Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Letramento literário na EaD: rodas de conversa em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa
LITERARY LITERACY IN DISTANCE EDUCATION: CONVERSATION GROUPS ON AFRICAN LITERATURES OF PORTUGUESE LANGUAGE
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 9, núm. 1, pp. 108-119, 2016
Universidade Federal de Minas Gerais

Educação e Tecnologia


Recepção: 27 Fevereiro 2016

Aprovação: 18 Maio 2016

DOI: https://doi.org/10.17851/1983-3652.9.1.108-119

Resumo: O artigo pretende apontar para os alcances da EaD na democratização do conhecimento de modo geral e, mais especificamente, na promoção da formação do leitor literário. Refletindo sobre a ferramenta fórum e as rodas de conversa em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, busca-se evidenciar que o docente, quando atua como mediador no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), pode promover o alargamento e o aprofundamento da experiência literária dos alunos, garantindo-lhes o “direito à literatura”. A discussão do referencial teórico procura amparar as considerações sobre os alcances das novas tecnologias acerca da promoção da experiência literária nos ambientes acadêmicos, a qual tem sido gradativamente substituída pelos estudos extraliterários que envolvem a obra.

Palavras-chave: educação a distância, letramento literário, literaturas africanas de língua portuguesa, rodas de conversa.

Abstract: This article aims at pointing to the reaches of Distance Education in the democratization of the knowledge in general and, more specifically, in the promotion of the literary reader formation. Reflecting about the tool “forum” and the “Chat groups” on African Literature of Portuguese language, it is sought to evidence that the professors, when work as mediators in the Virtual Learning Environment (VLE), can promote the extension and the depth of the students’ literary experience, which guarantee to them “the right to literature”. The discussion of the theoretical framework aims at supporting the considerations about the range of the new technologies on the promotion of the literary experience in the academic environments, which has been gradually replaced by extra-literary studies that involve the work.

Keywords: distance education, literary literacy, African literature of Portuguese language, chat groups.

1. Introdução

Este artigo apresenta uma possibilidade de mediação do docente na modalidade EaD para a formação do leitor literário, a partir das rodas de conversa realizadas na disciplina de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa do curso de Letras. Partindo de um breve olhar para algumas práticas desenvolvidas no ambiente virtual de uma instituição de ensino que utiliza a plataforma Moodle[1], pretende-se discutir os alcances e os limites da ferramenta fórum como estratégia para a formação do leitor literário de textos africanos de língua portuguesa. A partir da reflexão sobre os saberes e as práticas necessárias para a formação inicial dos futuros professores de língua e de literatura, espera-se evidenciar que o fórum se constitui não só como um espaço privilegiado para a promoção da experiência literária, mas também como um desafio permanente, fundamentalmente quando a área do saber é ainda pouco conhecida da comunidade em geral, caso das literaturas africanas de língua portuguesa.

Dados divulgados pelo Instituto Pró-Livro (2011) mostram que cada vez se lê menos e com menor qualidade, embora a comunidade atribua cada vez mais valor à leitura. Todorov, em A literatura em perigo (2009), convida a refletir sobre essa dinâmica ao avaliar que, “na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos” (2009, p. 27). Segundo ele, o problema do ensino da literatura está na ênfase que se dá em sala de aula aos aspectos exteriores à obra e ao fato de os alunos serem pouco estimulados a ler e a falar sobre a obra literária. Para reverter o quadro da leitura do texto literário, o professor tem função primordial ao possibilitar aos alunos o contato direto com a literatura.

Refletindo sobre essa mediação, o desafio do docente no ensino a distância se acentua, uma vez que este é ainda um território pouco explorado quando se pensa na formação do professor de literatura. Como construir contextos no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) para promover a leitura literária dos alunos, professores em formação inicial? Como o professor pode mediar as aproximações e os afastamentos entre o público e a obra sem simplesmente impor uma série de informações acerca do livro, do autor, do período histórico, desviando-se da sua função primeira, a qual, segundo Todorov (2009), está na elaboração de estratégias para que os alunos mergulhem nos livros? Como possibilitar o diálogo formativo sobre os textos literários em um ambiente reconhecido por ser avesso ao que se entende por experiência estética?

