Educação e Tecnologia

WHATSAPP E FAKE NEWS NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DO INTERIOR DO ESTADO DO CEARÁ

WHATSAPP AND FAKE NEWS IN ENGLISH TEACHING AT A PUBLIC SCHOOL IN THE COUNTRYSIDE OF CEARÁ STATE

Samuel de Carvalho Lima
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Brasil
Eliziane de Sousa Sampaio Mendes
Secretaria de Educação do Estado do Ceará e Programa de Pós-Graduação em Ensino, Brasil

WHATSAPP E FAKE NEWS NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DO INTERIOR DO ESTADO DO CEARÁ

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 13, núm. 2, pp. 182-200, 2020

Universidade Federal de Minas Gerais

Recepção: 27 Junho 2020

Aprovação: 24 Julho 2020

Resumo: No escopo de uma Linguística Aplicada moitalopeana, o objetivo deste artigo é interpretar os efeitos de uma prática de ensino realizada com alunos com dificuldades de aprendizagem de inglês do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública no interior do estado do Ceará, Brasil. A prática de ensino foi planejada de acordo com a pedagogia dos multiletramentos e desenvolvida por meio da interação em um grupo de WhatsApp. Quatro atividades promoveram o contato com textos diversos sobre fake news na esfera digital. A análise das interações no WhatsApp apontou para aprendizagens de natureza comunicativa e tecnológica, possibilitando o desenvolvimento da consciência crítica dos alunos em relação aos meios de produção e circulação de informações. Conclui-se que os letramentos escolares podem ser promovidos em um ensino de inglês que integre as redes sociais e os temas polêmicos em práticas de produção de sentido com alunos da escola pública.

Palavras-chave: Ensino de línguas, Escola pública, Multiletramentos, Linguística aplicada.

Abstract: In the scope of the Applied Linguistics according to Moita Lopes, the aim of this article is to interpret the effects of a teaching practice carried out with students with English learning difficulties in the first year of secondary education at a public school in the state of Ceará, Brazil. The teaching practice was planned according to the pedagogy of multiliteracies and following interactive principles underlying WhatsApp group communication. Four activities promoted the contact with diverse texts about fake news in the digital sphere. The analysis of WhatsApp interaction pointed to learnings of communicative and technological nature, enabling the development of students’ critical awareness in relation to the means of production and circulation of information. It is concluded that school literacies can be promoted through English teaching that integrates social networks and controversial themes in meaning production practices with public school students.

Keywords: Language teaching, Public school, Multiliteracies, Applied linguistics.

1 Considerações iniciais

Metaforicamente, a Linguística Aplicada INdisciplinar moitalopeana[1] (MOITA LOPES, 2006a; 2006b) constitui-se um cúmulo-nimbo[2]. Essa grande nuvem tem se desenvolvido ao longo dos anos do século XXI e promovido chuvas volumosas que se tensionam com as desigualdades entre as sociabilidades que sua tempestade alcança. Esse processo de produção do conhecimento reivindica a criação de inteligibilidades sobre o mundo em práticas situadas e com responsabilidade social. Dessa forma, refletir sobre a escola pública que não se localiza em grandes centros urbanos do nordeste brasileiro é dar visibilidade a uma pequena história nada ingênua.

Diante dos avanços tecnológicos da era digital, novas maneiras de informar, comunicar e educar estão sendo consideradas no contexto do ensino médio da educação básica. Os alunos da educação básica estão em constante contato com as sociabilidades experienciadas no universo digital, por meio de memes, emojis, gifs, entre outros textos multissemióticos (visuais, verbais, sonoros e gestuais)[3]. Devido à globalização, a experiência de interação com a língua inglesa se torna mais possível e frequente. Assim, a articulação entre as práticas de ensino de inglês e a promoção dos multiletramentos se mostra uma possibilidade para a escola pública (COPE; KALANTZIS, 2015; THE NEW LONDON GROUP, 1996; ROJO, 2012). Estabelecendo essa articulação, o objetivo deste artigo é interpretar os efeitos de uma prática de ensino realizada com alunos com dificuldades de aprendizagem de inglês do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública no interior do estado do Ceará, Brasil. A prática de ensino foi planejada de acordo com a pedagogia dos multiletramentos e desenvolvida por meio da interação em um grupo de WhatsApp e quatro atividades que buscaram promover o contato com textos que problematizam o que seja fake news[4] e textos que continham fake news.

No escopo das reflexões que buscam promover o ensino de inglês na escola pública que está localizada no nordeste brasileiro e distante de grandes centros urbanos (DANTAS; LIMA, 2019; GUERRA; LIMA, 2019; SILVA; LIMA, 2019; SOARES; LIMA, 2019), desenvolvemos atividades escolares na tentativa de promover a consciência crítica em relação aos meios de produção e circulação de informações. Para interpretar os efeitos da prática de ensino, utilizamos as interações no WhatsApp. Os dados analisados foram gerados no âmbito de uma pesquisa maior, amparada pelo Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) de número 3.637.850, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO)[5].

Além desta introdução, nosso artigo apresenta as seguintes seções: 2) as escolhas teóricas, que situam a pesquisa no fazer da Linguística Aplicada INdisciplinar moitalopeana (MOITA LOPES, 2006b; 2013) para promover letramentos escolares no ensino de língua inglesa da escola pública; 3) as escolhas metodológicas, que apresentam a prática de ensino situada e os sujeitos da pesquisa; 4) a discussão dos dados, que contemplam a análise dos efeitos de sentido produzidos nas interações com os participantes; e 5) as considerações finais, que esboçam implicações pedagógicas da pesquisa.

