Linguística e Tecnologia

Vem pra rua: um estudo sobre ressignificação

Vem pra rua: a study about ressignification

Suzana Jordão da Costa
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Vem pra rua: um estudo sobre ressignificação

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 9, núm. 1, pp. 62-76, 2016

Universidade Federal de Minas Gerais

Recepção: 30 Agosto 2015

Aprovação: 16 Fevereiro 2016

Resumo: O presente trabalho, parte de nossa pesquisa de mestrado[1], tem o objetivo de investigar, preliminarmente, supostas alterações de sentidos da expressão “Vem Pra Rua” em mensagens veiculadas por internautas. Os ambientes virtuais examinados foram o Facebook, o Youtube e o site jornalístico G1. Com o auxílio do software Wordsmith Tools (5.0), os comentários feitos pelos internautas foram processados, gerando frases que continham a expressão “Vem Pra Rua”. Tendo a Linguística de Corpus como metodologia, a compilação dessas frases permitiu a investigação dos sentidos que a expressão pode ter adquirido com o passar do tempo, considerando que foram coletadas mensagens que continham essa expressão produzida em junho e julho de 2013 e entre janeiro e março de 2015. Como resultados, observou-se a ressignificação (FAIRCLOUGH, 2001; SOUZA JÚNIOR, 2015) da expressão “Vem Pra Rua”, passando de letra de música ao status de perfil em uma rede social. Essa reconstrução de sentidos aponta para o papel dos meios virtuais em interações de movimentos sociais e na troca de conhecimento.

Palavras-chave: mídias sociais, Linguística, Linguística de Corpus, movimentos sociais, interação.

Abstract: The present study, part of our master's research, aims at, preliminarily, investigating possible changes of meaning concerning the use of the expression “Vem Pra Rua” (i.e. Come to the Street), disseminated by internet users. The posts investigated come from the following websites: Facebook.com; Youtube.com; and g1.com.br. With the help of the software Wordsmith Tools (5.0), the comments made by internet users were processed, generating sentences containing the expression “Vem Pra Rua”. Considering the Corpus Linguistics as methodology, the compilation of those sentences allowed us to investigate the meanings the expression could have acquired, regarding the messages that were collected at two specific time periods: June-July of 2013 and January-March of 2015. As a result, we observed the resignification (FAIRCLOUGH, 2001; SOUZA JÚNIOR, 2015) of the expression “Vem Pra Rua”, which changed from a song lyrics verse to become a profile name. This change in meaning indicates the role of social media in social movements interactions and in knowledge exchanges.

Keywords: social media, Linguistics, Corpus Linguistics, social moviments, interaction.

1. Introdução

Nos anos de 2013 e 2015, o Brasil presenciou manifestações em diversas cidades do país. Esses eventos relembram as manifestações populares das décadas de 80 e 90: Diretas Já e Fora Collor, movimentos que levaram milhares de pessoas às ruas em busca da democratização e contra o cenário político do governo da época, respectivamente. Mais de vinte anos depois do último protesto popular, o Brasil viu-se diante de eventos públicos de indignação com características peculiares e diferentes dos acontecimentos democráticos até então realizados.

Os movimentos do século XXI contam com uma ferramenta fundamental para que as interações entre os participantes aconteçam. Os dispositivos apontados são as novas tecnologias de informação que reestruturaram as formas de interação das pessoas com o mundo e, dentro dessa ótica, a internet aparece como ferramenta, aprimorando e agilizando a comunicação. A marca dessa inovação é o encurtamento das distâncias entre os sujeitos. Redes sociais como Facebook, Twitter e Youtube se apresentam como espaço aberto de alcance mundial, propiciando discussões, troca de ideias e compartilhamento de realidades.

