompanhamento de algum instrumento de relativo fácil transporte.
13 O facistol é uma estante grande, de duas ou quatro faces (alguns até eram giratórios) onde se
apoiam livros de grandes dimensões para o coro poder ler e/ou cantar nas igrejas, mosteiros e
conventos, seja repertório de cantochão, polifônico, em estilo antigo ou moderno (concertato).
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Quadro 3 Distribuição dos recursos vocais e instrumentais presentes no repertório
RECURSOS
VOCAIS
VEZES QUE
FORAM
USADOS
RECURSOS
INSTRUMENTAIS
VEZES QUE
FORAM
USADOS
coro SSAB
21
1 órgão
61
soprano solo
13
2 violinos
47
coro SATB
12
rabecão
33
2 sopranos solos
8
violoncelo
22
coro SSSB
8
2 órgãos
2
coro SSB
5
harpa
2
coro monódico14
3
2 trompas
1
coro SSSS
2
piano15
1
2 coros
2
3 coros
2
baixo solo
1
soprano e alto solos
1
coro STB
1
coro SSSB
1
Gráfico 1 Número de obras datadas escritas entre 1775 e 1829 distribuídas por ano16
14 Denominamos assim o coro uníssono que canta o cantochão ou canto de órgão, para diferenciá-
lo dos outros coros formados por vozes de registros específicos e tratados concertadamente.
15 No Inventário do recheio do Mosteiro de São Bento de Avé Maria do Porto efectuado na presença
das seguintes personalidades e em 27 de Setembro de 1892 (apud Pinho 2000, v2, 79 e ss.),
constam dois pianos (um declarado como muito usado e o outro como antigo). Ainda constam 7
estantes de música e 6 campainhas diferentes de metal. Da igreja foram listados 1 órgão e a
armação de outro, assim como diversos bancos e estantes para música. Do Coro de cima constam
1 estante móvel de madeira de fora com talha, para livros de coro (ou facistol) e 1 estante pintada
de preto. Do coro de baixo, 1 estante pintada de preto.
16 Além das obras datadas consideradas neste gráfico, ainda constam 21 obras sem datação,
embora coevas do restante do repertório.
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Figura 2 Espaços sonoros de possível uso musical identificados no mosteiro
Fonte: Adaptado de Pinho 2000, v2, 166.
Figura 3 Representação do coro alto do mosteiro
Fonte: Adaptado de Pinho 2000, v2, 201.
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Figura 4 Representação do coro alto do mosteiro
Fonte: Adaptado de Pinho 2000, v2, 201.
Figura 5 Representação do refeitório do mosteiro
Fonte: Adaptado de Pinho 2000, v2, 186.
Com relação aos facistóis, eles servem às práticas monásticas relativas à Liturgia das Horas ou ao
Ofício Divino, dentre outros, com o uso diário e frequente do cantochão. No caso do mosteiro que
nos ocupa, bem lembra Pinho (2000, v2, 266-267) que foi durante o abadessado de Guiomar de
Ataíde (entre 1578 e 1612, falecendo em 1613), “que o Mosteiro se engrandeceu financeiramente e
se remodelou de forma a proporcionar melhor comodidade. Foi nesta altura que se introduziu o
hábito do Canto Chão.” Por sua vez, Lessa (1998, 455) refere que “O Gradual mais antigo, data de
1590 e pertenceu ao Mosteiro de Avé Maria do Porto. Do século XVII e XVIII conservaram-se vários
Antifonários. sendo o mais antigo datado de 1627. Existem ainda vários Livros de Ofícios. contendo
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11
o Ofício de S. Bento e de várias Festas celebradas nos mosteiros beneditinos. nomeadamente
Ofícios das Festas de Santa Escolástica e Santa Ana.”17
4.2 MPCs no repertório: sistemas, práticas, linguagens e gêneros
Uma leitura musical analítica das obras no repertório estudado permite identificar MPCs referentes a:
Sistemas Tonal, modal, ou alternação entre ambos
Práticas/Estilos Cantochão, Canto de Órgão, Concertante (sós ou combinados)
Linguagens/Estéticas barroco, pré-clássico, clássico
Gêneros/Formas/Estruturas intrinsecamente musicais ou derivadas dos textos
Evidentemente a maior parte do repertório está escrito no sistema tonal em estilo concertante e
com estética clássica de forte influência italiana, já dominantes na Porto do culo XVIII.18 O resto
inclui seções modais em obras de concepção tonais, incluindo práticas como cantochão e canto de
órgão, dando assim um apelo grave e solene às obras. (Quadro 4)
Quadro 4 Relação quantitativa dos sistemas, estilos/práticas e estéticas no repertório
SISTEMA
QUANT.
