Trabalho & Educação | v.29 | n.1 | p.47-54 | jan-abr | 2020
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DOI: https://doi.org/10.17648/2238-037X-trabedu-v29n1-12617
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
PERMANÊNCIA E ABANDONO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL: REFLETINDO SOBRE ALGUNS DE SEUS
MOTIVADORES
1
Permanency and school dropout in professional education: reflecting on some of their
motivators
ZANIN, Alexsandra Joelma Dal Pizzol Coelho
2
GARCIA, Nilson Marcos Dias
3
RESUMO
Apresenta resultados de pesquisa que teve como objetivo analisar, a partir da vio de estudantes e ex-
estudantes de cursos técnicos concomitantes e subsequentes na área de Controle e Processos Industriais,
as motivações e raes que justificam a sua permancia ou o abandono aos respectivos cursos.
Fundamentada na conceão de trabalho como categoria central e prinpio educativo, estabeleceu, tamm,
dlogo com autores de diferentes vertentes e concepções tricas, objetivando o aprofundamento sobre os
embates tricos e ideogicos que permeiam as discuses sobre permanência e abandono escolar. A partir
de uma abordagem qualitativa de natureza exploraria, envolveu estudantes trabalhadores de uma
instituição Federal com campi em Joinville e Jaraguá do Sul, em Santa Catarina. Os resultados sinalizaram
haver uma relão complexa e amgua entre os motivadores do abandono e da permancia, ora se
apresentando como motivadores para a permanência, ora geradores do abandono, ressaltando-se relações
estabelecidas entre docentes e estudantes e entre trabalho, estudo e família. Apontou também que as atuais
políticas de apoio à permanência não são reconhecidas pelos estudantes nem por eles identificadas como
fundamentais para a sua permanência escolar.
Palavras-chave: Permancia e Abandono escolar. Educação Profissional e Tecnológica. Estudantes
Trabalhadores.
ABSTRACT
It is presented the results of a research that aimed to analyze, from the point of view of students and ex-
students of concomitant and subsequent technical courses in industrial area, the motivations and reasons that
justify its permanence or abandonment to their courses. Based on the conception of the work as a central
category and educational principle, established, also, dialogue with authors from different strands and
theoretical conceptions aiming at deepening on the theoretical and ideological conflicts that permeate
discussions on the school permanency or dropout. From a qualitative exploratory approach, the research
involved workers students of a federal institution with campi in Joinville and Jarag do Sul, in Santa Catarina.
The results signaled there is a complex and contradictory relationship between the motivators of abandonment
and permanence, sometimes appearing as motivators to stay and other times as drivers of abandonment,
emphasizing relationships established between teachers and students and between work, study and family. It
also pointed out that the current policies of support for permanence are not recognized by the students, nor
identified as essential for their permanence in school.
1
Este artigo faz parte da dissertação de mestrado intitulada PERMANÊNCIA E ABANDONO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL: um estudo sobre Instituições Federais de Joinville e Jaraguá do Sul, defendida em agosto de 2014 no Programa de Pós-
Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). O texto foi devidamente
readaptado para a composição do presente artigo.
2
Doutora e Mestre em Tecnologia e Sociedade pelo Programa de s-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
Pedagoga no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). E-mail: aleifsc@gmail.com.
3
Doutor em Educação e Mestre em Ensino de Física pela Universidade de São Paulo. Professor e pesquisador do Programa de Pós-
Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: nilson@utfpr.edu.br e nilsondg@gmail.com.
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Keywords: Permanency and School Dropout. Professional Education. Worker Students.
INTRODUÇÃO
A educação, o acesso e a permanência na escola são direitos previstos pela Constituição
de 1988, ampliados pela Emenda Constitucional nº 59/2009, que garantiu educação
básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade e sua oferta gratuita
para todos os que a ela o tiveram acesso na idade própria. Assim, discutir
permanência e abandono escolar
4
é dialogar sobre direitos, pois a educação e sua
consequente permanência é um direito de todos e dever do Estado (BRASIL, 1988, art.
6º).
Reiterando esse direito, o artigo 5º. da Lei nº 12.796, sancionada em 04 de abril de 2013,
ao alterar parte da LDB 9394/96 estabeleceu que
O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer
cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de
classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público
para exigi-lo. (BRASIL, 2013).
Apesar de todas as garantias legais, como afirma Gadotti (2006), a desigualdade na
escola ainda é escancarada e exclui, e embora o ensino brasileiro seja gratuito e
obrigatório, não é assegurado para a totalidade dos que dele teriam esse direito, visto
que apenasuma parcela reduzida da população tem uma escolarização de oito anos,
pois já no primeiro ano a reprovação, associada à desistência, atinge mais de 50% (p.
115).
Arroyo (1992, p. 46) aponta que há uma indústria da exclusão” na escola, tanto privada
quanto pública, que fortalece a cultura gerada e mantida ao longo do século republicano,
reforçando uma sociedade desigual e excludente. Essa cultura da exclusão, para ele,
não é deste ou daquele colégio, deste ou daquele professor, nem apenas do sistema
escolar, mas faz parte da lógica e da política da exclusão que permeia todas as
instituições sociais e políticas.
Corroborando, e generalizando, Dubet (2003, p.44) pondera que, como a visão
republicana toma conta da escola século após século, o efeito exclusão escolar torna-se
algo natural enormal da escola democrática de massa,que afirma ao mesmo tempo
a igualdade dos indivíduos e a desigualdade de seus desempenhos. Aponta também
que a escola, à medida que mais integra, mais exclui, funcionando cada vez mais como
o mercado, que é, em sua própria lógica, o princípio básico da integração e da exclusão,
naturalizando o abandono escolar.