2 Escolhas teóricas

Articular o ensino de língua inglesa na escola pública com o uso da rede social WhatsApp para tematizar fake news reflete nosso desejo em construir “[...] teorizações que dialoguem com o mundo contemporâneo, com as práticas sociais que as pessoas vivem, como também desenhos de pesquisa que considerem diretamente os interesses daqueles que trabalham, agem etc. no contexto de aplicação” (MOITA LOPES, 2006b, p. 23).

Na condição de professores de inglês, nosso contexto de aplicação é a escola pública que está localizada no nordeste brasileiro e distante de grandes centros urbanos. Devido a suas condições geopolíticas, essa escola pública marginalizada pode ser compreendida como um lugar de esperança que vislumbre a transformação social. Se assim o fizer, essa escola pública pode acabar se tornando espaço de resistência em uma sociedade que cultiva o anticientificismo e promove fake news.

A escola não é só um lugar para estudar, mas para se encontrar, conversar, confrontar-se com o outro, discutir, fazer política. Deve gerar insatisfação com o já dito, o já sabido, o já estabelecido. Só é harmoniosa a escola autoritária. A escola não é só um espaço físico. É, acima de tudo, um modo de ser, de ver (GADOTTI, 2007, p. 12).

Nessa perspectiva, a escola não se submete cegamente ao desenvolvimento das competências e das habilidades prescritas em documentos norteadores e diretrizes. Intimamente ligada à sociedade, ao perceber que essas competências e habilidades podem refletir os interesses de um projeto que perpetua desigualdades e discriminações, a escola deve resistir. Encontramos, nos letramentos escolares, uma frente de resistência, pois os compreendemos como “[...] lugares de construção de quem somos no mundo social” (MOITA LOPES, 2013, p. 237).

Os interesses do nosso empreendimento de pesquisa também se baseiam na compreensão de que a discriminação de posições marginalizadas impacta a vida de aprendizes de línguas e educadores. Dar visibilidade às produções de sentido nesse contexto constitui uma política de responsabilidade social e cultural engajada em prática problematizadora (PENNYCOOK, 2006). Essa compreensão leva à autorreflexão contínua. Assim, o primeiro autor deste artigo considera que sejam necessárias inflexões teórico-metodológicas: da produção de conhecimento sobre as práticas de ensino-aprendizagem de língua inglesa no ensino superior, que deu visibilidade, por uma década, à formação de professores pouco comprometida com a prática profissional (cf. ARAÚJO; LIMA, 2011; LIMA; ARAÚJO, 2016; LIMA; 2009; LIMA, 2012; LIMA, 2013; LIMA, 2018); para a tentativa de produzir sentido sobre o mundo, de modo a dar visibilidade às práticas profissionais de ensino-aprendizagem de línguas na escola pública da educação básica brasileira.

Nossas investigações pressupõem a língua como prática social situada que se imbrica a ideologias nos diversos campos da atividade humana. Apesar de observarmos aspectos estruturais da língua inglesa no processo de análise da comunicação em práticas de ensino-aprendizagem, priorizamos os textos multissemióticos, que se concretizam dentro de um determinado gênero do discurso (BAKHTIN, 2016; ROJO; BARBOSA, 2015; VOLÓCHINOV, 2018). Dessa forma, é em perspectiva transgressiva que contemplamos o campo de atuação social jornalístico midiático previsto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Segundo esse documento norteador do ensino na educação básica no Brasil, o estudo nesse campo de atuação deve instigar o aluno ao desenvolvimento de uma “consciência crítica e seletiva em relação à produção e circulação de informações, posicionamentos e induções ao consumo” (BRASIL, 2018, p. 480)[6]. Dentro desse campo de atuação, elegemos as fake news como objeto de ensino-aprendizagem de inglês na escola pública, já que o tema é sinônimo de desinformação, notícias falsas, cuja circulação se dá, principalmente, nas redes sociais (FERREIRA et al., 2019; RECUERO; GRUZD, 2019). Assim, mobilizamos práticas de linguagem em esfera digital por meio dos textos multissemióticos charges, vídeos explicativos, postagens em blog jornalístico e memes para problematizar as fake news em sala de aula.

Além disso, dialogamos com a Pedagogia dos Multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2015; THE NEW LONDON GROUP, 1996), pois ela possibilita uma contextualização e uma prática de ensino sócio-histórica dos textos. Diante da globalização e dos usos tecnológicos, considerar aspectos culturais, históricos e sociais, bem como a multiplicidade de linguagens (visuais, verbais, sonoros e gestuais) na produção de sentido pode orientar uma prática de ensino mais sensível e responsável nas aulas de línguas, de modo a combater a discriminação e a marginalização de grupos menos favorecidos.

O The New London Group (1996) – Grupo de Nova Londres – propõe a noção de design da construção do conhecimento, na qual os professores atuam como designers do processo de aprendizagem. A proposta de aprendizagem por design se apresenta como um processo ativo e dinâmico de construção de sentido, em que não é possível estabelecer regras estáticas, pois ele “não constitui uma hierarquia linear, nem é representado por estágios” (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 85)[7]. Esses componentes atuam de forma complexa, podendo ocorrer simultaneamente ou não, a saber:a prática situada, a instrução aberta, o enquadramento crítico e a prática transformada.

