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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2019.12020
O PERFIL PROFISSIONAL DOS PROFESSORES INICIANTES E OS FIOS
CONDUTORES DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
1
The professional profile of beginner teachers and the guiding principles of
pedagogical practices
CIPRIANI, Andreza
2
KORMANN TOMAZONI, Eliane
3
SELPA HEINZLE, Marcia Regina
4
RESUMO
Nesta pesquisa, propomos-nos a analisar duas dimenes, o perfil profissional dos professores dos
cursos de engenharia com menos de cinco anos de atuação, e os fios condutores das suas práticas
pedagógicas em duas Instituões de Ensino Superior de Santa Catarina. O aporte teórico foi baseado
em alguns autores como Huberman (1992); Nóvoa (1995) e Tardif (2008), para compreensão dos
processos constitutivos e das fontes sociais de aquisão da formão docente. A presente pesquisa
tem caráter qualitativo e realizou-se por meio de aplicão de questionário on-line com perguntas
abertas, de ltiplas escolhas e questões seguindo uma escala de resposta do tipo Likert. Para a
interpretação e análise das informações obtidas, aplicou-se a metodologia de Alise de Conteúdo,
organizando os dados em categorias, as quais nos possibilitaram um mapeamento do perfil dos
professores iniciantes que atuam nos cursos de engenharias, assim como os elementos que fortalecem
e dificultam a docência e as principais práticas pedagicas. As alises decorridas a partir dos dados
obtidos reforçam os apontamentos contidos na literatura sobre a fragilidade da profissionalidade
docente e dificuldades encontradas na trajeria nos primeiros anos de doncia. Desse modo, o
presente estudo nos proporcionou compreender os desafios presentes nas universidades, no que tange
à complexidade e à singularidade em ser professor iniciante.
Palavras-chave: Perfil docente. Professor iniciante. Práticas pedagógicas.
ABSTRACT
In this research we proposed to analyze two dimensions, the professional profile of the teachers in the
engineering courses with less than five years of service, and the conductive threads of their pedagogical
practices in two Universities of Santa Catarina. To comprehend the teachers' formation constitutive
processes and social resources, we used theory contributions by Huberman (1992), voa (1995), and
Tardif (2008). The present research has a qualitative approach and was performed through an online
questionnaire with open questions, multiple choices and questions following a Likert type response
scale. For the interpretation and analysis of the information obtained, the Content Analysis methodology
was applied, organizing the data into categories, which enabled us to map the profile of the beginner
teachers who work in the engineering courses, as well as the elements that strengthen and teaching and
1
Essa pesquisa foi financiada pela própria instituição a partir do edital interno.
2
Mestre em Química pela Universidade Regional de Blumenau FURB, Graduação em Química pela Universidade Regional de Blumenau
FURB. Atua na área de Educação em Química desenvolvendo projeto de parceria com a FURB, intitulado LENQUI Laborario de
Ensino de Química. E-mail: andrezacipriani@hotmail.com.
3
Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau FURB, Graduação em Pedagogia pela Universidade do Vale do Itajaí
UNIVALI, Pós-graduação em nível de especialização em Fundamentos da Educação pela Universidade Regional de Blumenau FURB.
Atualmente é docente no Centro Universitário de Brusque UNIFEBE, em curso presencial de Pedagogia e em EaD. E-mail:
eliane.kormann@unifebe.edu.br.
4
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Mestre em Educação pela Universidade Regional de
Blumenau FURB, Especialização em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde ENSP
FIOCRUZ, Especialização em Dificuldades de Aprendizagem UNIPLAC. Graduação em Pedagogia pela Universidade do Planalto
Catarinense UNIPLAC. Professora e Pesquisadora no Programa de s-Graduação em Educação na Universidade Regional de
Blumenau FURB. E-mail: selpamarcia@gmail.com.
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main pedagogical practices. The analysis based on the data obtained reinforces the notes contained in
the literature on the fragility of teaching professionalism and difficulties encountered in the trajectory in
the first years of teaching. In this way, the present study allowed us to understand the challenges present
in universities, regarding the complexity and the singularity of being a beginning teacher.
Keywords: Teaching profile. Beginner teacher. Pedagogical practices.
INTRODUÇÃO
As políticas de implantação, ampliação e/ou reestruturação de IES (Instituições de
Ensino Superior), no Brasil, apresentam-se como alternativas positivas no que diz
respeito ao aumento do mero de discentes ingressantes, embora, na sua maioria, em
instituições privadas. Em decorrência disso, nos últimos anos, observa-se um
crescimento significativo de professores iniciantes no ensino superior, sendo estes,
muitas vezes, jovens, recém-doutores que precisam aliar sua formação com as
exigências da profissão docente (ZANCHET; FELDKERCHER, 2016). Dessa forma, no
Brasil, as discussões referentes aos saberes e aos desafios do trabalho do professor
iniciante são foco de inúmeras pesquisas e demonstram a necessidade da melhora das
condições de trabalho, bem como a criação de políticas públicas e institucionais que
visam à qualidade do ensino e formação desses professores (BOLZAN; POWACZUK,
2013); (PASSOS; SILVA; MARQUES, 2014).
De acordo com os dados disponibilizados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Asio Teixeira), em suas sinopses estatísticas, o número de
instituições de educação superior é de 2.407, sendo que, em 2016, foram ofertados
34.366 cursos, pertencentes às categorias administrativas públicas e privadas. Os
cursos de bacharelado concentram a maioria dos ingressantes da educação superior
(61,5%).