O pressuposto de que, contemporaneamente, a Educação, em todos os seus níveis, deve contribuir para que os cidadãos intervenham na realidade de forma crítica e criativa obriga o professor empenhado na formação do leitor literário a fazer uma cuidadosa reflexão sobre os alcances e os limites da sua prática docente.

Já na EaD, o ambiente virtual impõe ao docente, também, que esteja preparado para lidar com o ensino a distância – preparação que, como se sabe, só ocorre na prática, aliás, tal qual acontece no ensino presencial. Entretanto, para o ensino a distância, cabe a ressalva de que há, além das questões relativas às práticas docentes, a necessidade de um aprendizado tecnológico específico por parte do professor, de que ele pesquise, inicialmente, estratégias que garantam a sua aproximação com o discente, a fim de promover os vínculos de empatia que permeiam qualquer relação de ensino e de aprendizagem.

Quando o professor é desafiado a atuar numa nova visão quanto ao processo de ensino e de aprendizagem poderá encontrar dificuldades, até mesmo pessoais, de se colocar em uma diferenciada ação docente. Geralmente, essa dificuldade se inicia pela própria compreensão da necessidade de ruptura com o repasse tradicional (ANASTASIOU; ALVES, 2003, p. 71).

O que Anastasiou e Alves (2003) observam a respeito do saber docente, ao se referirem inclusive às questões pessoais do professor quando em contextos educacionais novos, deve ser visto, no âmbito deste artigo, dentro de um espectro ainda mais “estranho”, a saber, o ensino das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. O ensino de literatura já atravessa hoje uma crise que traz à tona problemas de ordens diversas, que vão da formação (inicial e continuada) dos professores à dificuldade de encontrar tempo para a fruição do texto. Inúmeras são as pesquisas que apontam (para saber mais, ver em AGAZZI, 2014) para o fato de que há um crescente distanciamento entre leitor e livro, apesar de o mercado livreiro estar aquecido e de as festas literárias se multiplicarem pelo país. Não à toa, consolidou-se o termo “letramento literário” (COSSON, 2009) para fazer referência especificamente à introdução do público nas letras literárias. O desafio gera impasses e problemas que exigem do professor de literatura a permanente disponibilidade para trabalhar com seus colegas, em grupos, firmando parcerias e desenvolvendo trabalhos interdisciplinares. De Dom Quixote aos Três Mosqueteiros, a literatura só chegará à subjetividade dos alunos se ela for inserida em novos contextos.

É neste ponto que se adensa o desafio descrito por Anastasiou e Alves (2003) ao se referir à relação que o docente tem com o contexto específico do ensino a distância. Diante do novo, o velho problema do ensino da literatura parece insuperável no AVA, ainda mais quando é necessário abordar uma área com a qual a comunidade tem pouca intimidade. Incorporada como disciplina em alguns cursos de Licenciatura em Letras por causa da Lei 11.645/2008, a qual determina a obrigatoriedade do ensino da cultura e história africanas e indígenas, as Literaturas africanas de língua portuguesa são ainda pouco exploradas, seja pelos professores, seja pelos alunos. Nesse contexto, o professor é desafiado a construir uma nova visão não só sobre o ensino de literatura na modalidade EaD como também sobre o ensino das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.

2. A sala de aula no AVA e o ensino de literatura

Um dos primeiros desafios enfrentados no ensino superior a distância está relacionado ao ingresso de alunos que não têm habilidade tecnológica e demoram a entender como funciona o ambiente virtual de aprendizagem. Uma abordagem inicial deve ser realizada por meio das ações dentro dos polos, que é o lugar físico de referência aonde os alunos se dirigem para a realização das ações presenciais, necessárias no ensino a distância:

As instituições escolares vêm sendo pressionadas a repensar seu papel diante das transformações que caracterizam o acelerado processo de integração e reestruturação capitalista mundial. De fato, o novo paradigma econômico, os avanços científicos e tecnológicos, a reestruturação do sistema de produção e as mudanças no mundo do conhecimento afetam a organização do trabalho e o perfil dos trabalhadores, repercutindo na qualificação profissional e, por consequência, nos sistemas de ensino e nas escolas (LIBÂNEO, 2004, p. 43).