A prova de que o mundo passou a interagir de forma mais dinâmica após a ascensão da internet está na organização de movimentos como os ocorridos nos Estados Unidos (Occupy Wall Street) e em países do Oriente Médio e Norte da África (Primavera Árabe). Occupy Wall Street foi um movimento iniciado em 17 de setembro de 2011, no Parque Zuccotti em Wall Street, centro financeiro de Manhattan, que se espalhou por várias cidades americanas. O grupo tinha como objetivo protestar contra a influência corporativa no processo democrático, o aumento da desigualdade econômica e a falta de providências frente à crise financeira global que se instaurava na época. Um grupo de ativistas canadenses (Adbuster Media Foundation) sugeriu a proposta de ocupação da Wall Street como forma de protesto e essa ideia foi difundida em pouco tempo pelo grupo de Hackers Anonymous[2]. A rápida propagação dessa ideia ratifica o papel fundamental das redes e mídias sociais em movimentos de contestação pelo mundo.

Occupy Wall Street teve inspiração nas revoltas que se davam no Oriente Médio e no Norte da África. Em dezembro de 2010, um jovem tunisiano, Mohamed Bouazizi, lançou fogo sobre o próprio corpo como forma de manifestação contra as condições de vida no país que morava. Ele foi humilhado pelas autoridades da cidade por vender frutas em um carrinho, uma prática considerada ilegal. Ao tentar conseguir, na sede do governo local, um emprego formal, teve seu pedido negado, o que o levou a comprar duas garrafas de líquido inflamável e atear fogo ao próprio corpo. Seu gesto foi filmado e compartilhado na internet via Youtube. Os compartilhamentos se espalharam em redes sociais como Facebook e Twitter, seguidos de protestos que se propagaram pela Tunísia, levando o presidente Zine el-Abdine Ben Ali a fugir para a Arábia Saudita apenas dez dias depois da morte de Mohamed.

A internet, via mídias sociais, com o compartilhamento de ações contestatórias caracterizadas por greves, passeatas e comícios se consagram como meio para divulgar, organizar, comunicar e sensibilizar as comunidades local e internacional sobre as tentativas de repressão por diversos agentes.

Transportando essa onda de protestos para o contexto brasileiro, observam-se as manifestações ocorridas em 2013 e 2015 no Brasil. O Movimento Passe Livre[3], em 2013, reuniu milhares de pessoas em várias cidades brasileiras com o objetivo de reivindicar o cancelamento do aumento no preço das passagens de ônibus, aumento esse, considerado abusivo. Posteriormente, houve a apropriação de uma música[4] usada na campanha da montadora Fiat para a Copa das Confederações, cujo título era Vem Pra Rua. O refrão serviu de convite para a população aderir ao movimento e ingressar na onda de protestos que se espalhou por várias cidades do país.

Alguns estudos sobre a temática das manifestações começaram a surgir. Macedo (2014) trabalha a noção do enunciado “Vem Pra Rua” como referência ao contexto político brasileiro. A autora considera que não é só o ato de protestar que está em jogo, mas as subjetividades dos indivíduos através de suas reivindicações que surgem no decorrer dos protestos.

A ideia de apropriação e ressignificação do sentido original da campanha publicitária da Fiat encontram-se expressa nas palavras de Grohmann e Souza (2014), que discorrem sobre o fato de as ruas e o ambiente virtual não serem lugares separados, sendo “um ambiente de consumo simbólico e apropriações culturais dos discursos das marcas. Tal consumo, online e off-line, é palco do surgimento de novos sentidos” (GROHMANN; SOUZA, 2014, p. 142).

O estudo de como os sujeitos significam em diferentes espaços de enunciação é discorrido em Pereira (2014), levando em consideração o meio virtual como espaço dinâmico em contraste com o mundo não-virtual. O autor apresenta a ideia de que o fluxo de dados nas infovias não se dá de qualquer forma e não significa de qualquer maneira, resguardando-se questões de ordem histórica, política e econômica capazes de direcionar o dizer e o significar.

Do ponto de vista da linguagem, faz-se necessário um estudo que priorize essa ressignificação dos sentidos que a expressão “Vem Pra Rua” passou a representar, tentando compreender, baseado no “princípio linguístico da funcionalidade”, os propósitos associados à expressão em questão. Segundo Souza Júnior (2015, p. 52), o princípio linguístico da funcionalidade está relacionado à prática de produção e distribuição de linguagem, levando-se em consideração seus propósitos.

