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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2020.12517
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
AS DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NO GOVERNO DILMA: FORMAÇÃO DUAL DO
TRABALHADOR?
1
The curricular guidelines for professional education in the government of Dilma:
dual employee training?
SOARES JÚNIOR, Néri Emílio
2
RESUMO
Este trabalho analisa as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional Técnica de Nível Médio
(Parecer CNE/CEB n 11/2012 e a Resolução CNE/CEB n.º 06/2012) que foram promulgadas no Governo
Dilma Rousseff. O propósito é identificar os eixos centrais da proposta pedagógica e da organização
curricular. Foi realizado análise documental das políticas curriculares relacionadas com a educação
profissional, tais como as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional Técnica de Nível Médio;
o documento base da educação profissional técnica de nível dio integrada ao ensino dio, que
apresenta os fundamentos teóricos, concepções e princípios na proposta de educação profissional técnica
de nível médio integrada ao ensino dio. Foi identificado que as diretrizes apresentam um projeto de
formação profissional dual, ou seja, em duas perspectivas distintas: uma que se aproxima de uma concepção
ampliada de formação do trabalhador, que abre possibilidade de se pensar na superação da dualidade
histórica existente entre a formação técnica e a formação geral, e a segunda, que aponta para uma formação
restrita do trabalhador, que perpetua a dualidade entre a formação técnica e formação geral.
Palavras-chave: Diretrizes Curriculares Nacionais. Educação Profissional. Formação Profissional.
ABSTRACT
This paper analyzes the National Curricular Guidelines for Technical Professional Education at the Secondary
Level (CNE/CEB Opinion n. 11/2012 and CNE / CEB Resolution n. 06/2012), which were enacted in Dilma
Rousseff s Government. The purpose is to identify the central axes of the pedagogical proposal and the
curricular organization. A documentary analysis of curricular policies related to professional education was
carried out, such as the National Curricular Guidelines for Higher Technical Vocational Education; the basic
document of technical secondary education integrated to secondary education, which presents the theoretical
foundations, conceptions and principles in the proposal of technical vocational education of intermediate level
integrated to secondary education. It was identified that the guidelines present a dual vocational training
project, that is, in two distinct perspectives: one approaching an expanded conception of worker training, which
opens the possibility of thinking of overcoming the historical duality existing between technical training and
general training, and the second, which points to a restricted training of the worker, which perpetuates the
duality between technical training and general training.
Keywords: National Curricular Guidelines. Professional Education. Professional Formation.
1
O artigo apresentado é resultado da pesquisa intitulada: A reforma curricular da educação profissional do ensino técnico: limites,
possibilidades e contradições.
2
Doutor e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília, Especialização em Educação Física Escolar e Graduação em Educação
Física pela Universidade Estadual de Goiás. Docente do Instituto Federal de Educação, Cncia e Tecnologia de Goiás (IFG). E-mail:
neriesjr@gmail.com.
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APRESENTAÇÃO
A história da educação no Brasil apresenta como uma de suas principais características
o dualismo estrutural entre a formação geral e a formação técnica, o que influenciou os
marcos históricos das políticas curriculares para a educação profissional. No entanto,
durante os Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff foi estabelecido uma proposta de
formação profissional técnica de nível médio que teve o propósito de superar dualidade
da formão do trabalhador.
Pode-se considerar que essa proposta foi consubstanciada nas Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (DCNEP) que foram
promulgadas com o Parecer CNE/CEB n.º 11/2012 e a Resolução CNE/CEB n.º 06/2012
(BRASIL, 2012a, b) que teve como um dos seus eixos a proposta da integração entre a
formação técnica e a formação geral.
Dito isto, o objetivo deste trabalho é analisar essas DCNEP com o propósito de identificar
os eixos centrais do projeto pedagógico e da organização curricular. Foi realizado análise
documental das políticas educacionais relacionadas com a educação profissional, a
saber: a) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n.º 9.394 de
1996; b) as DCNEP: o Parecer CNE/CEB n.º 11, aprovado em 09 de maio de 2012 e a
Resolução CNE/CEB n.º 06, de 20 de setembro de 2012; c) o documento base da
educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio.
O texto está organizado em três momentos. No primeiro momento, será apresentado
importantes marcos legais da educação profissional no Brasil no período pós anos 1990.
No segundo momento, será apresentado um resumo das ações realizadas no processo
de elaboração das DCNEP e análise das justificativas apresentadas para seu processo
de elaboração e promulgação e por fim, será apresentado a análise das diretrizes da
educação profissional técnico de nível médio.
MARCOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL PÓS ANOS 1990
Os anos de 1990, foram emblemáticos para as políticas educacionais desenvolvidas no
Brasil e em países da América e Europa, principalmente. Nesse período histórico, foi
iniciado uma onda de reformas educacionais em vários pses com objetivo de ajustar a
educação para o novo momento do capitalismo (SAVIANI, 2007).
No Brasil, o Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi responsável por realizar a
mudança dos rumos da educação, iniciando, um profundo e longo processo de reforma
da educação brasileira e, nesse contexto, da educão profissional. Essa reforma, que
vem ultrapassando diferentes governos, vem se apresentando como uma correlação de
forças em que diferentes projetos de educação e educação profissional são colocados
em disputa. Sendo assim, pode-se observar que, durante aproximadamente 20 anos de
reforma, o cenário das políticas educacionais, e em particular das políticas curriculares
da educação profissional, é marcado por continuidades e rupturas o que confirma o
caráter nada consensual da elaboração e efetivão das políticas educacionais e
curriculares.
