Trabalho &Educação | v.28 | n.3 | p.101-114 | set-dez | 2019
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DOI: https://doi.org/10.17648/2238-037X-trabedu-v28n3-12393
TRABALHO E ESPIRITUALIDADE: CONTRIBUIÇÕES ERGOLÓGICAS
PARA A COMPREENSÃO DA ESPIRITUALIDADE NOS PROCESSOS DE
TRABALHO
1
Work and spirituality: ergological contributions to the understanding of
spirituality in work processes
ARAÚJO, Naim Rodrigues de
2
TRAVALHA, Conceição Clarete Xavier
3
RESUMO
Temos por objetivo, neste artigo, fazer uma abordagem aproximativa entre conceitos ergogicos e a
espiritualidade nos processos de trabalho. Historicamente a espiritualidade é tida como algo
desnecesrio, descabido e até inapropriado aos contextos organizacionais, conquanto, busca-se
aqui, atras dos conceitos ergogicos, refutar essa imagem negativa/destorcida da espiritualidade
inserida nos processos de trabalho. Metodologicamente a oão é por fazer uma revio bibliogfica
acerca das produções relativas à questão da espiritualidade enquanto elemento a se considerar nas
diversas relações existentes nos processos de trabalho bem como abordar conceitos ergológicos,
dialogando entre as teticas, sobretudo para ampliarmos as discuses relativas a ergologia,
trabalho e espiritualidade. Acredita-se que os conceitos ergogicos possam contribuir para a
percepção da espiritualidade como algo inseparável do ser humano e, por conseguinte, presente de
forma explicita ou implícita no trabalho.
Palavras-chave: Espiritualidade. Trabalho. Ergologia.
ABSTRACT
In this article our aim is to make an approximate approach between ergologic concepts and spirituality
in the work processes. Historically, spirituality is seen as something unnecessary, inappropriate and
even inappropriate to organizational contexts, although, through ergologic concepts, it is sought to
refute this negative / distorted image of spirituality inserted in work processes. Methodologically the
option is to make a bibliographical review about the productions related to the question of spirituality as
an element to be considered in the various relationships existing in the work processes and to
approach ergological concepts, dialoguing between the themes, especially to broaden the discussions
related to ergology, work and spirituality. It is believed that the ergologic concepts can contribute to the
perception of spirituality as something inseparable from the human being and therefore, present
explicitly or implicitly in the work.
Keywords: Spirituality. Work. Ergology.
1
A produção textual é inédita e resulta de uma abordagem aproximativa entre conceitos ergológicos, espiritualidade e processos de
trabalho. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e não conta com financiamento.
2
Mestrando em Educação e Docência pela Universidade Federal de Minas Gerais, possui pós-graduação em Educação Especial e
Inclusiva pelo Instituto Pedagógico Universal e Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é
Técnico administrativo em Educação na Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: naim@ufmg.br.
3
Possui Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, Mestrado em Educação pela Universidade Federal de
Minas Gerais, graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e Graduação em Física pela Universidade Federal de
Minas Gerais. Atualmente é Professora associada do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais e Coordena o Núcleo de Estudos e pesquisas do Pensamento Complexo (NEPPCOM/UFMG). E-mail:
tecaxavier@uol.com.br.
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INTRODUÇÃO
Antes de adentrarmos nas especificidades da espiritualidade nos processos de trabalho
é necessário que reflitamos a respeito da origem das discussões sobre espiritualidade.
O filósofo Henry Bergson foi um dos pioneiros a refutar a lógica objetiva cartesiana.
Para o filosofo há uma complexidade da vida para além do racionalismo, entretanto, o
autor também não acredita na redução do indivíduo ao determinismo do inconsciente.
Trata-se pois, de uma complexidade de fatores que interagem entre si. Os conceitos
ergológicos, que veremos posteriormente, dialogam diretamente com a filosofia de
Bergson, mas, por hora, nos restringiremos a compreender como Bergson (1974)
entende a relação entre filosofia e espiritualidade:
Quem pudesse enxergar o interior de um cérebro em plena atividade, acompanhar o
vaivém dos átomos e interpretar tudo o que eles fazem, sem dúvida ficaria conhecendo
alguma coisa do que acontece no espírito, mas ficaria conhecendo pouca coisa.
Conheceria tão somente o que é exprimível em gestos, atitudes e movimentos do corpo, o
que o estado de alma conm em vias de realização ou simplesmente nascente; o restante
lhe escaparia. Com relação aos pensamentos e sentimentos que se desenrolam no interior
da consciência, estaria na situação do espectador que vê distintamente tudo o que os
atores fazem em cena, mas não ouve uma palavra do que dizem. Sem dúvida o vaivém
dos atores, seus gestos e atitudes m sua razão de ser na peça que estão representando;
e se conhecermos o texto podemos prever aproximadamente o gesto; mas a recíproca
não é verdadeira, e o conhecimento dos gestos informa-nos pouquíssimo sobre a peça,
porque numa codia inteligente há muito mais do que os movimentos que a pontuam.
Assim, creio que, se nossa ciência do mecanismo cerebral fosse perfeita e perfeita fosse
também a nossa psicologia, poderíamos adivinhar o que se passa no cérebro para um
estado de alma determinado; mas a operação inversa seria impossível, porque teríamos
que escolher, para um mesmo estado do cérebro, entre uma infinidade de estados de
alma diferentes e igualmente apropriados (BERGSON, 1974, p. 41).
O pensamento de Bergson nos convida a refletir sobre a espiritualidade, tema ainda
repleto de tabus e mitos, além de ser pouco discutido academicamente. Em relação
aos ambientes organizacionais das empresas o tema é ainda mais mistificado,
conforme veremos adiante.
