Linguística e Tecnologia

UM ESTUDO SOBRE O CONCEITO AXIOLÓGICO DE ENTONAÇÃO NO GÊNERO DISCURSIVO PUBLICAÇÃO DO FACEBOOK

A STUDY ON THE AXIOLOGICAL CONCEPT OF INTONATION IN THE DISCOURSE GENRE ‘FACEBOOK POST’

Sergio Vale da Paixão
Instituto Federal do Paraná, Brasil
Renilson José Menegassi
Universidade Estadual de Maringá, Brasil

UM ESTUDO SOBRE O CONCEITO AXIOLÓGICO DE ENTONAÇÃO NO GÊNERO DISCURSIVO PUBLICAÇÃO DO FACEBOOK

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 13, núm. 2, pp. 17-31, 2020

Universidade Federal de Minas Gerais

Recepção: 28 Março 2020

Aprovação: 26 Maio 2020

Resumo: Este texto aborda o conceito de entonação, postulado pelo Círculo de Bakhtin. Nosso objetivo é compreender os aspectos axiológicos presentes nos discursos concretos a partir do conceito eleito, caracterizando-o como elemento de relação entre o discurso verbal e o contexto extraverbal do enunciado para a produção de sentidos nos discursos presentes na esfera virtual de comunicação. Procuramos compreender, a partir da análise do gênero, o conceito de entonação aplicado a essa publicação específica realizada no Facebook. A escolha do enunciado analisado ocorre pela necessidade de se problematizar as produções da esfera de comunicação virtual nos dias de hoje, em consonância com os estudos do Letramento Digital para fins de ensino e aprendizagem. Nessa direção, encontramos uma publicação que diz respeito ao contexto político vivido nos últimos tempos, a qual nos forneceu elementos necessários para que a análise pudesse ser concretizada. Assim, compreendemos que, nesse tipo de enunciado concreto, imprimem-se vozes sociais carregadas de valorações e identidades próprias dos contextos sociais e históricos dos sujeitos da enunciação, o que caracteriza a entonação como um aspecto que estabelece um vínculo entre a palavra e o contexto extraverbal. A partir desses resultados, entendemos como esse gênero discursivo pode ser trabalhado em situação de ensino e aprendizagem de língua.

Palavras-chave: Entonação, Letramento digital, Publicação do Facebook.

Abstract: This text addresses the concept of intonation, postulated by Bakhtin`s Circle. Our goal is to understand the axiological aspects present in concrete discourse from the concept chosen, characterizing it as an element of relationship between verbal speech and the extraverbal context of the statement, to produce meanings to the discourse present in the virtual sphere of communication. We tried to understand, from the analysis of the genre, the concept of intonation applied to this specific publication on Facebook. The choice of the statement analyzed occurs due to the need to problematize the productions of the sphere of virtual communication nowadays, in line with the studies of Digital Literacy for teaching and learning purposes. In this direction, we found a publication that concerns the political context experienced in recent times, providing us with the necessary elements so that the analysis could be carried out. Thus, we understand that, in this type of concrete statement, social voices are loaded with valuations and identities specific to the social and historical contexts of the subjects of the utterance, which characterizes intonation as an aspect that establishes a link between the word and the extraverbal context. From these results, we understand how this discursive genre can be worked in a situation of language teaching and learning.

Keywords: Intonation, Digital literacy, Facebook posts.

1 Considerações iniciais

As muitas contribuições a partir dos estudos do Círculo de Bakhtin, no Brasil, têm colaborado de forma expressiva para que algumas áreas do conhecimento, sobretudo a Educação, a Linguística e a Linguística Aplicada, se apropriem de suas considerações e proposições, subsidiando melhorias no que concerne ao ensino de línguas nas escolas do país. Dentre os inúmeros conceitos caros aos estudos do Círculo, interessa-nos, especificamente, compreender e caracterizar o elemento entonação, pertencente ao conceito axiológico proposto pelo dialogismo, a partir das considerações da literatura do próprio Círculo e de produções nacionais sobre o tema. Para tanto, buscamos ancoragem dialógica em quatro principais textos que nos fortalecem na compreensão: Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2010b), Problemas da Poética de Dostoiévski (VOLOCHÍNOV, 2014), Marxismo e Filosofia da Linguagem (1988) e Discurso na vida e Discurso na Arte (VOLOCHÍNOV, 2013).

Partimos de Bakhtin, expoente nos estudos enunciativos sobre a questão do caráter heterogêneo e dialógico da linguagem, os quais consideram que os sujeitos são históricos e sociais e que se relacionam via interações por meio da linguagem, conforme se fundamenta a produção teórica do Círculo, para realizar uma reflexão sobre o conceito de entonação e, na sequência, sistematizar algumas de suas características próprias, com vistas a analisá-las num enunciado concreto publicado na mídia social Facebook, como mostra representativa dessa compreensão.

É nessa direção que acreditamos ser importante uma melhor compreensão sobre o caráter dialógico da linguagem em seus enunciados concretos, reconhecendo que a língua não deve ser apenas entendida em sua estrutura sintática, como um sistema linguístico de categorias gramaticais abstratas, mas, também, em sua realidade social e ideológica, em que se cruzam diversas visões de mundo e posicionamentos axiológicos. Nesse sentido,

[a] orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar com ele de uma interação viva e tensa (BAKHTIN, 1990, p. 88).