O início da atual reforma da educação no Brasil ocorreu com a aprovação da LDBEN,
Lei n.º 9.394/96. Nessa lei, a educação profissional foi concebida com a possibilidade de
integração com as diferentes formas da educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia.
Também foi orientado o seu desenvolvimento com o ensino regular ou por diferentes
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estratégias de educação continuada. É importante observar que na redação da LDBEN
está presente a possibilidade da integração entre a educação profissional e a educação
geral, constituindo-se como uma proposta que procura superar a conhecida dualidade
da formação para o trabalho versus a formação para vida. Essa redação foi estabelecida
pelo resultado da correlação de forças entre diferentes grupos como professores,
intelectuais, entidades científicas e diferentes partidos políticos, por exemplo
(SAVIANI,1999).
No ano seguinte, sob a influência dos organismos internacionais
3
e embalado por
questões econômicas e exigências mercadológicas, a possibilidade de integração entre
a educação profissional e a educação geral começou a ser desmontada. Foi aprovado
um conjunto de ações, entre elas, a promulgação do Decreto n.º 2.208 em 17 de abril de
1997 e o Programa de Expano da Educação Profissional (PROEP), implementado em
10 de setembro de 1997 (Portaria n.º 1.005).
O Decreto n.º 2.208/97 objetivou a separação entre a educação profissional técnica e o
ensino médio e estabeleceu o currículo por competências. Também foi indicado que a
formulação dos currículos deveria obedecer às orientões das diretrizes curriculares
nacionais, promulgadas em 1999. Foi estabelecido ainda que os currículos do ensino
técnico poderiam ser estruturados em disciplinas, com a possibilidade de serem
agrupados sob a forma de módulos. De acordo com o conteúdo do Decreto n.º 2.208/97,
foi contrariada a proposta da integração do ensino profissional com o ensino médio,
indicada na LDBEN. Outro aspecto a se considerar sobre o Decreto n.º 2.208/97 é que
quando ele determina a separação entre o ensino médio e a educação profissional entra
em confronto com a LDBEN de 1996 e se torna, dessa forma, ilegal, pois decreto se
constitui como uma ação de governo com duração provisória, é um instrumento que
normatiza, regulamenta a lei e, sendo assim, não pode inovar e não pode contrariar a lei.
(FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS; 2012).
O PROEP, que durou um período de 9 anos (1997-2006), constituiu-se como um
programa destinado à modernização e à expansão do sistema de educação profissional
e contou com financiamento de organismos internacionais (BRASIL, 2010). Os recursos
foram utilizados em ações de reforma e ampliação de instituições de ensino nas esferas
federais e estaduais e a constrão de instituições com vínculo comunirio. O objetivo
do projeto foi de regulamentar formas fragmentadas, aligeiradas e de natureza
comportamental de educação profissional (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012).
Essa perspectiva de educação profissional, também instituída no âmbito da política de
formação profissional do Minisrio do Trabalho e Empregos, principalmente por meio do
Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR), em 1995, tinha o objetivo de
atender demandas de qualificação profissional de adultos de baixa escolaridade por meio
de cursos de qualificação profissional de curta durão dissociados da educação sica
(idem, 2012).
Em 1999, foram definidas as DCNEP (Resolução CNE\CEB n.º 04/99, com base no
Parecer CNE/CEB n.16/99). A concepção de educação profissional apresentada no
documento ficou alinhada à concepção do Decreto n.º 2.208/97 e a separão entre a
referida modalidade educacional com o ensino médio foi mantida. A educação
3
Os organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre
outros, tiveram uma atuação política, intelectual e financeira nas poticas educacionais no Brasil, estabelecendo um amplo projeto para a
educação pública, procurando, sob a defesa da modernização e da melhoria da competitividade, aproxi-la do mercado. Estabelecimento
de padrões de rendimento, proposta de currículo nacional, como os parâmetros curriculares e o currículo orientado por competências e
habilidades, foram algumas das ações desta política realizada no Brasil (SILVA, 2014).
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profissional ficou organizada por áreas profissionais e a organização curricular foi prevista
como responsabilidade da escola, sendo definida a identidade do curso pelo perfil
profissional que se queria formar. Os cursos poderiam ser estruturados por etapas ou
módulos e a organizão curricular permaneceu sob fundamento das competências
profissionais (BRASIL, 1999). Essas diretrizes foram alvos de estudos e críticas de vários
autores da área da educão, como, por exemplo, Frigotto; Ciavatta; Ramos (2012);
Kuenzer (2008); Machado (1998), entre outros. Entre as críticas, foi pontuada a
perspectiva restrita e mercadológica do modelo das competências e a lógica dualista
entre a educão geral e a educação profissional.
No ano de 2003, com a mudança do Governo FHC para o Governo Lula da Silva, houve
o início de um período de governo denominado democrático-popular (OLIVEIRA, 2015).
Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2012), esse governo foi marcado por campo de
disputas expresso pelo apoio de partidos de esquerda heterogêneos e com alianças
conservadoras.
No campo da política da educação profissional, iniciou-se um processo de disputa, de
vários atores da sociedade, tais como educadores, formadores, dirigentes de sindicatos,
dirigentes de ONGs e de instituições empresariais, em torno da permanência, alteração
ou revogação do Decreto n.º 2.208/97 (BRASIL, 2010). Destaca-se, nesse sentido, a
realização de seminários nacionais sobre educão profissional que foram considerados
marcos sobre a discussão da integração entre educão básica e educação profissional.