2. Fundamentação teórica

Este estudo é baseado na Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), tendo em vista a ideia de que todas as escolhas verbais feitas pelos internautas possuem significados relevantes de acordo com o contexto em que estão inseridas. A Linguística Sistêmico-Funcional é uma teoria de descrição gramatical voltada para o entendimento dos sistemas gramaticais como forma de interação entre as pessoas. Halliday (1976, p. 136-137) explica que

A linguagem serve para estabelecer e manter relações sociais: para a expressão de papéis sociais, que incluem os papéis comunicativos criados pela própria linguagem [...]; e também para conseguir que coisas sejam feitas, por via de interação entre uma pessoa e outra. Através desta função, que podemos chamar interpessoal, os grupos sociais são delimitados e o individual é identificado e reforçado, pois a linguagem, além de capacitá-lo a interagir com as outras pessoas, serve também para a manifestação e o desenvolvimento de sua própria personalidade.

A linguagem é usada para fins de interação com os outros, construção e manutenção das relações interpessoais. O texto, para Halliday (1978), é a base de análise que contém significado baseado na escolha de quem o produz. O linguista ainda complementa, afirmando que

O texto é a forma linguística de interação social. É uma progressão sucessão. Os significados são as seleções feitas pelo falante das opções que constituem o potencial de significado; o texto é a atualização desse potencial de significado, o processo de escolha semântica (HALLIDAY, 1978, p. 122).

Com isso, observa-se a interpretação de mundo feita pelos internautas através das escolhas linguísticas realizadas, incluindo-se a influência dos contextos social e cultural, que envolvem as manifestações de 2013 e 2015. Assim, a Linguística Sistêmico-Funcional servirá de aparato teórico pelo fato de serem analisadas as práticas sociais construídas na interação cotidiana. Halliday (1985, p. 15) explica que “a teoria sistêmica é uma teoria do sentido como escolha, por meio da qual uma língua, ou qualquer outro sistema semiótico, é interpretado como redes de opções interconectadas”. Nesse caso, cabe o estudo da evolução da expressão “Vem Pra Rua” no contexto das manifestações de 2013 e 2015, tendo as produções dos internautas como fonte de análise. Matthiessen e Halliday (2009) destacam que o contexto:

É um sistema semiótico de mais alto nível no qual a linguagem está “encaixada”. Mais especificamente, linguagem está encaixada em um contexto de cultura ou sistema social. Qualquer instanciação de linguagem como texto é encaixada no seu próprio contexto de situação. Contexto é uma matriz ecológica para ambos o sistema geral de língua e para textos particulares. Ele é realizado por meio da linguagem; e sendo realizado pela linguagem por meio da linguagem significa que ele cria e é criado pela linguagem (MATTHIESSEN; HALLIDAY, 2009, p. 88).

Para se conhecer essas seleções linguísticas, faz-se necessária a exploração dos significados que a expressão “Vem Pra Rua” possa ter assumido, e sobre esse aspecto Stubbs (1996, p. 107) nos aponta que: “Nenhum termo é neutro. A escolha de palavras expressa a posição ideológica”. Baker (2006, p. 47-48) acrescenta que:

É a tensão entre esses dois estados – língua como um conjunto de regras versus livre escolha – que faz o conceito de frequência tão importante. Se as pessoas falam ou escrevem de uma maneira inesperada, ou fazem uma escolha linguística ao invés de outra, a mais óbvia, então, revela alguma coisa sobre suas intenções, sejam elas conscientes ou não.

Além disso, é relevante destacar que, para Bakhtin (2002), a comunicação verbal jamais pode ser interpretada fora de situações concretas, visto que a língua vive e evolui historicamente e não na abstração de um sistema (linguístico ou psicológico). Esses conceitos também conduziram o autor (2002) a propor a seguinte ordem metodológica para o estudo de uma língua:

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza. 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual (BAKHTIN, 2002, p. 124).