A partir dessa constatação, torna-se relevante o reconhecimento de que é por intermédio dos muitos discursos presentes nos contextos sociais das relações humanas que os enunciados são produzidos, formando o que Bakhtin (2010b) reconhece como cadeia ininterrupta e, dentro dela, há a presença do elemento entonação, que faz a ponte entre a materialidade do discurso e sua relação com o contexto extraverbal.

Assim, optamos por realizar a análise de uma publicação da rede social Facebook, por se tratar de uma rede que apresenta elementos importantes para a compreensão da entonação valorativa, além de colaborar para pesquisas sobre o letramento digital, que emerge cada vez mais como campo de pesquisa, nos últimos anos, com os avanços tecnológicos. A escolha pelo gênero publicação do Facebook se deu pela familiaridade que temos enquanto pesquisadores com os gêneros dispostos nas redes sociais da internet e, principalmente, porque se manifesta em construções com elementos linguísticos e não linguísticos capazes de justificar o papel que exerce o verbal e o extraverbal na produção de sentidos nos discursos concretos.

2 As vozes sociais

Bubnova (2011) afirma que Bakhtin faz uso de metáforas ao utilizar-se de um vocabulário ligado à oralidade para motivar a proposição de alguns conceitos como voz, tom, polifonia, acento etc. A autora afirma que, no uso dessas metáforas conceituais, o teórico criou, em suas proposições, a ideia que ultrapassa a emissão vocal, mas, sim, uma “maneira semântico-social depositada na palavra” (BUBNOVA, 2011, p. 75):

Por mais que analisemos todas as propriedades do material e todas as combinações dessas propriedades, nunca poderemos descobrir seu significado artístico sem contrabandear valores de um ponto de vista distinto, que não remodele o marco inicial da análise do material.

Desse modo, Bubnova afirma que a “voz se identifica com opinião, ponto de vista, postura ideológica” (BUBNOVA, 2011, p. 276). É neste aspecto a consideração de que é no jogo da interação discursiva que há a ocorrência de convergências e divergências ideológicas a partir do ponto de vista assumido pelos sujeitos, assumindo ou reacentuando os discursos de outrem e, por meio de ato responsivo, caraterístico da linguagem, se constituem em processos de interação.

Sobre isso, Bubnova afirma que

O sentido é, então, uma resposta a algo dito antes, e é algo que pode ser respondido. A voz é, assim, a fonte de um sentido personalizado; atrás dela há um sujeito pessoa; mas não se trata de uma “metafísica da presença”, dos sentidos pré-existentes e imóveis, nem de algo fantasmagórico, mas de um constante devir do sentido permanentemente gerado pelo ato-resposta, que vai sendo modificado no tempo ao ser retomado por outros participantes no diálogo (BUBNOVA, 2011, p. 272).

Bakhtin, ao propor uma discussão sobre a heterogeneidade da língua, enfatiza a necessidade do ponto de vista não apenas linguístico, restrito às questões que dizem respeito à sua estrutura, mas que leve em consideração uma abordagem de ordem discursiva uma vez que, em uma enunciação social concreta, há sempre o confronto de diferentes perspectivas sociais, ideológicas e valorativas. Desse modo, os enunciados são constituídos por diferentes posturas, pontos de vista, ideologias, intenções, valores a partir de sujeitos inscritos em histórias e meios sociais plurais e heterogêneos. É a natureza social da linguagem humana.

Nessa linha de pensamento, Dahlet (2005) explica que, para o Círculo, o enunciado se dá em uma esfera ideológica e sempre expressa uma posição avaliativa. É nessa vertente que buscamos perceber, nas relações dialógicas da publicação do Facebook, os aspectos que remetem à natureza social da linguagem e o seu caráter axiológico. É, portanto, a partir dos postulados do Círculo, tomados aqui como aspectos certos de estudo, que a língua é considerada como um fenômeno heterogêneo, ao se observar seus aspectos não exclusivamente linguísticos, como também os discursivos, dotados de ideologias sociais, ao que são chamadas vozes do discurso, aspecto discutido na análise do enunciado escolhido para o trabalho neste texto.

3 A entonação nos discursos concretos

Ao se considerar o caráter dialógico e heterogêneo da língua, bem como a apresentação dos conceitos de heteroglossia, plurilinguismo e polifonia, buscamos referências que nos permitam compreender a concepção de entonação pelo Círculo de Bakhtin. Esse conceito tem sido material de trabalho de diversos pesquisadores que, ligados pelo escopo teórico do dialogismo, têm colaborado para a sua compreensão, alguns dos quais aqui retomados para melhor elucidação da proposta analítica exarada.

Para discutir os conceitos de extraverbal, julgamento de valor e entoação na constituição dos enunciados, os quais juntos denominam-se como conceitos axiológicos, o Círculo discute a interação como a própria concepção de linguagem, a constituir a realidade fundamental da língua. Consideramos, assim, o caráter dialógico da linguagem, em que a palavra é determinada pelo fato de que procede de alguém e se dirige a alguém, por isso “comporta duas faces” (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 123). De um lado o sujeito, que encaminha a primeira mensagem, do outro o produtor da resposta, numa atitude responsiva inerente à interação, ambos com suas ideologias e valores históricos e socialmente construídos, manifestados por meio das diferentes formas de linguagens possíveis nos discursos concretos em confrontos e encontros constantes, numa arena de lutas, nas palavras do Círculo.