Rorh (2015) entende a espiritualidade como uma das dimensões humanas, não
podendo/devendo ser analisada de maneira isolada. Para o autor, refletir sobre a
espiritualidade implica, no nosso pensar, levar em consideração a integralidade do ser
humano (RORH, 2015, p. 54).
Rorh entende o ser humano a partir de cinco dimensões básicas: a dimensão física,
que inclui a corporalidade sico-biológica; a dimensão sensorial que envolve o tato,
visão, audição, olfato e paladar; a dimensão emocional que relaciona as reações
psíquicas e emocionais; a dimensão mental que envolve tanto fatores objetivos como o
raciocínio lógico, quanto fatores subjetivos, como a fantasia, a memória e até mesmo a
intuição. A quinta dimensão é para o autor, a espiritual, que justifica sua existência pela
falta de explicação pelas outras dimenes em compreender o ser humano em sua
magnitude, em sua essência, enfim, em sua integralidade. Para o autor:
Podemos nos aproximar da dimensão espiritual identificando uma insuficiência das outras
dimensões em relação ao homem nas suas possibilidades humanas. Posso viver nas
demais dimensões sem ser comprometido com nenhum aspecto delas. Entro na
dimensão espiritual no momento em que me identifico com algo, em que eu sinto que esse
se torna apelo incondicional para mim (RORH, 2015, p. 55).
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Para Rorh existe uma relação entre as dimensões, sendo impossível, portanto,
compreender uma dimensão humana de maneira isolada, desconsiderando as outras.
Além disso o autor destaca que além das dimensões básicas existem outras
dimensões transversais que perpassam nossa existência, aumentando a complexidade
humana e inter-relacionando outros fatores, como por exemplo, a dimensão relacional-
social, a prático-laboral-profissional e a político-econômica.
A espiritualidade já foi abordada em muitos contextos empresariais como um tema
desconexo com os objetivos organizacionais e pouco importante para o contexto aqui
em epígrafe. Conquanto, na atualidade, o tema tem sido discutido por alguns autores,
como: Rego, Cunha e Solto (2007), Rodrigues (2008), Silva (2008), Silva e Siqueira
(2009) e já existem pesquisas empíricas desmistificando o que acreditamos serem
ideias retrogradas de que a espiritualidade não possa estar presente nos processos de
trabalho. Conquanto, tais pesquisas parecem não adotarem uma abordagem completa/
integral do ser humano, o que dificulta, ao nosso ver, a compreensão do que de fato
representa a espiritualidade nos processos de trabalho.
Abordar-se-á aqui, uma discussão teórica para compreendermos o que tem sido
considerado espiritualidade no trabalho. Essa contextualizão é importante para que
possamos discutir conceitos ergológicos que nos auxiliem na aproximação teórica entre
espiritualidade e processos de trabalho.
A ergologia é, na verdade, uma abordagem, ou seja, uma das muitas formas de se
interpretar o trabalho. Para essa abordagem não existe trabalho simples, pois cada
contexto depende de uma série de decisões mais ou menos conscientes de cada
trabalhador. Além disso, a Ergologia preconiza que o trabalho real, aquele que ocorre
de fato, sempre será diferente do que fora prescrito; os pesquisadores da abordagem
ergológica consideram a importância dos conhecimentos teóricos/acadêmicos, mas
igualmente valorizam os saberes tácitos/não formais dos trabalhadores.
Por ser um tema complexo e ainda pouco discutido; acredita-se que uma abordagem
aproximativa entre Espiritualidade e a Ergologia possa contribuir para interpretarmos o
que de fato ocorre nos processos de trabalho, sobretudo em relação à espiritualidade
dos trabalhadores.
METODOLOGIA
Metodologicamente esta pesquisa estrutura-se a partir de uma revisão bibliográfica
aproximativa entre espiritualidade, processos de trabalho e conceitos ergológicos.
Abordando-os, entretanto, a partir da conceão de integralidade humana (RORH,
2015), e não de maneira isolada como costumeiramente são abordados pela literatura.
Depreende-se que a abordagem proposta, sobretudo a partir da interpretão de
conceitos de uma área específica de estudos do trabalho (Ergologia), possa auxiliar na
compreensão da espiritualidade inserida nos processos de trabalho, assunto ainda
mistificado em muitos contextos organizacionais.
Para Rampazzo (1998) conhecer contribuições cienficas que se aprofundaram sobre
o tema assumido como objeto de pesquisa pelo investigador é o que configura uma
revisão bibliográfica. Para Yamamoto e Miako (1999) a pesquisa bibliográfica se
constitui através da relação entre o objeto de pesquisa com outros já estudados, a fim
de se familiarizar e se aprofundar no tema. Segundo Salomon (1996), a avaliação
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bibliográfica mostra, além das futuras possibilidades de aprofundamento a respeito de
um tema específico, as dificuldades e as perspectivas de um determinado assunto.
Foi feita uma busca avançada no Google Acamico com os descritores trabalho e
espiritualidade”. Os critérios estabelecidos foram conter as 2 palavras no título;
obtivemos 23 resultados, dos quais, ao ler o resumo, entendemos que 8 se aproximam
da temática abordada por esta pesquisa bibliográfica.
Em seguida realizou-se uma análise e exposição interpretativa das discussões sobre
espiritualidade nos processos de trabalho; buscando, subsequentemente, dialogar com
a Ergologia na tentativa de compreendermos o que de fato representa a aproximação
entre Espiritualidade e os conceitos ergológicos.