No Brasil, até 1996, os cursos de engenharia eram regulados pela Resolução 48/76 de
27 de abril de 1976, a qual fixava os conteúdos mínimos, duração dos cursos de
graduação e somente definia suas áreas de habilitação (MEC/CFE, 1976). A partir da
Resolução 11/2002, a qual regulamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Engenharia, os cursos de graduação passaram a contemplar em seu
conteúdo uma nova base pedagógica, focando no desenvolvimento de habilidades e
competências, para resolutividade de problemas reais considerando seus aspectos
políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.
Pesquisas apontam, contudo, dificuldades que os estudantes enfrentam nos cursos de
engenharia em relão às questões pedagógicas dos engenheiros-professores, por não
entenderem a natureza da profissão, limitando-se a expor uma expressiva quantidade
de conteúdos desconectados da realidade, prejudicando o processo de ensino-
aprendizagem (MENESTRINA; BAZZO, 2004; LACLAUSTRA et al., 2008). De acordo
com Hidalga (2006), os professores dos cursos de engenharia se articulam levando em
consideração alguns tipos de saberes: os referentes à experiência, os ditico-
curriculares, os atitudinais e os críticos-contextuais. Nitsch, Bazzo e Tozzi (2004) alertam
que o engenheiro que se transforma em professor, acaba descobrindo um novo
ambiente para o qual não teve formação pedagógica. Sendo assim, fica evidente a
necessidade da diferenciação entre os objetos de trabalho no campo da engenharia e
da docência no Ensino Superior.
A formação para a docência é destacada como fundamental para a melhoria da
qualidade do ensino superior, visando à superação de um modelo tradicionalista e
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conservador, no qual o processo de ensino passa a ser uma indisfarçada afirmação da
realidade do objeto por parte do professor e uma apassivada memorização de
informações técnicas, de preferência matematizadas, por parte dos alunos (BAZZO;
PEREIRA; VON LINSINGEN, 2008, p. 23). De acordo com Laudares (2010), as práticas
docentes de muitos engenheiros-professores apoiam-se basicamente em valores,
crenças e representações sociais acerca do que é ser professor, que são construídas ao
longo de sua história de vida familiar e escolar, bem como a partir de suas interações
com seus pares.
Somada a essa problemática, inclui-se a clássica discussão dos professores iniciantes,
independentemente de sua área de atuação, que assumem a docência em condições
desfavoráveis, com contratos de trabalho temporários e paradoxalmente com formação
profissional incompleta e deficitária (SAVIANI, 2009). Ainda possui renumeração
insignificante, desde longa data, tornando a profissão pouco atraente, o que contribui de
maneira significativa para o abandono da carreira (ALVES; PINTO, 2011). Sendo assim,
é notável que esses profissionais em início de carreira faceiem dificuldades, influenciando
seu desenvolvimento profissional docente. Pesquisas ressaltam, no entanto, a escassez
de estudos que questionem acerca da formação específica para estes professores,
mesmo que alguns estudos apontem tal necessidade e relevância (PAPI; MARTINS,
2010).
Nesse sentido, esta pesquisa de caráter qualitativo, realizada por meio de entrevistas
semi-estruturadas, utilizando-se de formulário on-line, propôs-se a identificar o perfil
profissional dos professores iniciantes que atuam nos cursos de engenharia, assim como
os fios condutores de suas práticas pedagógicas. A partir das respostas obtidas, foram
analisados os dados em comum, tendo como norteadores para a análise de conteúdo
alguns questionamentos: como se constitui a identidade do professor em início de
carreira nos cursos de engenharia? Quais os fios condutores de suas práticas
pedagógicas? Quais as fragilidades e os desafios encontrados nesse processo?
2. PROFISSIONALIDADE DOCENTE: FIOS CONDUTORES
Segundo Tardif (2014, p. 16) os saberes docentes são uma realidade social
materializada através de uma formação, de programas, de práticas coletivas, de
disciplinas escolares, de uma pedagogia institucionalizada, etc, e também, ao mesmo
tempo, os saberes dele. Sendo assim, o autor situa o saber do professor na interface
entre o “individual e o social, entre o ator e o sistema o qual se dá a partir de seis fios
condutores. O primeiro diz respeito ao saber e trabalho - o saber do professor
compreende-se na íntima relação com o trabalho na escola e na sala de aula: são as
relações mediadas pelo trabalho que fornecem princípios para enfrentar e solucionar
situações cotidianas. O segundo fio condutor é a diversidade do saber, pois percebe que
o saber dos professores é plural, compósito e heterogêneo, por envolver, no próprio
exercício da ação docente, conhecimentos e um saber-fazer bastante variados e,
normalmente, de natureza diferente. O terceiro fio condutor é a temporalidade do saber
- reconhece o saber dos professores como temporal, uma vez que o saber é adquirido
no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional. O quarto fio condutor,
denominado a experiência de trabalho enquanto fundamento do saber, focaliza os
saberes oriundos da experiência do trabalho cotidiano como alicerce da prática e da
competência profissional. O quinto fio condutor, saberes humanos a respeito de saberes
humanos, manifesta a ideia de trabalho interativo, um trabalho em que o trabalhador se
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relaciona com o seu objeto de trabalho fundamentalmente por meio da interação
humana. O sexto e último fio, saberes e formação profissional, é derivado dos anteriores,
ou seja, expressa a necessidade de repensar a formação para o magistério, levando em
consideração os saberes dos professores e as realidades específicas de seu trabalho
cotidiano.