Após explicada a necessidade de um estudo do trecho “Vem Pra Rua” e suas supostas ressignificações baseadas no contexto social, cabe explicitar o modo como serão processadas as etapas de análise.

3. Corpus e metodologia

Este trabalho analisa corpora compostos por postagens dos internautas acerca das manifestações em dois momentos: junho-julho de 2013 e janeiro-março de 2015. Os ambientes virtuais escolhidos para essa compilação foram os seguintes: em 2013, Facebook, o site jornalístico G1 e sites de vídeos como Youtube; em 2015, somente Facebook. Todas as mensagens postadas foram copiadas, coladas e armazenadas em extensão .txt para posterior utilização em um programa de análise lexical. Cabe destacar que esta pesquisa possui metodologia de caráter híbrido (quantitativo e qualitativo). O aspecto quantitativo se verifica pela frequência da expressão “Vem Pra Rua” constante na lista de concordâncias. E sobre o ponto de vista qualitativo, ressaltam-se as interpretações acerca da mesma expressão com a finalidade de, se possível, generalizar aspectos linguísticos e a visão de mundo que nortearam as manifestações de 2013 e 2015.

As mensagens foram armazenadas em arquivo .txt[5] separadamente em uma pasta de acordo com o ambiente virtual de origem de cada uma. Do Facebook foram utilizadas duas páginas: uma intitulada Vem Pra Rua de 2013 e outra denominada Vem Pra Rua Brasil, datada de 2015. Essas páginas do Facebook são compostas pela postagem de tirinhas, vídeos, charges e fotos de cartazes, tudo isso voltado para os protestos. Tais postagens deram origem a inúmeros comentários feitos pelos internautas e que foram coletados e armazenados como exposto acima.

O jornal online G1 publicou reportagens sobre as manifestações entre junho e julho de 2013. Além disso, abriu espaço para que os leitores comentassem sobre as publicações e essas postagens foram selecionadas para compor os corpora desta pesquisa

A terceira fonte de mensagens diz respeito ao site de vídeos Youtube, onde foi postada a propaganda da Fiat e, posteriormente, um vídeo com a música dessa propaganda e cenas dos protestos. O foco da análise será a observação dos usos da linguagem dos internautas, investigando as produções linguísticas (posts) contemporâneas.

Como auxílio a esta análise, será utilizado um programa chamado Wordsmith Tools v.5 (2011) e duas de suas ferramentas básicas: um Listador de Palavras (Wordlist) e um Concordanciador (Concord), muito utilizados na área de Linguística de Corpus. Sobre essa área do conhecimento, Berber-Sardinha (2004, p. 3) nos ensina que

a Linguística de Corpus ocupa-se da coleta e da exploração de corpora ou conjuntos de dados linguísticos textuais coletados criteriosamente, com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade linguística. Como tal, dedica-se à exploração da linguagem por meio de evidências empíricas, extraídas por computador.

A escolha do Wordsmith Tools se deu por ser um programa de investigação do comportamento das palavras nos diversos contextos de um corpus. Dessa forma, este trabalho se concentra na análise das escolhas feitas pelos internautas ao redigirem suas postagens, buscando averiguar, através de evidências empíricas, os sentidos conferidos às mensagens. Inicialmente, são analisadas todas as postagens referentes à expressão “Vem Pra Rua”.

A partir da extração de uma Lista de Concordâncias (Figura 1), observam-se as frases em que “Vem Pra Rua” aparece. Já na Figura 2, destaca-se a mesma Lista de Concordâncias organizada no Word com frases geradas pelo Programa Wordsmith, as quais são examinadas neste artigo:

Lista gerada pelo Wordsmith com concordâncias de “Vem Pra Rua”.
Figura 1
Lista gerada pelo Wordsmith com concordâncias de “Vem Pra Rua”.
própria, criada em 05 de abril de 2015.