Diante desse cenário, o professor se vê à frente de uma situação na qual ele será a ponte através da qual muitos alunos ingressarão nesse mundo totalmente desconhecido para eles, o da tecnologia. Por isso, muito antes de se pensar em quais estratégias utilizar para que os alunos se apropriem do conhecimento inerente às disciplinas estudadas, seja Literaturas Africanas ou não, deve-se pensar em como realizar a inclusão de alunos que vivem à margem dos avanços tecnológicos. Surge, então, uma nova missão ao professor, a qual diz respeito à primeira mediação docente no AVA. Ele precisa criar estratégias para mediar tal situação de modo a levar o aluno a entender que ele é capaz de superar essa primeira etapa, para que se cumpra o que afirmam Anastasiou e Alves, ao observar que “o estudante efetiva construções mentais variadas nesse processo de apropriação do conhecimento” (2003 p. 70).

Em um primeiro momento, a dificuldade de lidar com o ensino a distância pode levar o aluno a crer que ele não é capaz de prosseguir seus estudos, inclusive, porque há uma exigência ainda maior no que diz respeito à autonomia que deve ter para acessar aulas, ler os textos, pesquisar e participar do ambiente virtual de aprendizagem. Nessa fase, o professor precisa evidenciar ao aluno que a construção dos conhecimentos depende não apenas do seu envolvimento pleno com o curso, mas também de sua disponibilidade de se apropriar das novas tecnologias:

[...] é fato que as novas realidades do mundo do trabalho requerem trabalhadores com mais conhecimento, cultura, preparo técnico. Sendo assim, o usufruto ou a falta da educação básica (incluindo novas habilidades cognitivas e competências sociais) passa a ser determinante da condição de inclusão ou exclusão social, porque o mercado de trabalho não aceita mais mão-de-obra não qualificada (LIBÂNEO, 2004 p. 5).

O professor não é mais o transmissor de conhecimento e sim o mediador entre o discente e a percepção que este tiver em relação aos objetos de estudo. O aluno passa a agir como um autodidata, mas não caminha sozinho, porque no processo de ensino e de aprendizagem o docente-mediador atua no sentido de proporcionar que o discente não “assista às aulas”, mas “faça as aulas”:

Nas instituições em que processos de profissionalização já ocorrem como experiências sistemáticas, a adoção de novas maneiras de fazer aula também se torna habitual. Isso porque já existe a preocupação com processos em que o aluno atue de forma significativa, responsável e com crescente autonomia, na busca da construção do conhecimento: supera-se o assistir pelo fazer aulas (ANASTASIOU; ALVES, 2003, p. 73).

Tendo que acessar os conteúdos, assistir às videoaulas, realizar as atividades segundo um ritmo e um modo próprios, os alunos têm a oportunidade de dar forma para como será a sua relação com cada uma das disciplinas. É nessa relação que os alunos devem se mobilizar junto aos seus professores, a fim de que se realize a aprendizagem no AVA. Os alunos passam, pois, por uma reflexão sobre como aprendem, mas isso só se efetivará se houver um interesse do professor em contribuir para que eles descortinem as relações de ensino e de aprendizagem nas quais estão envolvidos.

Em se tratando de ensino de literatura, os conteúdos disponibilizados na sala de aula virtual para os discentes é um ponto de partida que só interessa se houver um diálogo entre os participantes do grupo. Os conteúdos, no geral, são de contextualização da obra, trazendo dados extraliterários e informações importantes, mas que não garantem a experiência literária. A privação da leitura da obra condena a literatura a perder o que lhe é próprio e único, tornando-a mais uma mercadoria.