Rui Canário (2004), por sua vez, defende que a problemática exclusão para o campo
educativo, de modo simétrico, é um fenômeno exterior à escola (exclusão social) e
interior à mesma (exclusão escolar). Para o autor, a exclusão não exprime um
agravamento dos problemas especificamente escolares, mas sim uma maior
4
Optou-se nesta pesquisa pela utilização do termo abandono escolar, por compreender que os termos
desistência ou exclusão culpabilizam ou o aluno ou a instituição e, no nosso entendimento, o abandono
ocorre em virtude da relação estabelecida entre os diversos fatores que envolvem o aluno e a escola,
decorrentes de processos sociais, econômicos e culturais, visto que o aluno pode abandonar ou ser
abandonado pela escola. Entretanto, no texto, será respeitada a denominação atribuída pelos autores nos
seus respectivos textos tomados como referência.
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sensibilização por parte da instituição escolar a fenômenos de natureza social cuja
origem se situa no mundo do trabalho (CANÁRIO, 2004, p. 50)
É na Educação Profissional e Tecnológica que essa relação com o mundo do trabalho
se configura com mais intensidade. E é nela também, conforme Zanin (2019), que, ao
longo de sua história e ainda hoje, índices elevados de abandono escolar têm estado
presentes.
Essa situação pode ser constatada ao observar os dados relativos ao índice de eficiência
acadêmica
5
dos Institutos Federais na Plataforma Nilo Peçanha (BRASIL, 2019), que
apontou que aevao no ciclo apresentou, em todos os cursos ofertados, um
percentual de 50,31% em 2017 e de 49,4% em 2018.
Nesse sentido, ao dialogar sobre abandono escolar na Educão Profissional e
Tecnológica, ao mesmo tempo que se escancaram, conforme apontado por Fritsch
(2017), as mazelas produzidas numa sociedade capitalista, são evidenciadas também
as possibilidades de, transversalmente, dar visibilidade a fatores e variáveis que podem
subsidiar a formulação de políticas e práticas para sua mitigação e prevenção.
Essa preocupão se faz necessária quando se busca pensar uma educação que seja
voltada para a emancipação dos alunos e não apenas para a preparação para o
mercado de trabalho, ressaltando assim, a importância de se assumir o trabalho como
princípio educativo, o que, como afirma Kuenzer (2001), por essência, representa a
possibilidade da classe trabalhadora satisfazer, em partes, a sua necessidade de
transformação da sociedade.
Desta forma, por envolver questões sociais, econômicas e culturais externas e internas
à instituição relacionadas entre si dialeticamente, sem sobreposição de importância de
um fator sobre o outro, mas sim mutuamente relacionados, compreende-se que o
abandono e a permancia escolar o tem sua origem na escola nem no indivíduo,
como algumas concepções econômicas procuram atribuir, pelo contrário, é através do
trabalho que devem ser analisados, pois, conforme Franzoi e Fischer (2015), o trabalho
é princípio primeiro para se entender a sociedade e, portanto, a educação (p. 151), o
que evidencia a necessidade de pesquisar sobre essa temática na Educação
Profissional e Tecnológica.
A TRAJETÓRIA DA PESQUISA
A pesquisa teve como objetivo compreender os motivadores que estimularam a
permanência ou o abandono na educão profissional de estudantes dos cursos
técnicos concomitantes em Mecânica e Eletroeletrônica e subsequentes em Mecânica
Industrial e Eletrotécnica ofertados em uma Instituição Federal com campi em Joinville e
Jaraguá do Sul, no Estado de Santa Catarina.
A pesquisa envolveu estudantes que ingressaram nas instituições entre o segundo
semestre de 2011 e o final de 2013. Neste período, ingressaram nos cursos pesquisados
5
O índice de eficiência acadêmica é a capacidade de atingir os resultados previstos em termos de estudantes
certificados ou com potencial de certificação em relação à quantidade total de matculas considerando um
determinado ciclo de matrículas, já para o cálculo de “evasão no ciclo são considerados alunos que
perderam vínculo com a instituição antes da concluo do curso considerando apenas as matrículas
vinculadas a ciclos de matrícula com término previsto para o ano anterior ao ano de referência. (MORAES
et. al., 2018)
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1059 estudantes, dos quais 424 deixaram de frequentá-los, totalizando 40% de
abandono escolar.
Além dos estudantes, três trabalhadores da educação que acompanharam a aplicação
da pesquisa também tiveram oportunidade de se manifestar e tiveram suas opines
registradas.
Os dados que subsidiaram as análises foram obtidos pela aplicação de um questionário
com perguntas abertas e fechadas para os alunos permanecentes e entrevista semi-
estruturada e questionário eletrônico (enviado por e-mail) com perguntas abertas e
fechadas para os estudantes que deixaram de frequentar os cursos.
Responderam o questionário para alunos permanecentes 126 alunos de Joinville e 144
de Jaraguá do Sul. Dos estudantes que deixaram de frequentar o curso, 13 responderam
o questionário eletrônico e 12 foram entrevistados, totalizando assim uma participação
de 270 estudantes permanecentes e 25 que deixaram de frequentar os cursos no
período.
Após a aplicação dos instrumentos de pesquisa, os dados foram tabulados, transcritos e
analisados segundo quatro categorias: 1) Fatores internos, em busca da compreensão
dos motivadores institucionais para permanência ou abandono; 2) Fatores externos,
almejando entender as questões sociais, ecomicos e culturais para tais motivadores;
3) Fatores pedagógicos, que envolviam fatores internos e externos na relão ensino
aprendizagem, tais como formação dos docentes, percurso formativo dos estudantes e
relação professor e aluno; e 4) Políticas públicas e ações de apoio à permanência,
buscando avaliar a compreensão dos estudantes sobre as mesmas e efetividade.