Para Bakhtin (2010b), o enunciado é pleno de tons dialógicos e se torna impossível compreender seu estilo sem levá-los em consideração. Em extensão, Volochínov (2013) propõe que o enunciado é completo de significado e compreende duas partes, ou seja, a parte percebida ou realizada em palavras e a parte presumida.

No que diz respeito à parte percebida ou realizada em palavras, é importante entender que se constitui em meio a mecanismos verbais, marcas linguísticas e mesmo visuais a que os autores denominam de verbo-visual. Já a segunda, a parte presumida, constitui-se pelo extraverbal nas interações sociais, históricas e discursivas em que os indivíduos convivem, por conhecimentos que não estão explicitamente demarcados na materialidade analisada, mas, sim, nos implícitos sócio-histórico-ideológico-contextuais da produção, o extraverbal do discurso. Portanto, sem desconsiderar a primeira, uma vez que nos é interessante entender o conceito axiológico como um todo a partir de enunciados concretos, procuraremos nos atentar às questões que levem em consideração a parte presumida dos discursos concretos, o que corresponde aos elementos extraverbais carregados de valoração nos discursos, por excelência. Assim, o que se caracteriza como extraverbal é o que complementa e dá o sentido aos enunciados.

A partir de tais considerações, é importante que se compreenda que o discurso sempre “nasce de uma situação pragmática, ou seja, o enunciado, mais seu entorno físico, espacial, ideológico e cultural, está diretamente ligado à vida em si e se for desvinculado dela perderá sua significação” (MENEGASSI; CAVALCANTI, 2013, p. 436). Para Sobral, “toda enunciação envolve um tom avaliativo impresso pelo sujeito e suas alterações verbais, de acordo com suas relações com seu interlocutor e o momento da interlocução” (SOBRAL, 2009, p. 83-84). Nesse aspecto, o enunciado é sempre parte de um todo valorativo e socialmente definido pelos interlocutores, que apresentam papéis sociais definidos, que lhes possibilitam, também, a produção de sentidos a partir das relações não visíveis, mas inerentes, como aquelas relacionadas aos aspectos extraverbais.

Para que essas relações se estabeleçam, segundo Bakhtin (2010a, p. 262),

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. [...] O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados [...] cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciação, os quais denominamos gêneros do discurso.

Diante de tal proposição, é importante afirmar que a linguagem manifestada em gêneros discursivos é um ato dialógico, um elo discursivo que está naturalmente ligado a outras enunciações. Por sua vez, em estudos sobre o tema, a ampliar as discussões do Círculo, Menegassi e Cavalcanti (2013, p. 434) postulam que

[...] cada enunciação é única, mesmo que o enunciado verbal seja repetido, ele não será valorativamente o mesmo, pois o contexto de produção é sócio histórico-contextual-discursivamente diverso, quanto a seus modos de recepção, nas diversas possibilidades complexas da concretização da linguagem.

Muitas vezes, um mesmo enunciado verbal aparece em situações enunciativas diversas, jamais com o mesmo sentido, em função dos interlocutores, suas ideologias, seus valores e o contexto da enunciação. Por exemplo, um enunciado de resposta como “Está bem!” assume diferentes valorações em função dos contextos possíveis de sua execução. Por exemplo, ao se dizer a uma criança, depois de ser repreendida por algo que tenha feito de forma equivocada, “Está bem!” assume o valor de “Eu compreendi!”, a considerar os valores inerentes à situação, em que a criança está a aprender sobre sua posição social e a de seus interlocutores. Por outro lado, em outra situação em que um adolescente tenha sido repreendido, porém não concorde com o fato, pois acha que está correto em seus atos – postura típica da idade, “Está bem!” toma o sentido de “Aceito sua repreensão, mas não concordo com ela!”. Conforme preconizam Menegassi e Cavalcanti (2013), o contexto de produção determina o valor ao enunciado, mesmo que ele já tenha sido empregado em outro contexto, sempre haverá um sentido único e irrepetível. Nesse jogo de linguagem, a entonação para “Está bem!” é diferente em cada um dos contextos, considerando a compreensão dos sentidos expostos.

A partir dessa discussão, torna-se essencial considerar que o discurso acaba por se tornar um espaço de encontros de pontos de vista, visões de mundo etc., porque cada sujeito é único diante dos contextos em que se enuncia. De acordo com Bubnova (2011, p. 277), “[a] palavra bivocal é a reação à palavra alheia, à palavra de outra pessoa. O acento, em particular, o alheio, isto é, a entonação que reproduz a valoração social, é o que determina a reprodução da palavra do outro”. Ainda que vinculada a outros discursos, a enunciação é sempre um novo ato carregado de novas ideologias por meio das atitudes responsivas entre os interlocutores que produzem julgamentos de valor que se configuram por meio do posicionamento ideológico envolvidos no discurso. São os diversos valores que envolvem os participantes dos discursos no momento da enunciação que dão significados aos enunciados. (VOLOCHÍNOV, 2013; BAKHTIN, 2010b; GERALDI, 1997; SOBRAL, 2009), como nos exemplos apresentados para o enunciado “Está bem!”.

