1. A escuta e a reescrita
Aquilo a que podemos chamar de ouvido musical é produto dos mais complexos: Tanto pode ser
espontâneo, através de experiências no meio sócio musical, quanto resultante de experiências e estudos
musicais no decorrer de sua vida. A escuta musical é produto experiências de ordem social, psicológica,
filosófica, associadas a uma prática musical que dá origem a uma escuta musical singular. Uma obra de
música nunca será só uma obra de música, embora possa parecer existir a possibilidade para alguns de que
a música consiga existir sem quaisquer considerações quanto a aspectos não musicais. Uma obra musical,
uma composição, representa uma época é retrato de uma época, e, primordialmente, do ouvido musical de
um compositor e de um conjunto de ouvintes. O exame desse ouvido requer consideração quanto às obras
do autor, mas também quanto à sua visão de mundo e sua história: aspectos sociais, políticos, filosóficos
permeiam-no, moldam-no, e, frente à sociedade, cada compositor propõe uma visão particular de música.
O conceito de reescrita passa a adquirir, então, grande importância na análise de obras musicais. Não
meramente a reescrita no que diz respeito ao reaproveitamento de materiais musicais numa obra, mas, mais
amplamente, a ideia de que todo o arcabouço cultural, social e psicológico de um compositor transbordará
na sua produção artística, isto é, será reescrito; a sua escuta musical é um filtro de sua história enquanto ser
vivo, ativo e pensante, e não meramente um retrato de sua vivência musical.
No caso do presente artigo, pretende-se abordar duas das obras de um marcante compositor, Willy Correa
de Oliveira, que fez parte dos movimentos de vanguarda brasileiro: Phantasiestück III, para violino, viola,
piano, trompa e trombone, e the storm of the stars in the sky will turn to quiet, para piano. Nessas obras, a
ideia de reescrita e metalinguagem são necessárias para que se possa criar um contexto de análise, pois
ambas se constituem como um diálogo intenso de afetos e influências com obras de outros compositores e
de artistas de outras formas de expressão. Esta pluralidade é uma marca característica deste compositor.
Para Phantasiestück III, a análise musical leva em consideração as técnicas de polarização e serialização que
estão presentes em sua fase de produção vanguardista na década de 1970. Apesar de ambas as peças terem
em comum a presença incessante do diálogo com outras obras de outros artistas (a partir da citação direta
e indireta), elas representam fases distintas da produção do compositor.
2. Quem é Willy Correa de Oliveira: breve biografia
Willy Corrêa de Oliveira é um compositor brasileiro nascido em Recife em 1938. Mudou-se na década de
1950 para o Rio de Janeiro, mas em 1958, novamente para Santos, cidade na qual travou contato com o
compositor Gilberto Mendes e os poetas concretistas Décio Pignatari, Haroldo Campos e Augusto de
Campos. Entre 1955 e 1959, suas obras aproximam-se do nacionalismo, pois ressoam as melodias recifenses
que ouviu quando criança. A partir de 1959, contudo, aproxima-se do vanguardismo europeu influenciado
por Karlheinz Stockhausen, Pierre Boulez, Luigi Nono e Anton Webern. Em 1961, Oliveira, em conjunto com
Gilberto Mendes, Damiano Cozzella e Rogério Duprat, fundam o grupo Música Nova. Segundo Denise
Hortência Lopes Garcia (2022, 18), esse grupo valeu-se do apoio e mesmo orientação do maestro Olivier
Toni, que dirigia então a Orquestra de Câmara de São Paulo. 1961 foi o ano em que também fundou com
Gilberto Mendes e Klaus Dieter Wolff o coral Madrigal Ars Viva, grupo pioneiro no Brasil na estreia de peças
corais de vanguarda de compositores de música de concerto. Fundou no ano seguinte, junto a seus pares, o