Nessa perspectiva, pode-se compreender que os saberes docentes são temporais,
personalizados e situados, carregando as marcas do ser humano, podendo ser definidos
como um saber plural, formado pelo algama, mais ou menos coerente, de saberes
oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e
experienciais (TARDIF, 2014, p. 36). Para que esses saberes docentes possam ser
concretizados, no entanto, é preciso o conhecimento da pedagogia, da arte de ensinar:
Não existe processo de ensino-aprendizagem sem pedagogia, embora se manifeste com
frequência uma pedagogia sem reflexão pedagógica. Essa simples constatação permite
invalidar a crença de que certos professores (principalmente na universidade!) que pensam
não estarem fazendo uso da pedagogia simplesmente porque retomam rotinas repetidas há
séculos. (TARDIF, 2001, p. 20-21)
De fato, considerar modelos que identifiquem e classifiquem os saberes dos professores
não é tarefa fácil. É preciso, entretanto, destacar fenômenos que são importantes, os
quais tentam dar conta do pluralismo do saber profissional, relacionando-o com os
lugares nos quais os próprios professores atuam, com as organizações que os formam
e/ou nas quais trabalham, com seus instrumentos de trabalho e, enfim, com sua
experiência de trabalho (TARDIF, 2014, p.62-63). Neste contexto, o Quadro 1 evidencia
vários fenômenos importantes que fazem parte da trajetória profissional e da prática
cotidiana do docente, o que torna possível ter uma vio mais ampla e clara dos saberes
dos professores como um todo.
QUADRO 1- Os saberes dos professores
Saberes dos professores
Fontes Sociais de aquisição
Modos de integração no trabalho
docente
Saberes pessoais dos professores
A vida, o ambiente de vida, a
educação no sentido lato, etc.
Pela história de vida e pela
socialização primária
Saberes provenientes da formação
escolar anterior
A escola primária e secundária, os
estudos pós-secundários não
especializados, etc.
Pela formação e pela socialização
pré-profissionais
Saberes provenientes da formação
profissional para o magistério
Os estabelecimentos de formação de
professores, os estágios, os cursos
de reciclagem, etc.
Pela formação e pela socialização
dos profissionais nas instituições de
formação de professores
Saberes provenientes dos programas
e livros didáticos usados no trabalho
A utilização das “ferramentas” dos
professores: programas, livros
didáticos, cadernos de exercícios,
fichas, etc.
Pela utilização das “ferramentas” de
trabalho, sua adaptação às tarefas
Saberes provenientes de sua própria
experiência na profissão, na sala de
aula e na escola
A prática do ofício na escola e na sala
de aula, a experiência dos pares, etc.
Pela prática do trabalho e pela
socialização profissional
Fonte: Tardif (2014).
Diante do exposto, observa-se que esse modelo tipológico de análise baseado na origem
social enfatiza os saberes que os professores utilizam constantemente, fazendo uso das
mais variadas ferramentas. Também se constata a natureza social do saber profissional,
a qual provém de lugares sociais anteriores à formação. Assim, o saber profissional está,
de certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de
vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos atores educativos, dos lugares
de formação, etc.. (TARDIF, 2014, p. 64).
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Cunha (2007) traz importantes contribuições ao se pensar na profissão docente. Para a
autora, o professor, enquanto profissional, estaria mais bem situado no conceito de
profissionalidade do que no de profissão, devido ao fato de esta ser umaprofissão em
ação, em processo, em movimento (p. 14). Destaca ainda que, a partir dessa
perspectiva, o professor deixa de ser um reprodutor mecânico e passa a buscar, na
reflexão de sua prática, a resolução para os problemas profissionais cotidianos.
Logo, entende-se que o ensino não pode se fixar ao tempo/espaço do local onde ele
acontece, porque é nesse movimento não fixado de produção do conhecimento que
reside a profissionalidade docente, em que o professor não mais representa o tradicional
transmissor de conhecimentos. (CUNHA, 2007, p. 16). Para tanto, a troca de
experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais
cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de
formado (NÓVOA, 1995, p. 26). Ainda cabe destacar que:
O diálogo entre os professores é fundamental para consolidar saberes emergentes da
prática profissional. Mas a criação de redes colectivas de trabalho constitui, também, um
factor decisivo de socialização profissional e de afirmação de valores próprios da profissão
docente. O desenvolvimento de uma nova cultura profissional dos professores passa pela
produção de saberes e de valores que dêem corpo a um exercio autónomo da profissão
docente (NÓVOA, 1995, p. 26).
O professor passa a assumir uma nova profissionalidade, com um caráter mais crítico e
reflexivo, sendo assim, é possível perceber a importância da formão dos professores,
a qual é amplamente reconhecida como promotora de uma prática docente melhor
sistematizada e de uma educação para a inserção social. Essa também é um
mecanismo importante na melhoria da qualidade da educação, no qual o professor deva
ter o compromisso de reconhecer a sua profiso, identificando quais saberes são
usados em sua prática, quais não são mobilizados e que deveriam ser e quais saberes
ainda não foram identificados (BORGES e TAUCHEN, 2017). Para isso, tornam-se
importantes as políticas públicas que alicerçam os professores em sua profissão, assim
como é de suma importância discutir, de forma propositiva e coletiva, a política
institucional de formação docente, incluindo a dimensão da formação dos formadores.