Bakhtin (2010b, p. 290) considera que a “entonação expressiva é um traço constitutivo do enunciado”. Ela tem a função de trazer sentidos às palavras, muitas vezes relacionados aos aspectos extraverbais. Assim qualquer palavra pronunciada de maneira expressiva e dentro de um contexto em um enunciado concreto é constituída a partir dos valores atribuídos pelos interactantes, por suas ideologias sociais. Sendo assim, é por meio da entonação que podemos reconhecer a natureza dos enunciados que se integram aos contextos da enunciação. A entonação é, portanto, a própria enunciação com as características que a constituem tais como os gestos, as representações, a altura de voz etc. Volochínov (2014, p. 137) ainda reforça a ideia de que “sem acento apreciativo, não há palavra”, não há interação, não há produção de sentidos aos discursos.

Para o filósofo da linguagem,

Toda palavra usada na fala real possui não apenas tema e significação no sentido objetivo, de conteúdo, desses termos, mas também um acento de valor ou apreciativo, isto é, quando um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela fala viva ele é sempre acompanhado por um acento apreciativo determinado (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 137).

O autor ainda ratifica sua proposição com a afirmação de que toda enunciação compreende acima de tudo uma orientação apreciativa e os elementos abstratos considerados no sistema da língua, apenas, e não na estrutura da enunciação, se apresentam destituídos de qualquer valor apreciativo (VOLOCHÍNOV, 2014). Por isso a necessidade de se compreender o contexto de produção e os aspectos extraverbais relacionados. Nesse aspecto, o autor comenta:

[...] Quando escolhemos as palavras no processo de construção de um enunciado, nem de longe as tomamos sempre dos sistemas da língua em sua forma neutra [...] costumamos tirá-las de outros enunciados e antes de tudo de enunciados congêneres como o nosso, isto é, pelo tema, pela composição, pelo estilo, consequentemente escolhemos as palavras segundo a sua especificação de gêneros (BAKHTIN, 2010a, p. 292).

As escolhas linguísticas e extraverbais utilizadas para a produção de discursos, em qualquer contexto de uso, são carregadas de características capazes de torná-los adequados a determinadas finalidades, pois reconhecemos que o extraverbal “está integrado ao enunciado, favorecendo a interação comunicativa entre os locutores” (MENEGASSI; CAVALCANTI, 2013, p. 436). Em contextos de utilização da língua, como é o caso das conversas informais, por exemplo, involuntariamente lançamos mão de recursos extraverbais que facilitem a compreensão dos interlocutores sobre aquilo que pretendemos comunicar ao outro. No caso do enunciado “Está bem!”, gesticulações, pausas, respirações, olhares diversos, são alguns dos exemplos a compor o contexto da enunciação efetivada, a permitir as produções de sentidos já definidos.

Os inúmeros discursos produzidos no campo da publicidade, aqui tomado como outro exemplo, espaço em que se faz necessária a manipulação dos interlocutores para a venda e o consumo de produtos, usam certos recursos para que o convencimento, o que chamamos há pouco de manipulação, ocorra de maneira rápida e eficaz. Os gêneros discursivos utilizados para a venda de produtos procuram, propositalmente, potencializar os sentidos por meio de estratégias extralinguísticas que colaboram de fato com o que se pretende vender, anunciar etc., é o caso do uso de cores, tamanho das letras, posição e escolha das imagens, entre muitos outros recursos visuais pertinentes aos enunciados desse campo de atividade humana.

No que diz respeito ao ensino de leitura, especificamente no contexto escolar, compreendida como ato dialógico entre locutor e interlocutor, a postura responsiva do leitor para que a interlocução ocorra é vital. Assim, quanto mais elementos que proporcionem compreensão dos gêneros discursivos são usados, maior e melhor é a entonação no texto, a facilitar assim sua possível compreensão. De acordo com Volochínov (2013, p. 78), “uma entonação criativamente produtiva, segura e rica, é possível somente sobre a base de um ‘apoio coral’ presumido [...] quando falta tal apoio, a voz vacila e sua riqueza entoacional é reduzida.”. Ao retomarmos o enunciado “Está bem!”, nas duas situações citadas, é possível percebermos a “entonação criativamente produtiva”, ao se ter os envolvidos nas situações de repreensão, a formar o “apoio coral”, junto com o próprio contexto social em que ocorreram. Tudo isso permite a compreensão do tom valorativo expresso pela entonação do enunciado concreto, o que o Círculo de Bakhtin denomina de entonação, um conceito axiológico para a compreensão das manifestações da linguagem em interação.

A partir dessas discussões, é possível considerarmos, além dos elementos de ordem linguística, como é o caso do vocabulário, da organização das ideias no texto, dos aspectos gramaticais etc., compreendidos como formas de entonação, também os gestos na linguagem falada, bem como a expressão facial, o olhar, a postura, a voz bem colocada para aproximar as proposições produzidas, passíveis de manifestações na escrita a partir de suas descrições, o que nos leva à compreensão de que a entonação constitui o limite entre o verbal e o não verbal. Nesse bojo, segundo Bakhtin (2010b, p. 313), “[a] época, o meio social, o micro mundo [...] que vê o homem crescer e viver sempre possui enunciados que servem de norma, são o tom”. Com isso, a linguagem sustenta seu caráter histórico e social.