Os seminários foram organizados pela Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica do Ministério de Educação (SETEC/MEC) e se constituíram como palcos
de embates de diferentes forças políticas sobre os rumos que deveriam ser dados ao
decreto em discussão. O resultado dessa disputa foi a revogação do Decreto n.º
2.208/97 e a aprovão do Decreto n.º 5.154 em 23 de julho de 2004.
O Decreto n.º 5.154/04 foi resultado de um processo de mobilização e debate de
pesquisadores e professores que tiveram como pano de fundo a discussão sobre a
educação politécnica, ou seja, a educação unitária, que objetiva superar a dualidade
entre a formação e a formação técnica. O referido Decreto apresentou contradições, fruto
das correlações de forças e das disputas políticas e teóricas, mas é, sobretudo, um
documento que avaa na proposta de educação profissional para o nível dio
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012).
No Decreto n.º 5.154/04, foi instituída, por meio do artigo 4º, a articulação entre a
educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio nas formas integrada,
concomitante e subsequente. Observa-se aqui a indicação da oferta de cursos
profissionais integrados ao ensino médio, o que estabelece o retorno da perspectiva de
formação integrada que estava presente na LDBEN. No entanto, as formas
concomitante e subsequente, que estavam no Decreto n.º 2.208/97, permaneceram no
novo decreto. Essas formas possibilitam a formação de forma separada do ensino
médio. Também foi estabelecida a organização dos cursos por áreas profissionais e a
articulação da educação, trabalho, ciência e tecnologia (BRASIL, 2004). Outro fato
importante é que, em 2014, houve a inclusão de algumas premissas no Decreto n.º
5.154/04, por meio do Decreto n.º 8.268. Foram estabelecidas, por exemplo, a
centralidade do trabalho como princípio educativo e a indissociabilidade de teoria e
prática como premissas da educão profissional. Dessa forma, o decreto se torna mais
articulado com a Resolução CNE/CEB n.º 06/2012.
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Em 2011, com o Governo Dilma Rousseff (2011-2014 e 2015-2016), tem-se a
continuidade do governo democrático popular e a manifestação da correlação de forças
no campo político. Foi nesse contexto que foi realizado um processo de renovação” das
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos diferentes níveis e modalidades de ensino
que estava acontecendo no Brasil. A justificativa para a renovação dessas orientações
foram as modificações da legislação educacional brasileira, as transformações da
sociedade e do mundo do trabalho, além da necessidade de mudar a educão com
objetivo de melhorar a educão no país (BRASIL, 2013). Dessa forma, a partir do ano
de 2009, foi publicada o conjunto de novas DCN para diferentesveis e modalidades
de ensino, incluindo orientações gerais para educão sica. De uma forma geral, um
dos eixos centrais destas diretrizes está centrado na forma de organização do currículo,
sendo que a integrão e a flexibilidade curricular, a contextualizão e diversificação
são elementos centrais da proposta curricular (BRASIL, 2013).
Como foi possível observar, os marcos legais referentes a educação profissional no
Brasil, no período posterior aos anos de 1990, foi marcada por um processo de
descontinuidade de políticas curriculares. Esse processo se desenvolveu torno de duas
perspectivas de formação profissional: a) uma perspectiva que procura superar a
dualidade e, desse modo, articular a formação técnica e a formação geral e outra; b) que
defende uma formão exclusivamente de caráter técnica.
AS AÇÕES E A JUSTIFICATIVA PARA ELABORAÇÃO E APROVAÇÃO DAS DCNEP
As DCNEP foram promulgadas no ano de 2012, mas o processo de sua elaboração se
iniciou anos antes, por meio de ações de diferentes atores e autores. O primeiro
movimento foi a instituição, no âmbito da Câmara de Educação Básica, de uma
Comissão Especial para tratar da elaboração das novas diretrizes para a educação
profissional técnico de nível médio. Fez parte dessa comissão o Professor Aparecido
José Coro, como relator da matéria, que, em 2010, encaminhou a primeira proposta
do Parecer relacionada às DCNEP. Essa proposta foi analisada e sofreu algumas críticas
pelo Grupo de Trabalho que foi instituído no MEC, composto por movimentos sociais,
entidades científicas e setores do próprio MEC. As críticas proferidas aconteceram a
partir de um documento alternativo elaborado pelo próprio grupo que apresentava os
pressupostos básicos para uma educação profissional integrada ao ensino médio
4
. A
partir das críticas encaminhadas ao professor Cordão, foi elaborada, em 2011, uma nova
versão do parecer, em que o docente incorporou expressões do documento alternativo
do Grupo de Trabalho, mas foram mantidas suas ideias principais (CIAVATTA; RAMOS,
2012).
A segunda versão do Parecer de Cordão foi analisada por Ciavatta e Ramos (2012).
Para as autoras, a proposta de Cordão apresentava uma base assentada em uma
perspectiva adaptativa e acrítica em relação ao mercado de trabalho, o que contraria
uma concepção formativa, apoiada no conceito de politecnia. Entre as críticas proferidas
pelas autoras, ressaltam-se algumas: a) a proposta pedagógica possui o currículo
baseado em competências, com forte ênfase na dimensão comportamental em
detrimento da formação teórica; b) a relação teoria e prática possui uma prática
relacionada com uma perspectiva utilitária e adaptadora; c) proposta de currículo flexível,
4
Texto em queso: BRASIL. MEC. SETEC. Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional técnica de nível médio em
debate: texto para discussão, s/d.
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mas como expressão de um currículo fragmentado e; d) a interdisciplinaridade possui
uma perspectiva restrita, ou seja, limitada ao mercado de trabalho (CIAVATTA; RAMOS,
2012).