INTERPRETANDO OS MOTIVADORES DA PERMANÊNCIA OU DO ABANDONO
ESCOLAR
A permanência e o abandono escolar envolvem muitos fatores, que vão além do
ambiente escolar. Consiste num tema amplo, que exige reflexões, indagações, diálogos
e avaliações no âmbito da pesquisa social.
Apesar dos motivadores para a permanência ou abandono escolar envolverem questões
internas e externas à escola, nossas análises foram focadas mais nas queses internas,
por terem sido as mais sinalizadas pelos estudantes que participaram da pesquisa.
Em relação aos alunos que deixaram de frequentar e participaram da pesquisa, 92%
deles abandonaram os cursos quando ainda estavam cursando o primeiro
módulo/semestre do curso. Ao analisar os percentuais de abandono, obtidos no sistema
acadêmico das instituições, percebeu-se que a maioria dos estudantes deixou de
frequentar a Instituição no primeiro módulo/semestre do curso, como se observa no
gráfico 01:
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Gráfico 01- Índice de Abandono escolar por módulo/fase dos cursos cnicos
Fonte: Autoria própria. Baseado em dados do sistema acadêmico da instituição.
Além disso, corroborando os dados, em suas falas, os participantes da pesquisa
reforçam que boa parte do abandono ocorre no início do curso:
A22
6
É
7
os primeiros módulos, hoje começam os primeiros dulos, a sala está com
quarenta e poucos alunos. Lá no segundo dulo já o dez, doze, depois no último o
dois só.
P47 Nesse ano 2013 alguns professores comentaram que nosso módulo um teve a menor
desistência em comparação com os anteriores.
Os altos índices de abandono nos primeiros módulos, indicados e assumidos tanto pelos
alunos quanto pelos servidores, permitem inferir que, entre os prositos de uma escola
que, por ser de caráter profissional, deveria ressaltar as relações da educação formal
com o mundo do trabalho e assim propiciar uma forte atração para os alunos, que nela
buscam a sua formão intelectual e laboral, há uma tendência em se valorizar mais o
lado da educação formal, em detrimento da relação que pode ser estabelecida entre
educação e trabalho, ão justificada muitas vezes pelo reforço da identidade de escola
forte”, o que tem naturalizado o abandono dos ingressantes, conforme se verifica em
algumas falas:
Servidor 1 O primeiro dulo é o filtro.
Servidor 2 O aluno percebe que o ensino é forte, que tem que se dedicar e abandona no
início.
Servidor 3 Essa questão de evao é nacional.
Uma das consequências dessa naturalização do abandono nos cursos técnicos é a
percepção de que a instituição pode se eximir da responsabilidade de pensar e
implementar ações para mudar esses altos índices, haja vista que entende que essa é
uma questão que ocorre em todo Brasil.
6
Buscando preservar as identidades, os participantes da pesquisa foram caracterizados como P + nº
sequencialpara identificação dos estudantes permanecentes e A + nº sequencial quando corresponder a
dados dos estudantes que abandonaram/foram abandonados.
7
Procurou-se respeitar, nos depoimentos, a manifestação oral de cada um dos participantes, fazendo,
entretanto, um trabalho de textualização visando minimizar eventuais erros de concordância e sentica.
37%
11%
1%
49%
40%
5%
1%
46%
35%
3%
1%
39%
28%
3%
1%
32%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
I módulo/fase II módulo/fase III módulo/fase Total do Abandono
Eleroeletrônica Mecânica Eletrotécnica Mecânica Industrial
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Essa vio fortalece a banalização da exclusão, pois defende que o bom é para poucos,
para os que têm potencial e que o abandono é uma decisão pessoal do aluno, que a
toma por não poder acompanhar o curso. Entende-se, no entanto, que qualidade de
educação é mais do que educação forte e, concordando com Dubet (2004),
Uma escola justa preservaria melhor a dignidade e a auto-estima dos que não fossem tão
bem-sucedidos como se esperava. Isso supõe dois grandes tipos de ação. O primeiro exige
uma verdadeira revalorização do ensino técnico e profissional e um interesse maior pelos
gostos dos alunos e por seus talentos. O segundo tipo de ação é a afirmação do papel
educativo da escola. Uma escola de massas confrontada com escolaridades longas e com
o acolhimento de toda uma juventude não pode mais apoiar-se na ficção segundo a qual a
instrução é suficiente para educar os alunos. Isso só foi posvel numa escola reservada aos
bons alunos, aos alunos bem-nascidos e aos adeptos” dos valores da escola. É preciso
então perguntar-se em que a escola pode ser um espaço de educação e de cultura na
instrução e mais além, nas atividades culturais e esportivas, na organização da ppria vida
escolar, no atendimento aos alunos fora da classe. (p.552)
Ou seja, uma escola para todos em busca de educar a todos, fundada em conceões
críticas e transformadoras, e cujas práticas possam contribuir para a diminuição da
desigualdade social. Neste sentido, aponta-se a necessidade de refletir sobre como
possibilitar uma inclusão não excludente diante desta lógica social, política e econômica
e sobre o que pode ser feito para que essas mudanças ocorram, procurando romper
com a naturalização do abandono, interpretado como algo normal e presente em todas
as escolas.
MOTIVADORES DA PERMANÊNCIA E DO ABANDONO ESCOLAR
Referente aos motivadores para a permanência nos cursos técnicos, a tabela 01,
elaborada a partir de respostas dadas pelos 270 alunos permanecentes, apresenta os
fatores por eles considerados decisivos para essa permanência.