O voo que a educação literária deve proporcionar aos leitores depende de a literatura poder desempenhar plenamente sua vocação humanizadora, ao possibilitar ao público a experiência de se tornar um permanente “conhecedor do ser humano”. Caso contrário, a literatura estará ao lado de outras mercadorias inúteis, que se impõe no espaço-tempo como mais um entre os muitos obstáculos a serem administrados e os leitores permanecerão às margens da obra e da necessidade de compreendê-la como objeto de fruição vivo, dinâmico e contextualizado, que gera contradições e estabelece a crise. Essa é, ao fim, a concepção de literatura que pode tirar a literatura do limbo e livrá-la do perigo de perder todo o seu potencial revolucionário (TODOROV, 2009, p. 93).

Com o intuito de promover a reaproximação entre leitor e texto, o ensino de literatura deve se mover prioritariamente pelas próprias experiências de leitura dos alunos. Para tornar a troca das experiências literárias viável na EaD, as rodas de Conversa se mostraram ser uma estratégia significativa. Ao elaborar um comentário sobre os reflexos de alguma leitura em suas subjetividades, os estudantes constroem um lugar de partilha e de diálogo, o qual acaba por consolidar um repertório coletivo suficientemente amplo e profundo de experiências. Esse lugar, forjado no presente, recupera fragmentos do passado, que se anunciam como possibilidades futuras de leitura e de aprendizagens.

3. As Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e as rodas de conversa no AVA

O processo de apropriação do saber demanda tempo e espaço favorável para que aconteça a sinergia adequada entre aluno, professor e ambiente de aprendizagem. No AVA, atuam os profissionais diretamente envolvidos na ação letiva, que são os coordenadores, os professores, os tutores e os monitores mediando o processo de ensino e de aprendizagem entre os conteúdos propostos e o aluno. Em se tratando do ensino de Literaturas Africanas, a resistência encontrada com relação ao ensino e ao aprendizado dos temas que são inerentes a essa disciplina por causa do desconhecimento compõe uma problemática a mais a qual exigirá uma ação mais assertiva. A Lei 11.645/08, apesar de já ter completado doze anos desde a sua primeira formulação (inicialmente promulgada como 10.649/03), não atingiu seus objetivos, como se verifica em uma abordagem superficial de quais são os cânones tratados no espaço escolar e nos grandes vestibulares e qual é o conhecimento da comunidade sobre as africanidades.

Para lidar com as resistências diante de tal área do saber, é preciso que o docente tenha construído um repertório suficiente para validar a disciplina diante de todos os envolvidos no AVA. Não se trata apenas de persuadir o aluno da importância das literaturas africanas de língua portuguesa, mas de construir um discurso, evidentemente marcado ideologicamente, capaz de envolver a comunidade e impulsioná-la a superar, em um primeiro momento, a dificuldade de ler o texto literário e, depois, o africano de língua portuguesa.

A fim de fazer este exercício de persuasão, o docente precisa explorar as ferramentas disponíveis no AVA. De imediato, o campo destinado à comunicação entre os alunos e os profissionais já citados, o das mensagens, precisa funcionar de modo eficaz. Nele, a interação docente-discente acontece de forma privada, ou seja, as dúvidas do aluno não são expostas, permitindo que ele não se sinta constrangido, deixando às vezes de interagir com os profissionais que ali estão. Na comunicação individualizada, o docente pode iniciar práticas de motivação de modo mais pessoal e até personalizado, mas esta iniciativa traz resultados tímidos, porque não atinge todo o grupo e não prepara a coletividade para estabelecer os “laços” com as obras em questão.

As aulas expositivas, que se dão através de videoaulas, constituem sem dúvida uma outra fonte de motivação, uma vez que elas veiculam o discurso do professor em torno das obras e impulsionam as discussões. Também as aulas-texto, disponibilizadas no ambiente virtual pelos professores como ferramenta de estudo, podem motivar a aproximação entre os alunos e os textos literários. Entretanto, tais ferramentas não preveem a exposição dos alunos, a construção do discurso discente, a elaboração de um corpo coletivo concreto na sala, o que só se dará com a participação efetiva dos alunos. Em suma, não são suficientes para superar “o assistir pelo fazer aulas” (ANASTASIOU; ALVES, 2003, p.73).