Bakhtin ainda afirma que

[a] entonação expressiva, a modalidade apreciativa sem a qual não haveria enunciado, o conteúdo ideológico, o relacionamento com uma situação social determinada, afetam a significação. O valor novo do signo, relativamente a um “tema” sempre novo, é a única realidade para o ouvinte. Só a dialética pode resolver a contradição aparente entre a unicidade e a pluralidade da significação (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 15).

Nesse sentido, justifica-se ainda mais a necessidade de melhor compreender as questões que dizem respeito ao conceito de entonação a partir dos estudos advindos do Círculo, dada a necessidade de o locutor, em inúmeras situações de uso concreto da língua, dialogar com os conteúdos ideológicos presentes do que se lê, analisa, produz etc., o que configura o caráter dialógico da linguagem.

Volochínov (2014, p. 140) afirma que “os acentos apreciativos dessa ordem e as entoações correspondentes não podem ultrapassar os limites estreitos da situação imediata e de um pequeno círculo social íntimo. Podemos classificá-las como auxiliares marginais das significações linguísticas.”. É assim que compreendemos a impossibilidade de se construir uma enunciação sem a apreciação valorativa. Do mesmo modo, entendemos que é à apreciação a que se devem a criatividade nas mudanças e alterações de significação e sempre uma reavaliação, “um deslocamento de uma palavra determinada de um contexto apreciativo para outro” (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 141). Assim, os inúmeros discursos encontrados nas interações sociais “são ecos de outros enunciados, lembranças de outros discursos um dia já proferidos que se alocam nos enunciados alheios e a realidade que além do verbal engloba o contexto transverbal” (CASTELIANO, 2009, p. 719). Os enunciados alheios são, na realidade, as palavras já produzidas em discursos anteriores, tomados pelo locutor como possibilidades enunciativas de construção de sua palavra própria.

A partir dos conceitos do Círculo de Bakhtin, podemos também afirmar que, no discurso oral, seja em qualquer contexto, há interação por meio da postura do locutor diante do interlocutor, ou mesmo do leitor e do objeto do enunciado. De acordo com Dahlet (2005, p. 251), “Bakhtin reorganiza a entonação em um dispositivo complexo e dinâmico: a entonação realiza-se sob a influência mútua de três atores, que são o locutor/autor, o ouvinte/leitor e o objeto do enunciado.”. Apesar da grafia “locutor/autor”, proposta por Dahlet, para este trabalho, tomamos como adequada a grafia locutor para o produtor do discurso em enunciação.

A linguagem, assumindo seu papel dialógico, é sempre direcionada a outro. À medida que se tem a projeção desse locutor, os aspectos que dizem respeito aos elementos não linguísticos no texto se fazem necessários para cumprir sua função comunicativa.

Portanto, vale compreender que é a partir das escolhas feitas pelo locutor para cumprir com seu objetivo no discurso e também na expectativa da ação responsiva dos interlocutores que há colaboração para a construção da entonação, ou seja, é da atribuição de sentidos por todos os envolvidos na interação discursiva que emerge a enunciação, por sua vez, a produção de sentidos. Isto porque entendemos que a “entonação está relacionada ao outro, ao conceito de alteridade, obrigatoriamente, pois é justamente o outro quem vai avaliar e valorar o enunciado a partir da entonação” (MENEGASSI, CAVALCANTI, 2013, p. 440).

4 A produção de sentidos na publicação do Facebook

Em tempos em que a comunicação virtual, a partir dos inúmeros recursos tecnológicos utilizados para esse fim, tem sido utilizada com uma frequência muito maior do que as interações face a face, em que os textos multimodais têm se configurado das mais diversas formas para atender a essa demanda da atualidade, torna-se relevante compreender a entonação valorativa, em situações concretas de emprego e uso nesse campo de comunicação humana. Volochínov (2014, p. 33) afirma que “tudo que é ideológico possui um valor semiótico” e que

[...] cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 33).

Desta citação, destacamos um princípio fundamental para definir entonação, a materialidade da palavra no discurso a conjugar “uma encarnação material”, de modos diversos, a manifestar som, massa física, movimento de corpo, gestos e outras formas apropriadas ao trabalho de produção de sentidos com elementos extraverbais. Assim, a definição de entonação extrapola a matéria linguística propriamente dita, por isso a expressão “encarnação material” toma valor de incorporação do verbal com o extraverbal, do visível com o predizível.

É nesse sentido que passamos a conceber que as manifestações discursivas que ocorrem em formatos de imagens, sons, e por que não dizer dos emojis, vídeos da internet, fotos do Instagram, curtidas em páginas da internet – como é o caso do Facebook, por exemplo – expõem as ideologias daqueles que produzem e, naturalmente, dos grupos sociais dos quais fazem parte, sendo, ao nosso ver, exemplos de manifestações de entonação valorativa na atualidade, a considerar esse campo específico de comunicação. Assim, os enunciados concretos, suas materialidades linguísticas, aqui compreendidas como “objetos naturais, específicos [...] [sugerem que] todo produto natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades” (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 32). Notamos que já no início do século XX os pressupostos do Círculo de Bakhtin anunciavam os enunciados das mídias sociais e os valores neles inseridos, mesmo não sendo mídias da época. Assim, um signo é um fenômeno do mundo exterior (VOLOCHÍNOV, 2014). O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações e os novos signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na experiência exterior, que se constituem em significados pelo interlocutor, com as relações do verbal e do extraverbal.