Tabela 01- Principais motivadores para permanência nos cursos cnicos
Decisiva
Importante
mas não
fundamental
Nenhuma
importância
Pouca
importância
68,9%
25,2%
2,6%
3,3%
68,5%
22,6%
4,4%
4,4%
61,1%
30,7%
0,7%
7,4%
60,4%
27,4%
4,8%
7,4%
58,1%
33,7%
1,5%
6,7%
55,6%
24,8%
3,3%
16,3%
53,7%
17,4%
21,1%
7,8%
Fonte: Autoria própria. Elaborado a partir dos dados dos questionários para permanecentes.
Como se observou, aproximadamente 70% dos respondentes considera decisiva para
a sua permanência a busca por conhecimento, 68% as relações com o mundo do
trabalho e 61% a qualidade docente. Esses resultados demonstram a forte conexão
existente entre fatores que são intrínsecos à escola busca por conhecimento escolar,
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qualidade dos professores, prestígio do curso, turno favorável do curso com aqueles
ligados à questões externas, como perspectivas futuras, a obtenção de emprego melhor,
a afinidade com a área de estudo e a possibilidade de progressão funcional, reforçando
a importância de serem considerados, na formação dos alunos, tanto aspectos
relacionados à educação quanto ao mundo do trabalho.
Por sua vez, ao responderem se já pensaram em deixar de frequentar e abandonar o
curso em algum momento, 52% declaram que sim. Os principais motivadores por eles
apontados são: dificuldade de conciliar trabalho e estudo (22,8%); dificuldades de
aprendizagem (20,3%); cansaço (13,3%); problemas com docentes (12%); organização
do curso (9,5%); e problemas pessoais (4,4%).
De maneira similar, foi solicitado aos alunos que deixaram de frequentar, que indicassem
os eventuais fatores que os influenciaram a abandonar o curso. Os resultados são
apresentados na tabela 02:
Tabela 02- Principais motivadores para o abandono dos cursos técnicos
Motivadores
Decisiva
Importante mas
não
fundamental
Pouca
imporncia
Nenhuma
imporncia
Não consegui conciliar trabalho e estudo
30,8%
23,1%
0,0%
46,2%
Dificuldades para aprender
30,8%
15,4%
7,7%
46,2%
Problemas de saúde
30,8%
7,7%
0,0%
61,5%
Falta de tempo para estudar
23,1%
15,4%
23,1%
38,5%
Problemas de relacionamento com
professor(es)
23,1%
7,7%
0,0%
69,2%
Problemas financeiros
15,4%
23,1%
15,4%
46,2%
A Instituição não atendeu minha expectativa
15,4%
15,4%
15,4%
53,8%
Greve
15,4%
15,4%
23,1%
46,2%
Não me identifiquei com o curso
15,4%
7,7%
15,4%
61,5%
O curso não atendeu minhas expectativas
15,4%
0,0%
7,7%
76,9%
Problemas familiares
7,7%
30,8%
7,7%
53,8%
Fonte: Autoria própria. Elaborado a partir dos dados dos questionários para desistentes.
No conjunto de respostas dadas pelos alunos que pensaram em abandonar e aqueles
que efetivamente abandonaram os cursos, destaca-se nos dois grupos a dificuldade em
conciliar trabalho e estudo, aspecto bastante recorrente dentre os estudantes brasileiros,
que, independentemente de estarem ou não frequentando escolas de formação
profissional, precisam conciliar as exigências do seu trabalho, que garante sua
subsistência e muitas vezes de sua falia, com as de estudos, realizados, em geral no
turno noturno, as a jornada de trabalho, reforçando novamente a necessidade de
serem pensadas as relações entre trabalho e educão.
Entretanto, para os sujeitos que deixaram de frequentar, aspectos relacionados ao curso
e à instituição de ensino, contrariamente ao apresentado pelo grupo anterior,
desempenhou um papel desestimulador, ressaltando-se, nesse caso, o dos professores
e as dificuldades de aprendizagem. Explicitando a ambiguidade da questão, se no grupo
anterior esse foi um fator de permanência, nesse foi de abandono.
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Nesse particular, dentre os alunos de Jaraguá do Sul que deixaram de frequentar o
curso, o fator mais decisivo para o abandono foram problemas de relacionamento com
docentes, representando 50% das respostas. Já para os de Joinville, uma das questões
decisivas foram as dificuldades de aprendizagem (57%), o que, por envolver alunos e
professores, suscita uma reflexão se a dificuldade de aprendizagem está relacionada à
dificuldade de aprender dos alunos ou de ensinar dos professores.
Além de apontar os principais motivadores que explicitam ou que justificam as razões
para a permanência ou o abandono escolar, os relatos e índices permitiram identificar
algumas características das instituições e dos sujeitos que frequentam seus cursos, que
podem orientar eventuais ações de estímulo à permanência.
Corroborando o afirmado por Franzoi e Fischer (2017), para quem o trabalho é invisível
na organização escolar, os dados demonstram que os sujeitos participantes da pesquisa
são trabalhadores, e como estudantes não estão encontrando um espaço escolar que
os perceba como tal, atenda suas necessidades, e ofereça condições de estudo que
sejam compatíveis com suas possibilidades. Além disso, conforme apontado pelas
autoras (2017), e tamm por Bernardim (2013), a ausência de políticas públicas de
educação voltadas para os trabalhadores, só reforça o observado e, de certa forma,
permite que a instituição se exima de algumas das responsabilidades com relação ao
abando escolar.
OS SERVIÇOS PEDAGÓGICOS E OS PROFESSORES
Na Instituição e cursos pesquisados, a maioria dos docentes são engenheiros, situão
comum nas instituições de educação profissional brasileiras. De acordo com o INEP
(2018) essa é uma realidade nacional, na qual cerca de 34% dos docentes da educação
profissional e tecnológica o possuem licenciatura ou complementação pedagógica,
ensejando perguntar se tais trabalhadores são da educação ou estão na educação?