Após lerem as aulas-texto, assistirem às videoaulas, pesquisarem a bibliografia recomendada, os alunos devem realizar as atividades avaliativas. Durante o semestre letivo, eles realizam as avaliações e a prova presencial embasados no conteúdo trabalhado em cada disciplina. Nos cursos de Bacharelado e de Licenciatura, os alunos devem realizar as Atividades Complementares e fazer o Estágio. Sem dúvida, os momentos avaliativos alcançam alguma motivação, mesmo que seja a de obter o diploma. Mas não está aqui ainda a possibilidade de motivação para o pretendido letramento literário em africanidades de língua portuguesa, que deve garantir em toda a sua plenitude a melhor qualidade possível para atender à diversidade de perfis com que o ensino a distância lida:

[...] a Educação a Distância constitui um recurso de incalculável importância para atender grandes contingentes de alunos, de forma mais efetiva que outras modalidades e sem riscos de reduzir a qualidade dos serviços oferecidos em decorrência da ampliação da clientela atendida (ALVES, 2011, p. 84).

Para se estabelecerem as relações entre os alunos e o texto literário que se vai ler, é preciso ir além do que está previsto pelos conteúdos, atitudes e procedimentos básicos e obrigatórios do ensino a distância, a fim de que o envolvimento se dê pelo próprio sentido que o conhecimento a ser construído passa a anunciar na vida do discente. Nesse contexto, a avaliação atrapalha a motivação para o letramento literário, porque ela pode inclusive direcionar o aluno a acessar resumos de obras, comentários prontos, respostas disponíveis no mundo virtual. Para tanto, uma iniciativa realizada foi a de construir as rodas de conversa antes da proposta de leitura a ser realizada, com vistas a sensibilizar e mobilizar os alunos para se enredarem no desconhecido território das letras literárias africanas.

As rodas de conversa são uma metodologia de ensino e de aprendizagem utilizada com assiduidade na educação infantil, nos processos terapêuticos (em psicologia, por exemplo) e nos quais os sujeitos envolvidos precisam assumir decisões para a comunidade. Na educação superior, entretanto, essa metodologia é pouco praticada, talvez porque haja uma tendência nesse nível de ensino a priorizar os conteúdos de cada área. Elegendo os conteúdos como prioridade em detrimento do desenvolvimento de competências e de habilidades, há certo estranhamento quando as rodas de conversa são realizadas com o público jovem e adulto. Apesar desse pré-conceito, elas estão entre as metodologias de ensino que entendem a educação se dar, a um só tempo, de modo individual e coletivo, de modo participativo e ativo. Nascimento e Silva (2009, p. 1) afirmam que:

[…] consistem em um método de participação coletiva de debates acerca de uma temática, através da criação de espaços de diálogo, nos quais os sujeitos podem se expressar e, sobretudo, escutar os outros e a si mesmos. Tem como principal objetivo motivar a construção da autonomia dos sujeitos por meio da problematização, da socialização de saberes e da reflexão voltada para a ação. Envolve, portanto, um conjunto de trocas de experiências, conversas, discussão e divulgação de conhecimentos entre os envolvidos nesta metodologia.

Em se tratando de ensino de literatura, há ainda menos casos descritos da prática das rodas de conversa. Apesar disso, sabendo os desafios do ensino da literatura serem gerados pela falta da experiência literária (como se viu na abordagem de Todorov, 2009), as rodas de conversa pareciam ser uma metodologia interessante para reaproximar o leitor das obras, já que exigem dos estudantes o comprometimento com a prática, haja vista a necessidade de falar e de ouvir, de observar e aprender a ser observado.

Um dos poucos autores que trata das rodas de conversa – não no EaD, mas na modalidade presencial - é o pesquisador Cosson (2009). Para ele, as rodas são essenciais ao ensino de literatura, fundamentalmente, porque são altamente motivadoras. A aposta do autor é a de que, ao compartilhar a experiência literária, a comunidade contribui para a construção do leitor que fala e dos que ouvem, iluminando possibilidades para a relação do sujeito com sua subjetividade e os vínculos entre a comunidade.

