
Per Musi | Belo Horizonte | v.26 | General Section | e252620 | 2025
Rónai, Laura. “Notas sobre a interpretação de um Larghetto de Handel”
Na ausência completa de qualquer ornamentação (uma escolha talvez por demais estranha, no nosso
entender) seria então desejável tomarmos um andamento um pouco mais rápido. Para efeito de
exemplificação, decidimos por uma ornamentação bem presente, e até, talvez, um tanto exagerada. Deve-se
ter em mente que para o caso de uma execução pública, poder-se-ia tocar apenas uma parte destes enfeites,
e não necessariamente todos eles. Tal opção naturalmente afetaria novamente o andamento. Finalmente, o
andamento escolhido (assim como a quantidade de ornamentação a ser utilizada) deve levar em conta
também a acústica do local em que a peça for tocada. Ambientes muito secos, com salas atapetadas e cadeiras
estofadas, abafam o som, e pedem, portanto, pulsação mais rápida. Ambientes com muita reverberação
(como igrejas, em geral), ao contrário, requerem andamentos mais pausados, para que o som não embole.
7. Sobre a Análise Harmônica
Este Larghetto foi escrito em forma livre, com linguagem harmônica generosa, fazendo amplo uso de retardos
e modulações. Ele principia com aproximadamente quatro compassos em sol maior (de acordo com
Mattheson, sol maior “apresenta uma imagem de tranquilidade e pode, em sua transparência se tornar
insignificante [...] nesta tonalidade se manifestam a fidelidade íntima, o amor sem paixão, o repouso
contemplativo e um humor sereno”. Segundo ele, sol maior reflete “fielmente a vida pastoral, muitas vezes
sendo de caráter idílico.” (Mattheson 1713, 243)
Já para Charpentier
sol maior é sério e magnífico,
docemente jubiloso) seguidos de mais quatro em ré maior, a tonalidade da dominante
. Esta é uma maneira
de o compositor anunciar uma sonoridade assertiva, e encerra também uma indicação para o intérprete:
apesar de estarmos em um movimento lento, nada há aqui de melancolia ou depressão. Longe disto, o estado
de espírito que prevalece é brilhante e decidido.
A partir deste ponto, temos modulações ocorrendo praticamente a cada compasso, o que também aponta
para uma postura de ousadia – afinal, em termos harmônicos, permanecer na tonalidade principal denota
timidez, um desejo de segurança e proteção; inversamente, se aventurar para longe de casa é sinal de um
espírito mais corajoso ou pelo menos, curioso, não? Assim, na execução, um toque de virtuosismo nos
ornamentos não seria descabido. Mais tarde, este ritmo modulatório se torna mais vagaroso, até chegarmos
a dois compassos em lá menor
e finalmente, quatro na tonalidade principal da sonata, mi menor (uma
tonalidade que frequentemente simboliza sentimentos sombrios e pesarosos). Em termos práticos, isto
poderá se traduzir em uma interpretação mais angustiada na parte central do movimento (quando ainda não
“G-dur stellt ein Bild der Beruhigung auf und kann in seiner Durschschauligkeit, wenn der Künstler das
Einfache nicht zu behandeln weiss, bis zum Bedeutungslosen sinken. In diesen Tonart aber spricht sich die
Innigkeit der Treue, der leidenschlaftlosen Liebe, die Ruhe der Betrachtung un eine sanfte Stimmung aus. {…]
das ländliche Leben spegelt sich in ihr treulich ab, und mann kann ihren Charakter oft idyllisch nennen”.
Marc-Antoine Charpentier, ca. 1682
Mattheson dizia que ré maior é a tonalidade do triunfo, das festividades; agudo, brilhante, enérgico,
obstinado, opiniático, engraçado, guerreiro, estimulante, voluntarioso, serve para fazer barulho, para coisas
guerreiras e alegres. Bom para trompetes e tímpanos, mas quando tocado com flauta pode ser delicado.
(Mattheson 1713, 231)
De acordo com Mattheson, lá menor é introspectivo, melancólico e muitas vezes ligado a sentimentos
profundos de tristeza ou seriedade. Mas também dirigido à lisonja. De natureza, é bastante moderado, um
pouco queixoso, decente, respeitável, tranquilo, até mesmo convidando ao sonho. Pode ser usado para todos
os movimentos da alma. É moderado e doce para o público. Bom para teclado e música instrumental.