Trabalho & Educação | v.28 | n.2 | p.215-230 | maio-ago | 2019
mas a uma experiência de si mesmo, numa relação com a própria história. A atividade
humana de trabalho exige uma constante arbitragem entre o uso de si por si mesmo e
o uso de si por outros, num debate permanente entre as “normas antecedentes” e as
normas internas inscritas na história do corpo de quem trabalha.
A preocupação com eficácia e racionalidade comumente presente nas organizações se
expressa no que os ergonomistas chamam de “trabalho prescrito”, ou seja, “o trabalho
que foi determinado, ‘cientificamente pensado’ por pessoas que fizeram cálculos de
tempo, de eficácia, portanto, que estudaram tudo, de fato, detalhadamente”
(SCHWARTZ, 2010d, p. 40). Visando à menor perda de tempo, bem como encontrar a
maneira ótima para realização, o trabalho prescrito é definido de modo externo e
imposto aos trabalhadores. No entanto, conforme Duraffourg, Duc e Durrive (2010, p.
70), o prescrito tende a se dissolver, ou seja, pode estar “[...] formalizado nos livros
sobre a organização, ele pode ser afixado num mural, ser objeto de esquemas,
modelos, razões. Ele é registrável, é visível, pode ser verbalizado”.
Por outro lado, tudo o que é da ordem do real é dificilmente visto e expresso. Quantos
trabalhadores dizem: ‘eu estou acostumado’, e não conseguem verbalizar sua maneira
de fazer! Em razão disso, a Ergologia privilegia o conceito de “normas antecedentes”,
que engloba o conceito ergonômico de trabalho prescrito (TELLES e ALVAREZ, 2004).
Conforme Vieira-Júnior e Santos (2012, p. 94), o conceito de “normas antecedentes”
[...] é mais abrangente que o seu precursor [trabalho prescrito], por incorporar várias
dimensões presentes nas situações de trabalho, como: a) as aquisições de inteligência do
trabalhador; b) as experiências coletivas; c) o saber-fazer; d) as construções históricas
analisadas como patrimônio cultural e científico; e) a dimensão dos valores, que
transcende a questão monetária e se posiciona na esfera do político, dos debates e dos
conflitos que findam por compor o caráter híbrido desse conceito.
As normas antecedentes referem-se, portanto, ao modo como experiências coletivas
produzem normas situadas num tempo-espaço laboral, considerando-se ainda a
parcela de singularidade de cada trabalhador que compõe o grupo, uma vez que estão
subjacentes nelas valores coletivos e individuais (SCHWARTZ, DUC e DURRIVE,
2010d). O que leva a outro conceito relevante, o de “valores”, que, na Ergologia, refere-
se ao [...] peso que se atribui mais ou menos às coisas; uma hierarquia, uma
categorização própria a cada um a propósito do que se estima, prefere, ou pelo
contrário se negligencia, rejeita. Em certa medida, é a tentativa de cada um de ter uma
maestria sobre o meio no qual se encontra (exemplo: um escritório personalizado). O
indivíduo não inventa sozinho a prescrição e nem os seus valores, mas retrabalha
incessantemente os que o meio lhe propõe (DURRIVE e SCHWARTZ, 2008, p. 27).
Diversos são os momentos em que o prescrito é deixado de lado e a atividade real
aflora, mostrando as estratégias adotadas pelo funcionário naquele exato momento.
Como exemplo, temos a recomendação a respeito do descarte dos sacos plásticos
utilizados para embalar a rouparia vinda da lavanderia. Segundo a prescrição, esses
sacos devem ser rasgados e descartados imediatamente na lixeira, já que vieram de
um local em contato com materiais não esterilizados. O que acontece é que o local de
descarte é afastado do local onde é feita a dobragem das roupas e, para evitar perda
de tempo, as funcionárias acumulam uma certa quantidade desse material nas
prateleiras e, assim que julgam necessário, fazem o descarte do mesmo. Vale observar
que não há risco de contaminação uma vez que os materiais da prateleira terão que