A ESPIRITUALIDADE NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL
É preciso que tenhamos claro as diferenças e semelhanças entre religiosidade e
espiritualidade. A religiosidade é apenas uma das características da espiritualidade,
sendo a segunda mais ampla que a primeira. Silva (2008) apresenta definições de
vários autores sobre o tema e destaca que alguns confundem os termos como sendo
sinimos. Após ampla discussão conceitual o autor conclui que: [...] parece haver
uma complementaridade e não uma polarizão conceitual, já que religião es ligada
ao sistema institucionalizado, e a espiritualidade, à experiência de caráter mais
individualizado (SILVA, 2008, p. 771).
Para o autor a religiosidade está no campo das crenças, dos rituais.Trata-se, portanto,
de questões sagradas, exercidas no seio de uma instituição [...] (SILVA, 2008, p. 770 -
771). Já a espiritualidade relaciona-se às concepções individuais, subjetivas; ou seja, a
espiritualidade é algo pessoal, diz respeito ao modo pelo qual cada sujeito dentro da
sua individualidade interpreta as questões complexas da vida, podendo, ou não,
manifestar-se em forma de religiosidade.
A vivencia da religiosidade sofreu alterações ao longo do tempo. O que outrora era
fortemente institucionalizado, hoje pode ser vivenciado para além de uma ou outra
religião, estando ligado, sobretudo, as conceões subjetivas de cada pessoa.
Contudo, essa subjetivação não pode ser interpretada como menos religiosidade,
conforme destaca Silva (2008, p. 770):
[...] Não se pode dizer que haja menos religião, mas sim, que há uma realocação do
religioso na sociedade atual, pois, mesmo diante da perda da institucionalização religiosa,
houve uma revitalização fragmentada, individualizada, instável e particular da religião.
Se por um lado a desinstitucionalização da religião pode trazer falta de referência para
algumas pessoas, por outro lado os ambientes organizacionais de trabalho podem
configurar-se como um ambiente institucional no qual, na visão de Silva (2008), pode
prover sentido e trazer benecios aos sujeitos, tanto de forma coletiva quanto individual;
Para o autor, esta função dos ambientes organizacionais é similar ao que fora atribuído
outrora às instituições religiosas; dentro do trabalho prescrito assunto que
abordaremos adiante nos conceitos ergológicos estão previstos uma serie de
valores que as Instituições esperaram dos seus funcionários, entretanto, nem sempre
consideram os desejos individuais, as subjetividades e as discussões coletivas.
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Nesse cenário, a busca é por um ambiente que não está mais centrado no controle, na
hierarquia, na obediência, mas sim, no desenvolvimento pessoal, no autoconhecimento, na
utilização da intuição e na valorização da criatividade (SILVA, 2008, p. 770).
Ao tratarmos dos ambientes organizacionais é preciso nos preocuparmos com a
integralidade humana assunto destacado anteriormente A lógica capitalista de
produção muitas vezes restringe-se a fatores orgânicos para motivar os trabalhadores,
como por exemplo, concedendo um aumento de salário, esquecendo-se, no entanto,
que o ser humano deve ser interpretado em sua complexidade, sendo as necessidades
não orgânicas individuas e não reproduzidas. Desse modo, ainda que um aumento de
salário possa satisfazer determinado grupo de trabalhadores, outro grupo pode ignorar
tal aumento e necessitar de uma resposta menos orgânica, como por exemplo,
mudança no trato interpessoal entre os colegas.
Assim como a religiosidade, os modelos de gestão administrativa foram sendo
alterados ao longo do tempo. Hoje, para Silva (2008) os modelos de gestão são mais
“humanistas, ou seja, não desconsideram a importância das subjetividades das
pessoas para o contexto organizacional. O autor destaca que: Os modelos
administrativos têm evoluído para posturas mais participativas, o que abre espo para
um investimento afetivo, emocional e até mesmo espiritual no trabalho (SILVA, 2008,
p. 772).
Para o autor, outra vantagem da espiritualidade no contexto de trabalho é a maior
confiabilidade nas negociações, pois relações em que não existe confiança entre as
partes tendem a ter negociações frustradas. Dentro dessa lógica, Silva (2008) admiti
que a partir um contato mais humano os laços afetivos tendem a ser fortalecidos,
evitando desconfianças e desavenças. Além disso, o autor discute e apresenta a visão
de outros autores, como King e Crowther, que acreditam que a espiritualidade no local
de trabalho contribua para um menor absentsmo, maior satisfão e melhor combate
ao estresse.
Mais uma vez é preciso destacar o uso restrito e individualizado do conceito de
espiritualidade. Percebe-se que, conforme supramencionado, a espiritualidade ainda é
vista como algo presente ou ausente no ser humano, no caso em epígrafe, no
trabalhador. Conquanto, a entendemos como uma dimensão humana, que, para ser
compreendida precisa ser considerada em conjunto às demais dimensões humanas.
Essa abordagem do ser humano enquanto ser complexo, e de muitas dimenes,
baseada, sobretudo, em Ferdinand Rorh, nos auxiliará na compreensão das
contribuições ergológicas que serão apresentadas posteriormente - para uma análise
do ser humano no trabalho de forma integral e o subdivida.
Ainda hoje, existe em algumas empresas resistência à espiritualidade, sobretudo por
ser considerada por alguns, assunto descabido ao ambiente de trabalho, além disso
existem os que acreditam que a espiritualidade, por ser subjetiva e individual, dificulte a
compreensão de fatores concretos pelo trabalhador, o que poderia gerar uma
diminuição da produtividade. Conquanto, Silva (2008) argumenta justamente o
contrário; à medida que a espiritualidade é compreendida como uma forma de
interpretar fatores complexos da vida, ela humaniza e facilita o contato e as trocas
socioculturais, sobretudo no ambiente de trabalho, o que impacta positivamente no
relacionamento, e, por conseguinte, no rendimento.