A prática situada está relacionada a práticas significativas dentro de uma determinada comunidade de aprendizes. Em outras palavras, as pessoas não aprendem se não houver a motivação para aprender e se não acreditarem que poderão usar o que aprendem para a satisfação de seus interesses. A instrução aberta se refere às interações realizadas entre professor-aluno, focando na consciência e no controle do que está sendo aprendido. O enquadramento crítico está relacionado a ajudar o aluno a dominar a prática, ao controle e à compreensão consciente das relações históricas, sociais, culturais, políticas e ideológicas. A prática transformada é vista como um retorno à prática situada, mas como uma nova prática, em que a teoria se torna uma prática refletida. Esses componentes são reformulados por meio de uma tecelagem de quatro processos: experienciar, conceituar, analisar e aplicar (COPE; KALANTZIS, 2015).

Em síntese, experienciar se relaciona à aprendizagem por meio das experiências pessoais e exposição aos fatos do mundo. Esse processo acontece quando é explorado o que já é conhecido ou quando é experienciado o novo, de modo que os aprendizes são expostos a novas informações, experiências e textos, respeitando a zona de inteligibilidade e a aproximação das vivências do aprendiz para que este possa usar o que já conhece na obtenção de novos conhecimentos sobre determinado assunto.

Conceituar é o processo de desenvolvimento de conceitos mais abstratos, do processo da síntese, relacionado aos conhecimentos que são adquiridos na escolarização, no ensino formal, algo apresentado pelo professor ou por algum especialista na comunidade da prática. No entanto, não é uma simples reprodução do que já foi constituído como verdade (ou desejo dessa), mas um processo de conhecimento em que os aprendizes agem como ativos criadores de conceitos. Nesse processo, o aprendiz se distancia da sua experiência de mundo para aprofundar os seus conhecimentos, examinando as estruturas, as causas e as relações que envolvem o que está sendo aprendido. A conceituação por nomeação está relacionada à construção abstrata de similaridade e diferença de significados, categorizando e nomeando os fenômenos e as práticas sociais. A conceituação por teoria se refere à construção de modelos, estruturas abstratas e esquemas disciplinarmente transferíveis, como associar conceitos e construir paradigmas.

Analisar pressupõe a construção do conhecimento com base na criticidade. Dentro do contexto pedagógico, essa criticidade implica dois pontos principais: ser funcionalmente analítico e estar atento às relações de poder que a aprendizagem envolve. No primeiro, o aprendiz faz inferências, explora os efeitos de sentido e as conexões textuais. No segundo, o aprendiz avalia perspectivas, interrogando os interesses por trás de um significado ou uma ação.

Por fim, aplicar está vinculado à prática dos conhecimentos construídos. Aplicar apropriadamente pressupõe a aplicação do conhecimento em situações mais complexas, considerando a vida cotidiana. Aplicar criativamente envolve um processo que aborda velhos conceitos por meio de uma percepção inovadora e criativa, dando lugar a novas experiências e diferentes perspectivas.

Nos quatro processos apresentados (COPE; KALANTZIS, 2015), o aluno constrói conhecimentos tendo como ponto de partida o seu conhecimento de mundo, ou seja, os conceitos preestabelecidos e as experiências do seu cotidiano para assimilar novos conceitos, formular definições próprias, desenvolver o pensamento crítico e fazer uso desses conhecimentos para questionar as necessidades exigidas pela sociedade atual. O alinhamento desses processos possibilita o tratamento do fenômeno/problema contemporâneo fake news em aulas de inglês, mas sem esquecer de que

não se trata de simplesmente compreender e descrever as novas formas de comunicação e os novos discursos e gêneros emergentes em contextos virtuais, mas de fazê-lo para refletir sobre as novas possibilidades de melhoria da qualidade de vida das pessoas, a partir destes instrumentos, por exemplo, em processos de educação a distância (EAD), num país pobre e continente (ROJO, 2006, p. 259).

As escolhas metodológicas, a seguir, apresentam o contexto em que buscamos selecionar os alunos com dificuldades de aprendizagem na língua inglesa para a participação na pesquisa. A investigação prevê forte colaboração entre os participantes para a produção de sentido e conhecimentos.

3 Escolhas metodológicas

Ancoramos nossa pesquisa em procedimentos de natureza qualitativa. Baseados nesses procedimentos, assumimos a proximidade do pesquisador com os participantes e o compromisso com as melhorias socioeducacionais do contexto investigado. Vinculados a uma Linguística Aplicada Crítica, concordamos com Fabrício em relação ao que nos move para produzir conhecimento.

Não devemos almejar o saber pelo saber, ou a invenção pela invenção, deslocados de compromissos éticos. Não devemos, tampouco, nos relacionar com o conhecimento que produzimos como ‘captura’ teórica do ‘real’. Embora tecnicidades analíticas sejam parte necessária de nossas pesquisas, elas não deveriam se converter em mera atividade técnico-cognitiva: nossas construções devem objetivar uma vida melhor [...] (FABRÍCIO, 2006, p. 62).

Para promover a aprendizagem de alunos com dificuldades de aprendizagem em língua inglesa, elaboramos uma proposta de ensino que foi realizada com voluntários da primeira série do ensino médio de uma escola pública da rede estadual, localizada no interior do estado do Ceará. Os dados trazidos para a análise dessa experiência foram gerados no âmbito de uma pesquisa maior, amparada pelo Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) de número 3.637.850, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO), associação entre a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).