Após esse momento, foram realizadas audiências públicas, debates em que foram
encaminhadas críticas, sugestões e proposições para a elaboração das DCNEP.
Diferentes agentes participaram, tais como representantes do Conselho Nacional das
Instituições da Rede Federal, de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(CONIF), pesquisadores dos camposTrabalho e Educação”, eEducão de Jovens e
Adultos, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED), representantes de instituições públicas e privadas, especialistas da educação
profissional e tecnológica, entre outros, e, em 2012, foram aprovados o parecer e a
resolução referente às DCNEP. É importante sublinhar aqui, a influência de diferentes
atores e autores no debate sobre elaboração e definição das Diretrizes, o que demonstra
a influências de diferentes agentes, na elaboração desta política curricular.
Os argumentos que o Parecer CNE/CEB n.º 11 de 2012 utilizou para justificar a
elaborão e publicação de novas DCNEP tiveram dois caminhos. O primeiro está
relacionado ao ajustamento aos novos ordenamentos legais, a saber: a) a publicação do
Decreto n.º 5.154/04, que apresentava orientações distintas das antigas DCNEP, que
foram elaboradas a partir do contexto do Decreto n 2.208/97, b) as alterações
introduzidas na LDBEN pela Lei n.º 11.741/2008 sobre a Educação Profissional e
Tecnológica e, c) a atualizão do conjunto das DCN que havia iniciado anos anteriores.
O outro caminho tomado se refere ao contexto do mundo do trabalho e às exigências
para a formão do trabalhador para esse contexto. Argumentou-se que no Brasil, após
os anos de 1980, foram introduzidas novas formas de organização e gestão do trabalho,
o que acabou formando um cenário ecomico e produtivo com o[...] desenvolvimento
e emprego de tecnologias complexas agregadas à produção e à prestação de serviços
e pela crescente internacionalização das relações econômicas (BRASIL, 2013, p. 208).
Assim, com esse novo cenário, é necessária uma mudança na educação básica e
profissional para formar um novo perfil de trabalhador. As exigências que pesam sobre
os trabalhadores são de capacidade de raciocínio, autonomia intelectual, pensamento
crítico, iniciativa própria e espírito empreendedor. A perspectiva que se tem é a defesa
da formação de profissionais mais polivalentes, capazes de interagir com as novas
situações em constante mutação (BRASIL, 2013). Assim, cabe à educão profissional
propiciar ao trabalhador [...] o desenvolvimento de conhecimentos, saberes e
competências profissionais complexos (BRASIL, 2013, p.206), o que também é
indicado no artigo n.º 5 da Resolução CNE/CEB n.º 06/12 como finalidade dos cursos de
educação profissional técnica de vel médio. Observa-se aqui que as competências são
indicadas como um aspecto a ser desenvolvido aos estudantes, porém os documentos
não apontam qual é a conceão de competência profissional.
Quanto ao contexto do mundo do trabalho e as exigências para a formação do
trabalhador, o que se pode notar é que existe uma defesa da formão para adaptação
para as exigências do mercado de trabalho e o desenvolvimento de competências
profissionais. Cabe salientar que a justificativa apresentada possui proximidade com o
Parecer CNE/CEB n.º 16/99, visto que alguns fragmentos de textos são idênticos ao
texto de 1999.
A justificativa para a elaborão de novas diretrizes para a educação profissional aponta
para dois aspectos que foram desenvolvidos por Bernardim e Silva (2014): a) o objetivo
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da elaborão das DCNEP parece estar mais vinculado ao ajustamento às alterões
legais que aconteceram no âmbito da política educacional, em detrimento da elaboração
de uma proposta pedagógica mais avaada e preocupada com os interesses dos
trabalhadores; b) a justificativa se aproxima de uma formação centrada na dimensão
econômica, na aceitão do mercado como instrumento regulador, ou seja, uma
formação de trabalhador para se adaptar, exclusivamente, às exigências do mercado de
trabalho. O que parece ser contraditório é que o referido parecer defende o compromisso
de uma oferta de uma educação profissional [...] mais ampla e politécnica (BRASIL,
2013, p. 209), que aponta para uma outra perspectiva de formão humana.
Como foi possível observar, foi presente a correlação de forças sobre diferentes projetos
de formação profissional na justificativa para elaboração das DCNEP e no processo de
elaborão do documento.
A ANÁLISE DAS DCNEP
No processo de alise das DCNEP foi identificado, no primeiro momento o que se
considerou como eixo principal da proposta pedagógica e seus desdobramentos, a
saber: a proposta sobre a relação entre a formação profissional e formão geral, a
indicação do trabalho como princípio educativo e a pesquisa como princípio pedagógico.
Esses aspectos, foram considerados eixos centrais da proposta pedagógica das
diretrizes. Posteriormente, foi identificado a concepção de currículo e a proposta de
organização curricular.
Como foi apresentado na seção anterior, o Parecer CNE/CEB n.º 11/12 defende uma
educação profissional em uma perspectiva mais ampla. E nessa perspectiva, defende
que sejam consideradas as dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia
como dimenes indissociáveis da formação humana. (BRASIL, 2013). Trata-se, pois,
de um projeto de formação apresentado pelo documento: Educação profissional técnica
de nível médio integrada ao ensino médio: documento base (BRASIL, 2007b), que foi
elaborado por um grupo de pesquisadores da educação. No entanto, as concepções
dessas categorias, o trabalho, a ciência, a cultura e tecnologia, são apresentados no
Parecer CNE/CEB n.º 11/12 a partir de citações diretas de outro Parecer, o de n.º 05/11,
que trata das DCNEM. Nesse documento, o trabalho possui a seguinte concepção:
O trabalho é conceituado, na sua perspectiva ontológica de transformação da natureza,
como realização inerente ao ser humano e como mediação no processo de produção da
sua existência. Essa dimensão do trabalho é, assim, o ponto de partida para a produção de
conhecimento e de cultura pelos grupos sociais. (BRASIL, 2013, p.161).