Outros aspectos abordados pelo autor dizem respeito ao fato de ser, o ambiente de
trabalho, um local de fortes vínculos afetivos e um local no qual os trabalhadores
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passam a maior parte do dia; assim, em um ambiente tão significativo para os
trabalhadores, caso não exista espo para expressarem sua
espiritualidade/singularidade/subjetividade é possível que isso reflita de forma negativa
no psicológico do trabalhador. Já no processo inverso, em havendo espaço para as
manifestações individuais, os reflexos podem ser positivos; trazendo benéficos não só
para os trabalhadores, mas também para a empresa.
Rego, Cunha e Souto (2007) destacam que a espiritualidade pode amenizar e até
mesmo evitar uma série de doeas como hipertensão e estresse. Tão logo é possível
dizer que além das questões socioafetivas, as questões orgânicas também podem ser
afetadas pela presença da espiritualidade, o que permite benecios diretamente ligados
aos ambientes de trabalho, sobretudo pela diminuição de faltas, aumento da produção
e satisfão pessoal por estar bem consigo mesmo e com os colegas de trabalho.
Com o objetivo de avaliar as dimensões afetivas, normativas e instrumental, Rego,
Cunha e Souto (2007) aplicaram um questionário com 14 itens para 361 colaboradores
de 154 organizações, de vários setores de atividade, todos com nível superior
completo. O estudo revelou que: Genericamente, a espiritualidade correlaciona-se,
significativamente, com o comprometimento organizacional, sendo a tenncia
especialmente notória para a vertente afetiva, e menos visível para a instrumental
(REGO; CUNHA; SOUTO, 2007, p. 14).
O estudo revelou, ainda, que: A idade e o tempo de casa apenas explicam,
significativamente, o comprometimento instrumental, sendo as pessoas mais idosas e
mais antigas as que denotam mais vigor nesse laço (REGO; CUNHA; SOUTO, 2007,
p. 15). Ou seja, os fatores citados não garantem aumento de satisfão e sensação de
pertencimento ao ambiente de trabalho além de não explicar os vínculos socioafetivos
existentes no local de trabalho. Por fim os autores destacam que As variáveis de
espiritualidade com maior potencial explicativo são a alegria no trabalho e o
alinhamento dos valores do indivíduo com a organização. (REGO; CUNHA; SOUTO,
2007, p. 15).
Ao que parece, houve uma aproprião do termo “espiritualidade para justificarões
que visam, sobretudo, aumentar os rendimentos/lucros das empresas,
descomprometendo-se, no entanto, com a complexidade do ser humano, em especial,
no contexto em análise, com as necessidades dos trabalhadores; vendo-os como
seres padronizados que podem ser motivados mediante o incremento de incentivos
externos, principalmente os orgânicos; esquecendo-se que somos, em essência, seres
sociais, coletivos, e sobretudo, iguais unicamente nas diferenças.
Paula e Costa (2008, p. 3) após ampla discussão bibliográfica sobre a abordagem do
tema espiritualidade no campo de trabalho, destacam que as empresas que abordam o
tema abertamente, entendendo-o como fundamental nas relações humanas, tendem a
ter maiores benecios que empresas que tratam o tema de forma preconceituosa. A
espiritualidade quando inserida no planejamento estratégico das organizações, traz
vantagens significativas para as mesmas, sendo um grande diferencial competitivo na
atualidade. Ainda que seja notório os benecios da Espiritualidade no mercado de
trabalho, as autoras destacam que o tema ainda é pouco discutido e refutado por
muitos ambientes organizacionais, o que sugere a necessidade de novos estudos
emricos para desmistificar o assunto.
A ideia de abordar a espiritualidade a partir de um planejamento estratégico nos parece
desalinhada com a abordagem aqui proposta, entendendo que a manifestão da
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Espiritualidade ocorre de maneira individualizada, contextualizada com as demais
dimensões humanas e manifesta-se de maneira única em cada ser humano (SILVA,
2008; RORH, 2015). Assim, sem querer ser repetitivo, mas contextualizando a citação
acima, mais uma vez o trecho nos remete a ideia de aproprião do termo
espiritualidade” para fins propriamente econômicos e Institucionalizados.
Silva e Siqueira (2009, p. 559) compreendem a espiritualidade como uma forma de
humanização das pessoas no trabalho, para os autores, a espiritualidade:
Seria uma nova perspectiva de humanização do trabalho e de autorealização no ato de
trabalhar, assentada na transformação da consciência, favorecendo o bem estar
emocional e a construção e reconstrução de orientações, valores e pticas que não estão
associados ou representados em termos de religião ou mesmo de religiosidade.
Os autores argumentam que ainda que a religiosidade possa ser compreendida dentro
da espiritualidade, a primeira manifesta-se de forma coletiva e institucionalizada,
enquanto a segunda é expressa de forma única por cada indivíduo, o que a coloca
num lugar diferenciado na percepção de mundo e significação do trabalho. a
espiritualidade, atrelada a uma experiência subjetiva e de significados pessoais,
assume papel privilegiado de fornecer sentido ao trabalho, bem como um senso maior
de utilidade na atividade realizada (SILVA; SIQUEIRA, 2009, p. 561).
