Trabalho & Educação | v.28 | n.1 | p.9-12 | jan-abr | 2019
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EDITORIAL
Este mero da Revista Trabalho & Educação traz a público o Dossiê TECNOLOGIAS E A
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO ENSINO SUPERIOR. Antes de apresentar este instigante e
diversificado Dossiê, convidamos nossos leitores para algumas reflexões.
Na atualidade, tornou-se um trsmo afirmar que a Internet e as aplicações web trazem
a perspectiva de transformação das dinâmicas sociais, econômicas e políticas em
curso no século XXI. Porém, não se observam consensos nas diferentes análises dos
fenômenos aí envolvidos.
Diante da falta de consensos, devemos tomar alguns cuidados. O primeiro deles é
evitar abordagens ingenuamente otimistas que ofuscam as contradições da chamada
sociedade da informação e do conhecimento. Os que cometem esse desacerto
costumam atribuir à Internet, assim como às redes sociotécnicas contemporâneas e às
suas aplicações, a capacidade de disseminação ilimitada de informão e
conhecimento, como se esses elementos pudessem fluir sem restrições e limites.
Perspectivas críticas devem apontar, em diferente direção, a necessidade de
reconhecer a essência contraditória que aí reside. Torna-se imprescinvel que as
pesquisas acerca do papel das tecnologias de informação e comunicação (TIC) na
sociedade contemporânea evitem os desacertos de análises que flertam com o
determinismo tecnológico e, ao cometerem esse equívoco, acabam por serem
capturadas pelo feitiço do progresso tecnocientífico (BRAGA, 2009). Contra as
armadilhas do determinismo tecnológico, é necessário reconhecer que a tecnologia
tem uma dimensão dialética. Em oposição aos discursos que apresentam as TIC como
os elementos determinantes das transformações sociais, pressupomos que é a
sociedade, com toda a sua complexidade socioeconômica e política, que determina os
usos das TIC e seus impactos nas esferas pública e privada. Conforme nos alerta
Amorim (2009), os discursos que atribuem primazia aos aspectos técnicos das forças
produtivas nos processos de transformação histórico-social incorrem em erro ao relegar
para segundo plano a ação política, a luta de classes e as contradições da nossa
realidade.
Adicionalmente, diante do controverso debate acerta do papel das TIC nas dinâmicas
socioeconômicas do mundo contemporâneo, é preciso superar interpretações
reducionistas e maniqueístas, a exemplo das divergências entre os autores otimistas
celebrantes e seus opositores, os catastrofistas céticos (McCHESNEY, 2013).
Assim, visando evitar os limites desse tipo de reducionismo analítico, defendemos que
qualquer desenvolvimento científico e tecnológico, a exemplo das TIC e das
ferramentas de Educação a Distância, tem um duplo caráter, segundo o qual os
aparatos tecnológicos tanto podem ser empregados para inclusão social e redução de
desigualdades socioeconômicas, quanto para exclusão de grupos menos favorecidos e
ampliação de barreiras de ordem econômica, social e política.
Esse duplo caráter que se manifesta nos aparatos tecnológicos também pode, de
maneira similar, ser atribuído a alguns elementos que pertencem ao conjunto das
forças produtivas, como por exemplo, à informação, aos recursos informacionais, ao
conhecimento e até mesmo à ciência. No entanto, a noção de forças produtivas não
contempla somente esses elementos intangíveis que são incorporados aos meios de
produção. Na categoria de forças produtivas também está incluída a capacidade de
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trabalho, que Marx (2013) chama de força de trabalho. Discutir o papel desses
elementos que conformam as dinâmicas socioeconômicas capitalistas exige discutir
também as relações sociais de produção aí envolvidas. Essa compreensão nos
qualifica minimamente para enfrentar um dos grandes desafios que Marx nos legou:
fazer com quea aplicação da ciência esse produto geral do desenvolvimento social
não se apresente como “força produtiva do capital, mas sim como força produtiva do
trabalho (MARX, 2004, p. 93).
Esse breve prmbulo revela algumas complexas questões que subjazem ao universo
das tecnologias e da educação à distância no ensino superior. Apesar da complexidade
dos problemas aí envolvidos, os autores dos artigos que compõem o Dossiê ora
publicado nos trazem uma instigante diversidade de olhares, de objetos de
investigação e de interpretações que formam um inspirador mosaico.
Ao Dossiê TECNOLOGIAS E A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO ENSINO SUPERIOR, somam-se os
ARTIGOS de chamada contínua, com discussões críticas sobre problemáticas do campo
Trabalho e Educação.
Gabriel Henrique Idalgo, José Alberto Correia e Maria Teresa Guimarães de Medina
discutem como se manifesta a crise do trabalho a partir dos discursos de universidades
públicas portuguesas. Frente aos argumentos apresentados no artigo, os autores
propõem a assunção de um paradigma cienfico do contrabandista, que permitiria
que a reflexão científica partisse das contradições da relação entre o trabalho e os
saberes científicos por vias que subvertam os limites das formas de dominão social
capitalista, as quais a cientificidade positiva nunca foi capaz de efetivamente criticar.