ESTILO / PRÁTICA
QUANT.
ESTÉTICA
QUANT.
Tonal
67
Concertante
67
Clássica
64
Tonal-Modal
7
Concertante e
cantochão/canto
de órgão alternado
7
Pré-clássica
10
A distribuição das organizações tonais no repertório não apenas é consistente com o orgânico
instrumental e vocal utilizado e já discutido, mas também permite inferir preferências (seja dos
compositores ou do mosteiro) por tonalidades que, segundo expomos no Quadro 5 e organizadas
por cores, parecem orbitar em torno a dois centros tonais predominantes: Sol maior e Si bemol
maior, entre os quais as obras com tonalidades menores se vinculam a ambas, seja pela via das
relativas menores, ora pela via das tonalidades homônimas.
17 Ao leitor interessado nos inventários dos livros oriundos do mosteiro, cf. Pinho 2000. Dentre os
que contém prescrições musicais de diversos tipos, tanto no que diz respeito às fórmulas de
entonação do cantochão quanto do canto de órgão, junto a outras prescrições musicais relativas ao
órgão, podemos incluir o Cerimonial da Congregação dos Monges Negros (1647), o Calendario do
Mosteiro de São Bento do Avé Maria [1750], o Compendio de música de Pedroso (1751), o Theatro
ecclesiastico (1758), e o Resumo de todas as regras, e Preceitos da Cantoria… de Silva Leite (1786),
dentre outros.
18 Embora conste no repertório em estudo um conjunto de obras compostas em datas coetâneas ao
romantismo, os processos harmônicos nos diversos acompanhamentos dos textos cantados
(sobretudo nos casos de vozes solistas com melodias que apelam a virtuosismo técnico tipo bel-
canto, para melhor aproveitar as capacidades canoras das monjas), junto ao caráter religioso, mais
severo e contido que o conhecido gênero lírico, apontam para a permanência estética mais clássica
do que romântica, propriamente dita.
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Quadro 5 Relação quantitativa das tonalidades estruturantes das obras
TONALIDADES
QUANT.
Sol Maior
13
Maior
6
Maior
4
Sib Maior
13
Maior
8
Mib Maior
6
Sol menor
9
menor
6
menor
3
Maior
2
menor
2
Mi menor
1
Avaliando quantitativamente a ocorrência de gêneros, sejam intrinsecamente musicais (como
recitativos, arias ou motetos), ou derivadas da estrutura textual (como missas, lamentações,
mementos ou ladainhas, etc.), vemos um forte predomínio de doze gêneros (em 64 obras) cujas
resultantes formais derivam claramente das estruturas textuais (em cores no Quadro 6). Por sua vez,
os gêneros musicais tipo moteto, recitativos e árias, permitem apontar tensões entre MPCd e MPCp.
Quadro 6 Relação quantitativa dos gêneros textuais e musicais presentes no repertório
TEXTUAIS/MUSICAIS
QUANT.
TEXTUAIS/MUSICAIS
QUANT.
Salmos
13
Lições de Trevas
3
Antífonas
11
Ladainhas
3
Responsos
9
Graduais
3
Missas e Credos
8
Lamentações
2
Hinos
7
Memento
1
Versos
5
Invitatório
1
Motetos
5
Recitativo
1
Arias
4
4.3 MPCs no repertório: coros monódicos, melodias e ritmos
No que diz respeito aos MPCs micro-organizacionais relativos a aspectos tais como melodias e
harmonias, às sete obras que vinculamos à prática do cantochão ou canto de órgão, arroladas no
Quadro 6, o seu estudo mais detalhado permite jogar luz sobre práticas e técnicas específicas na
alternação de estilos e os recursos composicionais usados. (Quadro 7) Nos casos em que os versos
ausentes permitem inferir alternância do coro em cantochão para assim não infringir nenhuma
prescrição eclesiástica, parece apelar para a complementaridade entre dogma e práxis litúrgica
musical (ou MPCd e MPCp; cf Sotuyo Blanco 2003), como parece também ser o caso do
manuscrito sem data “Invitatório e Hino de Natal”, de Silva Leite, no qual o compositor refere quais
os versos a serem cantados alternadamente pelo coro monódico. Nas duas obras nas quais os
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compositores utilizam ostensivamente a alternação da música concertante com coro monódico, as
escolhas realizadas se diferenciam substancialmente.
Quadro 7 Relação das obras com uso ou previsão de cantochão ou canto de órgão
OBRA
ANO
AUTOR
CANTOCHÃO
CANTO DE ÓRGÃO
Rerum Deus tenax vigor (Hymno e
Versículos para a Ascenção de
N.S.J.C.)