A forma como ultimamente nos comunicamos, utilizando recursos carregados de imagens, cores, movimentos e sons, como é o caso dos discursos concretos produzidos nas redes sociais da internet, são exemplos reais de como nossa palavra se manifesta, ou melhor, de como a ideologia, da qual fazemos parte por vias de nossas interações sociais, é manifestada. É na linguagem utilizada nesse meio social que avaliamos e somos avaliados. É nela, por meio dos signos, que deixamos registradas nossas subjetividades, nossos “eus” sociais, e damos continuidade à nossa interação social, afinal “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência” (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 36).

A forma como nos posicionamos por meio de nossas manifestações de linguagem, ao utilizarmos os inúmeros recursos verbais e extraverbais para cumprir nossa intenção comunicativa e para que atinjamos nossos objetivos no ato comunicativo, é o que registra, por meio dos já mencionados signos semióticos, nossa inscrição em determinados grupos sociais constituídos a partir de ideologias próprias de determinado momento histórico, com suas crenças, costumes, modos de ser e de produzir cultura. Afinal, “todo signo ideológico, portanto também o signo linguístico, vê-se marcado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social determinados.” (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 45).

Ainda nos ensinamentos de Bakhtin,

A palavra acompanha e comenta todo ato ideológico. Os processos de compreensão de todos os fenômenos ideológicos (um quadro, uma peça musical, um ritual ou um comportamento humano) não podem operar sem a participação do discurso interior. Todas as manifestações da criação ideológica – todos os signos não-verbais – banham-se nos discursos e não podem ser nem totalmente isoladas nem totalmente separadas dele (VOLOCHÍNOV, 2014, p. 38).

Nesse sentido, para caracterizar e compreendermos o conceito de entonação, atentamos à análise de uma manifestação pública de um enunciado concreto produzido na rede social Facebook, conhecida como “publicação” – aqui denominada como publicação do Facebook. Com isso, há a intenção de analisar a forma como os discursos internos dos sujeitos usuários dessa rede social da internet manifestam-se em tais publicações, assim como são avaliados pelos participantes do ato comunicativo, a considerar seus aspectos linguísticos e extraverbais como um todo enunciativo.

O objeto de análise selecionado foi uma publicação realizada por uma usuária pertencente ao grupo social dos pesquisadores, na rede virtual citada. Para tanto, a escolha ocorreu considerando os elementos verbais e extraverbais presentes no exemplar do gênero investigado, já que, enquanto buscávamos uma publicação para realizarmos a análise, chamou-nos a atenção o conteúdo de sua publicação, por conter informações atuais sobre o contexto político no qual o Brasil vinha passando no momento histórico.

Postagem na rede social Facebook.
Figura 1
Postagem na rede social Facebook.
Página do Facebook, acesso em 12/9/2018.

A manifestação do discurso proferido pela usuária, em sua página da rede social Facebook, materializa-se por meio de uma linguagem escrita, sem utilização de outros aspectos extraverbais. Sua opção, apesar de inúmeros recursos disponíveis, como imagens, sons, cores, emojis etc., foi a de utilizar recursos exclusivamente linguísticos, porém, com características particulares na sua forma para atingir o seu propósito. Trata-se de alguém que intenta salientar a importância de os eleitores não votarem em determinado candidato, sem nominação específica.

O enunciado marca, pelo emprego de letras maiúsculas, um indicador de sentido exato, que se mostra como algo relevante apresentado ao leitor. Junto ao destaque em maiúsculo, há o emprego de dois pontos – “IMPORTANTE:”, já apontando para uma catáfora textual a anunciar algo que deve ser considerado pelo leitor como importante. Esses aspectos verbais, de domínio público pelo falante da língua portuguesa, já considera a possibilidade de oferecer um tom enunciativo valorativo em destaque, um recurso discursivo muito pertinente empregado pela produtora. Na sequência, uma frase imperativa negativa de curta extensão, porém certeira na determinação discursiva: “Não votem nulo!”, inclusive a empregar o ponto de exclamação, para configurar uma ordem, uma imposição no sentido proposto pela locutora.

Outro recurso textual, com efeito discursivo pontual, é o emprego de elemento anafórico “Isso”, a retomar e reforçar a ordem dada anteriormente, numa nítida manifestação linguística de redundância discursiva necessária à compreensão do leitor. Para completar, na mesma frase, destaque-se o ser de quem se fala, “o inominável (abominável)”, por um substantivo acompanhado de adjetivo entre parênteses, o que causa o efeito de sentido de que o candidato referido à eleição não pode jamais ser nominado por ser “abominável”.

É certo que a locutora saber utilizar os recursos da língua para construção de seu discurso, levando o interlocutor à produção de sentidos pelas marcas entonacionais deixadas ao longo de seu texto. A completar, a locutora torna a não nominar o candidato, referindo-se como “ele”. Além disso, reforça o discurso da negação com o emprego da expressão “nulo não conta como voto válido”, além de oferecer, também, elementos de explicação – “ou seja”, para deixar evidente que seu discurso não é apenas apresentado, mas, também, explicado. Todos esses recursos linguísticos permitem a compreensão do elemento da entonação presente na materialidade linguística proposta para análise, no enunciado específico aqui apresentado, porém, necessitando dos conhecimentos extraverbais por parte do interlocutor para que sejam compreendidos.