É preciso entender que o ambiente de trabalho é marcado por uma série de interações;
obviamente que o desejo dos donos do capital é controlar as ações de seus
funcionários, conquanto, por menor que seja a individualidade, ela não consegue deixar
de existir. E para Silva e Siqueira (2009, p. 559):
[...] a espiritualidade no contexto do trabalho faz parte de um movimento que diz respeito
ao indivíduo privado, o que implica a incorporão de valores individuais a esse contexto,
embora também traga à tona conflitos usuais de natureza privada e coletiva.
Entendendo a espiritualidade como uma característica própria das pessoas; é possível
dizer que por maior que seja a tentativa de controle dos funcionários no trabalho,
sempre existirá uma dimensão humana, na qual está presente a espiritualidade.
Antonello, et al. (2017) fizeram um estudo em uma operadora de sde da Região
Central do Rio Grande do Sul; do total de 120 colaboradores existentes à época, 94
foram entrevistados. O objetivo do estudo foi verificar a percepção dos colaboradores
acerca da existência ou não de espiritualidade no contexto organizacional, bem como
as possíveis implicações de haver ou não espiritualidade.
Para a maioria dos entrevistados (55,32%) havia espiritualidade na empresa,
compreendendo-a como umahabilidade de conciliar o trabalho com os demais
aspectos da vida (ANTONELLO; et al., 2017, p. 15). Os autores associam a presença
da espiritualidade como preponderante para o desenvolvimento de outros fatores
observados na pesquisa:
O reflexo que o trabalho pode ter na vida pessoal e no contexto deste estudo, os
colaboradores assumem que se sentem minimamente realizados quando se refere à
felicidade, paz, confiança que o trabalho lhes transmite no contexto organizacional, onde se
encontram inseridos. Enquanto por um lado se consideram produtivos no trabalho que
executam e com um desempenho razoável, por outro assumem que não o são de uma
forma excelente, apesar de reconhecerem que têm competências para se superarem no
trabalho (ANTONELLO; et al., 2017, p. 15).
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Nessa pesquisa a Espiritualidade apareceu como sendo a capacidade de relacionar o
trabalho com os demais aspectos da vida. O destaque deixa de ser a integralidade
humana e passa a ser o trabalho, ou seja, mais uma vez é possível perceber uma
apropriação do termo “espiritualidade para uso dentro de um contexto específico, não
entendendo que o ser humano é complexo e não pode ser compreendido de forma
ramificada e desconexa com seus sentimentos, emoções, desejos, angústias, enfim,
em sua magnitude.
COMPREENDENDO A ESPIRITUALIDADE A PARTIR DE CONCEITOS ERGOLÓGICOS
A ergologia aborda, em sua essência, sobretudo o trabalho real, ou seja, aquele que
realmente ocorre dentro dos contextos organizacionais. É preciso destacar, a priori, que
a ergologia considera que por maior que seja a tentativa de controle do trabalhador
(prescrição do trabalho) aquele trabalho que realmente acontece (trabalho real) sempre
será diferente do que aquele que fora prescrito. De forma análoga pretendemos
abordar conceitos ergológicos que contribuam para uma reflexão acerca da
impossibilidade de excluo da espiritualidade dos processos de trabalho, ainda que
esse seja um objetivo dos donos dos meios de prodão.
Trindade (1997) apresenta as diferenças entre o trabalho real e o trabalho prescrito.
Para compreendermos as diferenças entre o que é prescrito e o que de fato acontece
no campo de trabalho é necessário que concebamos que o espaço o qual as tarefas
ocorrem de maneira efetiva é um [...] espaço que coloca em cena não só os saberes
mobilizados na produção, mas também, a relão singular que cada trabalhador
estabelece com estes saberes e, logo, a sua subjetividade (TRINDADE, 1997, p. 14).
O autor acrescenta que nem a modernização dos processos de trabalho,
principalmente por meio do uso de tecnologia e automação, consegue excluir/explicar
as diferenças existentes entre o trabalho prescrito e o que ocorre na prática.
A diferença entre a "produtividade no papel" e a "produtividade real" demonstra que os
resultados previstos são raramente alcançados mesmo quando são utilizados tecnologia e
procedimentos sofisticados. Todo o esforço no sentido de apagar os riscos do inesperado
na produção não tem logrado êxito (TRINDADE, 1997, p. 17-18).
Com o emprego de tecnologia nos processos de trabalho muitas ações humanas que
inclusive eram prescritas passam a ser realizadas pelas máquinas; assim, o trabalho
prescrito assume uma outra dimensão: À prescrição das operações passa a
corresponder a uma prescrição de objetivos (TRINDADE, 1997, p.18).
Esse novo modelo imposto pela automação industrial resultou em garantir aumento da
produção, conquanto, passa a exigir uma organização em termos de gestão para
garantir o melhor aproveitamento das máquinas, ou seja, o trabalho real não foi
excluído, e sim, ressignificado.
A regulação da qualidade do funcionamento das instalações e do seu nível de
confiabilidade implica um ajustamento à norma, logo uma resposta à prescrição. A
produção passa a depender da regulação feita por equipes que dependem cada vez mais
dos estilos pessoais, dos saberes e dos objetivos coletivos. O saber e as relações que os
trabalhadores estabelecem entre si e com o saber deixam de ser resultados fortuitos da
vida no trabalho e tornam-se fonte de toda produtividade (TRINDADE, 1997, p.18).
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À medida que a prescrição de ações é transferida para as máquinas, cria-se uma nova
prescrição para os trabalhadores, mas agora de objetivos. Exige-se, logo, um
conhecimento técnico e domínio das novas formas de produção, o que implica em uma
nova relação entre trabalhadores e o saber.