Dos 40 alunos matriculados no primeiro ano do ensino médio da escola em que a pesquisa foi realizada, convidamos voluntários que apresentavam baixo rendimento no primeiro bimestre de 2019 na disciplina de língua inglesa. A proposta de ensino foi apresentada em uma reunião no contraturno e contou com a adesão de 10 alunos. A proposta de ensino complementar teve duração de 15 horas, divididas em dois encontros presenciais e atividades online pelo WhatsApp. Os dois encontros presenciais foram realizados no contraturno com duração de 2 horas/aula cada, inicialmente, para, inicialmente, expor os objetivos das atividades planejadas e apresentar o cronograma e, posteriormente, para avaliar a experiência. Dez alunos participaram da experiência, construindo um grupo de WhatsApp com a professora de inglês da escola. Os nomes dos alunos participantes da pesquisa foram mantidos em sigilo. Para efeitos de tabulação dos dados e de exemplificação das interações, os alunos foram identificados por meio de letras do alfabeto de A a J.

Semanalmente, foram realizadas duas atividades por meio do WhatsApp. O uso do WhatsApp é motivado, principalmente, por sua popularidade e suas possibilidades de uso como apoio ao ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Além disso, enquanto tecnologia móvel, o WhatsApp pode ser utilizado como apoio às aprendizagens desenvolvidas extraclasse, tendo em vista a frequência de uso dessas tecnologias nos diversos campos da atividade humana (DE SOUZA, 2015; LEITE; SILVA, 2015). Vale salientar que a interação possibilitou hiperlinks para a navegação em outros ambientes digitais, tais como o Google Forms e o YouTube. As atividades priorizaram os componentes da aprendizagem por design, envolvendo a colaboração, a pesquisa e a reflexão sobre o processo da aprendizagem. O planejamento da prática de ensino para a interação no grupo de WhatsApp considerou a relação entre as atividades, os textos, os componentes da aprendizagem e as possibilidades para a promoção da aprendizagem (Quadro 1).

Quadro 1
Quadro síntese das atividades.
Textos multissemióticosComponente da aprendizagemPossibilidades para apromoção da aprendizagem
Atividade 1ChargeExperienciarQuestionário sobre o tema fake news e elaboração de um título para uma charge sobre fake news.
Atividade 2Vídeo explicativoConceituarProdução de uma lista com as características de fake news.
Atividade 3Postagem em blog jornalísticoAnalisarPreenchimento de uma tabela de custo e benefício de pessoas envolvidas com a circulação de fake news.
Atividade 4MemeAplicarProdução de um meme sobre fake news.
Autoria própria.

Na primeira atividade, exploramos o experienciar o conhecido e o novo por meio da charge, levando em consideração a multissemiose (elementos visuais, verbais, sonoros) para promover intercompreensões com os alunos. No grupo do WhatsApp, foi compartilhado um questionário que buscou identificar o conhecimento prévio dos alunos sobre o tema fake news. Também foi pedido aos alunos que eles elaborassem um título em inglês para uma charge (Figura 1).

Charge sobre fake news
Figura 1
Charge sobre fake news
https://www.seguranet.pt/en/comic-strips-seguranet Acesso em: 27 jun. 2020.

Na segunda atividade, publicou-se um vídeo explicativo, objetivando-se analisar o processo de produção e circulação de fake news[8]. Nessa atividade, os alunos elaboraram uma lista com as características desse fenômeno/problema e construíram um conceito para ele. Foi analisado o desenvolvimento da metalinguagem, associado a recursos visuais, verbais, sonoros e gestuais.

A terceira atividade abordou o impacto do uso das tecnologias em diferentes épocas, promovendo a análise funcional e a crítica dos alunos. Para isso, utilizamos uma postagem de um blog jornalístico sobre fake news, divulgada em um jornal em 1835[9]. O preenchimento de uma tabela de interesses propôs uma reflexão sobre a finalidade, os benefícios e os prejuízos envolvidos na produção e circulação de fake news. Nessa atividade, observamos como os alunos avaliaram fake news por meio de diferentes pontos de vista.

Na última atividade, promovemos a produção de um meme para explorar a aplicação das aprendizagens de forma criativa. O objetivo dessa atividade foi incentivar a produção ética, criativa e responsável em um contexto diferente, porém, com base no que já tinha sido abordado nas atividades anteriores. Foram observados usos de vocabulário e expressões apresentadas nas atividades anteriores, bem como aspectos éticos e conscientes dos usos das redes sociais. A opção por memes também é motivada pela intenção de promover compreensões sobre esses textos. Lima-Neto (2014) e Lima-Neto e Oliveira (2019), por exemplo, argumentam que os sujeitos tendem a fazer uso de memes sem exatamente saber do que se trata. De todo modo, vale salientar que essa tese não tem sido empecilho para o seu tratamento como objeto de ensino-aprendizagem nas aulas de línguas; talvez, ao contrário, tem promovido mais reflexões e problematizações (LARA; MENDONÇA, 2020; LUCENA; PONTES, 2018).

É importante salientar que, para fins didáticos e de sistematização, vinculamos um aspecto da aprendizagem por design para cada atividade. No entanto, compreendemos que,durante o processo de resolução das atividades, todos esses aspectos estavam envolvidos, em maior ou menor escala, pois, como salientamos anteriormente, o experienciar, o analisar, o conceituar e o aplicar não seguem uma ordem lógica, mas atuam concomitantemente no desenvolvimento da aprendizagem.

O corpus da pesquisa foi composto pela interação no WhatsApp, que inclui a resolução das atividades propostas. Durante as interações, buscamos monitorar como os alunos desenvolveram as práticas de letramentos escolares: se sozinhos, de forma autônoma, se necessitaram do auxílio do professor ou dos pares e se auxiliaram os outros na resolução de problemas. Essas impressões foram registradas em uma ficha individual do aluno durante a realização das atividades.