3. PROFESSORES INICIANTES EM DEBATE: TECENDO DESAFIOS
As ações de formação continuada estão ganhando espaço dentro das universidades,
desde cursos pontuais direcionados aos docentes como em projetos ou políticas
institucionais que visam à promoção de práticas formativas ao magisrio superior
(ALMEIDA, 2012). O estudo realizado por Papi e Martins (2010) demonstra, porém, que
as iniciativas ainda são rasas e revelam a necessidade de mais estudos que explorem
essa problemática no que diz respeito às ações de formação para professores iniciantes.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES (2002)
oficializou o Estágio Docência, a partir da Portaria 52, de 26 de setembro de 2002,
como uma forma de docência orientada aos pós-graduandos, mas apenas aos bolsistas
dessa agência financiadora. Essa iniciativa, mesmo que isolada, não é o suficiente e
sinaliza uma preocupação que vem aumentando no meio acadêmico. De acordo com
Pimenta e Anastasiou (2002), os professores do ensino superior das diferentes áreas
preferem ser identificados como profissionais autônomos: físico, advogado, médico,
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engenheiro, pois o título de professor de qualquer outra área do conhecimento, sozinho,
parece sugerir uma identidade menor.
Considera-se também, nesse contexto, o professor iniciante, no que se refere ao seu
desenvolvimento profissional. O desenvolvimento profissional de professores
denominado como ciclo de vida profissional dos professores (HUBERMAN, 1989)
compreende um processo contínuo que agrega conhecimentos, experiências, atitudes,
concepções e práticas ao longo da carreira docente. Ainda Huberman (1992); Garcia
(1999) e Cavaco (1995) apontam que o período de professor iniciante está
compreendido entre os cinco primeiros anos de atuação profissional.
Nesse sentido, a formação assume maior relevância para os professores iniciantes, pois
é nessa fase que ocorre uma intensificação do aprendizado profissional e pessoal, a
transição de estudante para professor, a condição de trabalho leigo para profissional, de
inexperiente para experiente, de identificação, socialização e aculturação profissional.
Trata-se de um processo de transição do status de estudante para professor profissional
(GARCIA, 1999). E, ao assumir responsabilidades, o profissional se vê diante de
desafios, expectativas e inseguranças. Para Cavaco (1995), os primeiros anos deixam
marcas profundas na maneira como se pratica a profissão.
Dessa forma, o início da docência é marcado por intensas descobertas sobre a prática e
seus problemas, e sobre as alternativas possíveis para resolvê-los. O apoio nessa fase
é importante, vindo dos coordenadores de curso, da assessoria pedagógica da
instituição, de momentos contínuos de formação e dos próprios professores mais
experientes. Para Garcia (1999), esse período inicial é o mais dicil e crítico na carreira
dos professores. É denominado choque com a realidade expressa pela discrepância
entre as expectativas dos novos profissionais e a realidade em que atuam, cotejando os
ideais missionários construídos durante a sua formação inicial e as dificuldades que
enfrentam no cotidiano da prática pedagógica. Os desafios que compõe essa etapa: a
sobrevivência e a descoberta abrandam as dificuldades, pois o professor experimenta
sentimentos deexaltação por estar, finalmente, em situão de responsabilidade (ter a
sua sala de aula, os seus alunos, o seu programa), por se sentir num determinado corpo
profissional (HUBERMAN, 1992, p. 59).
Os estudos sobre o início da carreira do professor desempenham importante papel na
compreensão do processo de inserção e estabilidade na profissão possibilitando aos
formadores de professores pensarem novas propostas de formação docente. Refletir a
respeito dessas dificuldades dos professores iniciantes, os desafios encontrados e
compartilhados, pode levar à superação e a um maior crescimento profissional. Reali,
Trancredi e Mizukami (2008) destacam que os professores iniciantes, em sua grande
maioria, o têm espaços de discussão a respeito da docência, tendo assim, dificuldades
em gerir o processo de ensino-aprendizagem.
Há, portanto, necessidade de repensar a inserção do professor iniciante na prática
pedagógica, não somente dos professores dos cursos de engenharias, campo dessa
pesquisa, mas de todas as áreas, pois são múltiplos os desafios docentes pela
pluralidade de saberes que constituem esse cenário coletivo da profissão e individual do
sujeito professor.
4. APONTAMENTOS METODOLÓGICOS
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A presente pesquisa tem caráter qualitativo e realizou-se por meio de aplicação de
questionário on-line com perguntas abertas, de múltiplas escolhas e questões seguindo
uma escala de resposta do tipo Likert, de acordo com Silva Junior e Costa (2014, p. 5),
a escala de verificação de Likert consiste em tomar um construto e desenvolver um
conjunto de afirmações relacionadas à sua definição, para as quais os respondentes
emitirão seu grau de concordância.
Para o estudo, realizou-se primeiramente um levantamento do número de professores
do curso de engenharia que ingressaram, por meio de processo seletivo, nos últimos
cinco anos, em duas IES de Santa Catarina, uma de caráter público e outra comunitária.
Na sequência, encaminhou-se um convite para todos os concursados para participarem
da pesquisa e, as o aceite, enviou-se um questionário semiestruturado, utilizando-se
de formulário on-line. Sendo assim, a pesquisa desenvolveu-se com sete professores na
área das engenharias com menos de cinco anos de carreira docente. O instrumento
metodológico utilizado nesta pesquisa respeitou os procedimentos éticos estabelecidos
para a pesquisa científica em Ciências Humanas.