Quadro com as frases relacionadas à expressão “Vem Pra Rua” que serão analisadas neste estudo.
Figura 2
Quadro com as frases relacionadas à expressão “Vem Pra Rua” que serão analisadas neste estudo.
própria, criada em 05 de abril de 2015.

Com o auxílio do recurso Concord do Wordsmith, foram geradas duas listas, uma delas com 281 (duzentas e oitenta e uma) concordâncias da expressão “Vem Pra Rua” do corpus de 2013 e outra lista com 725 (setecentas e vinte e cinco) concordâncias, do corpus de 2015. A Figura 2 ilustra o exemplo dessas concordâncias dos corpora de 2013. Segundo Baker (2006, p. 71), a definição de concordância é “uma lista de todas as ocorrências de um termo em particular em um corpus, presentes no contexto em que eles ocorrem; geralmente com algumas palavras à esquerda e à direita do termo procurado”.

Isso posto, será explicada, a partir do próximo capítulo, a análise de alguns achados sobre o “Vem Pra Rua”, averiguando se houve ou não modificação de sentidos no decorrer do tempo quanto à expressão citada.

4. Análise e discussão dos resultados

Esta seção trata da análise da expressão “Vem Pra Rua” comparando os achados nos corpora de 2013 e 2015, buscando averiguar possíveis evoluções de sentidos pelas quais a expressão tenha passado.

4.1 Vem Pra Rua (2013): análise e discussão

No corpus de 2013, “Vem Pra Rua” é inicialmente, mencionado como música do grupo O Rappa, utilizada no comercial da montadora Fiat para a Copa das Confederações.

 Comercial da montadora Fiat para a Copa das Confederações.
Figura 3A
Comercial da montadora Fiat para a Copa das Confederações.
https://www.youtube.com/watch?v=vvJt-Mpz8us. Acesso em: 31 jul. de 2015

Comercial da montadora Fiat para a Copa das Confederações.
Figura 3B
Comercial da montadora Fiat para a Copa das Confederações.
https://www.youtube.com/watch?v=vvJt-Mpz8us. Acesso em: 31 jul. de 2015.

Na Figura 3A e B se observam os exemplos da expressão “Vem Pra Rua” como referências ao sentido musical, representando postagens de internautas feitas no Youtube acerca da propaganda da Fiat. Verifica-se nesse ponto a identificação primária da expressão “Vem Pra Rua”, cujos relatos remetem à música e ao comercial. Inicia-se, então, a investigação da apropriação dos sentidos a serem desenvolvidos.

Depois da identificação do trecho “Vem Pra Rua” como música e propaganda, constatam-se alusões sobre a canção como hino e indicação como movimento. Na Figura 4A, B, C e D constatam-se alguns exemplos das mudanças no uso da expressão.

Postagens com uso de “Vem Pra Rua” como convocação para as manifestações.
Figura 4A
Postagens com uso de “Vem Pra Rua” como convocação para as manifestações.
https://www.youtube.com/watch?v=vvJt-Mpz8us. Acesso em: 31 jul. 2015.

Postagens com uso de “Vem Pra Rua” como convocação para as manifestações.
Figura B
Postagens com uso de “Vem Pra Rua” como convocação para as manifestações.
https://www.youtube.com/watch?v=vvJt-Mpz8us. Acesso em: 31 jul. 2015.

Postagens com uso de “Vem Pra Rua” como convocação para as manifestações.
Figura C
Postagens com uso de “Vem Pra Rua” como convocação para as manifestações.
https://www.youtube.com/watch?v=vvJt-Mpz8us. Acesso em: 31 jul. 2015.

 Postagens com uso de “Vem Pra Rua” como convocação para as manifestações.
Figura D
Postagens com uso de “Vem Pra Rua” como convocação para as manifestações.
https://www.youtube.com/watch?v=vvJt-Mpz8us. Acesso em: 31 jul. 2015.