O tratamento dos dados é feito pela compilação das respostas dos alunos em quadros para a sistematização de possíveis aproximações/semelhanças, quando necessário. Na discussão dos dados, exemplos ilustram a expressão dos alunos no grupo de WhatsApp. Quando essa expressão é de texto verbo-visual, a forma é mantida ipsis litteris e destacada por meio de itálico, entre parênteses. Quando necessário, faz-se uso de aspas ou de recuo de texto longo. Quando essa expressão é de áudio, a forma é transcrita para a modalidade escrita na variante padrão da língua. Na seção a seguir, apresentamos a discussão dos dados por meio da narrativa descritiva e interpretativista do desenvolvimento das atividades e dos efeitos de sentido produzidos nas interações entre os participantes.

4 Discussão dos dados

No processo de resolução das atividades propostas, os alunos foram desenvolvendo conhecimentos relativos ao uso da língua inglesa e à construção da consciência crítica da produção e circulação de fake news. O uso de recursos online, para além da rede social WhatsApp, foi fundamental para a aprendizagem, visto que todos os alunos elencaram o Google tradutor como ferramenta que auxiliou na resolução das atividades.

Na primeira atividade, com a charge, os alunos foram conscientizados sobre a forma como eles se apropriam de novos conhecimentos, questionados sobre o que eles sabiam sobre o tema fake news e onde eles poderiam encontrar mais informações sobre o tema. Esses questionamentos objetivaram promover a metalinguagem sobre fake news, de modo a tratá-las como “[...] uma informação falsa intencionalmente divulgada, para atingir interesses de indivíduos ou grupos” (RECUERO; GRUZD, 2019, p. 32).

Na primeira parte da primeira atividade, isto é, aplicação de questionário sobre fake news, pudemos perceber que os alunos apresentaram opiniões divergentes sobre o tema. As respostas dos alunos puderam ser divididas em três perspectivas distintas, que revelam o conhecimento prévio dos alunos sobre o fenômeno/problema objeto de ensino-aprendizagem (Quadro 2).

Quadro 2
Conhecimento prévio dos alunos sobre fake news.
PERSPECTIVAALUNO
Valoração positiva sobre o temaA-D
Valoração negativa sobre o temaB-C-F-G-H-I-J
Elaboração de conceitoE
Autoria própria.

A divergência de respostas é percebida, sobretudo, quando comparamos a resposta do aluno A, que realiza uma valoração positiva do tema (É boa), com a resposta do aluno H (A fake news pode ter consequêcias graves). A opinião sobre fake news com valoração negativa também faz referência ao impacto social desse fenômeno/problema, salientado pelo aluno J (Uma coisa inadequada pra a sociedade). A opinião do aluno E se distingue das perspectivas de valoração, pois ele elabora uma equivalência para a construção de conceito (Minha opinião e que isso e notícias falsas).

Ao nos reportarmos às respostas dos alunos na busca da compreensão de seus interesses para ampliar seus conhecimentos sobre fake news, observamos que as respostas apontaram para informações específicas sobre o fenômeno e para conhecimentos da língua inglesa (Quadro 3).

Quadro 3
Interesse dos alunos pelo tema fake news.
INTERESSEALUNO
Interesse sobre fake newsA-C-F-H-J-G
Interesse sobre língua inglesaB-D
Sem interesseE-I
Autoria própria.

Sobre o interesse pelo tema fake news, o aluno A estabelece uma generalização e estiliza sua resposta por meio da potencialidade do uso da rede social WhatsApp, que possibilita a informalidade e a descontração para usos na esfera privada, apresentando risos (Podia ser tudo kkk). Além disso, sua resposta desvela seu desconhecimento sobre o tema ao valorizar positivamente o fenômeno em sua apreciação inicial sobre fake news. O interesse pela língua inglesa é flagrado na resposta do aluno D (Gostaria de saber as palavras em inglês), demonstrando interesse na aprendizagem da língua, embora não possua bons rendimentos na disciplina de inglês. Sobre os interesses, dois alunos não se mostraram interessados nem pelo tema nem pela aprendizagem da língua inglesa, o que fica explícito nas respostas do aluno E (Eu acho q n gostaria de saber mais ND) e, mais categoricamente, do aluno I (Nada).

Sobre as fontes de pesquisa utilizadas na busca de informações para assuntos de seus interesses, a maioria dos alunos revelou que utilizam a internet para a construção do conhecimento (Quadro 4).

Quadro 4
Fonte de pesquisa dos alunos para assuntos de seus interesses.
FONTESALUNO
InternetA-B-F-G-H-I-J
LivrosB-G-J
Os pares e professoresB-D
OutrosC-E
Autoria própria.

Aparece de maneira importante nos dados a relevância da internet na realização de pesquisas sobre assuntos de interesses dos alunos da escola pública, visto que apenas três alunos não mencionaram o uso da internet como fonte de pesquisa. Além disso, mesmo os alunos que fizeram referência aos livros também elencaram a internet como meio de obterem informações sobre assuntos de seus interesses.

Em relação à segunda parte da primeira atividade, isto é, interação com a charge sobre fake news, foi possível flagrar o conhecimento prévio dos alunos com o vocabulário da língua inglesa. Foi identificado o conhecimento de palavras cognatas ou outras palavras já conhecidas para a produção de sentido da charge (Quadro 6).

Quadro 5
Conhecimentos prévios de vocabulário da língua inglesa.
VOCABULÁRIO EM INGLÊSALUNO
Palavras cognatasA-D-H-I
Outras palavrasB-C-E-F-G-J
Autoria própria.