1775
Francisco de São
Boaventura
Cantochão escrito e alternado;
e tons (modos de sol e mi)
Te Deum alternado com coro
(para as Matinas do Natal)
1794
António da Silva
Leite
Canto de órgão escrito e
alternado
Início no tom (modo de fá)
De Lamentationes Jeremiae Prophetae
(Sábado Sancto, Lamentatio I)
1795
António da Silva
Leite
Inferido (Letras hebraicas e
versos ausentes)
Credo a 4 vozes
1797
Nicola Petruzzi
Inferido
(1ª frase ausente)
Miserere a 4 vozes,
violinos e órgão
1803
António da Silva
Leite
Inferido
(versos ausentes)
Invitatório e Hino de Natal
s.d.
António da Silva
Leite
Referido (indica os versos do
Coro)
Credo a 3 vozes
s.d.
José Monteiro
Pereira
Inferido (1ª frase ausente)
Observando em detalhe, nas seções de coro monódico do “Rerum Deus tenax vigor (Hymno e
Versículos para a Ascenção de N.S.J.C.) (1775), considerando tanto os contornos melódicos
utilizados quanto o uso de alterações tipo sustenidos nas notas e ré, pode-se afirmar que São
Boaventura opta por criar melodias com “sabor” modal. (Exemplo 1)19 Do ponto de vista dos
eventuais modos utilizados como MPC por São Boaventura, em se tratando de uma obra em que
todas as seções concertantes estão na tonalidade de Sol maior, nada mais simples do que alternar
com os modos de sol ou mi, como se mostra no Quadro 8.
19 Não foi possível encontrar exemplos de cantochão coevos ou anteriores a 1775 dentro ou fora de
Portugal para os versos compostos por o Boaventura. Cf. Portuguese Early Music Database
(https://pemdatabase.eu/) e Cantus: A Database for Latin Ecclesiastical Chant
(https://cantusdatabase.org/).
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Exemplo 1 Cantos para o coro monódico. “Rerum Deus tenax vigor” (São Boaventura, 1775)
Fonte: Biblioteca Pública de Portugal, Seção Música, MM 319.8
Quadro 8– Relação dos cantos, tons e modos do Exemplo 1
CANTO
INCIPIT LITERÁRIO
TOM/MODO
OBSERVAÇÕES
1
Largire lumen verpere
- sol
Indica “3” e barras de compasso
2
Ascendo ad Patrem
- sol
3
Deum meum
- sol
Indica cisura com barra de compasso
4
Gloria Patri
- sol
Indica cisuras com barras de
compasso
5
Dominus in celum
- mi
Indica e ré sustenidos no final
Por sua vez, no Te Deum (1794), Silva Leite opta por tomar as melodias dos versos monódicos
alternados do cantochão pré-existente, mudando eventualmente os tons sem mudar
significativamente os contornos melódicos. (Quadro 9)
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Quadro 9– Comparação entre cantos de coro monódico de Silva Leite (1794) e do Theatro Eclesiastico (1758)
#
THEATRO ECLESIASTICO
MELODIAS SILVA LEITE
1
Clave de na linha tom
Clave de em tom
2
Clave de na linha choque com o baixo cifrado do
órgão
3/11
Segue no tom sempre com clave de na
linha
Sem mudanças e mesmos choques
12
Clave de na linha choque com o baixo cifrado do órgão
13
Clave de na linha choque com o baixo cifrado do órgão
14
Clave de na linha choque com o baixo cifrado do órgão
15
Segue no tom
Sem mudanças e mesmos choques
16
Clave de na linha choque com o baixo cifrado do órgão
Fontes: Theatro Ecclesiastico 1758, 141-144 e Biblioteca Pública de Portugal, Seção Música, MM 1034.
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Segundo podemos observar no Quadro 11, embora Silva Leite adapte a melodia no início do
cantochão original, se servindo de uma mudança de clave para assim gerar uma transposição
tonal do tom original (sol) ao tom (fá), os choques observados no restante dos versos
dedicados ao coro monódico podem ser explicados por falhas na grafia das claves
subsequentes (esquecer do ponto da clave de ou indicá-la na linha ao invés da 4ª).
Finalmente, apenas como exemplo da inevitável interferência entre repertórios litúrgicos e
seculares, com as subentendidas tensões entre MPCd e MPCp, no repertório aqui estudado,
com diversos níveis de referência à música de Pergolesi, Mozart e Rossini, dentre outros, cabe
aqui apresentar as semelhanças entre a ária do Tiple Audient Verba, no Salmo “Domine
clamavi ad te” (1803) de Silva Leite com a ária Se all'impero amici Dei da Clemenza di Tito (1791)
de Mozart, sem abrir mão da estética geral mais próxima da península itálica do que da região
germânica20 (Exemplo 2).