O trabalho é concebido em uma perspectiva ontológica e considerado, dessa forma,
como mediação para a prodão de ciência e cultura na sociedade. A ciência, por usa
vez, é compreendida como conhecimentos produzidos pela humanidade melhor
sistematizados e expressos na forma de conceitos que representam as relões
determinadas e apreendidas da realidade considerada, uma perspectiva que se
aproxima da tendência pedagógica histórico-crítica de Saviani (2008). Para esse autor,
os conhecimentos produzidos e legitimados socialmente ao longo da história são
resultados de um processo empreendido pela humanidade na busca da compreensão e
transformação dos fenômenos naturais e sociais. Nesse sentido, a ciência conforma
conceitos e métodos cuja objetividade permite a transmissão para diferentes gerões,
ao mesmo tempo em que podem ser questionados e superados historicamente no
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movimento permanente de constrão de novos conhecimentos. Sendo assim, o que
deve ser ensinado nas escolas é o que se tem produzido de mais avançado pela ciência.
A cultura é entendida como a articulação entre o conjunto de representações e
comportamentos e o processo dinâmico de socialização, constituindo o modo de vida de
uma população determinada. E, por fim, a tecnologia é definida como extensão das
capacidades humanas e um elemento de mediação entre a ciência e a produção,
principalmente a industrial e que o seu desenvolvimento tem o objetivo de satisfazer as
necessidades que humanidade se coloca (BRASIL, 2013).
A partir do eixo principal da proposta pedagógica, da formação integral dos estudantes a
partir das dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia, as DCNEP
indicam a relação entre a formação técnica e a formação geral. Esse aspecto está
contemplado nos artigos n. 3 e 5, que tratam, respectivamente, sobre a forma da
educação profissional de nível cnica, artigo n. 7, que aborda a forma de oferta de cursos
profissionais, e o artigo n. 6 (incisos (I e IV), que trata sobre os princípios norteadores.
Nas DCNEP, a finalidade dos cursos de educão profissional técnica de nível médio é
de [...] proporcionar ao estudante conhecimentos, saberes e competências profissionais
necessárias ao exercio profissional e da cidadania, com base nos fundamentos
científicos-tecnológicos, cio históricos e culturais (BRASIL, 2012b, art. 5º). Nessa
perspectiva, os cursos de educação profissional de nível médio podem ser ofertados de
forma articulada e subsequente ao ensino médio, sendo que a forma articulada pode ser
integrada, ou concomitante, o que permanece no mesmo sentido do Decreto n.º
5.154/04.
Observa-se, então, que existe a possibilidade da integrão entre a formação profissional
e formação geral, o que permite inferir que existe a possiblidade de superação da
dualidade estrutural no ensino médio entre a formação geral e a formação técnica e a
articulação de conhecimentos de diferentes ciências. Com essa dualidade, separa-se a
formação de cultura geral, relacionada às linguagens, às ciências exatas, biológicas,
sociais, à filosofia, às artes, entre outros, da formação profissional, que aborda
conhecimentos estritamente técnicos relacionados à função profissional. Como superar
essa separação não é tarefa trivial, Kuenzer (1997) indica que, em nível de estrutura, o
caminho seria a [...] negação da separação entre cursos teóricos e cursos práticos
(KUENZER, 1997, p.142); e, em vel da organizão dos componentes curriculares, o
caminho seria a negação, por meio da politecnia, da divio entre as disciplinas gerais e
disciplinas específicas, ou seja, superar a divio entre conhecimentos de cultura geral e
de formão profissional.
Isso requer não apenas colocar em uma grade curricular os componentes curriculares
relacionados à cultura geral e à formão profissional, o que indica apenas uma
justaposição desses componentes curriculares sem, efetivamente, ocorrer a integrão
entre os conhecimentos. Dessa forma, é necessário que esses componentes
curriculares sejam organizados objetivando a formão de um trabalhador cidadão. É no
mesmo sentido que Ciavatta (2012) compreende a integralidade entre educão
profissional e ensino médio, ou seja, estabelecer que a educão geral se torne
inseparável do ensino profissional em todos os campos onde ocorre a formação para o
trabalho. Essa perspectiva significa, para a autora, superar a dicotomia entre trabalho
manual versus trabalho intelectual, de incorporar dimensão intelectual ao trabalho
produtivo. No entanto, sobre esse tema, cabe uma advertência. Assim como aconteceu
com o Decreto n.º 5.154/04, ao abrir a possibilidade de oferta de cursos de forma
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articulada concomitante e subsequente, uma vez que nesses cursos não há
possibilidade de integração entre os conhecimentos relacionados à formação geral e os
conhecimentos relacionados à formação para o trabalho, ocorre uma contradição com a
perspectiva de formação integral do estudante defendido nas diretrizes, pois essa
perspectiva reforça percursos formativos fragmentados. Sobre essa questão, Bernardim
e Silva (2014) também foram críticos.
A previsão de Educação Profissional não integrada ao Ensino Médio, tanto na forma
concomitante quanto na forma subsequente, não é mera questão curricular ou de
organização do trabalho pedagógico escolar, permitindo inferir que ao manter percursos
formativos fragmentados, divididos e não integrados, a escola reproduz e aprofunda a
dualidade, marca histórica quando se trata do Ensino Médio (p. 31).