Alguns alunos demonstraram conhecimento apenas de cognatas, como o aluno H (schools). No entanto, a maioria já apresentou compreensão de outras palavras, como o aluno C (close) e o aluno F (like, tomorrow, aliens, news, world). Não foram mencionados conteúdos gramaticais da língua inglesa como possibilidades de produção de sentido na interpretação da charge, como, por exemplo, os pronomes pessoais it e you ou o uso do verbo to be.

Nesse momento de experienciar o conhecido, avaliamos que as interações virtuais, tanto em relação ao conhecimento da língua inglesa, quanto em relação ao uso de recursos digitais, oportunizaram aprendizagens diversas. O relato do aluno F, por meio de áudio enviado ao grupo do WhatsApp, revela aprendizagens de natureza tecnológica.

[...] eles estavam perguntando no privado como se fazia, aí eu ensinei que baixava o tradutor no playstore. Tirava lá, via o que deu pra entender da charge, sobre o que falava a charge, porque eu não disse sobre o que era que falava, porque todo mundo já sabe, eu acho... aí botava lá no tradutor o título que tivesse a ver e traduzia. Quando traduzisse, copiava o que tivesse traduzido e colava.

A colaboração entre os pares é flagrada em dimensões distintas: resolução de um problema do outro; respeito ao percurso de aprendizagem do outro. Assim, é importante perceber a preocupação do aluno F em informar que as interações privadas, em nenhum momento proibidas pela proposta de ensino, restringiam-se a conhecimentos tecnológicos (por que eu não disse sobre o que era que falava), ao mesmo tempo que revela compreender a natureza processual da produção de conhecimento, pois pressupõe que todos sabem o tema da atividade com base no que já foi discutido anteriormente (por que todo mundo já sabe, eu acho...).

A maneira pela qual os alunos se utilizam dos novos conhecimentos construídos na interação sobre fake news fica evidente quando eles elaboram seus títulos para a charge. Assim, os alunos puderam refletir sobre a aprendizagem da língua inglesa e as palavras já conhecidas, bem como compreender e fazer uso de imagens como uma possibilidade para a interpretação de textos multimodais, elaborando títulos diversos para charge sobre fake news.

Seis alunos elaboraram seus títulos de maneira problematizadora, questionando o status de verdade dos sentidos produzidos por meio da interação com a charge. Seus títulos evidenciaram, inclusive, de forma bem marcada a disputa do status entre verdade e mentira que é reivindicada pelas notícias, por meio do uso de perguntas/ interrogação, conforme produções do aluno J (Is the invasion fake or real?), do aluno C (Fake news or reality? Do aliens exist?) e do aluno F (The invasion, truth or Fake news?). Os demais alunos apresentaram títulos sem essa preocupação, com o uso da afirmativa, como podemos perceber no título elaborado pelo aluno G (The invasion of the aliens), ou copiaram o mesmo título que foi utilizado no cabeçalho do questionário respondido na primeira parte da primeira atividade, como os alunos D e E (The wise monkey of fake news). Desse modo, em sua maioria, os títulos revelam a problematização das produções de sentido emergentes da interpretação da charge, bem como a utilização da língua inglesa para concretizá-las.

Na segunda atividade, os alunos assistiram a um vídeo explicativo[10] que abordava como identificar fake news, observando as imagens, os títulos, a autoria, as fontes e o endereço eletrônico de notícias difundidas nas redes sociais. Diante dessas informações, os alunos teriam que elaborar três características de fake news, expressando suas ideias de forma sistematizada por meio de conexões lógicas. Nessa atividade, foi expressada grande dificuldade na compreensão auditiva, reveladas nas interações do aluno D (num entendi nada) e do aluno A (Eu num consegui fazer não). Por meio das interações no WhatsApp, orientamos os alunos a observarem com mais atenção as imagens do vídeo explicativo e a usarem o Google tradutor para auxiliar na compreensão dos tópicos elencados pelo apresentador do vídeo. Com essas orientações, os alunos puderam produzir sentido por meio das imagens de pessoas famosas exploradas no vídeo.

As imagens de pessoas famosas, como a do vocalista da banda U2, direcionaram a caracterização de fake news para o conteúdo da notícia, indicando, por exemplo, as vítimas mais atingidas pela desinformação, elemento destacado pelo aluno G (Geralmente as pessoas que são mais vitimas de fake news são os famosos). A apresentação de sites, comparando notícias falsa e verdadeiras, levou tanto o aluno F (notici geralmente virtual) como o J (achado em sites) a caracterizarem fake news pelos meios de propagação dessas notícias, que acontece de forma mais efetiva nos ambientes virtuais, corroborando Ferreira et al. (2019) e Recuero e Gruzd (2019). Além disso, o aluno E aponta para a importância da autoria (Kem escreveu isso), um dos tópicos mencionados pelo apresentador do vídeo explicativo. Portanto, as orientações no grupo de WhatsApp levaram os alunos a caracterizarem fake news ao produzirem sentido por meio da interação com textos multimodais.

Após a caracterização, foi solicitada a elaboração de um conceito para fake news. Todos os alunos buscaram pela tradução literal da palavra, exemplificada pelo aluno B (Sendo muito usada no termo inglês chamada (Fake news são notícias falças!). Além da tradução literal, outros fatores foram destacados: o aluno D se volta para a conscientização do uso dos meios de comunicação digitais (são conversa falsa que vem da internet dos jornais e na televisão e vem até as redes sociais); o aluno A relaciona a desinformação com poder econômico (é uma notícia falsa q as pessoas inventam pra ganhar dinheiro ou mas recursos); e o aluno G reivindica o status social (geralmente as pessoas que são mais vitimas de fake news são os famosos).