Para que as rodas de conversa alcancem os resultados esperados é preciso que elas sejam tratadas como metodologias que requerem do professor o papel de mediador. Além disso, Cosson (2009) afirma que é essencial construir estratégias para motivar os alunos a se aproximarem do texto literário:

[...] a leitura demanda uma preparação, uma antecipação, cujos mecanismos passam despercebidos porque nos parecem muito naturais. Na escola, essa preparação requer que o professor a conduza de maneira a favorecer o processo da leitura como um todo. Ao denominar motivação a esse primeiro passo da sequência básica do letramento literário, indicamos que seu núcleo consiste exatamente em preparar o aluno para entrar no texto. O sucesso inicial do encontro do leitor com a obra depende de boa motivação (COSSON, 2009, p. 54).

A partir de diversas experiências e da análise da prática em sala de aula, Cosson (2009) avalia que, sem uma motivação suficiente, muitos alunos não chegarão ao texto literário, porque não terão estabelecido “laços estreitos com o texto que se vai ler a seguir” (COSSON, 2009, p. 55). Em busca desta que é considerada como uma etapa essencial para a experiência literária dos alunos, surge a questão de como motivá-los, por meio dos recursos disponíveis no AVA, a dedicarem tempo para a leitura literária dos textos africanos de língua portuguesa.

Como a área é pouco conhecida, assim como o são os países africanos de língua portuguesa, o objetivo das rodas de conversa é o de formar uma perspectiva para a recepção das obras a serem lidas, criando um ambiente favorável para a fruição delas. A sala pode prever diferentes rodas, atendendo a objetivos mais ou menos específicos.

Para realizá-las, a ferramenta utilizada foi o fórum, seja porque todos os alunos podem ler as postagens dos colegas, seja porque o professor pode mediar permanentemente os diálogos, seja porque ele admite outras linguagens como a postagem de imagens e músicas. Apesar de seu caráter assíncrono, o fórum possibilita aos alunos um encontro real entre eles e entre eles e o professor, já que cada um tem a opção de escolher com quem quer dialogar, que tipo de comentário deseja fazer, que dúvida precisa esclarecer. Sendo assim, surgem outras variáveis, como o grau de interação buscado, pois se pode discernir, em geral, se a postagem é somente reflexiva ou se é um convite explícito à interação.

Além disso, no ensino a distância, o fórum é a ferramenta que, certamente, favorece com maior frequência o encontro de um grande número de pessoas das mais variadas faixas etárias, de diferentes classes sociais, com experiências e interesses também muito diferentes, o que possibilita o enriquecimento da conversa e, ao fim e ao cabo, dos próprios participantes e até do professor.

Apenas para exemplificar, imaginemos que a sala do AVA de um sexto semestre do curso de Letras – quando os estudantes estão finalizando o estágio nas unidades escolares – apresente três rodas de conversa, sequenciais e em diálogo com os outros materiais disponibilizados:

Fórum 1: Para começo de conversa (primeira semana de aula)

Antes de iniciarmos os estudos sobre as literaturas africanas de língua portuguesa, vamos compartilhar conhecimento sobre a África? Pesquise, informe-se e teça comentários sobre alguns dos aspectos abaixo:

- você tem parentes oriundos de algum dentre os países africanos de língua portuguesa? E de algum outro país africano? Qual?

- você reconhece traços dos diversos países africanos na nossa cultura? Na vida da sua cidade? Na sua vida em particular?

- você sabe quais são os países africanos de língua portuguesa?

- você sabe qual foi o primeiro e o último país colonizado por Portugal a obter a independência?

- você conhece alguns elementos da cultura desses países?

- você tem comentários sobre a participação dos colegas realizada neste fórum?

Fórum 2: A Lei 11.645/08 (depois de um mês de aula)

Depois de ler atentamente o material disponível até o momento, as aulas-texto, as videoaulas, vamos avançar nas conversas?

- você reconhece alguma importância na Lei 11.645/08 no contexto escolar brasileiro? Por quê?