Observou-se que a atuação docente se apresenta como uma das principais razões do
abandono escolar dos estudantes em ambos os campi, tanto dos que deixaram de
frequentar quando dos permanecentes, como se observa nos relatos transcritos:
A18 O que me desestruturou foi o professor. [...] aí que está o problema, né, o curso é bom,
o problema é o professor. Digamos assim, com os outros professores, que nem eu falei, não
tive problema nenhum, tive problema com esse professor.
P85 Professor X vem despreparado para as aulas, não passando confiança sobre o que
ensina.
P234 - Alguns professores não possuem conhecimento ptico.
Essas afirmações reforçam o observado por Zanin, Zanin e Garcia (2019) quando
evidenciam os desafios de atuar na educão profissional e tecnológica, cujos cursos
podem ser ofertados para atender uma vasta rede de campos de conhecimento e serem
ofertados em diferentes níveis de ensino, o que leva a uma heterogeneidade de público,
o que exigiria, de princípio, uma formação inicial e continuada institucionalizada e ampla,
que levasse em conta uma formação integrada que articulasse as demandas do trabalho
com as da educação.
Essas questões se apresentam em diversas intervenções da professora Lucília
Machado quando aborda o contexto atual de um desafio já histórico, dentre outros
aspectos, ela pondera que:
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o desafio da formação de professores para a EPT manifesta-se de vários modos,
principalmente quando se pensa nas novas necessidades e demandas político-
pedagógicas dirigidas a eles: mais diálogos com o mundo do trabalho e a educação geral;
práticas pedagógicas interdisciplinares e interculturais; enlaces fortes e fecundos entre
tecnologia, ciência e cultura; processos de contextualização abrangentes; compreensão
radical do que representa tomar o trabalho como princípio educativo; perspectiva de
emancipação do educando, porquanto sujeito de direitos e da palavra. (MACHADO, 2011,
p. 694)
Diante do exposto, fortalece-se a necessidade de investimento na formação docente,
pois no Brasil a preparação de professores da educação profissional vem sendo
negligenciada, atendida através de Programas e tratada como algo especial,
emergencial, sem integralidade própria, sinalizando assim uma política de falta de
formão pedagógica dos professores de disciplinas profissionais e técnicas, por parte
do governo. (OLIVEIRA, 2006, p.04).
Por essas razões, não se pode e nem se pretende apontar o professor como um culpado
pelo abandono, pois as atuais políticas públicas não lhe oportunizam formação inicial e
continuada. Pelo contrário, percebe-se que esse professor, por não ter formação
acadêmica específica para a prática docente, depende muitas vezes de sua vontade
própria para buscar formação para o seu exercício profissional, o que tem ocorrido dentro
de suas possibilidades, convicções, conhecimento e vivências. De certa forma, em
algumas situações, ele também está abandonado.
Confirmando essa percepção, ao serem solicitados para avaliarem alguns profissionais
de sua instituição, os participantes apontam para uma avaliação positiva para os
docentes, a coordenão dos cursos e a equipe pedagógica, reforçando o aspecto
ambíguo da atuação desses profissionais, principalmente o dos professores, como fator
que influencia a decio dos alunos em permanecer ou abandonar o curso.
Gráfico 04- Avaliação dos Trabalhadores da Educação Permanecentes
Fonte: Autoria ppria. Baseado em dados dos questionários
18%
68%
1%
8%
5%
32%
63%
0%
3%
1%
17%
64%
1%
10%
7%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Ótimo Bom Péssimo Ruim Não Sei
A coordenação do curso Os professores Equipe Pedagógica
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Gráfico 05 Avaliação dos Trabalhadores da Educação Desistentes.
Fonte: Autoria própria. Baseado em dados dos questionários e entrevistas.
Esses dados indicam a importância do papel do docente no estímulo à permanência ou
ao abandono dos estudantes. Percebe-se que o docente desempenha uma relação
dialética que deve ser dialogada entre os atores da educação, objetivando refletir práticas
que possam oportunizar uma diminuição das dificuldades e fortalecer ações que
favoram a permancia escolar.
Em relação ao papel da equipe de apoio ao ensino, destaca-se que ao perguntar aos
estudantes que deixaram de frequentar os cursos técnicos se haviam procurado a
equipe pedagógica e a coordenão de curso no período em que pensaram em
abandonar o curso que frequentavam, 28% responderam que não conheciam os
profissionais que faziam parte da equipe pedagógica institucional e 32% desconheciam
a coordenação do curso que faziam, o que fez com que não procurassem esse apoio
antes de abandonar o curso que frequentavam.
CONCILIAR TRABALHO E ESTUDO
Os participantes da pesquisa também se pronunciaram a respeito dos pontos que eles
consideraram positivos em suas instituições. As respostas dos alunos permanecentes
são apresentadas no gráfico 06.
20%
32%
16%
0%
32%
36%
44%
12%
8%
0%
28%
40%
4%
0%
28%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
Ótimo Bom Ruim Péssimo Não Sei
A coordenação do curso Os professores Equipe Pedagógica
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Gráfico 06- Pontos positivos do curso Permanecentes.
Fonte: Autoria própria. Baseado em dados dos questionários.
As respostas dos que deixaram de frequentar os cursos, por sua vez, são apresentadas no gfico
07.
Gráfico 07- Pontos positivos do curso Desistentes.
Fonte: Autoria própria. Baseado em dados dos questionários e entrevistas.
Verifica-se novamente a relação ambígua entre abandono e permanência ao observar
que conciliar trabalho e estudo é tanto um motivador da permanência quanto do
abandono escolar.