Além das referências à música e ao comercial da Fiat, “Vem Pra Rua” é analisado no corpus como convocação para as manifestações que aconteciam no Brasil entre junho e julho de 2013. A seguir, verificam-se alguns exemplos de como os internautas fizeram uso das redes sociais como campo de interações no contexto dos protestos que se propagavam pelo país.

Uso de “Vem Pra Rua” na rede social Facebook.
Figura 5
Uso de “Vem Pra Rua” na rede social Facebook.
https://www.facebook.com/AMaiorArquibancadaDoBrasil/videos/149355125257422/?video_source=pages_finch_thumbnail_video. Acesso em: 19 jun. 2013.

Os comentários da Figura 5 demonstram a participação dos internautas fazendo uso da expressão “Vem Pra Rua” como convocação para os protestos. Nota-se a mudança de sentidos pelas quais a expressão tem passado: em 2013, constatam-se alusões ao título de música e referência a um comercial, passando a se apresentar como uma chamada para manifestações.

Outra característica das postagens da Figura 5 é o uso de hashtags[6]. Carreira et al. (2014) realizaram um estudo sobre ressignificações da hashtag. Os autores buscaram compreender as aplicabilidades surgidas a partir da união de #VemPraRua e elementos visuais, constatando que a dinâmica nos compartilhamentos de informações da internet tem proporcionado novas significações.

Considerando o dinamismo com que as informações são veiculadas na internet, a mudança no sentido de “Vem Pra Rua” começa a tomar formas mais abrangentes, nos levando a aprofundar as investigações sobre possíveis novos significados para essa expressão.

Os exemplos da Figura 5 dizem respeito às abordagens de “Vem Pra Rua” entre junho e julho de 2013, época em que as manifestações começavam no Brasil. Nesse período, a expressão remete às ideias de música, comercial, movimento e convocação para protestos. Cabe lembrar que se faz necessário analisar outras questões linguísticas envolvidas nas postagens dos internautas, assim como os participantes e as causas para a realização dos protestos.

4.2 Vem Pra Rua (2015): análise e discussão

Após verificação dos significados de “Vem Pra Rua” em 2013, foram consideradas as observações quanto aos comentários realizados entre janeiro e março de 2015. As postagens foram retiradas da página Vem Pra Rua Brasil e foram arquivadas.

Depois de usado o software Wordsmith tools (v. 5.0) (WORDSMITH, 2011), foi criada uma lista com as frases relacionadas a “Vem Pra Rua”. Observam-se algumas diferenças acerca das postagens dos internautas, em que “Vem Pra Rua” deixa de ser o título da música, referência ao comercial ou chamada para protestos e assume a função de perfil no Facebook. Essa função de perfil aparece nas postagens de 2015.

Os usuários da página fazem sugestões e perguntas a um moderador, são correspondidos e recebem informações sobre o movimento. O nome “Vem Pra Rua”, que inicialmente foi identificado como título de uma música, agora se apresenta como perfil de um movimento, que se organiza e contribui com as interações entre pessoas de várias localidades, cujas pautas de reivindicação, ora convergem, ora divergem de opinião.

Quando a expressão “Vem Pra Rua” se apresenta como perfil Vem Pra Rua Brasil, são identificadas algumas peculiaridades que revelam funções desse perfil. Vem Pra Rua Brasil assume uma postura interativa: informando sobre as manifestações; respondendo questionamentos dos internautas; sugerindo formas de organização, ou seja, interagindo em uma rede social.

A expressão, que um dia foi letra de música, tornou-se convocação para manifestações e se estabelece como perfil no Facebook. Nas Figura 6 e 7, observam-se exemplos dessas interações entre janeiro e março de 2015:

perfil Vem Pra Rua Brasil no Facebook.
Figura 6
perfil Vem Pra Rua Brasil no Facebook.
https://www.facebook.com/VemPraRuaBrasil.org/photos/a.344411022406919.1073741828.344408492407172/399089550272399/. Acesso em: 28 fev. 2015.

postagens com a participação do perfil Vem Pra Rua Brasil no Facebook.
Figura 7
postagens com a participação do perfil Vem Pra Rua Brasil no Facebook.
https://www.facebook.com/VemPraRuaBrasil.org/photos/a.344411022406919.1073741828.344408492407172/409462945901726/. Acesso em: 18 mar. 2015.