- na escola em que você leciona ou estagia, há algum tipo de trabalho com as literaturas africanas de modo geral? E com as de língua portuguesa especificamente? Comente livremente, explorando aspectos que julgar pertinentes.

Fórum 3: As literaturas africanas de língua portuguesa (depois de dois meses de aula)

Depois de ler atentamente o material disponível até o momento, as aulas-texto, as videoaulas, e também de pesquisar, vamos papear sobre os escritores africanos de língua portuguesa?

- você se identificou com algum escritor africano de língua portuguesa? Com qual? Por quê?

- você se identificou com algum texto em especial deste autor? Comente livremente.

O percurso estabelecido por essas três rodas de conversa procura motivar o grupo para que estabeleça uma relação com o texto a ser lido. A ideia é que o docente vá realizando intervenções significativas, orientando o olhar dos alunos e as discussões, mas não direcionando as opiniões. As rodas devem preservar a proposta de serem mais livres e mais gerais e não terem um único foco. Ainda assim, é necessário prever que elas alarguem e aprofundem as discussões a partir do que o grupo construir ao longo do período em que participar delas.

Por meio das rodas, o docente também conhecerá melhor os gostos e as tendências daquele grupo específico, podendo sugerir um conjunto de textos literários a serem lidos que parta do diálogo estabelecido nas rodas.

As rodas de conversa proporcionam o envolvimento dos estudantes com os textos literários de modo mais constante e mais intenso do que quando há propostas com questionários diretivos e objetivos. Além disso, conversar sobre uma obra incita os alunos a se apoiarem na interpretação do grupo, o que contribui substancialmente para a interação entre o sujeito leitor, individual, e a produção discutida. As rodas de conversa garantem uma aproximação mais livre entre texto e leitor, o que contribui para uma comunicação horizontal entre todos os estudantes e professores.

Sabendo que há hoje um distanciamento entre o leitor e os textos literários, as rodas de conversa se mostram como um momento profícuo para o letramento literário.

4. Considerações finais

A revolução tecnológica permitiu a ampla difusão de informação e diminuiu distâncias promovendo mais rapidamente a globalização e gerando consequências na educação. Não há como o sistema educacional se posicionar fora dessa esfera tecnológica até mesmo porque, resumidamente falando, muitos desses avanços são resultantes de pesquisas ocorridas dentro do âmbito escolar e, de acordo a LDB, as universidades têm como compromisso a pesquisa, a investigação científica e a divulgação dessas descobertas.

Assim, pode-se inferir que a EaD, principalmente no nível superior, é uma importante modalidade de ensino. Há de se quebrar paradigmas e romper preconceitos em relação ao ensino a distância, pois, como assinalado anteriormente, é possível, por meio de diferentes estratégias e ferramentas, que essa modalidade de ensino promova a construção do conhecimento e o aprendizado, independentemente da distância. Sem dúvida, quando se pensa no letramento literário o desafio se aprofunda, seja porque há hoje impasses com relação à formação mesma do leitor literário, seja porque está pressuposto que as aulas presenciais são requisitos para a motivação e o envolvimento dos alunos na experiência literária.

Entretanto, considerando o contexto atual, a educação a distância possui ferramentas adequadas e acessíveis para promover a formação do leitor literário tanto à população que usufrui de uma formação básica significativa e que lhe garante autonomia crítica, quanto à que vive à margem da economia e possui dificuldade para acessar a avalanche de informações transmitidas, principalmente, pela televisão.

Nesse contexto, a EaD pode ser uma modalidade importante para reparar o erro histórico de exclusão do universo literário de grande parte da população, que teve pouco ou quase nenhum contato com os textos literários. O docente, mediador, pode desenvolver estratégias de aprendizagem por meio de ferramentas específicas, a fim de que os alunos se sintam motivados a buscar no texto literário experiências que façam sentido para a sua subjetividade. O fórum, por proporcionar aos sujeitos o sentimento de pertença a um grupo e, com isso, o diálogo com o outro, é uma ferramenta da maior importância quando se pensa na motivação dos alunos, uma vez que neste espaço os alunos recebem estímulos de diferentes subjetividades. As rodas de conversa sugeridas podem seguir inúmeros modelos e servir aos mais diferentes contextos. O importante é que elas partam do olhar crítico que o docente tem do perfil da sua turma para que os objetivos sejam alcançados e que haja flexibilidade no curso para que as possibilidades de trabalho sejam alteradas de acordo com a condução do discurso construído coletivamente no fórum.