32%
25%
38%
24%
29%
19%
18%
20%
16%
14%
18%
10%
10%
12%
9%
8%
7%
9%
0% 0% 0%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
Geral Joinville Jaraguá do Sul
Conciliar horários de trabalho/familiar/escola
A estrutura física - salas de aulas, laboratórios, materiais;
Os professores procuram estabelecer relação entre teoria e a prática
Didática dos professores
Uma boa relação entre professores e alunos
Uma boa relação entre os alunos
Outros
54%
57%
50%
54%
29%
83%
38%
57%
17%
38%
57%
17%
38%
43%
33%
31%
29%
33%
23%
29%
17%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Geral Joinville Jaraguá do Sul
Uma boa relação entre professores e alunos
Uma boa relação entre os alunos
Os professores procuram estabelecer relação entre teoria e a prática
Didática dos professores
A estrutura física - salas de aulas, laboratórios, materiais
Conciliar horários de trabalho/familiar/escola
Outros
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Conforme evidenciado por Rui Canário (2004) a exclusão escolar faz parte de
fenômenos sociais que possuem sua origem no mundo do trabalho, necessitando assim,
compreender essa questão ao pensar soluções para exclusão do estudante trabalhador.
Kuenzer, já em 1992, apontava que tomar o trabalho como princípio educativo abre uma
possibilidade de solução para esses problemas pois essa seria uma possibilidade
histórica inscrita no próprio desenvolvimento capitalista, que tem como germe a unidade
entre escola e produção e base na prática produtivo-política da sociedade industrializada
contemporânea.
Para ela, a educação voltada para o trabalho como princípio educativo almeja a
superação entre o academicismo cssico e a especialização, exigindo propostas
pedagógicas que superem a fragmentação e recuperem a dimensão histórica dos
sujeitos. (KUENZER, 1992)
Neste sentido, há que se considerar que a educação, tendo o trabalho como princípio
educativo, possibilita a humanização” e socialização para participão na vida social
juntamente com oprocesso de qualificação para o trabalho, mediante a apropriação e
construção de saberes e conhecimentos, de ciência e cultura, de técnicas e tecnologia
(GARCIA; LIMA FILHO, 2004, p.30).
Porém, essa percepção precisa estar presente no cotidiano escolar, pois o mundo
capitalista se orienta pela necessidade do trabalho produtivo, como a que se percebe na
região pesquisada, pois Jaraguá do Sul e Joinville destacam-se por serem polos
industriais no estado catarinense, cuja cultura do trabalho é forte, valorizando a formão
técnica, na maioria das vezes, como uma mão de obra rápida e especializada.
Entretanto, mesmo diante dessas constatações relatadas pelos estudantes, estudar
significa enfrentar e superar diversas dificuldades. Dentre as principais dificuldades
sinalizadas pelos permanecentes e pelos que deixaram de frequentar o curso, está a de
conciliar tempo de trabalho, família e escola, como se observa nos gráficos 08
(permanecentes) e 09 (deixaram de frequentar):
Gráfico 08- Dificuldades encontradas no curso Permanecentes.
Fonte: Autoria própria. Baseado em dados dos questionários.
43%
40%
46%
25%
26%
24%
8%
11%
6%
6%
9%
4%
6%
6%
6%
5%
4%
6%
3%
3%
2%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Geral Joinville Jaraguá do Sul
Conciliar horários de trabalho/familiar/escola
Didática dos professores
Os professores procuram estabelecer relação entre teoria e a prática
A estrutura física - salas de aulas, laboratórios, materiais;
Uma boa relação entre professores e alunos
Outros
Uma boa relação entre os alunos
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Gráfico 09- Dificuldades encontradas no curso Desistentes.
Fonte: Autoria própria. Baseado em dados dos questionários e entrevistas.
Destaca-se que para os alunos de Joinville que deixaram de frequentar os cursos, a
questão da conciliação entre trabalho, família e escola revela-se muito mais
predominante entre as dificuldades encontradas para frequentar o curso do que para os
de Jaraguá do Sul. Um dos motivos que pode justificar que esta questão exerce menor
influência em Jaraguá do Sul deve-se ao fato de que os cursos técnicos, em especial os
ofertados no período vespertino, iniciam suas aulas de acordo com os horários das
indústrias da cidade, o que possibilita aos trabalhadores do primeiro turno as
frequentarem.
No entanto, na fala dos pesquisados, em ambas as cidades, percebe-se a dificuldade de
conciliar estudo e trabalho:
P113 Porque, levanto às 3 da manhã para trabalhar, e retorno às 3 da tarde. Depois tenho
que cuidar dos meus dois filhos de 3 e 5 anos. Quando minha esposa chega do trabalho as
18:30, eu venho correndo para cá, e retorno às 22:00 para começar tudo de novo.
A21 O que eu escutava muito lá era cansaço que o pessoal falava, já saia direto do serviço
e ia estudar. Tem muita gente que dorme dentro da sala de aula, né?
Nesse sentido, de acordo com Mészáros (2008, p. 67), por não promover, conscienciosamente,
a universalização conjunta do trabalho e da educação, e assim romper com a lógica do capital,
em especial da vio de trabalho para o mercado produtivo, a escola vem fracassando com o
compromisso com o trabalhador, pois muitas vezes não oferece cursos em condições que
atendam essas realidades. Além disso, em alguns casos, alguns dos trabalhadores da educação
desconhecem quem são esses estudantes e suas necessidades, como se observa no relato
abaixo transcrito:
A18 - Teve alguns dias que eu me atrasei em torno de cinco a dez minutos, o professor
chamou minha atenção, daí eu falei senhor professor eu trabalho, moro longe, não tem
condições de todo dia chegar no mesmo horário. Ele falou, é, mas eu estou todo dia aqui no
mesmo horário. Eu falei, lógico, você é o professor, você está aqui, daí eu falei p ele. Daí
ele falou, ó, não quero esse problema nessa sala de aula.