Aqui há concordância com os autores que indicam que a questão apresentada o é
uma simplesmente de ordem curricular ou pedagógica, mas se refere à concepção de
educação profissional, no caso, reforçando a dualidade histórica existente nessa
modalidade de ensino no Brasil.
Outro importante aspecto indicado nas DCNEP se refere ao trabalho como princípio
educativo que está indicado como um dos princípios norteadores da educação
profissional técnica de nível médio na Resolução CNE/CEB n.º 06/2012 (art. 6º, inciso III)
e na organização curricular, contemplando as bases conceituais e metodológicas (art.
13º, inciso IV). Sobre esse aspecto Kuenzer (1997), compreende a ideia do princípio
educativo como uma indicação, um caminho, em um processo de formação humana.
Dessa forma, ter o trabalho como princípio educativo [...] remete à relação entre o
trabalho e a educação, na qual se afirma o caráter formativo do trabalho e da educação
como ão humanizadora por meio do desenvolvimento de todas as potencialidades do
ser humano” (CIAVATTA, 2009, p.01).
Para Kuenzer (1997) e Saviani (1989), considerar o trabalho como princípio educativo
possui aproximações com a concepção politécnica de formão. Nessa perspectiva,
Kuenzer (1997) considera que uma escola organizada a partir dessa concepção deve
apresentar, pelo menos, algumas das seguintes características quanto à estrutura,
conteúdo, todo, gestão e condições físicas das escolas: a) sobre a estrutura: que
apresente uma estrutura única, ou seja, sem dualidade estrutural que separa a escola
da cultura da escola do trabalho; b) sobre o conteúdo: que propicie o resgate da relação
entre conhecimento, produção e relações sociais, por meio da apropriação do
conhecimento científico e tecnológico e que possibilite a participação na sociedade nos
âmbitos social, político, e produtivo, como cidadão e trabalhador. Essa proposta indica o
trato com o contdo a partir da politecnia; c) sobre otodo: que seja teórico/prático,
articulando o saber e o processo produtivo, a ciência e a produção, a cultura e a técnica,
as atividades intelectual e manual; d) sobre a gestão: que seja democrática; e) sobre as
condições físicas: que seja atualizada e que conte com equipamentos e espaços
pedagógicos como bibliotecas, laboratório, oficinas, entre outros. É importante observar
que alcançar as caraterísticas indicadas pela autora não é tarefa fácil, requer profundas
mudanças na instituição escolar do ponto de vista político e de método de sua
organização.
A pesquisa como princípio pedagógico aparece na Resolução n.º 06/12 articulada ao
princípio norteador: Articulação entre a educação básica e a educação profissional e
tecnológica, na perspectiva da integração dentre saberes específicos para a produção
do conhecimento e a interveão social assumindo a pesquisa como princípio educativo
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(BRASIL, 2012b, art. 6º, inciso III). A pesquisa está indicada como um instrumento para
a produção do conhecimento e intervenção social em uma perspectiva da integração de
saberes. No Documento Base (BRASIL, 2007), a pesquisa como prinpio educativo é
posta em articulação com o trabalho como princípio educativo e é defendido que pode
potencializar a formação de sujeitos autônomos e que possam compreender e atuar no
mundo, por meio do trabalho. Também é defendido que a pesquisa seja orientada para
o estudo e a busca de solões das questões da vida cotidiana. Assim, a pesquisa
precisa gerar inquietão, formular questões e buscar respostas, seja em investigações
de caráter mais formal e acamico ou em investigações que propiciem a reconstrução
de conceitos e conhecimentos. Também é importante que a reprodução de
conhecimento esteja orientada por um sentido ético comprometido com a sociedade, ou
seja, comprometido com a produção de conhecimentos, saberes, bens e serviços que
tenham como finalidade melhorar as condições da vida coletiva e não apenas produzir
bens de consumo para fortalecer o mercado.
Essa perspectiva entre a pesquisa como princípio educativo se aproxima da perspectiva
defendida por autores como Demo (2003, 2006), que argumenta que a pesquisa
contribui para a formação de indivíduos aunomos e críticos. Isso porque a utilização da
pesquisa no processo de ensino ajuda no desenvolvimento de habilidades que ajudem
enxergar outras verdades, estimular a capacidade crítica e criativa dos estudantes
(DEMO, 2003). A pesquisa tamm pode proporcionar a verticalizão de um
determinado conhecimento que está sendo abordado, a elaborão própria dos
estudantes. Ela pode contribuir com o desenvolvimento da capacidade de interpretar,
analisar, compreender, realizar sínteses, fazer e refazer argumentações, o que vai
impulsionar o processo de estudo e a capacidade intelectual do estudante. Outro
importante aspecto é que a pesquisa pode impulsionar a reconstrução e ressignificação
de conhecimentos, além de possibilitar aos estudantes a adoção de uma postura
investigativa e, por vezes, criativa.
Sobre o currículo, a Resolução CNE/CEB n.º 06/12 não apresenta um conceito próprio
e o Parecer CNE/CEB n.º 11/12 apresenta a concepção de currículo tomando o conceito
apresentado no Parecer CNE/CEB n.º 07/10, que trata das DCN gerais para a Educação
Básica (BRASIL, 2013):
[...] o currículo é fruto de uma seleção e produção de saberes: campo conflitoso de produção
de cultura, de embate entre pessoas concretas, concepções de conhecimento e
aprendizagem, formas de imaginar e perceber o mundo. Assim, as políticas curriculares não
se reúnem apenas a propostas e práticas enquanto documentos escritos, mas incluem os
processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos em ltiplos espaços e por
múltiplas singularidades no corpo social da educação (p. 24).