É dentro desse contexto que a formação do leitor literário em um ambiente virtual de aprendizagem, por meio da ferramenta fórum, oferece a oportunidade de um número maior de estudantes se pronunciar sobre o tema em estudo – no caso, as africanidades –, diminuindo, consideravelmente, a prevalência da fala do docente se comparada ao que acontece na sala de aula presencial. As rodas de conversa vêm demonstrar que todos têm algo a dizer e que, dizendo, aprendem, envolvem-se e exercem, como ilumina Candido (2004), seu “direito à literatura”.

A EaD e o ensino superior a distância democratizam o acesso à informação, à educação e à cultura, determinantes da qualidade da ação participativa da população na sociedade, e promovem a inclusão de milhares de indivíduos que, antes da expansão dessa modalidade, tinham menos possibilidade de se aprimorar profissional e culturalmente.

Referências

AGAZZI, G. L. Problemas do ensino da literatura: do perigo ao voo possível. Remate de Males. Campinas, SP, v. 34, n. 2, p. 443-458, jul./dez. 2014. Disponível em: http://revistas.iel.unicamp.br/index.php/remate/article. Acesso em: 10 set. 2015.

ALVES, L. Educação a distância: conceitos e sua história no Brasil e no mundo. Revista Brasileira de Educação Aberta e a Distância, São Paulo, v. 10, p. 83-92, 2011. Disponível em: http://www.abed.org.br/revistacientifica/Revista_PDF_Doc/2011/Artigo_07.pdf. Acesso em: 18 nov. 2014.

ANASTASIOU, L. G. C.; ALVES, L. P. Estratégias de ensinagem. In: ANASTASIOU, L. G. C.; ALVES, L. P. (Orgs.). Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 5. ed. Joinville, SC: Univille, 2003, p. 68-100. Disponível em: http://disciplinas.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?ide=68945. Acesso em: 10 out. 2014.

CANDIDO, A. O direito à literatura. In: CANDIDO, A. Vários escritos. São Paulo, Rio de Janeiro: Duas Cidades, 2004. p. 169-192.

CLARO, M. O que é moodle? Moodle Livre, 29 set. 2008. Disponível em: http://www.moodlelivre.com.br/tutoriais-e-dicas/974-o-que-e-moodle. Acesso em: 25 mai. 2016.

COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2009.

INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil. 2011. Disponível em: http://prolivro.org.br/home/images/relatorios_boletins/3_ed_pesquisa_retratos_leitura_IPL.pdf. Acesso em: 10 jun. 2015.

LIBÂNEO, J. C. Uma escola para novos tempos. In: LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 2004. p. 43-62. Disponível em: http://terras.edu.ar/aula/cursos/8/biblio/LIBANEO-Jose-Carlos-CAP-2-uma-escola-para-novos-tempos.pdf. Acesso em: 5 nov. 2014.

NASCIMENTO, M. A. G. do; SILVA, C. M. da. Rodas de conversa e oficinas temáticas: experiências metodológicas de ensino-aprendizagem em Geografia. In: ENCONTROS DE PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA, 10., Porto Alegre, 2009. Anais... Porto Alegre: Editor(a), 2009. Disponível em: http://www.agb.org.br/XENPEG/artigos/Poster/P%20(36).pdf. Acesso em: 3 mai. 2016.

TODOROV, T. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

Notas

1 “Moodle (Modular Object Oriented Distance LEarning) é um sistema gerenciamento para criação de curso online. Esses sitemas são também chamados de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) ou de Learning Management System (LMS)” (CLARO, 2008, s/p).

Ligação alternative



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por