A relação ao saber é uma relação que um sujeito estabelece com o saber. Esta relação é
uma relação de sentido logo, de valor. O trabalhador valoriza o que faz sentido para ele e,
do mesmo modo, confere sentido àquilo que para ele representa um valor. É, portanto, à
singularidade, à subjetividade do trabalhador que devemos nos reportar quando falamos
de um sujeito e de sua relação com o saber (TRINDADE, 1997, p.18).
Percebe-se que estas contribuições iniciais da ergologia, sobretudo em relação às
diferenças entre o trabalho prescrito e o real nos permitem pensar que a
Espiritualidade, segundo Silva (2008), compreendida como uma forma de interpretar as
questões complexas da vida, está, na lógica trabalhista, dentro das características do
trabalho real, ou seja, por maior que possa ser o interesse do empregador a não
existência de espiritualidade no campo de trabalho, é impossível controlar o que de fato
ocorre, sobretudo por ser uma manifestação individual, subjetiva, e cada trabalhador
reagirá ao que fora prescrito a partir de sua interpretão subjetiva, seja ela de forma
consciente ou inconsciente.
Trindade (1997) destaca que ainda que existam imposições ao trabalho concreto; o
trabalhador utiliza suas experiências passadas, sua história de vida presente e também
suas perspectivas para o futuro como forma de conferir sentido ao seu trabalho e sua
relação com o saber.
A partir desta nova estruturação do trabalho a Ergologia se mostra preponderante na
busca pela compreensão entre o trabalho prescrito e o real, principalmente por não
desconsiderar os conhecimentos tácitos dos trabalhadores, que mesmo não estando
registrados ou escritos, implicam diretamente no resultado de suas ações no campo de
trabalho.
Ao falarmos que os trabalhadores tomam decisões embasadas em uma série de
questões complexas, como por exemplo, suas experiências preritas, é inevivel
conceber que entre as concepções dos trabalhadores está presente a sua forma
subjetiva/individual de interpretar as questões complexas da vida; tal forma
interpretativa, que pode ser consciente ou inconsciente, refletirá em suas ações práticas
no trabalho. Admitir, portanto, que cada trabalhador é único, é admitir que dentro de sua
singularidade (sendo a espiritualidade uma característica dela) o trabalhador tomará
decisões que igualmente serão únicas; pode-se inferir, a partir dessa lógica, que um
mesmo trabalho realizado por pessoas diferentes, por mais padronizado que possa ser,
nunca será idêntico.
Schwartz (2000) Analisa os diferentes usos de si dentro do contexto de trabalho. As
regras objetivas não deixam de ser um uso de si pelo outro, ou seja, os donos dos
meios de produção delimitam as ações dos trabalhadores através do estabelecimento
de regras a serem cumpridas; contudo, o uso de si por si mesmo pode ser
compreendido como algo singular do trabalhador, ou seja, mesmo com regras objetivas
as reações/ações dos trabalhadores envolvem uma série de fatores internos, como por
exemplo, experiências de vida e perspectivas de futuro, fazendo com que exista nessa
relação um uso de si por si mesmo, ainda que para o empregador o esperado seja um
uso de si controlado pelas regras impostas.
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O uso de si por si mesmo é uma forma interpretativa do trabalhador diante das regras
impostas. Para ser capaz de interpretar o prescrito, o trabalhador utiliza de toda a sua
complexidade enquanto ser humano, ou seja, são decisões que nem sempre são
conscientes, pois dizem respeito às concepções implícitas de cada trabalhador. Dentro
dessa lógica as conceões sobre Espiritualidade não podem ser descartadas. É
imperativo dizer que trabalhadores com percepções espirituais distintas tomarão
decisões diferentes, mesmo que em pequenas instancias, pois inevitavelmente esse
fator influenciará na sua interpretão, sendo ela consciente ou inconsciente.
Nos trabalhos coletivos, aqueles que exigem colaboração de vários trabalhadores; está
presente um conjunto de sujeitos singulares que interagem em prol de um objetivo em
comum. Dentro desse contexto aparece além do uso de si por si mesmo, o uso de si
pelo outro; É preciso entrar em acordo com os colegas de trabalho para que a
produção seja feita como o esperado. Nos ambientes em que se observam trabalhos
coletivos as histórias de vida singulares buscam se exprimir positivamente nos atos
coletivos informais requisitados por estas indústrias de processos. Dois elementos
heterogêneos e, no entanto, inseparáveis (SCHWARTZ, 2000, p. 38).
Schwartz e Durrive (2007) argumentam que o processo de mecanização do trabalho
não eliminou ouso de si pelo próprio trabalhador. É inegável que uso de si pelo outro,
ao passo que o processo de mecanização culmina para uma série de procedimentos
prescritos, toma nova dimensão, conquanto, destacam que um ambiente de trabalho é
também um ambiente técnico, um ambiente humano, um ambiente cultural. Isso faz
com que nunca se possa pretender listar totalmente, de maneira exaustiva, tudo aquilo
que constitui um meio de trabalho (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 191).
É reiterativo dizer que o trabalho sempre será uma interpretação prática do trabalhador,
mas é importante ressaltar que, conforme fora supramencionado, mesmo que
tenhamos ambientes organizacionais altamente padronizados, mesmo que tenhamos
um trabalho altamente coletivo, na pratica temos uma soma de singularidades que
formarão um trabalho coletivo. Mais uma vez reforça-se a impossibilidade de
excluir/ignorar a espiritualidade dos trabalhadores, pois ela sempre estará presente de
forma singular, mesmo nos contextos padronizados e/ou coletivos.