O currículo é concebido como fruto de um processo de selão e produção de saberes
que acontece de forma consensual, uma perspectiva que não o concebe como um
artefato neutro, inocente que objetiva simplesmente a melhor forma de transmissão do
conhecimento social, como pressupõem as abordagens tradicionais do currículo, mas
sim a partir de um olhar de uma concepção sociológica do currículo.
Sobre a organizão curricular, a Resolução CNE/CBE n.º 06/12 indica, no 3º artigo, que
os cursos e os programas sejam organizados por eixos tecnológicos. Anteriormente, a
organização dos cursos cnicos de nível médio era realizada pelo uso da não de
áreas profissionais definidas a partir dos setores produtivos. Dessa forma, a oferta dos
cursos correspondia aos setores da economia (ex. comércio, agropecuária), ou a
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subsetores econômicos (ex. construção civil, que é subsetor da indústria) e até nichos
tecnológicos (ex. informática, telecomunicões, etc.). Para Machado (2010), essa forma
de oferta de cursos apresentava ausência de unicidade de critérios organizacionais, uma
vez que a centralidade dos cursos estava nos setores produtivos. Outro problema é que
essa organização proporcionava uma dispersão de títulos e dificuldade na orientação e
informação à sociedade, além da formulação de políticas, planejamento e avaliação da
modalidade de educação profissional (BRASIL, 2008). Com a instituição dos eixos
tecnológicos, os cursos passam a ser organizados a partir da lógica do conhecimento e
da inovação tecnológica. Desse modo, Machado (2010) entende que o eixo tecnológico
tem a fuão de estabelecer a direção teórico-metodológica dos cursos, o que é
fundamental para a concepção dos projetos pedagógicos, para a organização curricular
e a avaliação, ou seja, tem a função de estabelecer a direção sob a qual os diferentes
cursos deverão ser elaborados.
A Resolução CNE/CEB n.º 06/12 também orienta que a estruturação dos cursos, a partir
de eixos tecnológicos, deve considerar: a) a matriz tecnológica, com métodos, técnicas
e outros elementos das tecnologias relativas aos cursos; b) núcleo politécnico comum,
que está relacionado aos fundamentos científicos, sociais, organizacionais, econômicos,
políticos, culturais, ambientais, esticos e éticos que alicerçam as tecnologias; c)
conhecimentos e habilidades nas áreas de linguagem e códigos, ciências humanas,
matemática e ciências da natureza, vinculados à educação básica, considerados
essenciais para formação e desenvolvimento profissional do cidadão; d) trabalho como
princípio educativo; e e) atualizão permanente dos cursos e currículos.
A ideia é que cada eixo tecnológico possua um núcleo politécnico comum e esteja
relacionado com a perspectiva de que o conhecimento desse eixo deva ter a função de
um eixo estruturador. Nesse caso, o núcleo politécnico comum deve apresentar o
conhecimento considerado fundamental no curso e deve estar articulado ao eixo
tecnológico em que se situa o curso. No inciso II do artigo 13º, isso está assim escrito.
O núcleo politécnico comum correspondente a cada eixo tecnológico em que se situa o
curso, que compreende os fundamentos científicos, sociais, organizacionais, econômicos,
políticos, culturais, ambientais, estéticos e éticos que alicerçam as tecnologias e a
contextualização do mesmo no sistema de produção social (BRASIL, 2012b).
Percebe-se, portanto, que existe uma aproximação com a perspectiva da formação
profissional fundamento na politecnia. A formação profissional com o fundamento na
politecnia objetiva formar o trabalhador para o domínio da técnica em um vel intelectual,
pressupondo um [...] perfil amplo de trabalhador, consciente, capaz de atuar criticamente
em atividades de caráter criador e de busca com autonomia dos conhecimentos
necessários ao seu progressivo aperfeiçoamento (MACHADO, 1994, p.19). E, para tal
formação, é necessária a compreensão teórico-prática das bases das ciências
contemporâneas, principalmente dos conceitos, princípios e leis fundamentais e
relativamente estáveis dos princípios tecnológicos que expressam o uso das ciências no
mundo do trabalho. Em entendimento semelhante, Saviani (1989) compreende que a
politecnia é uma perspectiva de educão em que deve-se assegurar o donio dos
fundamentos científicos de diferentes técnicas.
A proposta de organizão curricular ainda apresenta princípios como da
interdisciplinaridade, da contextualizão e da integração entre teorias e práticas no
processo de ensino-aprendizagem. É estabelecido que a organização pode ser realizada
por disciplinas ou componentes curriculares, projetos, núcleos teticos ou outros
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cririos ou formas de organizão. A organização deve possibilitar itinerários formativos
flexíveis, diversificados e atualizados, segundo interesses dos sujeitos e possibilidades
das instituições, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.
Outro importante aspecto nas DCNEP se refere à contextualizão, à flexibilidade e à
interdisciplinaridade. Esses elementos são indicados como um princípio norteador da
educação profissional, como parte na [...] utilizão de estratégias favoráveis à
compreensão de significado e à integração entre a teoria e a vivência da prática
profissional, envolvendo as múltiplas dimensões do eixo tecnológico do curso e das
ciências e tecnologias a ele vinculadas (BRASIL, 2012b, inciso VII, art. 6, grifos nossos).
É importante observar que o texto é muito parecido com o texto das DCNEP de 1999.
