Trabalho & Educação | v.28 | n.2 | p.177-196 | maio-ago | 2019
título do quadro indicará “Trecho de entrevista com Sofia/Flávia”; no caso das sessões
de orientação, seguiremos a ordem das gravações: “Trecho da Orientação 1/2/3”. Os
trechos reproduzidos terão as linhas identificadas numericamente, para que se possa
perceber de que ponto da interação foram extraídos.
As transcrições das sessões de orientação e das entrevistas constituíram o corpus de
estudo baseado nos diálogos instaurados entre as participantes. Nesse caso, fala-se em
enunciados como unidade da comunicação verbal, que refletem “um ato de
comunicação viva” (VOLOSHINOV/BAKHTIN 1976, p.9). Recorremos, portanto, à
análise dialógica do discurso para explorar aspectos da subjetividade dos sujeitos via
linguagem, considerada como uma forma de atividade. Nesse sentido, a análise
dialógica do discurso promove “o contato dialógico entre os enunciados”, por trás do qual
há “o contato de pessoas, e não de coisas”, e, como propõe Bakhtin (1997b) no texto
Observações sobre a Epistemologia das Ciências Humanas, apenas nesse nível de
análise é possível ir além da mera significação da palavra e atingir verdadeiramente a
compreensão do seu sentido. Isso envolve, dentre outros aspectos: a) relacionar
contextos, falas dos sujeitos, movimentos de discurso; b) considerar os acentos
apreciativos, os aspectos afetivos-volitivos; c) observar os significados e os sentidos
construídos no acontecimento do ser
, via linguagem, percebendo-os como sentidos
inacabados.
3 ALGUMAS NOÇÕES DA TEORIA DIALÓGICA
Analisar a atividade
de orientação acadêmica envolve, conforme anunciamos no item
metodologia, uma aproximação das interações verbais dos participantes, conduzindo
nossa investigação à análise das relações dialógicas observáveis em textos e discursos.
É, pois, na confluência da ideia acerca da atividade humana (BAKHTIN, 1997b) que se
abre um espaço para pensar a relação linguagem e trabalho no âmbito da análise
dialógica do discurso (ADD) que se utiliza da metalinguística discursivo-enunciativa como
referencial teórico-analítico. Deste ponto de vista, como sugere o linguista e ergologista
francês Daniel Faïta (2005, p.100), em seu artigo “A análise do trabalho e o estatuto da
atividade em Bakhtin”:
a teoria da relação dialógica, emergente nas obras de Bakhtin, oferece perspectivas
estimulantes de transposição, ao universo do trabalho, de hipóteses e de noções forjadas
em uma abordagem mais ampla, englobando a totalidade das ‘atividades humanas
Isso nos leva a refletir sobre a natureza da atividade e o papel desempenhado pela
linguagem no desenvolvimento e no retrabalho de seus objetos de estudo.
Assim sendo, cabe destacar que é na atividade humana de orientação acadêmica, via
linguagem, que se constrói a formação dos sujeitos participantes de nosso estudo.
Sampaio (2019, p. 3) observa que Bajtin (1997a), ao desenvolver a noção acontecimento do ser, retoma três ideias centrais: “(1) de
acontecimento, entendido como um processo de vir-a-ser, que se dá via linguagem, no mundo da vida de fato vivida, no qual se desenvolve
o ato ético responsável (do sujeito); e (2) de uma consciência (do sujeito) projetada no ser; (3) de que o acontecimento do ser não é algo
pensado: ele é real, tem existência e é completado pela minha ação (de conhecer) e a dos outros.”
Para o filósofo e ergologista francês Yves Schwartz (1998), a própria noção de atividade, para justificar sua pertinência conceitual, convoca
uma série de disciplinas, com o propósito de interrogá-las, cada uma individualmente e umas as outras, propiciando uma fecunda reflexão
acerca dos paradigmas teórico-metodológicos nestas áreas. Daí a necessidade de recorrer à linguística e, mais especificamente, à análise
do discurso, como disciplina que oferece contribuições efetivas para os estudos das atividades do trabalho humano, considerando-se que
é na obra Estética da criação verbal que o filósofo russo Mikhail Bakhtin (1997b, p. 279) introduz a noção de atividade, ao referir que “todas
as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua”.