Já o artigo de Ronaldo Vielmi Fortes trata da autocrítica realizada pelo filósofo húngaro
György Lukács ao seu livro Hisria e Consciência de Classe. O artigo traz à tona
elementos importantes das considerações tardias de Lukács acerca do fator subjetivo
nos processos revolucionários.
O texto de Geraldo Marcio Santos e Heli Sabino Oliveira analisa as possíveis
contribuições dos estudos sobre o mundo do trabalho para o Campo da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), partindo da consideração de que os seus sujeitos são mais
trabalhadores estudantes do que estudantes trabalhadores. Nesse sentido, interrogar a
EJA pela perspectiva do mundo trabalho demonstrou ser uma via rtil, e necessária,
para recuperar as abrangências do trabalho na formação humana, na qual a
experiência de vida dos trabalhadores seja contextualizada na práxis pedagógica.
João Batista Favaretto, trata do fundamento ético necessário à formação da vontade
coletiva, tal como fora pensado por Antonio Gramsci (1891-1937), especialmente, nos
Cadernos do cárcere . O autor revela como Gramsci pensa a formação da vontade
coletiva, tendo como referência a importante mudança de mentalidade introduzida na
Modernidade pela Reforma Protestante.
Por fim, neste mero a Revista Trabalho & Educão publica tamm os resumos de
quatro teses de doutorado.
A tese de Jonilson Costa Correia analisou as percepções que os egressos do Curso de
Hotelaria da Universidade Federal do Maranhão têm sobre a sua formação e o
mercado de trabalho. A partir das narrativas orais, o resgate das trajetórias dos
egressos, desde a sua formação até a inserção no mercado de trabalho, significou falar
de diferentes tempos, fontes e lugares do curso, dos desafios e perspectivas da
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formação nesta área. Além disso, significou também avaliar a história do curso, seus
componentes curriculares e o trabalho docente.
Matheus Bernando Silva realizou uma pesquisa, cujo objetivo foi compreender o
possível objeto de conhecimento da educação física escolar na perspectiva da
pedagogia histórico-crítica. A pesquisa teórico-bibliográfica foi orientada pelo seguinte
problema de pesquisa: quais categorias analíticas, fundamentadas a partir da
pedagogia histórico-crítica, podem contribuir para a identificação e compreensão do
objeto de conhecimento da educação física escolar?
Já a tese de Symaira Poliana Nonato é resultado de uma pesquisa realizada com
jovens ex-trabalhadores/as da Cruz Vermelha Brasileira (CVB) que exerceram suas
atividades laborais na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) entre os anos de
2011 e 2013. A investigação teve como objetivo compreender, por meio do
entrecruzamento entre trabalho e escolarização, como têm se configurado os
percursos de individuação dos/as jovens, levando em conta os processos de
socialização, decorridos cinco anos da saída da Universidade.
Wanderson Pereira Araújo realizou uma pesquisa que teve como objetivo a análise do
trabalho docente na Educação Profissional e Tecnológica. O estudo trata da relação
existente entre capital, trabalho e a atividade docente no capitalismo contemporâneo.
As análises de Karl Marx e de alguns dos seus intérpretes, em torno das categorias
trabalho, trabalho abstrato, teoria do valor, mercadoria, trabalho produtivo e
improdutivo, dentre outras, permitiu ao pesquisador desvelar o caráter produtivo do
trabalho docente, no sentido marxiano da categoria trabalho produtivo, subordinado às
vicissitudes do processo de prodão capitalista.
Desejamos uma boa leitura a todas(os)!
Rodrigo Moreno Marques
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Yara Elizabeth Alves
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Professor da Universidade FUMEC, em Belo Horizonte (MG). Doutor e Mestre em Ciência da
Informação pela Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais.
Pesquisador e coordenador do LAIC - Laboratório do Acesso à Informação e ao Conhecimento
(www.laic.org.br). E-mail: <rodrigomorenomarques@yahoo.com.br>.
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Mestra em Educação e Pedagoga pela Faculdade de Educação (FaE) da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutoranda no Programa de Pós-graduação: Conhecimento
e Inclusão Social (FaE/UFMG). Pesquisadora do Observatório Nacional do Sistema Prisional
(ONASP). E-mail: <yaraealves@gmail.com>.
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REFERÊNCIAS
AMORIM, Henrique. Trabalho imaterial Marx e o debate contemporâneo. São Paulo:
Annablume, 2009.
BRAGA, Ruy. A vingança de Braverman: o infotaylorismo como contratempo. In: ANTUNES,
Ricardo, BRAGA, Ricardo (Org). Infoproletários Degradação real do trabalho virtual. São
Paulo: Boitempo, 2009.
MARX, Karl. Capítulo VI inédito de O capital - resultados do processo de produção
imediata, 2a. ed. São Paulo: Centauro, 2004.
MARX, Karl. O Capital, Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.
McCHESNEY, Robert Waterman. Digital disconnect How capitalism is turning the
internet against Democracy. New York: The New Press, 2013