Conforme destacam Schwartz e Durrive (2007), o trabalho real, ou seja, o trabalho que
ocorre na prática, por maior que seja a tentativa de uso do trabalhador de maneira
objetiva e procedimental, nunca será intico ao que foi prescrito, sobretudo por ser o
trabalho um conjunto de interferências de várias magnitudes, que agem entre si, de
maneira singular em cada ambiente de trabalho.
Trabalhar é sempre uma adaptação individual às regras impostas; cada trabalhador,
mediante sua subjetividade, interage de maneira única às regras e normas contidas no
campo de trabalho. Trabalhar, portanto, é uma constate luta do trabalhador,
procurando reorganizar as normas de forma que façam sentido ao seu modo de
trabalhar. A esse constante contraste entre o trabalho imposto e o trabalho praticado
Schwartz e Durrive (2007) chamam dedramáticas do uso de si.
Uma vez que a espiritualidade seja algo inerente ao ser humano ela pode ser
compreendida como uma dramática do uso de si. Na medida em que essa
espiritualidade não é aceita pelos gestores e/ou colegas de trabalho, torna-se uma
dramática constante; cabendo ao trabalhador absorver todas as interferências
externas, reinterpretá-las mediante seus valores, concepções, experiências e uma serie
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complexa de subjetividades, para então ser capaz de tomar decisões mais ou menos
conscientes.
Um drama é definido ao passo que todas as relações de trabalho são dependentes de
escolhas. O trabalhador escolhe, desde com quais colegas de trabalho terá mais ou
menos afinidade até em que medida adotará ou não os procedimentos técnicos
prescritos. Essas decisões estão na dimensão individual, ou seja, é um drama singular
para cada trabalhador, que depende de sua subjetividade, seu pensamento de vida,
sua experiência pretérita, suas perspectivas de futuro, entre outros fatores, para tomar
decisões.
Quando falamos em drama é necessário nos atentarmos ao fato de não ser
necessariamente uma tragédia. Drama quer dizer que alguma coisa acontece
(SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 198). E no contexto organizacional de trabalho
sempre acontece algo, sobretudo através da reação dos trabalhadores perante as
condições impostas. Essas reões podem ser compreendidas como dramas, mais
precisamente: dramas do uso de si.
Mesmo admitindo que as dramáticas sempre dependam das características
específicas de cada trabalhador, Schwartz opta por não usar o termo subjetividade:
Talvez a razão principal seja as escolhas que o feitas: elas não são sempre conscientes,
postas na mesa, elas são feitas, frequentemente, de forma quase inconsciente e,
felizmente, não somos obrigados a nos perguntar sem cessar: o que eu estou fazendo,
como escolho, etc... ou tentar decompor, desdobrar essas múltiplas arbitragens!
(SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 198).
Schwartz e Durrive (2007) acreditam que a motivão no trabalho pode ser
compreendida no campo da dramática. Em contraposição ao que alguns pensam, para
esses pesquisadores a motivação não é apenas individual, ou seja, não são apenas
decisões internas que tornam uma pessoa motivada ou não. Estar motivado depende
tanto das subjetividades dos trabalhadores quanto do uso de si pelos outros, ou seja,
as condições de trabalho, o relacionamento com os colegas de trabalho e as escolhas
individuais não podem ser descartadas do processo de tornar o trabalhador motivado
ou não. Essa variedade de informações inter-relacionam-se fazendo com que o
trabalhador torne-se ou não motivado, sendo, portanto, um processo no qual a
dramática es presente.
Ao admitirmos que a motivão dependa de variações externas é possível depreender
que a negação pelos gestores da possibilidade de manifestão da Espiritualidade no
local de trabalho leve os trabalhadores a constantes conflitos internos, tendo que
repensar a forma de se expressarem no trabalho. Esse constante conflito pode
impactar negativamente nos resultados do trabalhador. Ao passo que os gestores que
aceitam as individualidades e que permitam a liberdade de manifestão dos
funcionários possam impactar positivamente na percepção dos trabalhadores, tanto em
relação ao gestor especificamente, quanto em relação aos objetivos e resultados do
trabalho.
Compreender a espiritualidade é compreender a complexidade humana, é
compreender as múltiplas dimensões e as individualidades humanas; é respeitar o
corpo-si de cada trabalhador, conquanto, a lógica de produção capitalista parece não
entender/respeitar a Espiritualidade, o corpo si dos trabalhadores. Visando o lucro, as
empresas tendem a tratar os trabalhadores apenas como executores de funções,
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desconhecendo/desconsiderando suas subjetividades e necessidades não objetivas
perante a lógica de produção capitalista.
Schwartz e Durrive (2007) acreditam que as decisões do trabalhador não são
necessariamente conscientes, pelo contrário, muitas decisões não são totalmente
escolhas, estão inter-relacionadas com experiências do trabalhador que o levam a
tomar ou não decies. A partir dessa lógica não exatamente consciente, Schwartz
utiliza o termo corpo-si, compreendendo-o como sendo mais amplo que o sentido
biológico, mas observando os sentimentos, valores, experiências e perspectivas futuras
que nem sempre são expostas de forma consciente pelo trabalhador.
Ora, falando do corpo e principalmente do corpo-si coloca-se o dedo sobrealguma coisa
que nos ultrapassa a todos, na medida em que isso nos remete às profundezas do que
somos a essa “alguma coisa” que é, digamos novamente, biológica, mas atravessa por
nossa história. Ou seja, nós trabalhamos o nosso corpo, nós o trabalhamos perfeitamente
pela nossa experiência de vida e portanto por nossas paixões, por nossos desejos, por
nossas experiências (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 199).