A terceira atividade promoveu uma maior reflexão sobre os fatores econômicos da produção e circulação de fake news. Foi utilizada uma postagem de um blog jornalístico que relata a divulgação de fake news, isto é, uma matéria divulgando que pesquisas comprovavam a existência de vida na lua, no ano de 1835. A primeira parte da terceira atividade foi analisar a consequência de fake news para os jornais concorrentes. Nessa parte da atividade, alguns alunos confundiram o jornal concorrente com o jornal que publicou a notícia. No entanto, todos eles demonstraram entender dois interesses por trás da criação de fake news, a saber, a busca por destaque social e o impacto financeiro, apontados pelo aluno H (publicaram noticias falsas pra ganha fama e dinheiro). Os alunos realizaram a tarefa ampliando a compreensão dos riscos que envolvem a produção de fake news e salientando possíveis consequências para quem as divulga, de forma oficial. Quando instigados a expressar possíveis consequências para o jornalista que produziu a notícia, os alunos foram unânimes em expressar valorações negativas vinculadas à credibilidade, observadas pelo aluno I (Ele pode vim a perde o emprego por conta dessa mentira) e pelo aluno H (perdeu fama e dinheiro por publica mentiras e engana as pessoas).

A visão dos alunos quanto à consequência para os leitores está diretamente relacionada ao repasse dessas notícias. Foi ressaltado que, ao acreditar em notícias falsas e propagá-las, o leitor é enganado e engana outras pessoas, dividindo, assim, a responsabilidade de quem produz fake news. Os sentidos produzidos sobre esse aspecto se dividem entre o dano intrapessoal, conforme salientado pelo aluno B (eles acreditaram numa mentira), e o dano interpessoal, conforme salientado pelo aluno C (Leitores Ira espalhar essa notícia para amigos e conhecidos e a noticia ira espalhar cada vez mas, Sendo No caso falça). Ao analisarem as consequências da propagação de fake news, os alunos passaram a destacar os participantes da interação social, os interlocutores, revelando aprendizagens de natureza comunicativa sobre a produção e a circulação de sentidos em uma dada situação. As interações no WhatsApp revelam a conscientização dos alunos sobre os papéis sociais assumidos culturalmente, aos quais se aliam responsabilidade e responsividade.

Com a resolução da quarta atividade, concluímos a prática de ensino com a aplicação dos conhecimentos adquiridos a outros contextos, contexto esse em que o termo fake news foi ressignificado para atender a outras interações situadas socialmente e banhadas culturalmente. Percebemos que os alunos foram capazes de produzir memes, associando o conceito de fake news não apenas ao campo jornalístico. A produção multimodal do meme que relacionou fake news com padrões de beleza (Figura 2) e do meme que relacionou fake news com sites de fofoca (Figura 3) ilustram a aplicação dos conhecimentos adquiridos em contextos diversos.

Meme sobre fake news 1.
Figura 2
Meme sobre fake news 1.
Corpus da pesquisa.

Meme sobre fake news 2.
Figura 3
Meme sobre fake news 2.
Corpus da pesquisa.

Na resolução das atividades propostas, os alunos tiveram a oportunidade de refletir sobre a seleção, a compreensão e a produção crítica dos discursos que tematizaram e problematizaram fake news. O acesso à internet garantiu que os alunos escolhessem as fontes de pesquisa e os aplicativos a serem utilizados na resolução da tarefa. No entanto, apenas quatro dos 10 alunos realizaram a última atividade, o que pode revelar uma limitação das aprendizagens tecnológicas, pois, mesmo depois de orientados a baixar um aplicativo para a produção de memes, alguns alunos demonstraram muitas dúvidas, ilustradas pela expressão do aluno C (Tendi foi nada). O fato de os alunos não terem produzido seus memes também parece estar relacionado à falta de prática de produção de textos multimodais que circulam na internet, embora a prática de compartilhamento desses textos, já produzidos por outros, seja frequente. Essa hipótese fortalece a tese, que vem sendo apresentada por Lima-Neto (2014) e Lima-Neto e Oliveira (2019), de que que os sujeitos tendem a fazer uso de memes sem exatamente saber do que se trata. De todo modo, vale salientar que essa tese não tem sido empecilho para o seu tratamento como objeto de ensino-aprendizagem nas aulas de línguas; talvez, ao contrário, tem promovido mais reflexões e problematizações (LARA; MENDONÇA, 2020; LUCENA; PONTES, 2018).

Por fim, vale salientar que a proposta de ensino possibilitou aprendizagens diversas, de natureza comunicativa e tecnológica, favorecendo o contato com a língua inglesa vinculada ao processo de promoção da criticidade. O aluno C, por exemplo, relatou que a experiência tinha sido proveitosa porque, pela primeira vez, tinha usado o Google tradutor. O aluno F apontou para a aprendizagem do próprio termo fake news. O aluno H destacou que a experiência mostrou para ele “o quanto de mentira que inventam na internet”. Esses dados provocam reflexões sobre a prática de ensino do professor de língua inglesa, de modo a possibilitar a construção de novos conhecimentos junto a seus alunos, por meio de interações que façam com que eles reflitam sobre os processos envolvidos na comunicação.