Para a interpretação e análise das informações obtidas, aplicou-se a metodologia de
Análise de Conteúdo (BARDIN, 2010). Cabe esclarecer que os princípios dessa
metodologia buscam compreender criticamente o sentido das comunicações, seus
conteúdos manifestos e as significações explícitas. Assim, os dados foram organizados
em categorias, as quais possibilitaram um mapeamento do perfil dos professores
iniciantes que atuam nos cursos de engenharias e as práticas docentes constituídas em
materializados de forma individual e social, sob a ótica do ator e do sistema, constituindo-
se a partir de fios condutores (TARDIF, 2014).
A partir do objetivo desta pesquisa que tratava de analisar o perfil profissional dos
professores iniciantes que atuam nos cursos de engenharia e os fios condutores de suas
práticas pedagógicas, elencaram-se, no questionário, perguntas que contemplavam
duas dimensões, a primeira, sobre o perfil profissional: a) Atuação profissional e jornada
de trabalho b) Atividades de pesquisa e extensão e c) Participação ativa como membro
nos conselhos institucionais. Na segunda dimensão, foram analisados os fios que
conduzem a prática docente, elencando-se perguntas relacionadas: a) à fase de
desenvolvimento profissional docente e escolha da profissão; b) às condições de
trabalho e dificuldades da profissão; c) à formação continuada e d) às metodologias de
ensino e avaliação da aprendizagem.
O questionário estruturou-se com questões de múltipla escolha, duas questões abertas
e questões de escala de resposta do tipo Likert de três pontos.
Para a construção do referencial trico, o aporte foi baseado em alguns autores como
Huberman (1992); Nóvoa (1995) e Tardif (2008), que nortearam esta pesquisa no
desvelamento de elementos da profissionalização docente, na compreensão dos
processos constitutivos e das fontes sociais de aquisição da formação docente, tornando
possível dialogar e refletir a respeito dos professores em início de carreira e seu papel
profissional.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 PERFIL PROFISSIONAL DOS DOCENTES
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Para a análise dos dados, fez-se, inicialmente, uma tabulação das informões contidas
nas três primeiras perguntas do questionário, a fim de se identificar o perfil dos
participantes da pesquisa. No Quadro 2, são apresentadas as características dos
professores sujeitos do estudo, em que estão especificadas: as áreas de formação, a
experiência na docência universitária (em termos de tempo de atuação) e disciplinas
ministradas. De acordo com a tabela supracitada, pôde-se verificar que a maioria dos
professores possui formão em cursos de graduão em Engenharia, ressaltando-se
apenas dois professores com formações distintas, sendo elas Arquitetura e Urbanismo
e Licenciatura em História e que atuam nos cursos de engenharia. No que diz respeito à
formação quanto à Pós-Graduação, apenas um professor entrevistado possui
Doutorado, quatro indicaram ter Mestrado e dois apenas Graduação. Dos sete
professores participantes, somente um apresentou tempo de atuação como docente
universitário de um ano, sendo o menor tempo apresentado entre os professores
participantes.
Em relação às disciplinas ministradas no ensino superior, a maioria dos professores
elencou entre duas a dez disciplinas nas quais atuaram em todo seu tempo de carreira
docente. Os professores que possuem formação nas áreas de Engenharia, ministraram
disciplinas específicas contidas na maioria dos cursos de Engenharia Civil e Mecânica.
Ao analisar as disciplinas ministradas pelos professores formados em outras áreas,
como Arquitetura e Urbanismo, percebeu-se a atuação nas disciplinas de Projeto
Arquitetônico, História da Arquitetura, Planejamento Urbano, Conforto Ambiental
Térmico e Estudos da Paisagem da Cidade, e outras voltadas diretamente aos cursos
de áreas afins.
QUADRO 2- Características dos professores
Graduação
Pós-Graduação
Tempo
de
atuação
docente
(anos)
Disciplinas ministradas
Engenheraia
Química
Doutorado
5
Operações Unitárias/ Reatores Químicos/
Modelagem Matemática/ Simulação de
Processos/Fenômenos de Transporte
Engenharia
Civil
Não possui
5
Desenho Técnico I e II/Construção Civil I e
II/Suprimentos na Construção
Civil/Sustentabilidade na Construção Civil/
Instalações Hidrossanitárias/Projeto de
Pesquisa/Estágio Supervisionado I e II
Engenharia
Mecânica
Mestrado em
Engenharia
Mecânica
1
Metrologia /Elementos de Máquina
Engenharia
Civil
Mestrado em
Tecnologias de
Saneamento
Ambiental
4
Materiais de Construção I, II e III/Patologia das
Construções/Fundações/ Sistemas Estruturais/
Sistemas Estruturais Madeira
Engenharia de
Produção Civil
Não possui
2,5
Construção Civil I/Materiais de Construção I e II
Arquitetura e
Urbanismo
Mestrado
4
Projeto Arquitetônico
Licenciatura em
História e
Arquitetura e
Urbanismo
Mestrado em
História
4
História da Arquitetura (6 distintas)/Planejamento
Urbano/ Projeto Arquitetônico/ Conforto
Ambiental Térmico/ Estudos da Paisagem da
Cidade
Fonte: as autoras.
A posterior análise dos dados, no que diz respeito à atuão profissional e jornada de
trabalho, revelou que os professores participantes já atuaram em Instituição Pública
Federal (18%) e Municipal (9%), sendo que a maioria sinalizou sua atuação
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principalmente em Instituição Privada ou em Centro Comunitário, sendo
respectivamente o total de 37 e 36% dos participantes. Destaca-se que nenhum dos
participantes apontou ter atuado em Instituição blica Estadual, conforme apresentado
no Gráfico 1.