Nessa perspectiva analítica, retomam-se os ensinamentos de Volochínov (2013, p. 77), ao propor que

[...] junto com a palavra, aborda também a situação extraverbal da enunciação. Esses juízos e valorações se referem a uma certa totalidade na qual a palavra diretamente entra em contato com o acontecimento da vida e esse funde com ele em uma unidade indissolúvel. A palavra, tomada isoladamente, como fenômeno puramente linguístico, não pode ser verdadeira nem falsa, nem atrevida, nem tímida.

A locutora do enunciado assim se manifestou, com os diferentes juízos de valores, nas manifestações que a língua permite em sua compreensão à proposta discursiva efetivada pela publicação do Facebook, a considerar, é lógico, as relações do verbal e do extraverbal para a construção e o entendimento do seu discurso.

Além disso, pela publicação efetivada, pode-se observar que

As valorações subentendidas aparecem então não como emoções individuais senão como atos socialmente necessários e consequentes. As emoções individuais, por sua vez, somente podem acompanhar o tom principal das valorações sociais em sua qualidade de matiz: e um “eu” somente pode realizar-se na palavra se se apoia nos “outros”. (VOLOCHÍNOV, 2013, p. 80).

O posicionamento apresentado pela autora da publicação, em seu perfil na rede social Facebook, colabora também para a elaboração de uma imagem acústica na memória de seus interlocutores. Isso significa dizer que há elementos não verbais que se originam na mente do leitor a partir do que é produzido pela autora, ou seja, um cenário político em disputa, um candidato dotado de características negativas ao ponto de ser considerado “inominável” e “abominável,” de uma campanha de contrariedade à anulação do voto em favorecimento à não vitória desse candidato. Ao empregar a frase “Não votem nulo!”, forma-se na mente do leitor a imagem acústica de uma ordem não sendo apenas dada, mas explicitamente enfatizada, o que se constata pela forma linguística de sua composição na proposição completa “IMPORTANTE: Não votem nulo!”. São justamente essas marcas linguísticas que causam o efeito de imagem acústica referida pelo Círculo de Bakhtin, uma característica inerente e essencial à compreensão da entonação no discurso escolhido.

É nesse sentido que compreendemos os valores presentes nos aspectos linguísticos, o tom que se origina das escolhas lexicais que não simplesmente compõem o texto em sua estrutura sintática, mas que produzem sentidos e valoram os discursos proferidos. Afinal, no caso do enunciado apresentado e analisado, o adjetivo “inominável”, tendo ao lado “abominável”, acaba por assumir um sentido diferente se aquele estiver sozinho na construção sintática da oração, ou seja, ser inominável seria apenas algo, ou alguém, impossível de nomear – por não se saber o nome, talvez. Também temos que considerar que o emprego de inominável era comum à época da produção da publicação do Facebook por outros usuários ao referirem-se ao candidato, numa referência às obras de J. K. Rowling, “Harry Potter”, em que os personagens se referiam ao antagonista principal das histórias como “inominável”, numa relação polifônica explícita.

Ao ser acompanhado do segundo adjetivo escolhido, “inominável” passou a apresentar outro sentido, já que classifica o candidato também por abominável, nominando-o, portanto, sem o uso de nomes próprios, mas por meio de adjetivos que colaboraram para a construção mais efetiva do sentido pretendido pela autora, um recurso linguístico com relação ao extraverbal, ao juízo de valor pretendido pelo grupo social da locutora. Nesse sentido, de acordo com Volochínov (2013, p. 88), “as valorações determinam a seleção das palavras pelo autor e a percepção desta seleção (coeleição) pelo ouvinte”, num movimento dialógico pertinente.

É nessa direção que compreendemos a responsividade dos interlocutores, que conhecem o contexto em que o discurso foi produzido e optam por respondê-lo no campo destinado para esse fim, estabelecendo o vínculo a partir da resposta dada. Nas palavras de Bubnova (2011, p. 275), “todo sentido é uma resposta a um sentido anterior, todo autor é responsável pelo sentido do enunciado que emite, todo autor compartilha a autoria com o receptor de sua resposta”.

Na continuidade de sua produção, a autora, na intenção de justificar e explicar a importância de sua publicação, substitui o “inominável” e “abominável” pelo pronome pessoal “ele”, repetido duas vezes na continuidade do texto. Além disso, é importante a consideração do prolongamento a que se deu o comentário da autora quando da réplica emitida por um de seus interlocutores que se posiciona em relação à publicação em um comentário com os dizeres: “O povo está com o inominável!”. Tal comentário aponta para o tom afirmativo como a produtora da mensagem se coloca, manifestando sua opinião sobre a forma como o povo tem se posicionado em relação ao candidato, corroborando o enunciado inicial. O emprego do mesmo termo linguístico da publicação anterior confirma o sentido pretendido, assim, essa repetição é manifestação valorativa de aceitação do discurso proposto.