Vale ressaltar que em outubro de 2014 surge a página Vem Pra Rua Brasil que conta com um manifesto que descreve suas finalidades e convoca pessoas e organizações que tenham os mesmos objetivos. Ao analisar a criação de um perfil em uma rede social, observam-se pontos de convergência com os estudos de Souza Júnior (2015), destacando-se os apontamentos sobre perfis meméticos definidos como:

Unidades que personificam uma identidade – uma celebridade, subcelebridade, ou anônimos – através da propagação de seus comportamentos ou fatos, fazendo com que essa cópia de perfil espelhe aquele que serve de inspiração para esse ato de replicação. Pode-se, porém, refratar hábitos, posturas e falas daquele que é copiado, alterando e expandindo, por sua vez, a representação daquela primeira identidade. Perfis meméticos podem, também, refletir ou refratar hábitos e posturas/missões de instituições, organizações, comunidades organizadas, etc. (SOUZA JÚNIOR, 2015 p. 49-50).

A característica de refletir hábitos, posturas ou missões de organizações é verificada nas mensagens do perfil Vem Pra Rua Brasil. Um exemplo é constatado na postagem sobre a organização do movimento programado para 15 de março. As cidades, horários e locais dos encontros são dispostos em uma lista, conforme Figura 8.

postagem sobre a organização de movimento pelo Vem Pra Rua Brasil no Facebook.
Figura 8
postagem sobre a organização de movimento pelo Vem Pra Rua Brasil no Facebook.
https://www.facebook.com/VemPraRuaBrasil.org/posts/406049142909773. Acesso em: 12 mar. 2015.

A partir da lista acima apresentada, surgem novas postagens específicas com os nomes de cada cidade separadamente. Essas propagações sugerem a criação de um perfil memético, uma vez que a identidade do Vem Pra Rua Brasil é personificada através da multiplicação de sua postura, corroborando para expandir sua representação. Os exemplos dessa propagação podem ser conferidos na Figura 9:

Multiplicação e propagação da identidade de Vem Pra Rua Brasil.
Figura 9
Multiplicação e propagação da identidade de Vem Pra Rua Brasil.
https://www.facebook.com/VemPraRuaBrasil.org/photos_stream. Acesso em: 19 jun. 2015.

Ainda sobre as características de um perfil memético, observa-se que, nas postagens feitas pelos internautas, há a aparição de falas que refletem as ideias veiculadas pela entidade agora instituída em uma rede social: Vem Pra Rua Brasil. As mensagens estudadas apontam opiniões convergentes e divergentes, ressaltando-se falas que apoiam atos dos protestos em contraste com questionamentos sobre a conduta da organização Vem Pra Rua Brasil. A seguir, nas Figuras 10 e 11, constatam-se exemplos de algumas interações dos internautas:

interação de internauta no Facebook.
Figura 10:
interação de internauta no Facebook.
https://www.facebook.com/VemPraRuaBrasil.org/photos/a.344411022406919.1073741828.344408492407172/393759564138731/. Acesso em: 17 fev. 2015.

interação de internauta no Facebook sobre atuação de Vem Pra Rua Brasil.
Figura 11
interação de internauta no Facebook sobre atuação de Vem Pra Rua Brasil.
Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2015.

As interações convergentes e divergentes, expostas nas Figuras 10 e 11, nos remetem à natureza da linguagem constitutivamente dialógica, uma vez que revelam embates ideológicos sobre o contexto social e político do Brasil à época. Nesse sentido, as ideologias reveladas no discurso dos internautas são diretamente um reflexo da participação deles em diferentes comunidades de prática (LAVE & WENGER, 2002), ao mesmo tempo em que apresentam as identidades por eles constituídas no decorrer das interações com o(s) outro(s) nessas redes sociais. À medida que essas identidades entram em conflito, são questionadas e analisadas, observa-se o surgimento de um espaço para (re)construção de identidades, espaço esse que possibilita maior interação dos participantes envolvidos.