GRÁFICO 1- Atuação dos profissionais participantes da pesquisa em instituições de ensino
Fonte: as autoras.
De acordo com o último Censo da Educação Superior realizado pelo INEP em 2017, o
número total de professores atuantes no Ensino Superior no Brasil soma o montante de
380.673. Cerca de 55% desse contingente atua em IES privadas, corroborando com o
maior valor apresentado (37%) pelos professores desta pesquisa. No que diz respeito à
formação desses professores, 41,35% são doutores, 39% mestres e apenas 1,15%
apresentam ter graduação. No que tange aos resultados desta pesquisa, observa-se, no
quadro 2, que apenas um professor sinalizou possuir doutorado, quatro professores
possuem mestrado e dois somente graduação. Uma característica marcante
evidenciada no Censo de 2017, é que, nas Instituições Públicas, a maioria dos docentes
trabalha em tempo integral (85,6%), já as Instituições Privadas contam com a prevalência
de professores atuantes em tempo parcial (40,5%), o que permite a estes trabalhar em
mais de uma instituição de ensino e/ou exercer outra atividade profissional.
Os resultados aqui apresentados evidenciaram que a carga horária semanal de trabalho
na instituição atual dos professores e o tempo de dedicação ao trabalho docente
universitário variaram entre 8 a 40 horas semanais (Gráfico 2). Referente à carga horária
semanal de trabalho e ao tempo dedicado à profissão, é possível perceber que, em
média, 43% dos professores participantes dedicam mais horas ao trabalho docente do
que de fato possuem de carga horária semanal de trabalho. Esses dados indicam
possíveis dificuldades que estes profissionais enfrentam tanto no que diz respeito aos
compromissos da profissão quanto ao investimento em sua carreira docente. Junges e
Behrens (2015) apontam que essa questão acerca do tempo de dedicação ao trabalho
docente é algo que poderia ser revisto pelas instituições de ensino superior, propiciando
melhores condições para que os professores possam também dedicar-se aos próprios
estudos e processos formativos, não abrindo mão de outras atividades das quais
dependem a qualidade do ensino.
18%
9%
37%
36%
Pública Federal
Pública Estadual
Pública Municipal
Instituição Privada
Centro Comunitário
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GRÁFICO 2- Gráfico à esquerda se refere à carga horária semanal de trabalho; Gráfico à direita
se refere à carga horária semanal dedicada ao trabalho docente universitário
Fonte: as autoras.
No que tange ao envolvimento dos profissionais em início de carreira com projetos de
pesquisa e extensão, de acordo com os dados obtidos, observamos que todos os
professores participam de projetos de pesquisa, porém apenas 30% atuam em projetos
de extensão. Ainda em relação à participação ativa como membro nos Conselhos de
Curso, do total de participantes na pesquisa, 71% são membros de Colegiados de
Cursos e 57% fazem parte do Núcleo Docente Estruturante. Em relação à atuação em
Programas de s-Graduação, 86% dos professores não participam de nenhum
Programa (Gráfico 3), o que pode estar relacionado à titulação dos participantes nesta
pesquisa, apenas um professor possuir doutorado.
De acordo com as características de universidade, três são as funções atribuídas aos
professores universitários: o ensino, a pesquisa e extensão. No sentido concreto, Veiga
(2006) estabelece que a docência configura o trabalho dos professores. Percebe-se,
contudo, que estes desempenham um conjunto de fuões que excedem a tarefa de
ministrar aula. Sendo assim, tendo como base as informações obtidas, consideramos
que os professores participantes não têm uma identidade única, suas características
variam em relão às instituições de ensino nas quais exercem docência, e também de
acordo com a trajetória de vida e de formação profissional de cada um.
GRÁFICO 3- Atuação dos professores por atividades
Fonte: as autoras.
14%
14%
14%
29%
29%
CH Semanal de Trabalho
8 hr/semana
12 hr/semana
16 hr/semana
20 hr/semana
40 hr/semana
29%
43%
14%
14%
CH Semanal de Dedicação
2 a 10 hr/semana
10 a 20 hr/semana
20 a 30 hr/semana
30 a 40 hr/semana
Acima de 40 hr/semana
14%
86%
Atuação em PPGs
Sim Não
30%100%
Atuações em Projetos
Pesquisa
Extensão
71%
29%
Membros de Colegiado
Sim Não
57%
43%
Participação no NDE
Sim Não
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5.2 OS FIOS CONDUTORES DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
De acordo com Feiman (2001 apud Nono, 2011, p. 19),os primeiros anos da profissão
docente representam um período intenso de aprendizagem e influenciam não apenas a
permanência do professor na carreira, mas também o tipo de professor que o iniciante
virá a ser. Assim, as experiências vivenciadas pelos professores em início de carreira
têm influência direta sobre a sua decisão de continuar ou não na profissão, ao mesmo
tempo, trata-se de um tempo de aprendizagem intensa, que pode traumatizar, e
contraditoriamente despertar no professor a necessidade de sobreviver na profissão
(HUBERMAN, 1992).
Em relação à escolha da profissão, os dados obtidos (Gráfico 4) apontam que as
experiências vivenciadas pelos professores, em seus períodos iniciais de formação
profissional, foram determinantes na escolha da carreira como docente universitário.
GRÁFICO 4 As escolhas pela profissão docente
Fonte: as autoras.
Segundo Huberman (1992), existem diferentes momentos na carreira docente, a partir
dos quais é possível categorizar a etapa em que o profissional se encontra na profissão.