Quando o aluno reconhece que a interação que ele manteve com seus colegas e seu professor resultou em aprendizagens para além da repetição de expressões em uma determinada forma linguística ou da memorização de uma regra, somos motivados a continuar trilhando caminhos que nos possibilitam refletir sobre os erros e os acertos ao realizar escolhas teóricas e metodológicas para a prática de ensino e para a prática de pesquisa em ensino, nunca ingênua, sempre política e ideológica. Assim, as aprendizagens de natureza comunicativa e tecnológica se deram na interação por meio de práticas sociais situadas e banhadas culturalmente. Em nossa experiência, pudemos produzir sentidos diversos sobre/na/com a língua inglesa, sendo que o uso da língua portuguesa, a interação via rede social WhatsApp e o interesse dos alunos possibilitaram o desenvolvimento das potencialidades do planejamento da prática de ensino realizado a priori.

5 Considerações finais

Nossa pesquisa pressupôs a língua como prática social situada que se imbrica a uma ideologia nos diversos campos da atividade humana. Em nossa prática de ensino, os textos multissemióticos foram abordados, levando em consideração os participantes da comunicação, de modo a problematizar a produção e a circulação de fake news. Além disso, pretendemos dar visibilidade às vozes da escola pública do nordeste brasileiro, pois esta investigação

[...] não se trata de estudar a autoria na escola ou o discurso pedagógico como formação discursiva, mas de identificar problemas discursivos em sala de aula que, solucionados, podem contribuir para a construção dos conhecimentos, das vozes, do dialogismo e dos discursos em sala de aula (ROJO, 2006, p. 258).

A pedagogia dos multiletramentos nos permitiu pavimentar um caminho possível pelo qual percorremos de modo a problematizar o fenômeno fake news em nossa sociedade, partindo do conhecimento prévio dos alunos para construir novos conhecimentos, por meio do experienciar, do conceituar, do analisar e do aplicar (COPE; KALANTZIS, 2015). Tendo em vista que as interações no grupo de WhatsApp oportunizaram a realização das atividades, é possível concluir que os letramentos escolares podem ser promovidos no ensino de inglês que integre as redes sociais e os temas polêmicos em práticas de produção de sentido com alunos da escola pública.

Para isso, é necessário assumir que a aprendizagem de língua inglesa se faz por meio da problematização de temas polêmicos e contemporâneos, reivindicando uma concepção de escola pública enquanto espaço de transformação. Assim, o ensino de inglês passa a se comprometer com a promoção de experiências textuais que constroem relações sociais, por meio de signos, discursos, textos, e se distancia do ensino de um código linguístico distante de contextos comunicativos experienciados pelos alunos. Em um ano (2020) em que 1) sofremos com a pandemia do novo coronavírus, 2) as desigualdades sociais ficam muito mais evidentes, 3) a hashatg #BlackLivesMatter se projeta exponencialmente no universo digital, fica mais evidente a necessidade de se problematizar práticas sociais que discriminam e marginalizam vidas, assim como naturalizam mortes.

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Notas

[1] O neologismo moitalopeana é de autoria do primeiro autor. Trata-se de um tributo à organização da primeira edição do livro intitulado Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar – assim com IN em maiúsculo – pelo professor/pesquisador Luiz Paulo da Moita Lopes (MOITA LOPES, 2006a; MOITA LOPES, 2006b). Consideramos essa obra seminal para a consciência sobre a politização do ato de pesquisar nos estudos em Linguística Aplicada no Brasil. Sua contribuição permanece impactando a autorreflexão própria da área, fortalecendo o compromisso ético com formas alternativas e transgressivas de pensar sobre a linguagem (cf. FABRÍCIO, 2017; PENNYCOOK, 2018).
[2] Metáfora elaborada pelo primeiro autor, que passa a estabelecer um diálogo com a Linguística Aplicada INdisciplinar e a realizar e orientar suas pesquisas dentro dessa perspectiva.
[3] Neste trabalho, adotamos a concepção de linguagem como prática social. Assim, tratamos memes, emojis, gifs, entre outras práticas multissemióticas, como textos, isto é, práticas discursivo-textuais, relacionadas a nossa experiência textual que constrói relações sociais – signos, discursos e textos (cf. FABRÍCIO, 2017). Reconhecemos outras possíveis interpretações dadas a essas práticas no mundo digital e dialogamos com elas, quando o debate é pertinente ao contexto de ensino-aprendizagem de línguas na escola pública (cf. LIMA-NETO, 2014; LIMA-NETO; OLIVEIRA, 2019; PAIVA, 2016; PONTES, 2018; SILVA, 2016).
[4] Para uma problematização inicial sobre esse fenômeno, compreendemos sobre fake news como textos que fazem uso da narrativa jornalística e/ou componentes noticiosos com a intencionalidade de enganar por meio da divulgação de suas informações, sobretudo, nas redes sociais (cf. RECUERO; GRUZD, 2019).
[5] Os dados discutidos neste artigo são oriundos da pesquisa de dissertação da segunda autora.
[6] Destacamos que nossa compreensão sobre criticidade já pressupõe uma consciência seletiva em relação à produção e circulação de informações.
[7] Nossa tradução livre de “not constitute a linear hierarchy, nor they represent stages” (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 85).
[8] FIVE ways to spot fake news. Quartz. New literancy project. Estados Unidos, 2018. Três minutos e nove segundos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=y7eCB2F89K8. Acesso em: 23 ago. 2019.
[9] GREENER, D. 4 Shocking example of fake news throughout history. Blog the bigger picture. 27 de setembro de 2018. Disponível em: https://medium.com/bigger-picture/4-shocking-examples-of-fake-news-through-history-1dce02385ba6. Acesso em: 23 ago. 2019.
[10] FIVE ways to spot fake news. Quartz. New literancy project. Estados Unidos, 2018. Três minutos e nove segundos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=y7eCB2F89K8. Acesso em: 23 ago. 2019.

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