5. Considerações finais

A análise de “Vem Pra Rua” como nome nos remete à variedade de sentidos conferidos a essa expressão em dois momentos de manifestações: anos de 2013 e 2015. A constatação da evolução dos sentidos, baseada no princípio de funcionalidade (SOUZA JÚNIOR, 2015, p. 52), partiu de uma letra de música e tema de propaganda, passando por nome de movimento e culminando em uma organização que conta inclusive com um manifesto. Cabe lembrar que dentro desse processo evolutivo, “Vem Pra Rua” destacou-se também como expressão convocatória para os protestos. O Vem Pra Rua Brasil surgiu em dado momento com o status de perfil, em cuja evolução observa-se, a partir do mecanismo de ressignificação (FAIRCLOUGH, 2001; SOUZA JÚNIOR, 2015), a interação dos internautas e a (re)construção de identidades, fazendo do espaço virtual um campo de engajamento discursivo e troca de conhecimento.

Ressalta-se aqui o apontamento para a investigação das circunstâncias que motivaram esse movimento popular, contando com a internet como ferramenta para as interações e construção de conhecimento. O advento das redes sociais traz novas formas de interações com o mundo, dando aos internautas a oportunidade de (re)construírem suas identidades e o mundo físico que os cerca.

Referências

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STUBBS, M. Text and corpus analysis. Oxford: Blackwell, 1996.

WORDSMITH Tools. Version 5. Liverpool: Lexical Analysis Software, 2011.

Notas

1 Dissertação a ser publicada no ano de 2016.
2 Segundo página da Wikipédia https://pt.wikipedia.org/wiki/Anonymous (acessada em 13 jun. 2016), trata-se de um termo em inglês que em português significa “anônimo”, originado em 2003. Representa o grupo de usuários online que se conectam simultaneamente em um único sistema de processamento da informação. Trata-se também de um termo usado entre pessoas que usam o ambiente virtual, mas preferem não se identificar. Sob a denominação de Anonymous, uma comunidade online tem se valido desta expressão para atuar em favor dos direitos do povo perante os governantes. Em 2008, o coletivo Anonymous foi associado ao hacktivismo, participando de protestos e ações que visavam a liberdade na internet e a liberdade de expressão.
3 Para este estudo, considera-se a atuação do Movimento Passe Livre em 2013, cabendo destacar que, segundo o site MPL http://www.mpl.org.br/, esse movimento social é datado de 2003 e se caracteriza pelas discussões acerca do transporte público.
4 Disponível em: http://www.vagalume.com.br/o-rappa/vem-pra-rua-jingle-fiat.html . Acesso em: 13 jun. 2016.
5 Segundo pesquisa na Wikipédia https://pt.wikipedia.org/wiki/Arquivo_de_texto, (acessada em 14 jun. 2016), .txt é uma extensão de arquivo de textos. Nesse formato, encontra-se uma espécie de ficheiro informático estruturado como uma sequência de linhas. Devido à sua simplicidade, arquivos texto são comumente utilizados para armazenamento de informações.
6 Hashtag é uma expressão bastante comum entre os usuários das redes sociais na internet. Consiste de uma palavra-chave antecedida pelo símbolo #, conhecido popularmente no Brasil por "jogo da velha" ou "quadrado". As hashtags são usadas para categorizar os conteúdos publicados nas redes sociais, ou seja, cria[r] uma interação dinâmica do conteúdo com os outros integrantes da rede social, que estão ou são interessados no respectivo assunto publicado. Com a utilização da hashtag em uma publicação, o conteúdo ficará disponível para qualquer pessoa que acesse a mesma hashtag sobre o assunto, permitindo-a comentar, compartilhar ou curtir o conteúdo (SIGNIFICADO, online).

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