Segundo os dados analisados, os professores participantes demonstram estar divididos
quanto à fase do desenvolvimento profissional com que se identificam. Dois professores
sinalizaram estarem na fase do questionamento da carreira ou do cotidiano da profissão,
outros dois apontaram estar na fase da estabilidade profissional docente, assumindo,
portanto, sua identidade profissional. Já outros dois professores participantes da
pesquisa indicaram pertencer à fase da diversificação profissional, que, em outras
palavras, refere-se à fase de experimentação.
Dentre as maiores dificuldades, que encontram no trabalho como professores
universitários, apontados pelos participantes da pesquisa, estão as seguintes:
Desinteresse em estudar e não comprometimento de acadêmicos;
Tempo reduzido para escrever artigos e projetos, devido à complementação da
renda tendo que trabalhar em outros espaços;
Falta de apoio e acompanhamento do trabalho docente pelo coordenador de
curso;
As horas complementares para trabalhos de extensão e o engessamento
burocrático.
7%
14%
14%
22%
14%
22%
7%
Influência familiar
Pelo reconhecimento profissional
Influência da formação na Pós Graduação
Pela diversidade de atividades: ensino,
pesquisa e extensão
Desafios da profissão docente
Inovação profissional
Oportunidade de trabalho
Outros
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Esses são alguns apontamentos realizados pelos professores iniciantes, os quais podem
ser percebidos como fatores de desestímulo à carreira docente.
Apesar disso, como pode ser observado no gráfico 5, do total de participantes, 71%
afirmaram que as condições do trabalho docente universitário são adequadas, restando
apenas 29% que negaram essa afirmação.
Gráfico 5- Respostas dos professores acerca das condições do trabalho docente universitário.
Fonte: as autoras.
Para saber quais elementos foram fundamentais para a constituição como docente
universitário, levaram-se em consideração as seguintes escalas de atribuição: muito
importante, importante e menos importante. De acordo com os dados obtidos, foi
possível elencar alguns aspectos destacados pelos professores. De maneira geral,
destacou-se como elementos muito importantes para a constituição como docente
universitário: a formação continuada (71%), diálogo formais e informais com colegas
professores universitários (57%), cursos de graduação (43%), estudos pessoais (43%)
e participação em grupos de pesquisa (43%). Todos os professores sinalizaram o
aspecto experiência como docente no ensino superior, sendo importante na constituição
do docente universitário, seguido de especialização, mestrado e/ou doutorado (86%).
Como menos importantes destacam-se: a atuação como docente na sala de aula na
educação básica (71%) e o retorno das avaliações discentes sobre o professor (57%)
(Gráfico 6).
GRÁFICO 6- Elementos que contribuem na constituição como docente universitário
Fonte: as autoras.
71%
29%
As condições do trabalho docente universitário são adequadas?
Sim Não
57
43
0
86
14
0
14
29
57
29
57
14
43
29
29
14
71
14
57
43
0
100
0
0
0
29
71
43
43
14
IMPORTANTE MUITO IMPORTANTE MENOS IMPORTANTE
Quais os elementos que foram fundamentais para a sua constituição como docente universitário?
(%)
Curso de graduação
Especialização, Mestrado e/ou Doutorado
Retorno das avaliações discentes
Diálogos formais e informais com colegas professores universitários
Conversas com a coordenação de curso
Formação continuada
Estudos pessoais
Minha experiência como docente no ensino superior
Minha atuação como docente na sala de aula na educação básica
Participação em grupos de pesquisa
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Diversos estudos e pesquisas vêm demonstrando que o professor universitário constrói
sua identidade docente a partir de vivências familiares, dos seus professores, da própria
experiência autodidata, das trocas com colegas e do feedback dos estudantes
(PIMENTA, 2005; CASTAMAN, VIEIRA, OLIVEIRA, 2016; NÓVOA, 2017; LIMA,
PIMENTA, 2018). Esses estudos convergem no que diz respeito ao reconhecimento da
necessidade de programas institucionais de formação continuada para esses
professores, principalmente os professores iniciantes, à medida que se observa uma
lacuna existente a partir das suas formações acadêmicas.
No que diz respeito às temáticas consideradas relevantes pelos professores
participantes para formação continuada e que poderiam contribuir para a sua prática
docente por indicação foram, 57 % do total, sobre metodologias ativas, seguida pelas
temáticas currículo (15%), procedimentos avaliativos e relações interpessoais com 14%
(Gráfico 7).
GRÁFICO 7- Temáticas consideradas relevantes pelos professores participantes para formação
continuada
Fonte: as autoras.
Em relação aos aspectos do processo de ensino aprendizagem e avaliação da
aprendizagem, foram levadas em consideração as seguintes escalas de atribuição: faz
com frequência, faz esporadicamente e nunca faz. Analisando os dados obtidos em
relação ao processo de ensino aprendizagem (Gráfico 8), ficou evidenciado que aula
expositiva dialogada, com interação dos estudantes, é a mais comum entre as
metodologias. Quanto às atividades que relacionam teoria e prática, e atividades
envolvendo vídeos, filmes e documentários também se destacam entre as práticas
docentes. Já as atividades elencadas pelos professores como esporádicas, destacam-
se os seminários, atividades orientadas em grupos e atividade com orientações
individuais. Salienta-se aqui, a atividade que os professores nunca realizam, com o total
de 100% dos participantes: júri simulado, seguida da atividade de produção de texto
(43%). Nenhum participante destacou outra atividade utilizada em relação ao processo
de ensino aprendizagem na opção aberta dessa pergunta.