Exemplo 2 Correlação entre a aria Audient Verba e a aria Se all'impero amici Dei
Fontes: Brescia e Marreco Orsini Brescia 2025 (no prelo) e Mozart 1882, 139.
Claramente, o começo da melodia do Tiple apresenta o apenas contorno melódico muito
semelhante ao do início da ária que Mozart dedicou ao protagonista da sua última ópera (Tito),
como também sua métrica e ritmo. Elas se diferenciam no quarto tempo do segundo
compasso do exemplo 2, uma nota si no original de Mozart convertido em pausa por motivos
evidentemente agógicos derivados do texto litúrgico a ela aplicado (indicado em vermelho no
exemplo 2).
5. Considerações finais
A identificação de MPCs em torno das atividades musicais litúrgicas do Real Mosteiro beneditino
da Avé-Maria do Porto tem se mostrado um excelente caminho exploratório e analítico de
repertório documental aqui discutido e contextualizado. Os resultados assim obtidos parecem
apontar para possíveis tensões entre MPC dogmáticos (MPCd) e MPC pragmáticos (MPCp),
sobretudo quando observadas as diversas prescrições relativas à prática musical que a Igreja
Católica tem produzido ao longo do tempo.21
20 Procedimentos semelhantes em outras obras de Silva Leite foram estudados por Bessa (2008).
21 Dentre os diversos textos cujas prescrições deveriam ser observadas pelo mosteiro ao longo
do tempo incluímos, à guisa de exemplos, além da Regra de São Bento (e do Mosteiro) e do
Concílio de Trento (1545-1563), obras como o Cæremoniale Episcoporum (1600), Economicon
Sacro (1693), Breves, editos e Sínodos (séc. XVII), Concílios (séc. XVIII), Encíclica Annus Qui
Hunc (1749), e as resoluções da Sagrada Congregação do Ritos, dentre outros.
Sotuyo
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Sotuyo Blanco, Pablo. “Modelos pré-composicionais na música do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria do Porto“
Enquanto os MPC dogmáticos foram respeitados em termos dos espaços, dos textos, seus usos,
funções e tempos no ano cerimonial do mosteiro, os MPC pragmáticos foram utilizados em
termos da instrumentação, da prática musical concertante, assim como dos modelos melódicos
vocais majoritariamente italianos ou italianizantes, e em boa parte do cantochão composto para
o mosteiro. Isto inclui os modelos formais majoritariamente condicionados pelas estruturas dos
textos, cujas resultantes apelam para estruturas tidas como clássicas, com permanência da
prática complementar do cantochão.
Por sua vez, o grande virtuosismo presente no repertório, seja por requerimento dos
compositores (que conheciam as capacidades musicais e interpretativas das monjas e senhoras
músicas), ou até, por quem as encomendava e suas intérpretes. Como adiantava o texto
introdutório do Projeto AVEMUS: “A música encomendada e interpretada por aquelas mulheres
durante as principais celebrações litúrgicas atingiu um nível técnico de elevado virtuosismo, que
rivalizava com o dos mais importantes centros musicais do país.”22
Considerando que, como afirma Martins (2001a, 128) a mulher quando entrava para o mosteiro,
[...] encontrava o lugar ideal para, sem se comprometer, viver uma vida sem tutelas varonis”,
podemos concluir que, mesmo vivendo com modelos comportamentais majoritariamente
regrados, no que diz respeito à clausura, mesmo podendo ter sido física ou visual... nunca foi
sonora e musical!
6. Referências
Bessa, R. M. Pereira da Silva. 2008. António da Silva Leite: criatividade e "moda" na música
romántica portuense. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Brescia, Marco; Marreco Orsini Brescia, Rosana. 2025. Música em estilo concertante do Mosteiro
de São Bento da Avé-Maria do Porto - música para as mestras de capela. Lisboa, Portugal:
Edições Colibri, (no prelo)
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Convento de Santa Clara da cidade do Porto. Música Hodie 21: e68889, DOI:
10.5216/mh.v21.68889.
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de Portugal. 1647. Coimbra: Diogo Gomez de Loureyro e Lourenço Craesbeeck.
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lisboa.pt/Periodicos/CronicaConstitucional/1833/Agosto/N011/N011_master/CronConstLisb
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Conde, A. F., & Lessa, E. 2015. A prática musical nos mosteiros femininos na segunda metade
do século XVIII e princípios do século XIX: obras de compositores portugueses e italianos no
22 Cf. Projeto AVEMUS, https://www.avemus.org.
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Sotuyo Blanco, Pablo. “Modelos pré-composicionais na música do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria do Porto“
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