38%
29%
50%
38%
43%
33%
15%
0%
33%
15%
14%
17%
8%
0%
17%
8%
0%
17%
0% 0% 0%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Geral Joinville Jaraguá do Sul
Didática dos professores
Conciliar horários de trabalho/familiar/escola
Uma boa relação entre professores e alunos
Outros
A estrutura física - salas de aulas, laboratórios, materiais
Os professores procuram estabelecer relação entre teoria e a prática
Uma boa relação entre os alunos
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Situões como essa, que podem ser exceção, ou recorrentes, são sinalizadoras do
papel da escola e da ação docente no atendimento a alunos trabalhadores. Reiterando
o entendimento de que as ações podem ter efeitos opostos e ambíguos, reforçam a
importância de dialogar com as necessidades e particularidades dos trabalhadores
estudantes face ao seu processo educativo, para que sejam estimuladoras da
permanência e não do abandono.
POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO À PERMANÊNCIA ESCOLAR
As políticas de apoio à permanência escolar na educação profissional se efetivam
através do Plano Nacional de Assistência Estudantil regulamentado em 2010 (BRASIL,
2010). Entretanto, percebe-se que elas se alinham, mais especificamente na Instituição
no momento da pesquisa, às políticas de transferência de renda do que em termos de
incentivo à permanência no estudo.
Corroborando essa percepção, entre os motivadores para a permanência escolar, 58%
dos permanecentes citaram que auxílios financeiros da Instituição e/ou do Governo não
exercem nenhuma imporncia em suas decisões de permanecer nos cursos. Apenas
10% dos permanecentes a consideraram decisiva para continuar o curso.
Observou-se que a maioria dos estudantes (90% dos permanecentes e 72% dos que
deixaram de frequentar os cursos) desconhece que as Instituições possuem uma política
de apoio à permanência, amparada no Plano Nacional de Assistência estudantil.
Entre os que conhecem ações de apoio e permanecem na instituição, apenas 4%
sinalizaram a assistência estudantil, 1,5% citaram as bolsas de pesquisa e extensão e
os demais sinalizaram outras ações/práticas tais como: a própria pesquisa que foi
aplicada, o Pronatec
8
, a motivação e disponibilidade dos professores, o trancamento do
curso, entre outros, ou não citaram a ação.
Apesar de, dentre os alunos permanecentes, 14,1% terem recebido ou estarem
recebendo algum benefício de apoio à permanência escolar, apenas 26% destes
sinalizaram conhecer alguma ão ou política de apoio à permanência, ou seja, a maioria
dos beneficiados pelas ações de apoio 74% - não as reconhecem como práticas de
incentivo à permanência e não a compreendem como um benecio de apoio à
permanência escolar.
O fato se repete dentre os que deixaram de frequentar. Dos 20% que recebiam a
assistência estudantil, apenas 40% responderam que existia na instituição auxilio à
permanência escolar. Ou seja, 60% dos estudantes que abandonaram os cursos e
recebiam auxílio estudantil, também não o compreendiam como uma ação de política
pública para apoiar sua permanência escolar.
Embora a política de assistência estudantil seja um avao em relão às ações de apoio
à permanência escolar, observa-se que a mesma é pouco conhecida e identificada para
este fim.
8
Programa Nacional de Acesso ao Ensinocnico e Emprego (Pronatec), instituído pela Lei nº 12.513 de
26/10/2011.
Trabalho & Educação | v.29 | n.1 | p.47-54 | jan-abr | 2020
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Acrescente-se a isso o fato mais significativo de que a questão financeira foi pouco
sinalizada na pesquisa como um dos principais motivadores do abandono escolar ou um
facilitador para permanência na escola.
REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ABANDONO E PERMANÊNCIA
Embora a história do abandono escolar tenha se constitdo com a própria história da
educação profissional, são poucos os trabalhos e referenciais que os apresentem e
investiguem, confirmando o pressuposto de que o abandono escolar, apesar dos seus
altos índices, é pouco discutido pelos sujeitos da educação, forte indicativo da
naturalização do fenômeno na Educação Profissional e Tecnológica. Naturalização esta
que se observa na imagem de escola pública forte, apoiada em ideias associadas às
competências e à meritocracia, que se fazem presentes no discurso de servidores e
mesmo pelos estudantes.
Na Instituição pesquisada, uma importante política de apoio à permancia escolar é a
proposta pelo Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), que se propõe
oferecer assistência à moradia estudantil, alimentação, transporte, à saúde, inclusão
digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico e cujas ações são executadas pela
própria instituição de ensino, que deve acompanhar e avaliar o desenvolvimento do
programa (BRASIL, 2010). No entanto, o dados evidenciaram o desconhecimento pelos
estudantes das ações vinculadas ao plano, até mesmo daqueles que são beneficiários
da assistência estudantil, que, na maioria dos casos, não as sinalizou nem reconheceu
como uma ão ou política de apoio à permanência. Essa situação talvez se deva ao
fato de que, de maneira geral, as atuais políticas de apoio à permanência, nos campi
pesquisados, estejam sendo entendidas e aplicadas muito mais como políticas de
transferência de renda e o como estímulo à permanência.
Apesar do Plano Nacional de Assistência Estudantil representar um importante avanço
nas políticas de apoio à permanência escolar, ele ainda não está sendo suficiente para
manter o estudante na educão profissional e tecnológica, exigindo mais planejamento
e ações que atendam à realidade dos trabalhadores estudantes. Neste sentido há
necessidade, além de uma avalião mais sistematizada, de reflexões sobre os
motivadores do abandono e da permanência que podem ser atendidos pela instituição,
seja por políticas nacionais ou ações institucionais.