15%
14%
14%
57%
Currículo
Procedimentos Avaliativos
Relações Interpessoais
Metodologias Ativas
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GRÁFICO 8- Atividades relativas ao processo de ensino aprendizagem
Fonte: as autoras.
Sabe-se que conhecimento pedagógico vai além de dominar algumas metodologias de
ensino, necessita perceber os estudantes em suas especificidades, entendendo seu
papel ético, político e social, buscando uma reflexão constante sobre a prática de ensino.
A respeito dos instrumentos de avaliação da aprendizagem, as provas objetivas foram
elencadas pelos professores como as mais frequentemente utilizadas seguidas dos
trabalhos individuais. Nas atividades avaliativas realizadas esporadicamente pelos
professores, destacam-se os seminários, sucedidos pelas atividades de autoavaliações,
provas discursivas e trabalhos em grupo. Entre as atividades que os professores nunca
utilizam para a avaliação da aprendizagem, destaca-se o portfólio e provas orais,
conforme Gráfico 9.
GFICO 9- Instrumentos de avaliação da aprendizagem
Fonte: as autoras.
No que diz respeito à pergunta aberta sobre a existência de outras atividades por eles
utilizadas para avaliar o aprendizado, apenas dois professores destacaram o uso de lista
0
0
100
43
29
29
57
29
14
43
57
0
29
57
14
86
14
0
43
29
29
57
43
0
100
0
0
14
86
0
29
29
43
43
29
29
FAZ COM FREQUENCIA FAZ ESPORADICAMENTE NUNCA FAZ
Em relação ao processo ensino aprendizagem, quais atividades você realiza?
Júri simulado Fórum de debates
Atividades envolvendo vídeos, filmes, documentários Atividades orientadas em grupo
Atividades orientadas individuais Atividades que evidenciem a relação entre teoria e prática
Atividades que visem uma inserção social Aula expositiva
Aula expositiva dialogada com a interação dos alunos Seminários
Produções de texto Pesquisas orientadas
57
43
0
86
14
0
57
43
0
0
29
71
14
0
86
57
43
0
71
14
14
29
71
0
FAZ COM FREQUENCIA FAZ ESPORADICAMENTE NUNCA FAZ
Em relação a avaliação da aprendizagem, quais atividades você realiza?
Auto-avaliações
Provas objetivas
Provas subjetivas
Provas orais em que os alunos expressam suas aprendizagens
Portfólio
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de exercícios e produção de material, como catálogos e documentários utilizados como
ferramentas para a avalião da aprendizagem.
Por fim, analisaram-se os dados obtidos a respeito da pergunta aberta, a qual pretendeu
pôr em discussão as avaliões institucionais do docente. A partir das respostas obtidas,
pode-se evidenciar que a maioria não considera, pois acreditam que não expressam a
realidade do contexto da sala de aula. Dois professores, entretanto, sinalizaram
concordar com essas avaliações e afirmam que contribuem para repensar a prática
docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta pesquisa tratou de analisar o perfil profissional dos professores iniciantes
que atuam nos cursos de engenharia e os fios condutores de suas práticas pedagógicas.
Desse modo, o presente estudo proporcionou compreender os desafios presentes nas
universidades, no que tange à complexidade e à singularidade em ser professor iniciante,
mapeando o perfil desse profissional que atua nos cursos de engenharias, assim como
os elementos que fortalecem e dificultam a docência.
A análise dos dados sinalizou algumas considerações: os professores iniciantes trazem
alguns saberes docentes que os caracterizam, muitos deles baseados no modelo que
tiveram de seus professores ou de colegas de profissão, outros ainda, foram se
constituindo a partir da sua própria prática docente. Ainda as análises decorridas neste
estudo a partir dos dados apresentados pelos professores iniciantes, reforçam os
apontamentos sobre a fragilidade da profissionalidade docente e sua trajetória formativa.
Dentre tantas mencionadas, como tempo reduzido para a docência, para pesquisa e
extensão, engessamento dos processos, burocracias, falta de interesse dos
acadêmicos, destaca-se ainda a falta de apoio e acompanhamento desse profissional
em exercício pela instituição de ensino superior.
Assim, cabe propor políticas e ações para acompanhar os professores ingressantes, no
sentido de contribuir no seu processo de constituição desde seus primeiros atos
pedagógicos, cooperando para a diminuição da insegurança, sensação de abandono e
frustração, e assim, contribuir para seu desenvolvimento profissional.
Desse modo, este estudo proporcionou compreender os desafios presentes nas
universidades, no que tange à complexidade e à singularidade em ser professor nos
cursos de engenharia. Sabendo sobre a real constituição dos docentes nos primeiros
anos de profissão, constatou-se a problematização em uma visão mais geral,
possibilitando enxergar os desafios dessa prática inicial que gera no professor conflitos e
inseguranças, pois estes percebem a incompletude de sua formação inicial como
referência para as decisões sobre o que fazer e entender o que passa no cotidiano
pedagógico de uma sala de aula.
Refletir a respeito do perfil do professor iniciante e os fios condutores que sustentam sua
prática pedagógica foi fundamental para reforçar o olhar atento da universidade, dos
coordenadores de cursos e dos formadores de professores. Pode-se considerar como
evidente que o maior desafio é o apoio, o acompanhamento constante desse
profissional, sua formação em serviço recebida nessa fase, o que possibilitará
compartilhar os fios condutores das práticas pedagógicas, levando à superação dos
desafios e a um maior crescimento profissional.
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