
Per Musi | Belo Horizonte | v.26 | General Section | e252614 | 2025
Prando, Flavia. “O violão e a ordem pública: censura e controle social (São Paulo 1890-1932)”
décadas seguintes, culminando em marcos como a entrada oficial do violão no Conservatório Dramático e
Musical, em 1948, e a consagração do instrumento com a ascensão da Bossa Nova no final da década de
1950. Ao longo desse percurso, o violão deixou de ser um som associado à arruaça para tornar-se símbolo
de identidade e modernidade.
Assim, no início do séc. XX, o violão começou a passar por um processo de reabilitação simbólica, deixando
progressivamente sua imagem marginalizada para ocupar espaços de maior prestígio. A ascensão de
virtuoses como Américo Jacomino, o Canhoto, e a produção fonográfica da Casa Edison alteraram
gradativamente a percepção do instrumento. A imprensa começou a destacar sua musicalidade e
refinamento, afastando-o da imagem de instrumento marginal (Moraes, 2000). Paradoxalmente, enquanto
o discurso civilizatório reforçava a necessidade de disciplinar as práticas culturais populares, o violão já era
cultivado em todas as classes sociais. Jovens da elite tocavam-no nos saraus domésticos, e artistas
estrangeiros com formação europeia e prestígio reconhecido nos círculos musicais contribuíram
significativamente para a mudança de seu status.
A ascensão de Américo Jacomino, o Canhoto, foi um marco na história do violão em São Paulo. Considerado
um dos primeiros violonistas a consolidar um repertório solo no Brasil, Jacomino gravou suas composições
pela Casa Edison e outras gravadoras, contribuindo para a difusão do instrumento (Antunes, 2002). Suas
valsas e choros demonstravam refinamento técnico, afastando-se da imagem do violão como instrumento
marginalizado. A gravação fonográfica foi um elemento-chave nesse processo. O catálogo da Casa Edison,
pioneira da indústria fonográfica no Brasil, registrou diversas peças para violão, o que permitiu que o
instrumento ganhasse uma projeção antes inimaginável (Moraes, 1997). Isso reforçou a associação do violão
com a identidade nacional em um momento em que as elites culturais buscavam definir símbolos da
brasilidade.
A Casa Edison desempenhou um papel fundamental na consolidação do violão como símbolo musical do
país. A gravação de peças violonísticas permitiu que o instrumento transitasse entre os mais diversos
públicos, da classe trabalhadora aos salões aristocráticos. O repertório registrado incluía não apenas
composições de músicos nacionais, mas também arranjos de peças europeias, o que ampliava sua aceitação.
Ao mesmo tempo, a atuação de violonistas estrangeiros em São Paulo contribuiu para esta transformação.
A presença de músicos como Agustín Barrios e Josefina Robledo ajudava a legitimar o violão nos círculos da
elite musical. Barrios, conhecido por sua técnica refinada e vasto repertório, realizou apresentações no
Theatro Municipal. Josefina Robledo, por sua vez, trouxe a tradição espanhola de Francisco Tárrega,
apresentando-se em saraus e teatros, conquistando a imprensa e o público paulistano (Rosenfeld, 2008).
Devemos levar em conta também que a valorização do violão pelo modernismo trouxe novas camadas de
significado ao instrumento, e revelou ambiguidades. O próprio Mário de Andrade, uma das figuras centrais
do modernismo brasileiro, via o violão como símbolo nacional, mas ao mesmo tempo mantinha uma relação
tensa com sua prática urbana (Naves, 1995). Para ele, o violão deveria ser valorizado como parte do folclore
brasileiro, mas sem ser contaminado pelos processos urbanos e comerciais da música popular (Prando,
2018). Isso gerava um paradoxo: enquanto o modernismo promovia a valorização das expressões populares,
muitos de seus intelectuais resistiam à aceitação do violão dentro do ambiente acadêmico e erudito (Reily,
2001). Outro elemento importante dessa tensão foi a incorporação do violão ao discurso da originalidade
nacional. O instrumento passou a ser visto como mediador entre o popular e o erudito, entre a tradição oral