Os dados da pesquisa demonstraram que, além de compreender a realidade dos
estudantes, a práxis escolar que leva à permanência dos alunos exige ações que
também envolvam os trabalhadores da educação (docentes e técnicos), pois, ao mesmo
tempo que a qualidade docente se configura como o grande motivador para a
permanência, a didática - ou a falta dela - e a relação dos docentes com os alunos,
revelando uma relação dialética e ambígua, são também apontados como grandes
motivadores para o abandono das escolas de educação profissional.
De maneira alguma isso significa que os professores da educação profissional e
tecnológica devam ser culpabilizados pelo abandono escolar. Pelo contrário, a eles deve
se atribuir o respeito e a consideração por compartilhar com os estudantes a sua prática
acumulada no exercício de sua profissão. Mas, ao mesmo tempo, há que se registrar
que uma escola de formação profissional é uma escola, não uma empresa. Ela precisa
de profissionais não apenas com conhecimento específico, mas tamm pedagógico.
Trabalho & Educação | v.29 | n.1 | p.47-54 | jan-abr | 2020
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Sob certos aspectos, eles tamm são abandonados, pois muitas vezeso lhes são
oferecidas condições de aperfeiçoamento.
Diante dessa realidade, fazem-se fundamentais políticas públicas de capacitão inicial
e continuada dos trabalhadores da educação, pois se compreende que a formação e o
aperfeiçoamento pedagógico destes profissionais não podem depender apenas de si
próprio. Destaca-se assim a importância de políticas de capacitação dos trabalhadores
da educação uma vez que, como apresenta Oliveira (2006, p.04), no Brasil as ações de
formação destes trabalhadores há muito vêm sendo tratadas como algo emergencial e
sem integralidade própria.
Os dados demonstraram também que tanto a relação entre o estudante e o docente,
quanto o trabalho docente, são fundamentais para fortalecer a permanência escolar,
havendo, portanto, a necessidade de políticas de capacitações permanentes e
comprometidas com práxis pedagógicas que almejam a emancipação de seus alunos e
que considere o trabalho como princípio educativo. Nesse sentido, reforça-se a
importância do debate e aprofundamento teórico metodológico da compreensão do
trabalho como princípio educativo nestes espos de formação, pois considera-se que
essa perspectiva possa atender às necessidades do trabalhador estudante e supere a
dualidade estrutural presente nessa modalidade de ensino.
Referente aos motivadores do abandono, os alunos apontaram as dificuldades de
aprendizagem como um grande motivador para deixarem os bancos escolares. Essa
questão, entretanto, não pode ser analisada isoladamente do ensino, o que releva a
importância da relão entre os professores e os alunos, sendo assim necessário
considerar os contextos de âmbitos individuais, sociais e culturais dos sujeitos que
envolvem o ensino e a aprendizagem.
Nesse sentido, considera-se que a equipe pedagógica (psicólogo, pedagogo, assistente
social, etc..) também desempenha um papel importante de apoio ao processo ensino-
aprendizagem. Faz-se assim, indispensável fortalecer essas relações e desenvolver
formão continuada também para esses profissionais, nos mesmos princípios e
perspectivas da formação docente, no sentido de auxiliar a implementar práticas
institucionais mais eficazes de apoio à permancia escolar.
Outro fator ambíguo e determinante para o permanecer ou abandonar diz respeito à
relação dos alunos com o trabalho. Embora os dados indiquem que permanecer no
curso gera a perspectiva de melhoria nas condições de trabalho e mesmo salariais, a
realidade dos estudantes participantes da pesquisa impõe que a sua formação deixe de
ser prioridade diante do cansaço do dia de trabalho, dos problemas inerentes à
manutenção da família e aqueles exigidos pelo estudo. Esta é uma questão cultural e
até mesmo de sobrevivência, haja vista que o trabalho (neste caso o emprego) é
determinante para sua manutenção e de sua família, ficando seu próprio estudo em
segundo plano.
Mesmo tendo consciência da importância do estudo, ao terem acesso aos cursos, esses
mesmos estudantes não conseguem, muitas vezes, articular o cotidiano escolar com o
atendimento à família e às atividades laborais, funcionando assim, a escola, como um
espaço excludente.
E como atender este estudante trabalhador no sentido de superar essas dificuldades,
que são de diversas naturezas e magnitudes? A pesquisa apontou para a necessidade
de melhor compreensão de quem são esses sujeitos, pois, contrariamente à imagem
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construída de que no decorrer da história o perfil do estudante dos cursos profissionais
se transformou de sujeito marginalizado para o de elitizado, que compreende o atual
papel e importância da sua formação para o trabalho, essa não foi a realidade
constatada.
Nos participantes da pesquisa, alunos dos cursos técnicos concomitantes e
subsequentes da Área de Controle e Processos Industriais, foram evidenciadas
carências de diversas naturezas, culturais, sociais e econômicas, que podem interferir
em diversos aspectos de sua vida estudantil e que só poderão ser superadas se o ensino
assumir uma perspectiva que permita a compreensão do significado econômico, social,
histórico, político e cultural das ciências e das artes, ou seja, que possibilite a educão
integral e emancipadora humana.
Essa última constatão remete, à guiza de conclusão e de forma tautológica, à
importância do trabalho na formação do estudante e da educação na formação do
trabalhador, educação esta que, além do direito constitucional, seja realizada numa
escola que, além de promover cursos que superem o simples treinamento voltado para
responder às necessidades do mercado e do desempenho de seus alunos como
trabalhadores, esteja preocupada com a mudança social, com a superação do domínio
hegemônico de exploração do trabalhador e ofereça condições para a permanência dos
alunos em cursos que respondam e ampliem seus horizontes laborais, sociais e culturais.
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