Resumidamente, conforme tudo que foi exposto, pode-se depreender que a
espiritualidade, por ser algo inerente ao ser humano está exatamente no campo da
subjetividade, que, para o autor em epígrafe, significa estar no corpo-si dos
trabalhadores.
Schwartz e Durrive (2007) criticam a postura de muitos gestores/gerentes, que,
buscando motivar os funcionários se atentam apenas para os fatores orgânicos,
esquecendo-se, no entanto, que a motivação é composta tanto por fatores internos
quanto externos.
Não se fala de sociedade, consequentemente não se fala de história, não se fala de
política. Fala-se deambiente. Tem-se um homem animal social” – cujo destino, se ele
quiser ir bem, tem que estar conforme às normas baseadas na natureza (SCHWARTZ;
DURRIVE, 2007, p. 226).
Documentadamente o pensamento dominante considera o trabalho apenas como uma
tarefa árdua, penosa, uma obrigação para sobrevivência. Talvez a partir dessa análise
que emerge a insistente busca por compensações orgânicas como forma de
motivação no trabalho.Temos tendência a considerar o trabalho como uma obrigação,
como uma necessidade e não como um desejo (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p.
229).
Para Schwarz e Durrive (2007) O trabalho, em sua dimensão psíquica, possui 4 eixos,
sendo eles: a dimensão do ter, ligada às necessidades de sobrevivência, ou seja, é
necessário trabalhar para ter condições de sobrevivência, sobretudo pela lógica do
sistema econômico controlado pela troca de moedas. O segundo eixo é a dimeno do
ser, que diz respeito a identidade das pessoas com a profissão; a profissão vista,
nesse contexto, como um reflexo da pessoa no mundo social. O terceiro eixo diz
representar a dimensão do trabalho coletivo, entendendo-o como um processo de
constante interação recíproca com os pares e/ou com os outros sujeitos inseridos
dentro do contexto de execução da profissão. O quarto eixo pode ser compreendido
como o trabalho real, o que de fato ocorre, ou seja, o trabalho propriamente dito, aquele
que é executado.
A partir dessa análise psíquica do trabalho é possível dizer que todas as dimensões
podem levar a satisfão ou insatisfação do trabalhador. É possível, por exemplo, que,
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conforme apresentado no segundo eixo, um trabalhador sinta-se feliz por ter uma
profissão de destaque social, reconhecendo-se e sendo socialmente reconhecido por
isso, ao passo que outro trabalhador, com a mesma profissão, tenha vergonha de dizer
sua profissão, por considerar que ela possui pouca relevância social ou econômica.
É preciso compreender que a satisfação/insatisfação com o trabalho não pode ser
interpretada de forma simplista pela relevância social/econômica da profissão. É
possível que uma mesma profissão seja entendida como boa por alguns e ruim” para
outros. Essa polarização é entendida por Schwartz e Durrive (2007, p. 234) como o
enigma da atividade”.
O trabalho e a vida pessoal, ainda que não possam ser confundidos, Schwartz e
Durrive (2007, p. 233) dizem que [...] se alimentam das mesmas fontes. Ou seja,
estão relacionados, sendo necessário considerar o trabalho como um fator social, que
não pode/deve ser resumido a uma necessidade econômica de sobrevivência.
O enigma da atividade nos impede de dizer que uma ação ou profissão é melhor do
que outra, sobretudo por sempre depender da ação interpretativa e prática de cada
trabalhador. É nesse mesmo contexto que se depreende que a explicação simplista de
proibir ou controlar as manifestações de espiritualidade no ambiente de trabalho não
sejam suficientes para garantir o controle do que de fato ocorre nas relações sociais e
nem na realizão do trabalho real.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso destacar que esta revio bibliográfica é apenas um passo inicial, ou seja,
não constitui um objetivo desta abordagem aproximativa entre ergologia, trabalho e
espiritualidade, criar novas verdades, e sim, criar um convite à reflexão acerca do
assunto, que deve/precisa ser melhor estudado, sobretudo a partir de pesquisas
emricas, o que pode possibilitar, através da imersão dos pesquisadores nos
contextos organizacionais, uma análise em nível documentário da espiritualidade no
trabalho.
Ao falarmos de espiritualidade estamos dialogando com as múltiplas dimensões
humanas, e mais do que isso, estamos dizendo que o é possível interferir numa
dimensão sem levar em conta as outras (RORH, 2015, p. 57). Depreende-se, logo,
que falamos das características singulares dos trabalhadores, ou seja, do corpo-si. A
partir dessa análise a ergologia nos permite interpretar a espiritualidade como algo
inseparável do ser humano. Essa interpretão abre espaço para o diálogo entre
espiritualidade, trabalho e ergologia, sobretudo no contexto atual, no qual a automação
industrial tenta aumentar o controle sobre os processos de trabalho. Essa lógica de
controle do trabalho poderia ser interpretada como o fim das manifestações individuais
e subjetivas no trabalho, conquanto, a Ergologia nos permite analisar a constante
manifestação draticas do uso de si na construção do trabalho real, que sempre será
diferente do que fora prescrito.
Analogamente, é possível dizer que, por fazer parte do corpo-si, a espiritualidade
constitui-se em uma constante dramática do uso de si no campo de trabalho, e por
maior que sejam as tentativas de controle do trabalhador, ela sempre estará presente,
pois o trabalho real sempre será uma interpretação subjetiva e individual do que está
formalmente prescrito.
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Data da submissão: 07/04/2019
Data da aprovação: 30/11/2019