Ao emitir sua mensagem, a produtora, também interlocutora em resposta à proposição inicial, ao usar o artigo definido antes do substantivo “povo” evidencia que, de forma genérica, o candidato tem a aprovação do povo. Em resposta a esse comentário, a autora da mensagem inicial delineia sua mensagem de réplica afirmando: “povo abominável!”, numa manifestação de que o povo que vota no candidato inominável é classificado também como “abominável”, desta vez sem parênteses. Esse emprego do adjetivo de forma explícita, no conjunto sintático escolhido, evidencia que o povo demonstra ser pior do que o próprio candidato, pois nele votarão e o elegerão para o cargo pretendido. Mais uma vez, o uso do adjetivo abominável caracteriza o tom no qual a autora acentua e classifica seu referente, tal como fez com o candidato no início de sua produção escrita. É a relação do verbal com extraverbal se consolidando pelas marcas valorativas da entonação.

O diálogo a que se propõem ambas as autoras dos comentários, sem a utilização de sinais iconográficos, imagens, emojis etc. produz um sentido de seriedade na discussão. Ao dar a primeira resposta ao comentário da autora da publicação, optou-se pelo tom exclamativo afirmativo que se mantém na resposta dada pela autora inicial da publicação. Não há referência ao riso, à ironia ou a algo semelhante, o que dá a entender um posicionamento afirmativo e enfático de ambas as autoras.

O contexto no qual o discurso proferido está inscrito é um terreno comum em uma esfera social e ideológica regular ao grupo social dos participantes da enunciação, entendendo-se, aqui, como sendo a rede social Facebook, da qual a autora faz parte junto de seus “amigos da rede social”, como normalmente são nominados os participantes desse grupo. Assim, os julgamentos de valor presumidos são atos sociais regulares e essenciais (VOLOCHÍNOV, 2013) e se configuram por meio do posicionamento ideológico dos interlocutores envolvidos no discurso.

O texto, na produção da publicação, não possibilitaria a mesma avaliação, a mesma entonação, caso o contexto social e as ideologias dos interlocutores não dialogassem com o conteúdo produzido pela autora, diferentemente do que ocorre com os leitores que vivem o mesmo contexto social e político vivido pela autora da postagem. A linguagem utilizada para manifestar seu posicionamento político, principalmente em relação a um candidato em específico, materializa, em forma de signo ideológico, seu discurso interior e se torna pública em seu discurso exterior, a possibilitar, assim, as avaliações pela entonação de seus interlocutores, a fazer com que o seu discurso ganhe sentido, ganhe o tom valorativo pretendido, pois a resposta de um leitor foi pronta e exata.

Nos discursos produzidos nas esferas virtuais, comuns nos últimos tempos dado o avanço da internet, conforme procuramos apresentar na análise aqui delineada, fica ainda mais evidente a presença de elementos que cumprem seu papel efetivo na produção de sentidos de forma explícita e implícita. As redes sociais da internet têm se constituído como espaços de produção de discursos diários que, de diferentes maneiras, procuram socializar ideias e manifestações por meio de signos multissemióticos, capazes de evidenciar aos interlocutores que fazem parte daquele campo social comum as ideologias pessoais que se expressam por meio das linguagens, assim como a dos grupos sociais a que pertencem.

5 Considerações finais

Nosso objetivo foi o de compreender, pela caracterização teórica do conceito axiológico de entonação, um exemplo do gênero publicação do Facebook, nos aspectos linguísticos-discursivos a partir da teoria dialógica disseminada pelo Círculo de Bakhtin. Assim, verificamos que a significação nos discursos concretos se constrói considerando o caráter dialógico da linguagem, a partir da responsividade nos discursos concretos. As marcas linguísticas e extralinguísticas presentes no enunciado analisado representam os signos ideológicos dos participantes do ato comunicativo, por meio dos elementos que colaboraram para a produção de sentidos.

Analisamos uma produção, conhecida entre os usuários da rede social Facebook, denominada como publicação. Nela, os valores atribuídos pelo locutor, assim como o acento valorativo, se manifestam na forma como a autora produziu seu discurso a partir das escolhas lexicais e sintáticas utilizadas, além do prolongamento do diálogo que ocorre entre os interlocutores da rede social, por meio do comentário. Em ambos os casos, foi percebido que, com os signos ideológicos utilizados na produção dos discursos – e também da ausência dele, é que se constituiu o elemento valorativo da entonação, que é reconhecido pelo leitor e compreendido pelos interlocutores eleitos.

O tom atribuído tanto da parte daquele que emite o texto quando daquele que o recebe só se constrói a partir de um contexto que engloba muito mais do que simplesmente a escolha das categorias gramaticais e sintáticas, mas, sim, da construção de um todo significativo em um contexto social ideológico de participantes do discurso que se materializam nas escolhas linguísticas e extraverbais que perfazem o discurso, de forma inerente. Assim é que confirmamos o caráter polifônico da linguagem em que as inúmeras vozes sociais se apresentam nos discursos, a caracterizar, portanto, o caráter dialógico da linguagem que envolve sempre interesses dos participantes dos discursos, como no caso da publicação do Facebook.

A consideração de que nos enunciados concretos imprimem-se vozes sociais carregadas de valorações e identidades próprias dos contextos sociais e históricos dos sujeitos da enunciação é o que caracteriza a entonação como o limite entre o verbal e o extraverbal, que produzem sentidos aos enunciados. Além disso, nos enunciados imprimem-se vozes sociais carregadas de valorações e identidades próprias dos contextos sociais e históricos dos sujeitos da enunciação, o que caracteriza a entonação como um aspecto que estabelece um vínculo entre a palavra e o contexto extraverbal na produção dos sentidos pretendidos.

Referências

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