Na Resolão CNE/CEB n.º 04/99, a contextualização, a flexibilidade e a
interdisciplinaridade são considerados princípios norteadores da educação profissional,
sendo que o referido Parecer indica como a contextualização deve estar articulada no
currículo escolar:
Essa concepção de currículo implica, em contrapartida, uma maior responsabilidade da
escola na contextualização e na adequação efetiva da oferta às reais demandas das
pessoas, do mercado e da sociedade. Essa contextualização deve ocorrer, também, no
próprio processo de aprendizagem, aproveitando sempre as relações entre conteúdos e
contextos para dar significado ao aprendido, sobretudo por metodologias que integrem a
vincia e a prática profissional ao longo do curso. Assim, a organização curricular da escola
deve enfocar as competências profissionais gerais do técnico de uma ou mais áreas,
acrescidas das competências profissionais espeficas por habilitação, para cada perfil de
conclusão pretendido, em função das demandas individuais, sociais, do mercado, das
peculiaridades locais e regionais, da vocação e da capacidade institucional da escola
(BRASIL, 1999, p. 26, grifos nossos).
A perspectiva é que a contextualização deveria estar articulada com as competências
profissionais para se adequar às demandas individuais, da sociedade e, inclusive, do
mercado. Assim, a contextualização deve acontecer no processo de aprendizagem, a
partir de metodologias que integrem a vivência e a prática profissional. É importante
ressaltar uma importante diferença aqui: no Parecer n.º 16/99, a perspectiva é de
integração entre vivência e prática profissional, o que parece enfatizar a valorizão do
cotidiano relacionada à prática profissional articulada com as competências, já na
resolução 06/12 a ideia parece ser outra. A perspectiva de integrão acontece não entre
vivência e a prática profissional, e sim entre a teoria e a vivência da prática profissional,
que dá outra conotão, dá articulação entre teoria e prática, muito defendida nas teorias
críticas da educação. No entanto, é preciso destacar que tanto o Parecer quanto a
Resolução CNE/CEB n.º 06/12 apresentam um texto que em alguns momentos
misturam termos e conceões de matrizes teóricas distintas.
No que se refere à flexibilidade na Resolão CNE/CEB n.º 06/12, ela é compreendida
como construção de itinerários segundo interesses dos sujeitos. O inciso XIV, do artigo
6º, indica a flexibilidade na construção de itinerários formativos diversificados e
atualizados, segundo os interesses dos sujeitos e possibilidades das instituições
educacionais, nos termos dos respetivos projetos pedagógicos.
Ainda sobre a organização curricular, as DCNEP apresentam um aspecto importante: a
indicação do empreendedorismo como parte do currículo dos cursos de educação
profissional. Es posto no inciso VI do artigo 14º que os currículos dos cursos devem
proporcionar aos estudantes fundamentos de empreendedorismo, como uma das
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teticas que os currículos dos cursos educação profissional técnica de nível médio
devam proporcionar aos estudantes.
O empreendedorismo é um tema que tem recebido uma importante atenção no contexto
internacional nos últimos anos. Organismos internacionais como a OCDE e a UNESCO
têm incentivado a inclusão desse tema como componente curricular em países europeus
e na América Latina. Por meio do Projeto Regional de Educação para a América Latina
e o Caribe (PRELAC), a UNESCO propõe um 5° pilar da educação para se adicionar
aos pilares institdos pelo Relario Delors (DELORS, 1998), denominadoaprender a
empreender (UNESCO, 2004). Essa orientação está influenciando sobremaneira a
educação brasileira. Segundo Silvia e Cária (2015), existe um forte incentivo para que o
empreendedorismo se torne componente curricular da educação brasileira, o argumento
que se tem é que esse tema pode contribuir na preparação da juventude para enfrentar
a competição do mercado e melhorar e empregabilidade. Ou seja, o que se tem aqui é
uma forte aproximação entre a educação e o mercado, o que evidencia uma contradição
com a perspectiva de formação humana que o documento parece encaminhar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises realizadas foi possível perceber que as DCNEP apresentam uma
proposta de formão humana que apresentam elementos de formação de
trabalhadores em duas perspectivas distintas: um que se aproxima de uma concepção
ampliada de formação humana, que abre possibilidade de se pensar na superação da
dualidade histórica existente entre a formação técnica e a formação geral do trabalhador,
e o segundo, que aponta para uma formação unilateral do homem, devido aos conceitos
e concepções contraditórias que aparecem, tais como: a) a justificativa das novas
diretrizes voltada para formação centrada, exclusivamente em aspectos econômicos e
para atender alterações legais; b) a possibilidade de estabelecer cursos que não sejam
integrados, ou seja, oferta dos cursos de educação profissional de nível médio de forma
articulada concomitante e subsequente; c) a indicação da integração entre educação
geral e educão profissional que pode propiciar a justaposição de disciplinas; d)
indicação do empreendedorismo como conhecimento a ser contemplado nos currículos.
Conclui-se que o processo de elaboração das políticas curriculares para educação
profissional técnica de nível médio aconteceu a partir da incorporação de projetos de
formação do trabalhador distintos. Infere-se, portanto, que esse processo se
desenvolveu a partir da condição em que, com diferentes atores e autores que possuem
projetos distintos de formação humana, que agem em disputa, procurando convencer e
emplacar seus projetos. Nas análises, foi possível observar um movimento de diferentes
agentes, em defesa de um projeto ampliado de formação do trabalhador, que se
aproxima da formação omnilateral. Por outro lado, forças conservadoras e articuladas ao
mercado, ao empresariado e articuladas com as agendas de organismos internacionais,
também se fizeram presentes.
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Data da submissão: 02/05/2019
Data da aprovação: 13/08/2020