
Per Musi | Belo Horizonte | v.26 | General Topics | e252615 | 2025
Vaccari, Pedro Razzante. “A preparação do cantor para a performance de música brasileira de concerto: voz, corpo e aspectos cênicos”
as partes do seu corpo tem crescido nos estudos sobre voz e produção sonora no palco. O cantor se arvora,
portanto, de uma dialética em equilíbrio- ao mesmo tempo deve desenvolver uma noção não lobotomizada
de seu corpo, gestos e movimentos, e também ter uma visão simultaneamente externa e interna deles.
Dessa forma, ao docente de canto atual concernem duas tarefas básicas, que não podem ser dissociadas,
em absoluto: a eliminação gradual dos artificialismos que impelem a essa percepção externa fragmentada,
e o desenvolvimento de uma propriocepção interna, calcada em exercícios específicos, em que o (a) aluno
(a) crie parâmetros de escuta de sua produção sonora. Esses parâmetros, por fim, devem se guiar por uma
crescente independência do discente, e, para isso, sempre deve-se ser frisada, durante a aula, a intenção
técnica de determinado exercício vocal. “Qualquer série de vocalises pode ser cantada de várias formas, das
quais algumas são absolutamente sem valor. Apenas se a independência puder ser induzida através do uso
de um vocalise é que este tem mérito. Nenhum vocalise deveria ser cantado sem uma intenção técnica por
detrás dele” (Miller 2019, 35).
Para o princípio do estudo técnico vocal no Brasil, ademais, devemos nos valer pela especificidade da Língua
Portuguesa brasileira, seus fonemas, acentuação e prosódia, afinidades vocálicas inerentes a ela e suas
particularidades de entonação – nasais e decorrentes deles. O início dos estudos de voz serem,
preferencialmente, em música brasileira, foi apresentado em tese por Santos (2011), baseado na premissa
de que o canto vernáculo, ou seja, na língua natal, traria arraigados, por extensão, os sons vocálicos da fala,
sendo, portanto, mais propícios ao desenvolvimento de uma técnica vocal lírica incipiente.
Além disso, o processo histórico que levaria a pensar um canto nacional remonta à figura de Mário de
Andrade, que, ao propor a técnica do “canto sem casaca”, apresentada, sobretudo, em Aspectos da Música
Brasileira, de 1939 (Andrade 1991), procurava investigar qual seria esse canto “em vernáculo”, telúrico e
enraizado nas múltiplas regiões, sotaques e acentos do português brasileiro. A temática é comum a
pesquisadores que continuaram a disseminação do ideal de canto andradiano, como Martha Herr – que
propunha uma técnica vocal mista, amparada no canto popular e sua emissão mais frontal para ressaltar a
entoação do texto (Herr 2004), e Luciano Simões Silva, para quem deveríamos “[…] repensar a pedagogia do
canto no Brasil para criarmos uma pedagogia que possa servir de base para diversos gêneros e estilos,
pensando na música como expressão artística plural” (Silva 2016, 390).
Assentada a estrutura primordial do canto, a saber, a vocalização constante visando ao aperfeiçoamento dos
músculos envolvidos na produção vocal – conforme os substratos que dão suporte a ela: respiração,
vibração, ressonância e articulação – a inserção do discente de canto no cancioneiro brasileiro de câmara
acomodará, com mais facilidade, o seu posterior desenvolvimento nos seis principais idiomas europeus da
música de concerto. São eles: latim, espanhol, italiano, francês, inglês e alemão. A afirmação da sonoridade
brasileira – nasal, frontal e brilhante, conforme os resultados de minha pesquisa sobre o coco de embolada
de concerto no Brasil (Vaccari 2013), desenvolvidos em meu artigo recente publicado na Revista Música
Hodie (Vaccari 2024) não exclui, em nada, o desenvolvimento do repertório europeu tradicional. Muito pelo
contrário, de acordo com Andrade acima, e Santos (2011), apenas reitera que o caráter nacional de
determinada música e sua expressão vocal são, também, eminentemente universais.
Pensar em uma emissão vocal que parta, inicialmente, da sonoridade advinda do português brasileiro
cantado não é mais do que continuar a tradição do bel canto italiano: si canta come si parla (se canta como
se fala). Sendo o canto uma atividade não natural, e derivada diretamente da fala, através da impostação
adequada o aluno pode trazer as qualidades timbrísticas do português falado, tornando-a mais próxima de